3. A GUARDA COMPARTILHADA E A NECESSIDADE DA PRÁTICA DA MEDIAÇÃO
Em linhas gerais, a mediação, como uma das espécies de equivalentes jurisdicionais, pode ser definida como a solução de conflitos não-estatal, onde um terceiro, o mediador, profissional devidamente preparado, se coloca entre as partes e fomenta uma solução autocomposta em que ambas saiam ganhando.
Na mediação, portanto, há uma solução do conflito apresentado sem a participação do ente estatal, mas sim com a intervenção de um terceiro imparcial, o mediador, que visa essencialmente promover um entendimento entre as partes envolvidas para que elas, por si próprias, através da linguagem, do diálogo, construam uma real e efetiva resposta ao problema vivenciado pelas mesmas.
Nas palavras do Professor mineiro Walsir Edson Rodrigues Júnior, a mediação é
[...] o processo dinâmico que visa ao entendimento, buscando desarmar as partes envolvidas no conflito. O mediador, terceiro neutro e imparcial, tem a atribuição de mover as partes da posição em que se encontram, fazendo-as chegar a uma solução aceitável. A decisão é das partes, tão-somente delas, pois o mediador não tem poder decisório nem influencia diretamente na decisão das partes por meio de sugestões, opiniões ou conselhos. (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 75).
Ressalte-se que a mediação não se confunde com outros equivalentes jurisdicionais correlatos, quais sejam, a conciliação ou autocomposição e a arbitragem, já que naquela o acordo de resolução da lide é obtido pelas partes, que não constroem juntas uma solução para o conflito, apenas fazem concessões recíprocas para que haja o término do embate, contando para isso com a interferência direta e constante de um terceiro, o conciliador, e nesta a solução do conflito é promovida por um terceiro eleito pelas partes, o árbitro, enquanto que na mediação tem-se a decisão da causa a partir de um ajuste engendrado pelas próprias partes, embora ocorra a participação de um terceiro, o mediador, que, diferente do conciliador, não sugere, interfere, aconselha, mas tão-somente facilita a comunicação entre os envolvidos, sem induzir as partes ao acordo.
Desse modo, um dos pontos fulcrais de distinção entre a mediação, a conciliação e a arbitragem é justamente "o grau de interferência do terceiro [...] na elaboração do acordo" (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 74). Como já afirmado alhures, o mediador "tem a atribuição de mover as partes da posição em que se encontram, fazendo-as chegar a uma solução aceitável" (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 75). O conciliador, por sua vez, "apesar de não decidir, influencia diretamente na decisão das partes por intermédio de uma intervenção mais direta e objetiva. Para alcançar o objetivo final, ou seja, o acordo, o conciliador induz, dá palpites e sugestões" (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 75). O árbitro, de outro lado, é o terceiro que é eleito pelas partes para que resolva o litígio relacionado a elas.
Além disso, outra marca de distinção entre a mediação, a conciliação e a arbitragem é a responsabilidade das partes envolvidas. Esclarecendo com brilhantismo esse critério, a Professora Águida Arruda Barbosa salienta:
A conciliação é um equivalente jurisdicional de alta tradição no direito brasileiro, que pode ser definida como uma reorganização lógica, no tocante aos direitos que cada parte acredita ter, polarizando-os, eliminando os pontos incontroversos, para delimitar o conflito e, com técnicas adequadas, em que o conciliador visa corrigir as percepções recíprocas, aproxima as partes em um espaço concreto. Neste equivalente jurisdicional, o conciliador intervém com sugestões, alerta sobre as possibilidades de perdas recíprocas das partes, sempre conduzidas pelo jargão popular sistematizado pela expressão ‘melhor um mau acordo que uma boa demanda’. Em suma, submetidas à conciliação, as partes admitem perder menos num acordo, que num suposto sentenciamento desfavorável, fundamentado na relação ganhador-perdedor. Na conciliação, há negação do conflito, pois o objetivo a que se propõem as partes é a celebração do acordo como uma forma de liberação daquele constrangimento oriundo da litigiosidade, e, para tanto, assumem compromisso mútuo, resultando em um consenso, orientado pelo princípio da autonomia da vontade dos litigantes. O que caracteriza esse equivalente jurisdicional é a celebração de acordo. Já a mediação tem linguagem própria, que representa o avesso da linguagem da conciliação e da arbitragem, impondo-se estabelecer uma exata discriminação para alcançar a compreensão do conceito destas importantes alternativas de acesso à justiça [...]. Na mediação, o acordo não é obrigatório como medida do sucesso ao acesso à justiça, podendo ser uma atividade preventiva, portanto, anterior ao conflito. Ademais, os mediandos podem perceber que, com a recuperação da capacidade de se responsabilizar pelas próprias escolhas, dêem outro significado à relação, transformando o conflito ou impasse em que se encontram envolvidos. Resta, assim, conceituar a arbitragem, na qual o elemento de solução de conflito é externo às partes, que, no exercício da autonomia da vontade, elegem uma terceira pessoa, neutra e imparcial – o árbitro -, autorizando-o a tomar uma decisão que obrigará os envolvidos no conflito. Em síntese, as partes submetem-se, por vontade própria, à vontade de um terceiro, que exercerá a função de juiz. (BARBOSA, 2004, p. 32-34).
De fato, na mediação há a prevalência da participação das partes na discussão do caso prático, as quais, aliadas entre si e com o auxílio do mediador, constroem uma solução do litígio que atende aos interesses de ambos os envolvidos, ou seja, sem perdas, apenas há ganhos, o que é feito através da linguagem, da comunicação, do diálogo, consagrando-se a dinâmica da intersubjetividade e ampliando-se a humanização do acesso à justiça, em atendimento à Teoria do Agir Comunicativo de Habermas.
A esse respeito, novamente a Professora Águida Arruda Barbosa leciona:
A mediação, examinada sob a ótica da teoria da comunicação, é um método fundamentado, teórica e tecnicamente, por meio do qual uma terceira pessoa, neutra e especialmente treinada, ensina os mediandos a despertar seus recursos pessoais para que consigam transformar o conflito. Essa transformação constitui oportunidade de construção de outras alternativas para o enfrentamento ou a prevenção de conflitos. (BARBOSA, 2004, p. 33).
Nesse sentido, registre-se que a mediação funda-se em uma linguagem ternária, a linguagem do diálogo, da pluralidade, da complexidade, de múltiplas possibilidades, do reconhecimento da situação peculiar de cada parte envolvida, na qual prevalece, portanto, a conjunção aditiva e ao revés da conjunção alternativa ou, típica da linguagem binária, linguagem do sim ou não, do tudo ou nada, do culpado ou inocente, do procedente ou improcedente, enfim, da imposição.
Nas palavras da Professora Águida Arruda Barbosa,
O pensamento ternário é próprio do mundo oriental, por influência da cultura, da religião, dos usos e costumes. Admite a criatividade humana, que é infinita, portanto, abre-se a possibilidade de muitas alternativas, para uma determinada situação, de acordo com os recursos pessoais dos protagonistas. A superioridade do pensamento ternário é evidente, pois muito mais afeito à natureza humana. Portanto, seu exercício humaniza o homem [...]. O pensamento ternário, ao incluir o terceiro, abre o tempo-espaço que contempla a discussão, fundamentando-a no reconhecimento do valor do outro, que se encontrava encoberto pela ausência do diálogo. (BARBOSA, 2004, p. 35).
A mediação, noutro giro, implica na sugestão de uma pluralidade de soluções para resolução do caso concreto (todas variáveis de acordo com a condição financeira das partes e do mediador), haja vista a existência de um constante diálogo entre os envolvidos. Em virtude deste método muito mais humanitário proposto pela mediação, alcança-se uma maior aceitação da solução da lide encontrada pelas partes, essencial para uma real pacificação do conflito, garantindo-se, portanto, que o litígio não será mais retomado.
Nesse cenário, deve-se ressaltar que nas causas de família a mediação ganha especial relevo, tendo em vista que nelas há uma maior dificuldade de se impor uma solução, já que as relações familiares são sempre permeadas pelo desejo, aspecto subjetivo que qualifica o litígio.
Comentando sobre esse fenômeno, o genial Rodrigo da Cunha Pereira pondera:
[...] Nas relações do Direito de Família o elo determinante é o amor, o afeto, que está vinculado ao desejo, ao sujeito do inconsciente [...]. Consumir objetos de desejo não significa satisfazer o desejo, até porque sua fisiologia é querer sempre mais. Daí a definição de Lacan: desejo é desejo de desejo. A necessidade pode e deve ser satisfeita. A vontade, às vezes. O desejo nunca. É que é impossível satisfazê-lo. Ele sempre demandará outra satisfação [...]. A ilusão da completude nos move em direção à realização dos desejos e à procura de objetos que preencham o que falta em nós. O outro pode significar apenas um objeto da nossa ilusão, de tamponamento da incompletude. Quando o amor acaba, e esses restos vão parar na Justiça, o litígio judicial muitas vezes significa apenas uma maneira, ou uma dificuldade de não se deparar com o desamparo. Assim, uma demanda judicial é também um não querer deparar-se com o real do desamparo estrutural. Essas noções trazidas pela Psicanálise emprestam ao campo jurídico, particularmente ao Direito de Família, uma ampliação e compreensão da estrutura do litígio e do funcionamento dos atores e personagens da cena jurídica e judicial [...]. Nas relações jurídicas e judiciais o desejo, a vontade e a necessidade se entrelaçam, confundem-se e podem provocar injustiças. Por exemplo, em um pedido de pensão alimentícia a discussão objetiva é entre a necessidade de quem vai receber e a possibilidade de quem vai pagar. Entretanto, quando a relação entre os sujeitos ali envolvidos está malresolvida, a objetividade se desvirtua a partir de elementos e registros inconscientes. Quem paga, sempre acha que está pagando muito e quem recebe sempre acha que está recebendo pouco. Se a necessidade é x, pensa-se que é x+y, como se o y fosse um ‘mais’ para pagar um abandono, um desamor ou uma traição. Paga-se ‘menos’ que a necessidade como se esse menos fosse uma punição pelo fim da conjugalidade. Vê-se aí que o desejo, o inconsciente interferem no direito, no ‘dever-ser’, ao relativizar a necessidade, ou escamotear a possibilidade, alterando assim o curso de uma discussão que deveria ser apenas no campo da objetividade. O Judiciário e os advogados tornam-se instrumentos da busca da realização de um desejo inconsciente, cujo processo vem travestindo uma outra cena, que é da ordem da subjetividade. Compreender essa outra cena é não permitir ser instrumento de ilusão de satisfação do desejo oculto, é barrar o gozo, o excesso [...]. (PEREIRA, 2006, p. 55-57).
Corroborando com esse posicionamento, os Professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald assim dispõem:
Sem qualquer dúvida, a mediação é instrumento indicado para os conflitos de Direito de Família, servindo para arrefecer os ânimos das partes e, ao mesmo tempo, auxiliar à deliberação de decisões mais justas e consentâneas com os valores personalíssimos de cada um dos interessados [...]. Outrossim, a variada carga de conflitos humanos (afetivos, sexuais, emocionais...) que marca, particularmente, o Direito de Família e, ao mesmo tempo, a proteção constitucional da privacidade de cada uma das pessoas envolvidas, são argumentos fortes para o uso da mediação familiar. Em determinados conflitos (como relativos à guarda e visitação de filhos, v.g), a mediação familiar se apresenta com resultados amplamente favoráveis às partes e ao Judiciário, uma vez que ao indicar um perito para ter contato com as partes o magistrado sairá da rigidez da ciência jurídica e considerará ‘as partes como seres em conflito, esvaziando a disputa inesgotável do perde/ganha. (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 23-24).
Arrematando, a Professora Fernanda Maria Dias de Araújo Lima afirma que:
A mediação se traduz na reconstrução de relações que se desgastaram ao longo do tempo por discórdias e divergências de opiniões, refazimento de laços, fomentação e amadurecimento do diálogo entre as partes, valorização das partes envolvidas no conflito, transformação de pontos divergentes em um ponto comum, valorização do instituto da família, tutela de menores normalmente colocados como objeto de disputa num conflito entre pais. (LIMA, 2007, p. 27).
No que tange ao objeto específico deste trabalho, pode-se afirmar que, nas causas envolvendo a guarda judicial, é sintomática a presença do desejo, sendo os filhos geralmente utilizados por um dos genitores como instrumentos de chantagem, revolta e de vingança contra o outro, o que é altamente prejudicial aos menores, muitas vezes vítimas do Fenômeno da Alienação Parental, conforme visto no capítulo 2.
Nessa linha de intelecção, Rodrigo da Cunha Pereira afirma que "o litígio judicial é uma história de degradação do outro. Mas, como isto é inconsciente, as partes, na maioria das vezes, não percebem o mal que estão fazendo a si mesmas e principalmente aos filhos" (PEREIRA, 2006, p. 57-58).
Arrefecendo o desejo, a mediação permite a construção de uma efetiva solução racional para o litígio, evitando-se o ressurgimento da lide e o oferecimento de nova demanda ao Poder Judiciário.
Dada esta sua importância, exige-se que ela seja bem feita, o que impõe a necessidade da capacitação do mediador, além da realização dos trabalhos através da interdisciplinaridade, principalmente com as áreas da Psicologia, da Psicanálise, do Serviço Social, da Sociologia etc.
Ultimadas essas considerações, é preciso destacar que a prática da mediação se faz absolutamente necessária para um eficaz exercício da guarda compartilhada, precipuamente quando não há acordo dos pais sobre ela, cabendo a decisão ao magistrado.
Ora, em sendo exigida na guarda compartilhada uma participação conjunta, simultânea dos pais na educação dos filhos menores, a permanência do conflito entre eles após a dissolução do relacionamento amoroso poderia, em tese, prejudicar sobremaneira o sucesso desse instituto, violando assim o princípio do melhor interesse do menor.
De fato, a priori, apresenta-se extremamente improvável a missão de promover o compartilhamento do exercício do poder familiar entre pessoas que continuam em conflito, sendo o convívio entre elas fonte de incremento desse mesmo conflito, o que constitui um terreno fértil para o desenvolvimento do Fenômeno da Alienação Parental, gerando a indesejada Síndrome da Alienação Parental. Diante disso, o incentivo da guarda compartilhada, nessas condições, acabaria funcionando como um meio de se promover a violação ao princípio do melhor interesse do menor.
Destarte, essa situação é contornável a partir da prática da mediação. O conflito existente entre os pais, caso trabalhado pela mediação, pode não ser transferido para os filhos, aliás, mais do que isso, pode ser definitivamente solucionado, harmonizando o convívio familiar e proporcionando um saudável desenvolvimento psíquico dos menores.
Assim, não obstante o passional conflito vivenciado pelos genitores, a mediação deve despertar o diálogo, o respeito, a humanização, a solidariedade e a cooperação entre eles, o que viabilizará o sucesso da guarda compartilhada. Em outras palavras, pode-se afirmar que, em havendo litígio entre os pais dos menores, a mediação deve ser encarada como uma etapa prévia necessária, obrigatória para a aplicação da guarda compartilhada. Por conseqüência, somente na hipótese de insucesso da mediação é que se deve evitar o uso da guarda compartilhada, apelando-se para a via excepcional da guarda exclusiva ou unilateral, tudo, reitere-se, visando o melhor interesse da criança.
Em resumo, pelos benefícios por ela proporcionados, a guarda compartilhada deve ser a regra geral do exercício do poder familiar após a dissolução do casamento/união estável, mas, em não havendo acordo dos pais acerca da guarda dos filhos por força do prévio litígio de direito material existente entre eles, tal espécie de guarda, para que seja viável e efetivamente atenda ao melhor interesse do menor, deve vir precedida da prática da mediação familiar. Uma vez frustrada a mediação é que se recomenda a fixação da guarda exclusiva, como medida, portanto, excepcional.
Como forma de aumentar as chances de êxito da mediação para a aplicação da guarda compartilhada, repita-se, é preciso que a prática daquele instituto se dê de forma multidisciplinar, recorrendo-se a conhecimentos extrajurídicos, notadamente da Psicologia, da Psicanálise, do Serviço Social, da Sociologia etc, afinal o operador do Direito (in casu, o magistrado) não possui conhecimentos técnicos suficientes para a resolução de conflitos familiares tão passionais como o que aqui se comenta.
Corroborando com todo o raciocínio esposado neste capítulo, Paulo Lôbo sintetiza:
Para o sucesso da guarda compartilhada é necessário o trabalho conjunto do juiz e das equipes multidisciplinares das Varas de Família, para o convencimento dos pais e para a superação de seus conflitos. Sem um mínimo de entendimento a guarda compartilhada pode não contemplar o melhor interesse do filho [...]. O uso da mediação é valioso para o bom resultado da guarda compartilhada, como tem demonstrado sua aplicação no Brasil e no estrangeiro. Na mediação familiar exitosa os pais, em sessões sucessivas com o mediador, alcançam um grau satisfatório de consenso acerca do modo como exercitarão em conjunto a guarda. O mediador nada decide, pois não lhe compete julgar nem definir os direitos de cada um, o que contribui para a solidez da transação concluída pelos pais, com sua contribuição. Sob o ponto de vista dos princípios constitucionais do melhor interesse da criança e da convivência familiar, a guarda compartilhada é indiscutivelmente a modalidade que melhor os realiza. (LÔBO, 2008, p. 177).
Registre-se novamente que o Enunciado nº 335 da IV Jornada de Direito Civil, em 2006, já consagrava expressamente esse entendimento, ao estipular que: "A guarda compartilhada deve ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, da mediação e da orientação de equipe interdisciplinar".
É nesses termos que se defende neste trabalho que o advento da Lei nº 11.698/08 deve ser calorosamente comemorado pela comunidade jurídica nacional, conforme será apreciado no capítulo seguinte.