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Agora é lei: quarto de hotel é local de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede

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3. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

e há muito a jurisprudência de nossos Pretórios dissente sobre a possibilidade de cobrança de direitos autorais referentes à transmissão de músicas e sinais por aparelhos radiofônicos e televisão postos à disposição dos hóspedes de hotéis.

Como já anteriormente mencionado, na vigência da Lei nº 5.899/1973 o foco era a obtenção de lucro direto ou indireto na execução de obras musicais. A partir de 20 de junho de 1998, data de edição da Lei nº 9.610, a exigibilidade do pagamento de direitos autorais em quartos de hotéis passou a girar em torno da configuração de "locais de freqüência coletiva" e "locais de freqüência individual".

Inicialmente o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado da Súmula 63, sendo que, já em 2002, aquela Corte Superior emitiu a Súmula 261.

Antes de apreciar o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, importante analisar referidas Súmulas:

Súmula 63

"São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de musicas em estabelecimentos comerciais";

Súmula 261

"A cobrança de direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas, em estabelecimentos hoteleiros, deve ser feita conforme a taxa média de utilização do equipamento, apurada em liquidação",

tendo a primeira sido editada na vigência da Lei nº 5.899/1973 e a segunda sob a égide da Lei nº 9.610/1998.

De esclarecer a inaplicabilidade da Súmula 63 aos quartos de hotel que disponibilizam aparelhos de rádio e televisão, posto que em tal situação ocorre "transmissão" de sinais ("difusão, por meio de ondas radioelétricas, de sons, ou de sons e imagens") e não "retransmissão" ("emissão, simultânea ou posterior, da transmissão de uma empresa de radiodifusão por outra"), nos exatos e precisos termos das Leis nºs 5.899/1973 (artigo 4º, incisos II e III) e 9.610/1998 (artigo 5º, incisos II e III).

Aliás, o próprio Superior Tribunal de Justiça tem conferido interpretação restritiva à Súmula 63, cumprindo trazer à baila, por seu forte teor elucidativo, o seguinte aresto, relatado pelo Ministro NILSON NAVES:

"Direito autoral. Retransmissão radiofônica de músicas. Hotel

Hotel não se enquadra na expressão ‘estabelecimento comercial’, objeto da Súmula 63 (‘São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimento comerciais’), no que diz respeito aos seus quartos, ou apartamentos. Não se considera espetáculo público nem audição pública e transmissão de músicas pelo rádio, no recesso de quarto de hotel. A sintonização de emissora, nesse caso, não enseja o pagamento de direitos autorais". [14]

Nem se argumente que este acórdão foi proferido na vigência da Lei nº 5.899/1973, posto que a Súmula 63 foi editada igualmente sob a égide da LDA anterior, bem como pelo fato que ambas as leis contêm igual disposição quanto à interpretação restritiva (artigos 4º e, respectivamente, incisos II e III).

Saliente-se, pois, que a Súmula 63 refere-se expressamente à retransmissão, pelo que se afigura indevida sua aplicação aos casos recepção ou simples captação de sons e imagens em quartos de hotéis, em aparelhos independentes de rádio-receptor e televisão, manuseados diretamente pelos hóspedes, situação típica de transmissão de imagem.

Em verdade, inexiste qualquer compatibilidade dos quartos de hotel com o enunciado da Súmula 63, pois até mesmo pela sua afetação especial não podem ser equiparados a "locais de freqüência coletiva". Indevida a referência do artigo 29 da Lei 9.610/1998, considerando-os, por similitude, a locais públicos onde se utilizam e divulgam composições musicais, uma vez que os hóspedes têm integral e exclusivo controle de tais exibições, em seu único e incompartilhável proveito e unicamente a seu talante.

Já a Súmula 261, partindo do pressuposto que a ocupação dos quartos dos meios de hospedagem é variável ao longo do ano, instrumentaliza o processo de execução para conferir seguro parâmetro de apuração da cobrança.

Contudo, é igualmente inaplicável aos quartos de hotéis, quando ocorrer a transmissão direta de som e imagem de um transmissor (estação de rádio ou canal de televisão) para um receptor (equipamento disponibilizado para o hóspede) (Lei nº 9.610/1998, artigo 5º, incisos II e III).

Ademais, sendo o hóspede que decide sobre o uso, ou não, dos equipamentos disponibilizados, bem como escolhe o canal de televisão ou a estação de rádio, trata-se, indubitavelmente, de simples transmissão e não de retransmissão.

Nesse passo, impende lembrar que os negócios jurídicos sobre direitos autorais devem ser interpretados restritivamente (artigo 4º da Lei nº 9.610/1998), pelo que não há como se admitir para os quartos de hotéis a aplicação das Súmulas 62 e 261, que versam sobre "retransmissão radiofônica de musicas".

A observância do mencionado artigo 4º, que estabelece a exegese restritiva dos instrumentos negociais relativos aos direitos autorais, nada mais é que a interpretação exata, evitando-se a extensão ou a supressão de alguma coisa, precisão esta que deve ser alcançada com a avaliação dos elementos lógicos do negócio, sem qualquer dilatação de seu alcance. Ora, na hipótese, cogita-se de captação de transmissão de rádio ou televisão nos quartos de hotel, local que não é público e muito menos de freqüência coletiva.

A partir da vigência da Lei nº 9.610/1998, a maioria das decisões do STJ passou a se orientar no sentido de que os quartos de hotel constituem "local de freqüência coletiva", em razão da literalidade do artigo 68, parágrafo 3º, sendo assim exigível a cobrança de direitos autorais em tais dependências.

Acórdãos relatados pelo Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO nos conferem a razão desta mudança jurisprudencial:

"A Lei nº 9.610/98 não autoriza que a disponibilidade de aparelhos de rádio ou de televisão nos quartos de motéis e hotéis, lugares de freqüência coletiva, escape da incidência da Súmula nº 63 da Corte" [15] e

"Direitos autorais. Aparelhos de rádio e televisão em quarto de motel. Precedente da Segunda Seção. Multa do art. 109 da Lei nº 9.610/98.

Já assentou a Segunda Seção que a Lei nº 9.610/98 "não autoriza que a disponibilidade de aparelhos de rádio ou de televisão nos quartos de motéis e hotéis, lugares de freqüência coletiva, escape da incidência da Súmula nº 63 da Corte. (REsp nº 556.340/MG)"(grifamos). [16]

A partir de então o acórdão do Recurso Especial nº 556.340-MG [15] tornou-se paradigma para decisões sobre a exigibilidade de direitos autorais na disponibilidade de radio e televisão em quartos de hotel, como se afere das seguintes decisões daquele Colendo Sodalício:

"Direito autoral. Aparelhos de rádio e de televisão nos quartos de motel. Súmula nº 63 da Corte. Lei nº 9.610, de 19/2/98.

A Lei nº 9.610/98 não autoriza que a disponibilidade de aparelhos de rádio ou de televisão nos quartos de motéis e hotéis, lugares de freqüência coletiva, escape da incidência da Súmula nº 63 da Corte. Precedente da 2ª Seção: REsp 556.340-MG, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 11.10.2004" (grifos nossos); [17]

"A Segunda Secção deste Tribunal já decidiu serem devidos direitos autorais pela instalação de televisores dentro de quartos de hotéis ou motéis (REsp nº 556.340/MG).

O que motivou esse julgamento foi o fato de que a Lei nº 9.610/98 não considera mais relevante aferir lucro direto ou indireto pela exibição de obra, mas tão somente a circunstância de se ter promovido sua exibição pública em local de freqüência coletiva"(grifamos); [18]

"DIREITOS AUTORAIS. RÁDIO RECEPTOR E APARELHO DE TV DISPONÍVEIS AOS HÓSPEDES EM APOSENTOS DE HOTEL. EXIGIBILIDADE A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.610, DE 19.2.1998.

Consoante a Lei nº 9.610, de 19.1.1998, a disponibilização de aparelhos de rádio e de TV em quartos de hotel, lugares de freqüência coletiva, sujeita o estabelecimento comercial ao pagamento dos direitos autorais. Precedente da Segunda Seção: Resp nº 556.340-MG" (os grifos não pertencem ao original). [19]

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Em síntese, externa acentuar que o entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça é de que os quartos de hotel constituem local de freqüência coletiva, onde ocorrem exibições públicas, em razão de uma equivocada exegese do parágrafo 3º do artigo 68 da atual LDA.

Ao contrário do Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência predominante nos Tribunais de Justiça dos diferentes Estados orienta-se no sentido da inexigibilidade da cobrança de direitos autorais em razão da disponibilidade de rádio e televisão em quartos de hotel, como se afere dos seguintes acórdãos:

"Apesar de a Lei dos Direitos Autorais fazer referência aos hotéis como locais de freqüência coletiva, deve ser observado que a intenção da norma ao mencionar tal expressão - ‘freqüência coletiva’ - é caracterizar locais em que há circulação de público. Situação em que não se enquadra o quarto de hotel. Exegese do art. 68, caput e § 3º, da Lei nº 9.610/98" (TJ-RS); [20]

"O uso de aparelho de televisão de livre recepção, pelo hóspede de hotel, dentro do apartamento, não configura hipótese de cobrança de direitos autorais. Configuração de simples transmissão e não retransmissão. inteligência das súmulas 63 e 261 do STJ" (TJ-RS); [21]

"DIREITO AUTORAL. ECAD. RECEPÇÃO DE MÚSICA, VIA RÁDIO, EM

APOSENTOS PRIVADOS DE MOTEL, À INTEIRA DISPONIBILIDADE DO HÓSPEDE, O QUE DESCARACTERIZA A FIGURA DA EXECUÇÃO PÚBLICA DE OBRA MUSICAL PRESENTE NA SONORIZACAO AMBIENTAL" (TJ-RS); [22]

"A simples existência e/ou utilização de aparelhos receptores de transmissão radiofônica ou televisiva no interior dos aposentos destinados ao abrigo dos hóspedes de estabelecimentos hoteleiros não está sujeita ao pagamento de direitos autorais. Espaços destinados à preservação da privacidade dos seus ocupantes, insuscetíveis de se identificarem como locais de freqüência coletiva, ainda que eventualmente em seu interior sejam pelos referidos aparelhos difundidas obras artísticas para exclusivo deleite ou entretenimento dos respectivos ocupantes, segundo sua conveniência e vontade" (TJ-RJ); [23]

"O caráter privado dos quartos e apartamentos de hotéis exclui a obrigação de pagamento dos direitos autorais, Local que não incorpora natureza pública ou de freqüência coletiva, desobrigando a retribuição pela recepção de sinais de rádio ou televisão" (TJ-RJ); [24]

"DIREITO AUTORAL. OBRA MUSICAL. HOTELARIA. COBRANÇA INDEVIDA. SÚMULA 63 DO STJ. INAPLICABILIDADE

Quando não se equipara a estabelecimento comercial e não se aplica a Sumula 63 do STJ. Não se considera espetáculo, nem audição pública, a retransmissão de música pelo rádio nos apartamentos ou quartos de hotel, motel ou pensão. A simples sintonização da emissora não gera obrigação de pagar direitos autorais" (TJ-RJ); [25]

"Não é devida a cobrança de direitos autorais aos hotéis pela utilização de aparelhos de televisão, instalados nas unidades individuais do estabelecimento e a inteira disponibilidade do hóspede, sendo cediço que as emissoras já providenciaram o recolhimento da taxa cobrada sobre as músicas que porventura sejam transmitidas durante a programação televisiva" (TA-MG); [26]

"A existência de aparelhos de rádio nos quartos do hotel não autoriza a cobrança de direitos autorais. É devido o pagamento quando houver a retransmissão radiofônica, captada por uma central e distribuída aos quartos" (TA-MG); [27]

"Músicas em quarto de estabelecimento hoteleiro.

Não são devidos direitos autorais pela empresa hoteleira que coloca, em seus quartos , aparelhos receptores de rádio ou televisão, à disposição dos hóspedes" (TJ-SP); [28]

"Captação e Retransmissão de música radiofônica em ambientes de circulação pública (bares, pub, recepção e restaurantes do hotel) - contribuição devida. Local público e que não serve somente aos hóspedes na medida em que esta mão é condição sine qua non para ingresso em tais ambientes. Inadmissibilidade de comparação aos quartos do hotel que servem somente aos hóspedes" (TJ-SP); [29]

"A liberalidade conferida ao hóspede na utilização do aparelho de rádio ou televisão colocado a sua disposição no interior dos aposentos, afasta o caráter público da transmissão e desautoriza a cobrança de direitos autorais pelo ECAD" (TJ-PR); [30]

"Não é admissível a cobrança de direitos autorais se a sonorização é feita em local que não permite freqüência coletiva. A simples recepção de programas de emissoras de rádio, em recinto privado não equivale a espetáculo público, para os efeitos legais" (TJ-GO); [31]

"A existência de aparelho de rádio e televisão em quarto de hotel não autoriza a cobrança de direitos autorais, outro é o efeito quando se trata de retransmissão de sons e imagens nas áreas comuns de hotel" (TJ-ES); [32]

"Música em quarto de hotel. Direitos autorais. Sonorização ambiental realizada

por meio de captação de músicas transmitidas por emissoras de rádio e fitas cassete. Utilização facultada aos freqüentadores. Ilegalidade da incidência. Afastamento da Súmula 63 do Superior Tribunal de Justiça" (TJ-SC); [33]

"Os direitos autorais são devidos pela entidade hoteleira quando resta comprovado que esta seleciona as músicas oferecidas a seus hóspedes. Quando o hotel apenas disponibiliza a seus hóspedes um rádio para que estes selecionem a estação e estilo musical, não incide cobrança de direitos autorais" (TJ-MT). [34]

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Sobre o autor
Claudio Roberto Alves de Alves

Advogado no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Claudio Roberto. Agora é lei: quarto de hotel é local de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2108, 9 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12609. Acesso em: 2 mai. 2024.

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