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Marchas suicidas: um "não" à marcha da maconha!

17/04/2009 às 00:00
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Está programada para o início do mês de maio a versão 2009 da "Marcha da Maconha". No ano passado, das 10 capitais brasileiras que acompanhariam o movimento internacional, apenas uma a realizou. Nas demais foi proibida por liminares obtidas na Justiça pelo Ministério Público. Muitas cidades, entretanto, viram atos públicos "pela liberdade de expressão". Importantes lideranças (OAB, ABI, Juizes pela Democracia) se manifestaram contra a posição do Judiciário.

Cansado de observar mães desesperadas, famílias destroçadas e jovens sem futuro, presentes na memória muitas militâncias (miúdas, mas militâncias!) por direitos e liberdades, vi-me na obrigação de tentar entender a questão da liberação da maconha sob a ótica dos direitos e garantias. E para quem trabalha cotidianamente com as mazelas decorrentes da drogadição cada vez mais precoce, parece uma irresponsabilidade que se pretenda realizar um evento com os moldes da Marcha da Maconha.

Não há, absolutamente, nada de progressista no discurso mais radical pró-liberação ou descriminalização de drogas. Qualquer visão que assim defenda, é necessariamente parcial e redutora das mazelas conseqüentes. Os economistas imaginam poupanças ao Erário. Especialistas em segurança pública supõem a redução da criminalidade. O pessoal da área médica pretende impedir a subnotificação dos problemas causados pelo abuso de drogas. Piedosos pretendem trato mais humanitário ao dependente químico.

Entretanto, por mais que se tente provar o contrário, a experiência da liberação das drogas não deu certo nos países em que foi tentada. Não reduziu a criminalidade, incrementou o consumo e ampliou o mercado para drogas mais pesadas. No caso da Holanda, fomentou o narcoturismo que trouxe grandes problemas à população. As cidades que fazem fronteira com outros países da Europa, no ano passado, começaram a pressionar para revisão da política de liberação. Cansaram-se das invasões de finais de semana e dos tumultos provocados pelos muito peculiares narcoturistas.

Aliás, na Holanda, caminha-se para muitos revisionismos da tradição liberal que, após legalizar a prostituição, viu subir a decadência de áreas nobres de Amsterdã, bem como elevar-se o tráfico de escravas brancas; que após ser tolerante com sexo, viu crescer a força de partidos políticos pedófilos, que defendem o absurdo "direito de escolha da criança"; que, extremando as lutas pelos direitos de minorias, viu, na mesma praça, ser proibido caminhar com o cachorro sem coleira, mas ser possível praticar, sem repressão, sexo noturno ao ar livre; que, no afã de manter-se coerente com a liberalidade já desgastada, e ao mesmo tempo, cooperar com os esforços pela erradicação do tabaco, criou o mundo surreal em que é possível fumar maconha em seus cafés, mas ser expulso pelo consumo de cigarros comuns!

É bom que seja ressalvado que não defendo a punição do usuário, nos moldes antigos, em que ele recebia prisão precedida de extorsão policial ilegal e humilhante. Acho um avanço que o usuário receba medidas educativas, mas corroboro a manutenção do porte na esfera criminal. O fato de ser questão também de saúde pública, não autoriza o abrandamento completo das formas de combate a um mal efetivo cada vez maior.

Pesquisas realizadas na Europa dão conta de que a esmagadora maioria dos europeus é contra a repetição da experiência holandesa. Plebiscito recente, na Suíça, deu vitória à política repressiva. Após um período breve de maior brandura, a Inglaterra reclassificou a maconha como droga pesada. A última reunião da ONU sobre o tema do combate às drogas, em março último, embora com muita polêmica e protestos, não só rejeitou a política de redução de danos, como manteve a recomendação de repressão ao tráfico e ao consumo das drogas.

A liberação para fins medicinais, no Canadá e nos Estados Unidos, como provaram reportagens esclarecedoras do jornalista Gilberto Dimenstein, resultou apenas em aumento do mercado de receitas e laudos médicos, que passaram a substituir determinados armamentos no bolso dos traficantes. A experiência portuguesa de liberar drogas para consumo próprio, estabelecendo uma cota diária de porte autorizado, apenas aumentou o mercado varejista, com os traficantes sendo muito zelosos de portar apenas a quantidade permitida. Em Portugal, as casas legislativas da Ilha da Madeira e de Açores, movimentaram-se para aprovar leis próprias, retomando a criminalização abandonada por lei federal, o que, certamente, terminará em discussão sobre constitucionalidade.

Fala-se muito no exemplo americano, onde a política repressiva não teria alcançado êxito em reprimir o consumo, já que lá se observa a maior população de usuários. Mas nunca se faz avaliação do quanto ocorreria de aumento nos níveis de drogadição americanos caso viesse a liberação. O EQUÍVOCO É IMAGINAR QUE A PROIBIÇÃO É QUE PROMOVE O CONSUMO. NÃO É!

Como diz o Professor Içami Tiba: "quem é feliz não usa drogas"! Patologias à parte, a busca pela droga é incrementada pela profunda insatisfação que aflige a humanidade, e a população dos Estados Unidos, em particular! A incerteza de um mundo sem empregos e oprimido pela ameaça das catástrofes ambientais; à deriva pela falência dos esquemas familiares tradicionais, pela falta de referências religiosas, pela quebra das utopias políticas, pelo excesso de informação trazido pela massificação midiática, pelo condicionamento de mentes e hábitos imposto pelo mercado publicitário; a prevalência do ‘ter’ sobre o ‘ser’ e a incessante busca de prazer imediato e vazio; são alguns dos fatores que impulsionam ao desconforto de si e à infelicidade, esta ampla ante-sala da busca por compensadores químicos.

Nossas crianças e adolescentes sofrem, cada vez mais abandonados à própria sorte, para serem criados pela mídia robotizante. Tudo porque, seguem as famílias, sem noção de seu papel de referência e autoridade, com casais derrotados pelo egoísmo do conforto pessoal de cada parceiro e pela indisposição ao sacrifício em prol da harmonia relacional, além da ditadura da busca incessante do prazer individual e supremo. Assim remetemos os casamentos à duração média, verificada pelo IBGE no Brasil, de apenas 10 anos. Por isso, as escolas tornaram-se barris de pólvora, recebendo a ingrata missão de, sem recursos, desentortar gente cuidadosamente entortada em casa. Neste quadro, é uma temeridade que, em um terreno assim fértil para desgraças, se permita a semeadura da cannabis.

Ao contrário do que se pretende, maconha mata sim. Se não pela overdose, apenas tecnicamente possível, morre-se pelo efeito "porta de entrada", que leva às drogas mais pesadas; morre-se pela diminuição do senso crítico e da disposição para os virtuosos bons combates da vida; morre-se pelos efeitos diretos na saúde, dentre os quais, diversos tipos de câncer, inclusive, de bexiga e de pulmão; morre-se pelos danosos efeitos cerebrais que, além da destruição de neurônios, provocam diminuição da atenção e a possibilidade de graves acidentes de trânsito e de trabalho. Mas, acima de tudo, morre-se como humanidade, porque a maconha, lembremos, distrai das lutas e inabilita às reflexões necessárias a atitudes de combate à injustiça. Não esqueçamos que Gilberto Freire registrou que os senhores das senzalas brasileiras eram coniventes com o consumo de maconha pelos escravos, porque, assim, estes ficavam mais tranqüilos e inaptos a rebeliões.

Logo, não pode ser progressista uma proposta que esteriliza combatentes do progresso e da liberdade. Não pode ser progressista uma proposta defendida reiteradamente pelo mega-especulador George Soros e pelo jornal neo-liberal inglês The Economist. Chega ser feio ver militantes egressos dos anos 60 não perceberem o envelhecimento – maior do que uma ruga de Mick Jagger – do discurso que dava charme ao terceiro elemento do discutível paraíso de sexo e rock’n roll, que hoje se tornou martírio.

Muitos dos defensores da liberação da maconha se sustentam em argumentos de filósofos e pensadores como Stuart Mill, John Locke e Milton, por exemplo. Mas se as suas obras forem lidas com atenção, se verificará que nenhum deles defende liberdades absolutas. Liberdade absoluta não existe. Assim tem decidido o Supremo Tribunal Federal, quando afirma a relatividade dos direitos. Liberdade absoluta se torna ditadura, já que apenas alguns a possuirão ou se torna o caos, já que liberdades absolutas para todos redundarão em conflitos aniquiladores.

Aqueles autores, inclusive, ao contrário do que muitos pensam, jamais admitiram a liberdade de expressão completa, outra ilusão dos falsos progressistas. Montesquieu, por exemplo, admitia que se dissesse tudo em praça pública, exceto que se pregasse a destituição do governo legitimamente constituído. Stuart Mill, embora admitindo a possibilidade da embriaguez, desejava que se impedisse a propaganda dos produtos que a tanto pudessem levar. John Locke não admitia a propaganda do ateísmo. John Milton não queria que se desse voz pública aos católicos. Cada pensador, em sua época, condicionou o exercício das liberdades a uma fronteira em que não fossem atacados elementos estruturantes daquela sociedade à qual se dirigiam.

Por isso, numa sociedade oriunda do Iluminismo, Mill não queria o aumento do número de pessoas incapazes de reflexão racional. Locke, numa sociedade baseada em preceitos religiosos, não dispensava a fé como pilar do convívio humano. Aliás, mesmo pensamento de Tocqueville, que ao analisar as virtudes da democracia americana, viu como indispensável ao funcionamento do sistema, o freio moral oferecido pelo puritanismo, como elemento regulador das liberdades a serem praticadas. Milton, num país que se estruturou em torno do combate ao catolicismo, via como retrocesso a permissão de voz ao sistema religioso papista, que tanta opressão provocara.

Nos tempos contemporâneos, um exemplo desse cerceamento ao que possa ferir elementos fundantes da sociedade, é a vedação à propaganda do nazismo. A experiência do Holocausto e os milhões de mortos civis e militares na sangrenta guerra provocada por Hitler e sua megalomania histérica, deixaram a humanidade ressabiada. No Brasil mesmo, a lei contra crimes raciais proíbe a propaganda do nazismo e há julgados célebres do nosso Tribunal Maior em que foi cerceado o direito de expressão, impedindo-se a publicação de livros que divulgavam as propostas nazistas.

A liberdade de expressão é limitada também quando se impede que produtos para adultos sejam divulgados a menores de 18 anos, vedação absoluta, que não pode ser vencida nem mesmo pelo poder familiar. É que a proteção à infância e à juventude é esteio constitucional do Estado Democrático de Direito Brasileiro, que reconhece as peculiaridades da criança e do adolescente como seres em formação, merecedores de cuidados e para quem se exige não serem expostos a influências nocivas ao seu desenvolvimento.

Logo, se a maconha provoca graves danos à saúde, se não é uma proposta progressista, se temos uma sociedade que estimula irresponsavelmente a procura por compensadores químicos, se não é com anestésicos que resolveremos os cancros morais da humanidade, se a dignidade da pessoa humana, esteio da civilização, é atacada pela drogadição, se a liberdade de expressão não é absoluta, a "Marcha da Maconha" deve ser proibida.

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Acresço, finalmente, o argumento mais simples e, sem dúvida, o mais importante. A lei proíbe a propaganda ou divulgação de substâncias que possam causar dependência química, a menores de dezoito anos. Os Juízes da Infância e da Juventude, quando concedem alvarás para eventos, devem zelar pelo cumprimento dessa ordem. Propagandas televisivas de cerveja, por exemplo, só podem ser exibidas a partir de determinado horário, visando impedir a assistência de crianças.

Logo, ainda que a pretexto de, meramente, abrir debates sobre a liberação das drogas, não é razoável que se permita a caminhada de pessoas que, como ocorreu na marcha de 2007, no Rio de Janeiro, poderão, não só estar defendendo a maconha, como, ainda, afirmando em cantos de guerra "Eu sou maconheiro com muito orgulho, com muito amor"!

E, ainda por cima – como, parece, voltará a ocorrer este ano - utilizando máscaras de personalidades que usam, usaram ou defenderam o uso ou a descriminalização do uso de maconha. Máscaras de FHC, Sérgio Cabral, Michael Phelps, Marcelo D2, dentre outros, já se encontram disponíveis para download na página do Coletivo Marcha da Maconha. Quem sabe criamos também uma página onde possamos colocar as máscaras das mães desesperadas, dos pais aflitos, dos garotos desdentados, dos jovens de cabeças estouradas, com aqueles olhos embaçados dos desesperançados, ou com a pequena face de tragédia cruel dos meninos e meninas que se prostituem na Cracolândia! E daí, uma inusitada caminhada em sentido contrário, com essas esfarrapadas máscaras de sofrimento, se encontraria com a saudável pequena burguesia mascarada que afirma estar pedindo o fim da "guerra aos pobres"! E isso quando se sabe que os mais altos índices de aprovação às políticas de descriminalização ou liberação de drogas não se encontram nas classes menos favorecidas – que esmagadoramente rejeitam tais propostas - mas sim nas classes abastadas. E, neste embate, fico com os rappers Gog, Rappin Hood e MV Bill, que já se manifestaram pela prioridade de liberar-se antes o feijão e a escola, para só então tratar-se da questão da maconha.

Que os debates se travem no âmbito universitário, nos auditórios do Congresso Nacional, nos Tribunais, em teses e debates nas publicações – e sempre sem a presença de menores de idade! Mas que não se permita a propaganda – ainda que indireta, sob a forma de defesa da rediscussão da lei – de produtos que levam desgraça aos lares brasileiros, na rua, à beira das praias e praças onde as famílias se reúnem.

Enquanto escrevo este artigo, estamos encaminhando à internação socioeducativa um garoto de 13 anos, viciado em crack. A mãe desempregada, grávida precoce, de família desfeita, miserável, chora, com o seu outro filho ao colo. O menino que desce para a crueldade de um presídio juvenil, porque o Estado não fornece outra ferramenta para solução de seu caso, começou usando maconha misturada com crack, o famoso "mesclado", que já assombra as periferias brasileiras. O abismo está próximo. A partir de certo ponto, certas marchas de uns, viram o suicídio de todos.

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Sobre o autor
Denilson Cardoso de Araújo

Serventuário de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Escritor. Palestrante.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Denilson Cardoso. Marchas suicidas: um "não" à marcha da maconha!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2116, 17 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12650. Acesso em: 22 nov. 2024.

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