A atual Carta Magna dedicou o Capítulo III à Segurança Pública, onde encontram-se inseridas as linhas gerais das atribuições afetas a cada órgão policial. Dentre as previstas no texto constitucional, merecem destaques, em razão da abordagem que se pretende enfrentar, os dispositivos que tratam sobre atuação/competência da Polícia Judiciária, vejamos:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
(...)
IV – polícias civis;
(...)
§1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
(...)
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
(...)
§4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
(...)
De uma leitura das disposições supracitadas se percebe que compete à legislação ordinária disciplinar a forma como será exercida essa competência, com os seus respectivos mecanismos.
O Código de Processo Penal tratou de estabelecer as linhas gerais de como será desenvolvido o trabalho das polícias judiciárias, ao disciplinar a forma como se dará coleta e a materialização dos indícios de prova, representada nos autos de um procedimento inquisitivo denominado de Inquérito Policial.
O certo é que o Inquérito Policial pode ser instaurado de duas formas: mediante portaria ou auto de prisão em flagrante.
As hipóteses, em linhas gerais, que justificam a instauração de inquéritos mediante portaria estão elencadas no artigo 5º do Código de Processo Penal.
Por sua vez, a prisão em flagrante foi trabalhada nos artigos 301 usque 310 do Código de Processo Penal.
Sabendo-se que competem às Polícias Civil e Federal exercer as funções de Polícia Judiciária e que uma das funções afetas a estas é a lavratura do auto de prisão em flagrante - salvo hipóteses especificadas no texto constitucional e em legislação extravagante -, bem como que tal ato é presidido por Delegado de Polícia de carreira, tem-se que compete a este, presidente do procedimento, a decisão pela lavratura do auto de prisão em flagrante uma vez convencido da existência das situações elencadas no artigo 302 do Código de Processo Penal, que assim dispõe, in litteris:
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração;
Convém registrar que não se trata de mera discricionariedade da Autoridade Policial, mas sim de um autêntico poder-dever de só quando preenchidos os pressupostos autorizadores da lavratura do auto de prisão em flagrante ser impelido à concretização de tal ato.
Ou seja, há discricionariedade na avaliação firmada pelo Delegado de Polícia diante de uma situação, em tese, flagrancial levada ao seu conhecimento. Uma vez manifestado o seu entendimento e em sendo pelo desencadeamento da medida constritiva, a discricionariedade cessa e pavimenta o acesso ao desenvolvimento de uma atividade vinculada, plasmada na estrita observância aos preceitos constitucionais e legais afetos à matéria.
Sendo assim, jamais poderá um magistrado e/ou membro do ministério público requisitar a lavratura de auto de prisão em flagrante, porquanto tal análise jurídica está acometida, de forma privativa, ao presidente do feito, isto é, a Autoridade Policial.
Registre-se, ademais, o disposto no artigo 307 [01] do Código de Processo Penal, que autoriza a lavratura de flagrante por parte do magistrado, quando o crime ocorrer na sua presença ou contra ela, em razão de suas funções, de modo que, nesta hipótese, passa a referida Autoridade Judicial a presidir a lavratura do auto e prisão em flagrante.
Agora, acaso o ilícito ocorra em uma das situações acima elencadas e o Juiz decida por direcionar a ocorrência à Delegacia, jamais poderá tolher/suprimir a valoração jurídica emprestada ao caso pela Autoridade Policial - com a "requisição" de lavratura de auto de prisão em flagrante -, vez que esta atividade representa a formalização dos procedimentos típicos das atribuições dos Delegados de Polícia, que possuem idêntica formação acadêmica a dos demais operadores do direito e exercem cargo de inafastável caráter jurídico.
Dessa forma, eventual "ordem/requisição" nesse sentido deverá ser recepcionada pela Autoridade Policial como notícia crime, a fim de que possa exercer com independência e balizado apenas no regramento jurídico o seu mister, notadamente quando há mitigação a um dos mais importantes direitos fundamentais: a liberdade.
Nota
01.Art. 307. Quando o fato for praticado em presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções, constarão do auto a narração deste fato, a voz de prisão, as declarações que fizer o preso e os depoimentos das testemunhas, sendo tudo assinado pela autoridade, pelo preso e pelas testemunhas e remetido imediatamente ao juiz a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso, se não o for a autoridade que houver presidido o auto.