Sobre o termo inicial para a contagem do prazo de 15 (quinze) dias para a incidência da multa de 10% (dez por cento) prevista no artigo 475 – J, do CPC, há entendimentos doutrinários conflitantes, os quais merecem serem expostos a fim de possibilitar uma conclusão mais farta e compreensível.
Repousa a discussão basicamente sobre se o momento da contagem do prazo de 15 (quinze) dias deve ser realizado apenas e tão-somente quando se verifica o trânsito e julgado da sentença; se a partir da intimação feita na pessoa do advogado constituído; se necessário se faz a intimação pessoal do devedor para, somente a partir de então, ter início a contagem do prazo para pagamento; ou ainda, se o aludido prazo se inicia com a sentença da qual a parte não irá recorrer.
O entendimento inicialmente majoritário é de que o momento adequado para aplicação da penalidade deve ser depois que o devedor, na pessoa de seu advogado, devidamente intimado para tal mister, deixa de efetuar o pagamento do montante devido. Assim, segundo essa corrente, o início do prazo de 15 (quinze) dias previsto no artigo 475 – J, do CPC, somente se dá após a intimação do devedor na pessoa do seu advogado. [01]
Há, por outro lado, uma segunda corrente mais conservadora, que entende ser imprescindível a intimação pessoal do devedor, dada a natureza personalíssima do pagamento, que se não cumprido, arcará o devedor com o ônus de sua inércia. Entendem, portanto, que a multa de 10% (dez por cento) não é devida, ainda que haja intimação na pessoa do advogado do devedor, sob o fundamento de que a contagem do prazo de 15 (quinze) dias para o pagamento (artigo 475 – J do CPC) deve se iniciar a partir do momento em que o devedor é intimado pessoalmente para cumprir a obrigação.
Neste sentido se posiciona Evaristo Aragão Santos, sustentando que: [...] Não parece adequado permitir-se a fluência ´automática´ do prazo para cumprimento da obrigação sob pena de multa e penhora, sem prévia intimação do devedor. Tampouco para tanto serve, em nosso sentir, a mera intimação de seu advogado por meio de publicação na imprensa. Afirmamos isso com base na atual jurisprudência do STJ, formada a partir da apreciação de situações semelhantes. Pensamos que para o novo regime de cumprimento de sentença deva ser adotado o mesmo entendimento hoje prevalecente para as obrigações específicas: o devedor precisa ser intimado pessoalmente para cumprir a obrigação, sem o que não se lhe poderá imputar penalidade pelo inadimplemento. [02] (grifo nosso)
Por derradeiro, há uma terceira corrente, a qual comungamos, onde o entendimento é de que o termo a quo para a contagem do prazo de 15 (quinze) dias para pagamento sob pena de multa de 10% (dez por cento) se dá a partir do trânsito em julgado da sentença.
Diferentemente da sistemática superada (onde cabia ao credor o encargo de requerer a execução através de um processo autônomo, provocando inclusive nova citação do devedor), o procedimento criado para cumprimento de sentença possui a clara intenção de evitar pronunciamentos desnecessários do magistrado e das partes, operando-se automaticamente o dever de cumprir a sentença em 15 (dias), a contar do seu trânsito em julgado. Neste sentir, temos que foi transferido ao devedor o dever de cumprir voluntariamente a sentença líquida, independentemente de execução iniciada pelo credor.
Com o devido respeito aos nobres juristas que sustentam a necessidade de intimação prévia, seja na pessoa do advogado ou pessoalmente ao devedor, entendemos que nesse aspecto os mesmos equivocam-se, pois a dicção do artigo 475 – J, do CPC não é das mais difíceis de interpretar. Vejamos:
Art. 475 – J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de 15 (quinze) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento) e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
Ora, se a intenção do artigo 475 – J ora interpretado é evitar a procrastinação injusta do pagamento, incentivando o adimplemento espontâneo do débito e o fiel cumprimento da sentença, não é admissível que se exija a intimação pessoal do executado ou até mesmo de seu advogado para que se inicie a contagem do prazo de 15 (quinze) dias, já que este prazo é para pagamento.
A uma porque, segundo a melhor doutrina, quanto a esse aspecto (multa) a sentença é executiva lato sensu [03]; a duas porque a lei não exige intimação; a três porque não há qualquer prejuízo justificável ao devedor pelo fato de não ser exigido requerimento por parte do credor; a quatro porque se posicionar de forma diversa seria um enorme contra-senso aos objetivos da lei e à forma como tal deve ser interpretada.
Somente para reforçar o exposto, sobre a forma como devem ser interpretadas as normas jurídicas, o doutrinador Franciso Prehn Zavascki preceitua com precisão qual o referencial axiológico da hermenêutica das normas executivas:
[...] as normas executivas têm como referencial axiológico a efetivação do direito do credor, e é com base nesse pressuposto que devemos interpretá-las. Dito referencial só pode ser afastado ou restringido em função de outra norma com igual ou superior conteúdo valorativo. [04] (g.n.)
Realizando o modo citado para interpretação, temos que não deve haver necessidade de prévia intimação do devedor para pagar o débito como condição de incidência da multa do artigo 475 – J do CPC, eis que o simples trânsito em julgado da sentença condenatória líquida já é uma ordem de pagamento apta a dar ciência do mesmo de que deve saldar o débito.
Também sobre o termo a quo para incidência da multa de 10% (dez por cento) prevista no artigo 475 – J do CPC, a melhor doutrina tem se manifestado que este se dá a partir do trânsito em julgado da sentença. Neste sentido: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Processo Civil. Processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 53; e, ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 193.
O Superior Tribunal de Justiça, proferindo decisão que repousa exatamente sobre a multa do artigo 475 – J, CPC (dada sua competência para julgar questões que envolvam a interpretação de leis federais – no caso o CPC), pronunciou-se pela primeira vez sobre o tema, expondo o entendimento no sentido de que independe de citação pessoal ou intimação do advogado para o início da contagem do prazo de 15 dias para pagamento de condenação por quantia certa, após o que será acrescida da multa prevista de 10% (dez por cento). [05]
Concordamos, sem ressalvas, com o conhecidíssimo acórdão, que a nosso ver deverá servir de parâmetro para os julgamentos de casos análogos em todo país, sob pena de estar se espancando conceitos e objetivos inovadores trazidos pelo legislador através da Lei 11232/05, que se utilizados da forma como foram concebidos, certamente ajudarão sobremaneira a tornar mais célere e eficaz a prestação jurisdicional, que, se não possui recursos, material humano, estrutura e consciência para tanto, é mais uma vez salva pela criatividade e intelectualidade dos processualistas brasileiros.
Notas
- Neste sentido: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery; José Rogério Cruz e Tucci, entre outros.
- SANTOS, Evaristo Aragão. Breves notas sobre o "novo" regime de cumprimento da sentença. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; FUX, Luiz; NERY JR., Nelson. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006.
- Neste sentido: Luiz Rodrigues Wambier.
- ZAVASCKI, Francisco Prehn. Considerações Sobre o Termo a quo para Cumprimento Espontâneo das Sentenças Condenatórias ao Pagamento de Quantia. Revista de Processo. São Paulo. n. 140, 2006. p. 137.
- Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 954.859 - RS (2007/0119225-2). Relator: Ministro Humberto Gomes De Barros. Recorrente: Companhia Estadual De Distribuição De Energia. Recorrido: José Francisco Nunes Moreira e Outros).