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Provas ilícitas e as recentes modificações da Lei nº 11.690/08

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28/05/2009 às 00:00
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Conclusão

A vida em sociedade reclama um complexo de normas disciplinadoras que estabeleçam regras indispensáveis ao convívio entre os indivíduos que a compõem. Desta maneira, o Estado, que é responsável pelo jus puniendi, cria normas jurídicas pelas quais proíbe determinadas condutas, sob ameaça de sanção penal.

Uma vez violada uma norma penal, isto é, uma vez praticado um fato típico e antijurídico, será dado início à persecução penal, a fim de punir, se caso, o seu autor.

No entanto, na esfera penal, só é permitida a sentença condenatória quando esta repousa na certeza dos fatos, sobre a convicção que se gera na consciência do Juiz, sendo que a soma dos motivos geradores dessa certeza se chama prova.

O instituto da prova é, sem sombra de dúvida, a base de todo o processo penal, uma vez que é sobre o conjunto probatório que se desenvolvem as teses de defesa e acusação. É, portanto, por meio destas que se permite ao Juiz chegar à verdade dos fatos e julgar o processo consoante seu livre convencimento. Deste modo, o direito à prova reflete garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da presunção de inocência, essenciais para o desenvolvimento de um processo equilibrado e saudável.

Todavia, é certo que atualmente doutrina e jurisprudência entendem que o direito à prova não é absoluto, de forma a se esbarrar em restrições impostas por preceitos éticos e por regras de nosso ordenamento jurídico, vindo a se contrapor ao direito à exclusão de prova ilegal na esfera processual penal.

Nesse contexto, o constituinte de 1988 vedou, em seu artigo 5.º, LVI, a admissão de provas ilegalmente obtidas na instrução processual, a fim de prevenir violações aos direitos e garantias fundamentais e, ao mesmo tempo, evitar a interferência do Estado na privacidade dos cidadãos.

Em razão dessa previsão constitucional, bastante simplista, adveio a Lei 11.690/08, que, dentre outros temas, tratou da prova ilícita.

A referida lei, não se pode negar, trouxe novidades positivas.

Estabeleceu o conceito de provas ilícitas contida na Constituição Federal como sendo as obtidas em violação a normas constitucionais, de modo que hoje não se distingue mais se a norma legal é material ou processual. Basta violação a uma norma, seja ela constitucional ou infraconstitucional. Em suma, ao violar o devido processo legal estar-se-á diante de um prova ilícita.

Ademais, regulamentou-se que a prova ilícita deve ser desentranhada do processo, de modo que a decisão não pode dela se valer.

Positivou-se, outrossim, a teoria dos frutos da árvore envenenada, confirmando o entendimento do STF, que há tempos defendia que a prova ilícita por derivação é também prova inadmissível.

A problemática, a meu ver, existe, mormente, pelas impropriedades técnicas da redação conferida pela nova lei.

Entende-se que pecou o legislador quando da elaboração do §1º do artigo 157 do Código de Processo Penal, ao excepcionar o nexo causal. Isto porque, se o nexo causal está evidente, a prova derivada é ilícita. Se há ausência do nexo causal, por sua vez, é claro, a prova será lícita, até porque não se aplicaria nesse caso a teoria, já que não há prova derivada.

De igual modo, entende-se que deixou a desejar o legislador ao promover o conceito de fonte independente no parágrafo seguinte do mesmo artigo, pois se utilizou do conceito da famosa teoria da descoberta inevitável para definir fonte independente.

Vislumbra-se, ademais, que perdeu o legislador a oportunidade de tratar de outras exceções tão importantes e defendidas pelos nossos Tribunais.

Nesse diapasão, entende-se que as exceções trazidas pela nova redação são meramente exemplificativas, uma vez que, consoante precedentes do Supremo Tribunal Federal e entendimentos doutrinários, a avaliação da licitude da prova bem como sua utilização deve passar por um juízo de proporcionalidade e razoabilidade entre direitos em conflitos. Assim, outras exceções, como a prova ilícita pro reo, podem ser admitidas no caso concreto.

Por fim, vê-se como lamentável o veto ao §4º, pois o objetivo do afastamento do juiz que teve contato com a prova ilícita era justamente o de permitir que um outro magistrado, isento de compromisso com a prova maculada, pois com ela não teve contato, pudesse examinar a questão, sem comprometimento psicológico.

Verifica-se, portanto, o quão importante é construir uma Lei mais pormenorizada e eficiente, a fim de eliminar as dificuldades ora enfrentadas que, sem sombra de dúvida, levam-me a sopesar, diante das peculiaridades de cada caso, valores em jogo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 74599/SP. Impetrante: Eduardo Munhoz Torres e Outro. Coator: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Min. Ilmar Galvão. Primeira Turma. Publicação: DJ 07-02-1997. p. 01340. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 12 jan 2007.

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Sobre a autora
Camila Maria Soga Rinaldini

Advogada. Pós-graduanda pela UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RINALDINI, Camila Maria Soga. Provas ilícitas e as recentes modificações da Lei nº 11.690/08. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2157, 28 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12850. Acesso em: 25 abr. 2024.

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