INTRODUÇÃO
A presente pesquisa é fruto de uma apreciação da Lei 11.690, de 9 de junho de 2008, que entrou em vigor em 11 de agosto de 2008, alterando diversos dispositivos do Código de Processo Penal brasileiro, constantes do Título VII do Livro I, que versa sobre as provas.
Em outras palavras, com o advento da Lei n.º 11.690, de 9 de junho de 2008, houve a regulamentação, em nível infraconstitucional, do artigo 5.º, LVI, da Constituição Federal de 1988, que preceitua ser inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
A prova é o pilar que sustenta a legalidade de todo o processo penal, uma vez que é sobre o conjunto probatório que se desenvolvem as teses da defesa e da acusação. Ademais, é com base nas provas carreadas aos autos que se permite ao Juiz conhecer a verdade dos fatos e julgar a lide consoante seu livre convencimento. Deste modo, o direito à prova reflete as garantias constitucionais do devido processo legal da ampla defesa da presunção de inocência, indispensáveis ao bom deslinde e legalidade da demanda.
Neste prisma, enfrenta-se tema novo que desperta interesse, visto que existe controvérsia sobre o tema, e também porque diretamente relacionado a um dos direitos fundamentais mais importantes consagrados na Constituição Federal, qual seja, o dal iberdade.
MODIFICAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI N.º 11.690/08
Podia-se dizer que, até o advento da Constituição Federal de 1988, existiam duas correntes doutrinárias sobre o tema: uma favorável à admissibilidade das provas ilícitas e outra contrária. A corrente que prevalecia era a que sustentava a teoria da admissibilidade, mormente no Direito de família.
É delicada a questão neste campo, pois se argumenta que a indisponibilidade de certos direitos ligados ao estado das pessoas haveria de merecer um tratamento especial, de molde a prestigiar a busca da verdade real. Nesse sentido, autores como Yussef Cahali e Washington de Barros Monteiro sustentam ser irrelevante o meio pelo qual a prova foi obtida, devendo o juiz aproveitar o seu conteúdo, e enviar ao Juízo Criminal eventual indício da existência de ilícito penal. José Rubens Machado de Campos sustenta que, no conflito entre o direito à intimidade e os meios ilícitos de prova, não se admite mais uma proteção absoluta às liberdades públicas e, entre elas, à intimidade, que devem ceder sempre que entrarem em confronto com a ordem pública e as liberdades alheias. (LENZA apud AVOLIO, 2003, p. 73).
No tocante à jurisprudência, é certo que ela proporcionava forte embasamento à corrente doutrinária que se familiarizava à doutrina do male captum, bene retentum.
O Min. Cordeiro Guerra admite a apreciação em juízo de uma confissão extrajudicial, mesmo quando obtida mediante coação ou sevícia. Para o Ministro, pune-se o autor do ilícito, mas a prova é válida, desde que confirmado o seu teor pelas outras evidências colhidas na instrução judicial. E, justificando o seu entendimento, afirma: "Não creio que entre os direitos humanos se encontre o direito de assegurar a impunidade dos próprios crimes, ainda que provados por outro modo nos autos, só porque o agente da autoridade se excedeu no cumprimento do dever e deva ser responsabilizado". (AVOLIO, 2003, p. 74).
O Ministro Raphael de Barros Monteiro, em acórdão prolatado em 1951, ratificou este posicionamento, de modo a sustentar que os Tribunais tinham de julgar consoante as provas que lhes eram apresentadas, sendo que não lhes competia investigar se elas tinham sido bem ou mal adquiridas pelo litigante.
Em sua obra doutrinária, Moreira (apud AVOLIO, 2003, p. 75) registrou que entendia que o direito à preservação da intimidade sujeitava-se ao sacrifício na medida em que a sua proteção seria incompatível com a realização de objetivos primariamente visados, cumprindo, assim, "[...] observar um critério de proporcionalidade com o auxílio do qual se possa estabelecer adequado ‘sistema de limites’ à atuação das normas suscetíveis de pôr em xeque a integridade da esfera íntima de alguém, participante ou não do processo".
Em 1988, com o intuito de proteger os já consagrados direitos e garantias fundamentais em sua acepção mais ampla e resolver todo o embate acerca do tema, o constituinte prescreveu, no artigo 5.º, LXI, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Ao fazer esta previsão, a Constituição Federal brasileira inovou, uma vez que nenhuma outra Constituição trouxe tal garantia.
É certo, no entanto, que, diante da redação constitucional trazida, questionou-se o que seria acobertada pela terminologia "provas ilícitas". Foi, então, que a doutrina passou a fazer distinção entre prova ilícita de prova ilegítima.
Por prova ilícita, em sentido estrito, entendia-se que era a prova colhida com infração a normas ou princípios de Direito material, principalmente de Direito Constitucional, tendo em vista que a controvérsia acerca do assunto se prenderia sempre à questão das liberdades públicas, onde estariam assegurados os direitos e garantias referentes à intimidade, à liberdade, à dignidade humana.
Por outra banda, quando a norma afrontada tivesse natureza processual, a prova vedada seria chamada de ilegítima. A sanção para o descumprimento dela encontrava-se na própria Lei processual, isto é, tudo se resolvia dentro do processo, de acordo com os esquemas processuais que determinam as formas e as modalidades de produção de prova, com a respectiva sanção, podendo, inclusive, ser uma de nulidade.
Além da distinção feita em razão da natureza das normas violadas, Avolio (2003, p. 43) estabelecia distinção, tomando por base o momento da transgressão destas normas. Afirmando que, enquanto na prova ilegítima a ilegalidade ocorria no momento de sua produção no processo, a prova ilícita pressupunha uma violação no momento da colheita da prova, anterior ou concomitante ao processo, mas sempre externamente a este.
Pois bem. Fato é que se pode dizer que a análise das provas ilícitas no ordenamento jurídico brasileiro, à luz da Constituição Federal, deve-se, pioneiramente, a Ada Pellegrini Grinover, em razão de sua obra, sob o título Liberdades públicas e processo penal, escrita ainda sob a vigência da Constituição anterior. Destarte, esta é uma síntese de seu pensamento:
[...] Sendo inaceitável a corrente que admite as provas ilícitas, no processo, preconizando pura e simplesmente a punição do infrator pelo ilícito material cometido; afastada, como o fizemos, a simples visão unitária que pretende superar a distinção entre ilícito material e inadmissibilidade processual em uma posição que se baseia na unidade do ordenamento jurídico, a necessária correlação entre o ato ilícito, material, da obtenção da prova e a sua inadmissibilidade e ineficácia processuais somente pode ser feita, como vimos, pela qualificação que os institutos processuais recebem do direito constitucional. (GRINOVER apud AVOLIO, 2003, p. 77).
Sob a coordenação ainda de Grinover, as Mesas de Processo Penal, correlacionadas ao Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, posicionaram-se sobre a matéria nas seguintes súmulas:
Súmula 48 – Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de direito material.
Súmula 49 – São processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que infringem normas e princípios constitucionais, ainda quando forem relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual expressa.
Súmula 50 – Podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa. (AVOLIO, 2003, p. 77).
A jurisprudência, por sua vez, apressou-se em acompanhar a tendência evolutiva, da admissibilidade para a inadmissibilidade das provas ilícitas.
Em 30 de junho de 1993 o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de se manifestar sobre a inadmissibilidade processual das provas ilícitas no processo penal, por meio do Habeas Corpus 69.912-0/Rio Grande do Sul, publicado no Diário da Justiça de 26.11.1993.
Por estreita maioria de votos, os Ministros indeferiram pedido de habeas corpus que se fundamentava na ilicitude da prova consistente em "degravação" de escutas telefônicas, por entender que a sentença ou o acórdão impugnados não se baseavam apenas nessas provas. Cabe, no presente estágio deste estudo, destacar, dentre os votos pela concessão do writ, aquele magistralmente proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence, em ponto que diz respeito à caracterização da prova ilícita. Argumenta, de início, que "a total ausência de motivação da decisão judicial – violando outra garantia explicita do due process (CF, art. 93, IX) – bastaria para firmar a ilicitude da prova colhida". Aludindo, a seguir, à doutrina de Holmes, na jurisprudência americana, e de Nuvolone, na Itália, pela inadmissibilidade processual das provas ilícitas, bem como aos precedentes do próprio Supremo Tribunal sobre a prova captada ilicitamente no processo civil e na investigação criminal, que a reputaram inadmissível, chega à explicitação peremptória contida no art. 5.º, LVI, da Constituição de 1988. E, nesse passo, afirma: "legem habemus – toda a discussão a respeito terá, no Brasil, sabor puramente acadêmico". (AVOLIO, 2003, p. 79).
Deste modo, a Constituição Federal de 1988 preceituou que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícitos, no entanto, não explicitou o que se entendia por provas "obtidas por meios ilícitos". Outrossim, silenciou acerca das provas ilícitas por derivação, bem como sobre o desfecho que deveria ser dado ao material ilicitamente colhido depois de reconhecida a ilicitude da prova.
Neste contexto, com o escopo de regulamentar a matéria e dar maior celeridade, simplicidade e segurança processual, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Projeto de Lei 4205/2001 e, em 10 de junho de 2008, foi publicada no Diário Oficial a Lei 11.690/08, que deu nova redação ao artigo 157 do Código de Processo Penal.
O Projeto de Lei 4205, de autoria do Executivo, foi apresentado em março de 2001 à Câmara de Deputados. Foi aprovado, por unanimidade, o regime de tramitação de urgência para apreciação do projeto. No entanto, somente 6 (seis) anos depois chegou ao Plenário do Senado Federal, onde demorou mais 1 (um) ano para retornar ao Executivo e ser sancionado.
Conforme já exposto, diante da redação constitucional sobre as provas ilícitas, questionou-se quais as espécies de normas que seriam abrangidas pelas "provas ilícitas".
Argumentava-se, assim, que o artigo 5º, LVI da Constituição Federal somente seria aplicável às provas ilícitas ou ilícitas e ilegítimas ao mesmo tempo, ou seja, não se aplicaria às provas exclusivamente ilegítimas. Portanto, não se aplicava para as provas exclusivamente ilegítimas. Entendia-se que para estas seria aplicado o sistema das nulidades, ao passo que para as primeiras utilizava-se o sistema da inadmissibilidade.
Fato é que, com o advento da Lei n.º 11.690/08, esta doutrina não pode mais prevalecer. Isto porque dispõe o artigo 157 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela lei supracitada, que "são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação às normas constitucionais ou legais".
Conforme se depreende, não mais se distingue se a norma é legal ou processual.
De acordo com Gomes (2008, p. 2),
Provas ilícitas, em virtude da nova redação dada ao art. 157 do CPP pela Lei 11.690/2008, são "as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais". Em outras palavras: prova ilícita é a que viola regra de direito material, constitucional ou legal, no momento de sua obtenção (confissão mediante tortura, v.g.). Essa obtenção, de qualquer modo, sempre se dá fora do processo (é, portanto, sempre extraprocessual).
E complementa:
O art. 32 da Constituição portuguesa bem exemplifica o que se entende por prova ilícita: "São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações". (GOMES, 2008, p. 2).
Forçoso é convir, portanto, que as provas ilícitas estão intimamente vinculadas com os direitos fundamentais, isto é, a garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas constitui o núcleo duro do sistema constitucional, no sentido de não poder ser suprimida.
Todas as regras que disciplinam a obtenção das provas são, evidentemente, voltadas para os órgãos persecutórios do Estado, que não podem conquistar nenhuma prova violando as limitações constitucionais e legais existentes. Descobrir a verdade dos fatos ocorridos é função do Estado, mas isso não pode ser feito a qualquer custo (GOMES, 2008, p. 2).
Devido a sua relevante importância, há de ser mencionado que ao lado das normas constitucionais e legais, existem as normas internacionais, previstas em Tratados, que, por diversas vezes, são incorporados pelo sistema pátrio. A Convenção Americana de Direitos Humanos, por exemplo, prevê uma série de garantias ao indivíduo. Uma vez violada qualquer delas, viola-se o devido processo legal. Logo, trata-se, de igual modo, de uma prova ilícita.
Outro ponto bastante relevante sobre provas ilícitas refere-se ao de que, antes do advento da Lei 11.690/08, havia certa celeuma acerca da possibilidade de serem utilizadas as provas ilícitas por derivação, ante a ausência de regulamentação expressa.
Por assim dizer, provas ilícitas por derivação são aquelas lícitas em si mesmas, mas produzidas por um fato ilícito, ou seja, são aquelas cujas descobertas somente foram possíveis a partir daquelas primeiramente maculadas.
Concerne às hipóteses em que a prova foi obtida de forma lícita, mas a partir da informação extraída de uma prova obtida por meio ilícito. É o caso da confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido; ou da interceptação telefônica clandestina, pela qual se venham a conhecer circunstâncias que, licitamente colhidas, levem à apuração dos fatos. A questão é saber-se se essas provas, formalmente lícitas, mas derivadas de provas materialmente ilícitas, podem ser admitidas no processo. (AVOLIO, 2003, p. 68).
Esta é a doutrina, cunhada pela Suprema Corte norte-americana, dos fruits of the poisonous tree - frutos da árvore envenenada - segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.
Com efeito, a origem dessa posição remonta ao caso Silverthorne Lumber Co. versus U.S.A, de 1920, julgado pela Corte supracitada, criando a taint doctrine – outra denominação da teoria ora abordada. Assim, as cortes passaram a excluir as provas derivadas das ilícitas. "Acreditava-se que, com isso, similarmente ao pensamento que ensejou a concepção da exclusionary rule, a polícia ficaria desencorajada de proceder a buscas e apreensões ilegais". (AVOLIO, 2003, p. 68-69).
O Supremo Tribunal Federal, em duas decisões plenárias, quais sejam, Ação Penal 307-3/Distrito Federal, Plenário, Relator Ministro Ilmar Galvão, DJU, 13 de outubro 1995 e Habeas Corpus 69.912-0/Rio Grande do Sul, Tribunal Pleno, Relator Ministro Supúlveda Pertence, 16 dezembro 1993, publicado na DJU, 25 março 1994, havia decidido pela inaplicabilidade da doutrina dos frutos da árvore envenenada, optando pela prevalência da incomunicabilidade da ilicitude das provas. Deste modo, vale registrar a ementa desta:
PROVA ILICITA: ESCUTA TELEFONICA MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL: AFIRMAÇÃO PELA MAIORIA DA EXIGÊNCIA DE LEI, ATÉ AGORA NÃO EDITADA, PARA QUE, "NAS HIPÓTESES E NA FORMA" POR ELA ESTABELECIDAS, POSSA O JUIZ, NOS TERMOS DO ART. 5., XII, DA CONSTITUIÇÃO, AUTORIZAR A INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFONICA PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL; NÃO OBSTANTE, INDEFERIMENTO INICIAL DO HABEAS CORPUS PELA SOMA DOS VOTOS, NO TOTAL DE SEIS, QUE, OU RECUSARAM A TESE DA CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS DECORRENTES DA ESCUTA TELEFONICA, INDEVIDAMENTE AUTORIZADA, OU ENTENDERAM SER IMPOSSIVEL, NA VIA PROCESSUAL DO HABEAS CORPUS, VERIFICAR A EXISTÊNCIA DE PROVAS LIVRES DA CONTAMINAÇÃO E SUFICIENTES A SUSTENTAR A CONDENAÇÃO QUESTIONADA; NULIDADE DA PRIMEIRA DECISÃO, DADA A PARTICIPAÇÃO DECISIVA, NO JULGAMENTO, DE MINISTRO IMPEDIDO (MS 21.750, 24.11.93, VELLOSO); CONSEQUENTE RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO, NO QUAL SE DEFERIU A ORDEM PELA PREVALENCIA DOS CINCO VOTOS VENCIDOS NO ANTERIOR, NO SENTIDO DE QUE A ILICITUDE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFONICA - A FALTA DE LEI QUE, NOS TERMOS CONSTITUCIONAIS, VENHA A DISCIPLINA-LA E VIABILIZA-LA - CONTAMINOU, NO CASO, AS DEMAIS PROVAS, TODAS ORIUNDAS, DIRETA OU INDIRETAMENTE, DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS NA ESCUTA (FRUITS OF THE POISONOUS TREE), NAS QUAIS SE FUNDOU A CONDENAÇÃO DO PACIENTE.
Todavia, o julgamento do Habeas Corpus 69.912-0/RS acabou sendo anulado pela declaração posterior de impedimento de um dos Ministros e, no novo julgamento, o entendimento se deu em sentido diametralmente oposto. "Em conclusão, a atual posição majoritária do Supremo Tribunal Federal entende que a prova ilícita originária contamina as demais provas dela decorrentes, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada". (MORAES, 2005, p. 99).
A doutrina, por sua vez, alertava: "Já se tem decidido que, considerada ilícita, a prova deve ser desentranhada dos autos. Mas não se tem decretado a nulidade do processo em que há prova ilícita, se há nos autos outras provas que levaram à condenação". (MIRABETE, 2005, p. 282).
Nesse sentido, encontrava-se o Habeas Corpus 74.599/São Paulo, proferido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. NÃO-ACOLHIMENTO. Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de censura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica - prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, e que contaminava as demais provas que dela se originavam - não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus indeferido.
Há de se destacar, ainda, que por força das mudanças trazidas pela Lei n.º 11.690/08, determinou-se que são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, conforme dispõe o §1º do artigo 157 do Código de Processo Penal. Portanto, consagrou-se a teoria dos frutos da árvore envenenada.
O §1º do artigo 157 do Código de Processo Penal, ao inadmitir as provas ilícitas por derivação, prevê como exceção a não evidenciação do nexo de causalidade.
De acordo com o dispositivo em comento, são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
Pelo que ficou proclamado neste último dispositivo legal (§ 1º do art. 157) a prova derivada exige nexo de causalidade entre a prova ilícita (precedente) e a subseqüente. Exemplo: confissão mediante tortura que conduz à apreensão da droga procurada.
Lendo-se esse texto legal em sua integralidade podemos dele extrair três regras: 1ª) comprovando-se o nexo de causalidade entre a prova ilícita e a subseqüente, esta última também é ilícita (prova ilícita por derivação); 2ª) não evidenciado o nexo de causalidade entre a prova ilícita (precedente) e a subseqüente, esta última é válida; 3ª) mesmo evidenciado o nexo de causalidade entre a prova ilícita (precedente) e a subseqüente, esta última é válida quando puder ser obtida por fonte independente (GOMES, 2008, p. 1).
Outra grande novidade trazida pela Lei n.º 11.690/08 reporta-se à teoria do nexo causal atenuado. A origem desta teoria remonta ao caso Wong Sun v. United States (1963) e, de acordo com ela, quando a ligação entre a prova ilícita e a que dela deriva for de tal maneira tênue, não há que se falar em derivação da prova ilícita.
No caso Wong Sun v. U.S. (1963), policiais da ‘delegacia de entorpecentes’ entraram num domicílio sem ‘causa provável’ (indícios probatórios necessários para tal) e prenderam ilegalmente ‘A’, o qual, quase imediatamente depois, acusou ‘B’ de ter vendido a droga. Os policiais, em seguida, prenderam ilegalmente ‘B’, o qual, por sua vez, implicou ‘C’, que também foi preso ilegalmente. Vários dias mais tarde, depois de ‘C’ ter sido libertado, ‘C’ voluntariamente confessou oralmente aos policiais da delegacia de entorpecentes, durante seu interrogatório policial. A Suprema Corte excluiu a apreensão da droga encontrada com ‘B’ e as declarações de ‘B’ por terem sido ‘frutos’ da entrada ilegal na sua casa e da sua prisão ilegal. Entretanto, rejeitou que a confissão de ‘C’ fosse fruto da sua prisão ilegal, pois, embora ‘C’ pudesse nunca ter confessado se ele jamais tivesse sido preso ilegalmente, sua ação voluntária de confessar, depois de ter sido solto e alertado de seus direitos, tinha tornado a conexão entre a prisão e a declaração tão atenuada que a ‘nódoa’ da ilegalidade tinha se dissipado.
O interessante é que esta teoria não era discutida na jurisprudência brasileira ou, quando muito, era de forma restrita.
Existe, no entanto, dúvida na doutrina se se trata efetivamente da teoria do nexo causal atenuado ou de ausência de nexo absoluto entre as provas derivadas. Senão, vejamos.
Quanto à existência do nexo de causalidade, é preciso estar atento à interpretação, pois não existem palavras inúteis na lei. Veja que o próprio enunciado da teoria norte-americana pressupõe o nexo causal entre a prova ilícita e a prova derivada, visto que, caso isso não ocorra, não há que se falar em aplicação daquela teoria. No entanto, o texto legal usa a expressão "não evidenciado" para se referir à existência do nexo causal. Ora, se o nexo causal está evidente, a prova derivada é ilícita. Se há ausência do nexo causal, por sua vez, é claro, a prova será lícita, até porque não se aplicaria nesse caso a teoria, já que não há prova derivada. (GANDRA, 2009, p. 3).
A segunda exceção à regra da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação diz respeito à teoria que se cunhou denominar de fonte independente. Deste modo, dispõe o artigo 157, §1º que são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
A limitação de Fonte Independente - The Independent Source Limitation - foi aplicada no caso Silverthorne, em que os fatos apurados através de uma violação constitucional não seriam, necessariamente, inacessíveis ao tribunal, desde que tivessem condições de serem provados por uma fonte independente.
Também nos casos "Bynum v. US" e "US v. Crews", a Corte retomou essa atenuação, partindo da idéia de que a produção da prova por fonte independente não sofreria a influência da violação prevista na IV Emenda, podendo ser perfeitamente utilizada, por não estar diretamente vinculada com a árvore. (KNIJNIK, 1996, p. 76-77).
Cite-se, ainda, como exemplo, o episódio no caso Murray v. US, de 1988, quando a polícia possuía indícios suficientes para conseguir um mandado de busca, motivada pela possibilidade de ocorrência do delito de contrabando. Contudo, de forma ilegal procedeu à busca sem estar na posse do necessário mandado, encontrando o corpo de delito no local. Após tais fatos, a polícia retirou-se do local da busca e, sem fazer menção ao que foi encontrado, obteve do Magistrado um mandado com base apenas em indícios previamente conhecidos, momento em que retornaram ao local e apreenderam o contrabando.
Nesta decisão, a maioria da Corte manifestou-se afirmando a necessidade da prova de que o mandado não havia sido requerido com base no que foi encontrado ilegalmente, mas apenas pelos indícios anteriores à diligência ilegal. Contudo,
nesse caso, a maioria da Corte reclamou expressamente a prova de que o mandado não fora solicitado em função dos achados ilegalmente obtidos, mas, única e tão-somente, à base dos indícios anteriores. Caso contrário, disse o tribunal, subsistiria uma relação de dependência, e a limitação não poderia ser aplicada. Houve, contudo, votos vencidos que advogaram a fundamentação profilática da exclusionary rule: a aplicação da limitação por fonte independete, no caso, poderia encorajar policiais inescrupulosos a, primeiro, certificar-se ilegalmente do crime, para só depois requerer conforme o caso, o mandado que sempre lograria sucesso. Todavia a maioria da Corte não se impressionou com tal argumento e placitou essa atenuação na doutrina. (KNIJNIK, 1996, p. 77).
Conclui-se, portanto, que, para o reconhecimento da Limitação da Fonte Independente, é necessária a certeza de que a prova a ser valorada pelo Juiz originou-se de uma fonte autônoma, sem qualquer relação de dependência com a prova ilícita, sob pena de se burlar a teoria dos frutos da árvore envenenada.
No Brasil, o próprio legislador tratou de conceituar fonte independente no §2º, do artigo 157, do Código de Processo Penal: "Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova".
Tal dispositivo recebe, pela doutrina, duas críticas.
A primeira é lançada em razão da brecha dada ao subjetivismo, tão impugnado no processo penal.
Ao nosso sentir, o que, de fato, vai gerar polêmica é a questão de saber o que são fontes independentes. O § 3º tentou definir o assunto como aquela fonte que "por si só, seguindo os trâmites típicos de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova". Ou seja, o legislador trabalhou com mera hipótese, com juízo de probabilidade, o que, em processo penal e na esfera penal em geral não é aconselhável. (GANDRA, 2009, p. 3).
A segunda crítica, por sua vez, existe porque parte da doutrina sustenta que a redação conferida ao §2º aproxima-se, em verdade, à teoria da descoberta inevitável. Isto é, o que o legislador denominou de fonte independente, é, na realidade, descoberta inevitável. Senão, vejamos.
De acordo a chamada The Inevitable Discovery Limitation, ou seja, Limitação da Descoberta Inevitável, a prova decorrente de uma violação constitucional pode ser aceita quando se demonstrar que o elemento probatório colhido ilicitamente seria inevitavelmente descoberto por outros meios legais.
"No caso Nix V. Williams, de 1984, ficou claro que tal conclusão – se ocorreria ou não, inevitavelmente a descoberta – não pode basear-se em meras conjecturas [...]". (KNIJNIK, 1996, p. 78). No caso em apreço, a Suprema Corte expôs que é ônus da acusação provar que a informação ilegalmente obtida seria, inevitavelmente, adquirida por outros meios legais, reclamando fatos concretos passíveis de pronta verificação.
Neste sentido também lançou entendimento o Centro de Apoio Operacional Criminal (CAO Criminal) do Ministério Público, que tem por função exercer atividades indutoras da política institucional, no âmbito da atuação criminal, auxiliando Promotores e Procuradores de Justiça no desempenho de suas funções, em suas reuniões de trabalho para discussão das alterações do Código de Processo Penal:
O artigo 157 do Código de Processo Penal, modificado pela Lei nº 11.690, de 2008, disciplinou a inadmissibilidade da prova ilícita, bem como acolheu a doutrina dos frutos da árvore envenenada (§ 1º), estabelecendo duas exceções: a doutrina da fonte independente ou independent source (§ 1°) e a da descoberta inevitável (§ 2°). Note que o § 2° se autoproclama como "fonte independente", mas é redigido de modo mais próximo da doutrina da descoberta inevitável (inevitable discovery).
O novo §3º do art. 157 do CPP dispõe que, preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
A decisão judicial, bem entendido, não inutiliza, mas sim autoriza a inutilização da prova inadmissível, que deverá dar-se por meios físicos apropriados, como incineração, por exemplo. É isso que se depreende da afirmação de que é "facultado às partes acompanhar o incidente", em redação, aliás, que lembra o art. 9º da Lei nº 9.296/96 ("Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada. Parágrafo único. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal"). Mas a prova inadmissível só será destruída depois de preclusa a decisão de desentranhamento. A propósito, a decisão de primeira instância que declara a nulidade da prova, por ilicitude, e que manda inutilizar as evidências ilegitimamente colhidas, é impugnável por recurso em sentido estrito, visto como anula parcialmente a instrução (CPP, art. 581, XIII) (REIS, 2008, p. 1).
No decorrer dos sete anos de tramitação no Congresso Nacional, foram apresentadas dezoito emendas ao Projeto de Lei 4205/2001, sendo certo que oito delas foram rejeitadas.
Dentre as rejeições, merece destaque a de n.º 2, eis que se tratou de uma tentativa do Senado suprimir o §4º do artigo 157, que assim dispunha:
"Art. 157 (...)
§ 4o O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão." (NR)
Esta emenda nº. 2 foi rejeitada sob os seguintes argumentos: "O dispositivo. .. visa a afastar do julgamento o juiz que tiver sido "contaminado" pelo conhecimento de prova declarada ilícita, de forma a proteger as garantias do acusado e assegurar a imparcialidade do julgador. Ora, o simples fato de impedir que o juiz se valha de provas declaradas inadmissíveis para fundamentar sua decisão não basta para preservar os mencionados princípios norteadores do processo se o magistrado tiver conhecimento de tais provas. Esse mecanismo é insuficiente para garantir que o magistrado não tenha sua convicção - e, portanto, sua decisão - influenciada pelo conhecimento de provas inadmissíveis. Ademais, acredito que o referido dispositivo, com a redação dada por esta Casa, atende melhor a vontade constitucional de impedir que provas ilícitas ou obtidas por meios ilícitos possam contaminar a subjetividade do julgador".
Todavia, ao ser encaminhado para sanção do Presidente da República o Projeto ora analisado, em seu parágrafo 4º, do artigo 157, foi parcialmente vetado por entenderem ser contrário ao interesse público.
Essencialmente, foram essas as razões para o veto apresentadas pelo Ministério da Justiça e a Advocacia-Geral da União: "O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso".
Em suma,
[...] previu o legislador, no art. 157, §4º, que o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível fica impedido de proferir a sentença ou acórdão. É que somente assim se preserva a imparcialidade do Juiz que proferirá a sentença, evitando-se a sua contaminação psicológica com o material desentranhado dos autos por ele mesmo. Deveria, pois, pela vontade do Congresso Nacional, o Juiz passar os autos a seu substituto legal. Ocorre que o Presidente da República vetou o § 4º do art. 157, sob o argumento de que a nova regra acarretaria transtornos para o procedimento, e que seria inconveniente que um juiz que não conhecesse a prova passasse a conduzir o processo.Ora, o objetivo do afastamento do juiz que teve contato com a prova ilícita era justamente o de permitir que um outro magistrado, isento de compromisso com a prova maculada, pois com ela não teve contato, pudesse examinar a questão, sem comprometimento psicológico. É de se lamentar o veto, portanto. (FUDOLI, 2008, p. 1).