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Controle jurisdicional na atividade das agências reguladoras.

Delimitação da discricionariedade administrativa

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03/06/2009 às 00:00
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5.CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS DE REGULAÇÃO

5.1.CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Como explicado, o ato administrativo possui os requisitos: competência, forma, finalidade, motivo e objeto. Os três primeiros requisitos são sempre vinculados, tanto nos atos vinculados quanto nos atos discricionários. O motivo e o objeto, em relação aos atos discricionários, são flexíveis, pois, em certas circunstâncias, o administrador pode decidir sobre a oportunidade e conveniência da prática do ato: é o mérito administrativo.

Há uma teleologia subjacente a essa flexibilidade legal. Ora, em determinados momentos, apresentam-se situações peculiares na Administração Pública, impossíveis de uma completa previsão legal. São situações que refletem a heterogeneidade e complexidade das relações humanas, com repercussões jurídicas. Diante disso, a lei confere certa flexibilidade de atuação ao administrador, levando em consideração que ele, conhecedor das minúcias da prática administrativa, é capaz de avaliar a conveniência e oportunidade da prática de certo ato.

Com base nessa teleologia, privilegiando a experiência do administrador, firmou-se o entendimento que o Poder Judiciário não poderia, mesmo quando provocado, avaliar o mérito administrativo. O juiz, pouco afeito às particularidades da atividade administrativa, não poderia valorar o juízo de oportunidade e conveniência do administrador, substituindo-o pelo seu.

Saliente-se, desde logo, que os demais elementos – competência, finalidade e forma – do ato administrativo sempre puderam ser analisados pelo juiz, posto que são elementos vinculados em todos os atos administrativos, inexistindo margem para atuação discricionária do administrador. Ao Judiciário estaria vedada a análise tão somente do mérito administrativo, visto que o juízo de oportunidade e conveniência em relação à prática do ato pertence a uma seara distante da função jurisdicional. O administrador, tendo conhecimento diário da atividade administrativa, das necessidades mais prementes, seria, em tese, o mais propenso a avaliar a realidade e decidir sobre a oportunidade e conveniência da prática de um ato administrativo determinado.

Essa é, em apertada síntese, a posição tradicional em relação à amplitude do controle judicial dos atos administrativos. Nos atos vinculados, já que inexiste margem de discricionariedade outorgada ao administrador, todos os elementos do ato são sujeitos ao controle judicial. Se o ato for discricionário, defende-se que os elementos finalidade, competência e forma estão sempre sujeitos à análise jurisdicional; mas essa análise jurisdicional não poderia ser realizada em relação aos elementos motivo e objeto, que formam a essência do mérito administrativo.

5.2.AMPLIAÇÃO DO CONTROLE JURISDICIONAL: APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE

Antes de analisar a delimitação da discricionariedade administrativa em face de uma teoria moderna de revisão dos atos administrativos, é necessário criar uma perspectiva em relação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, os quais, aliás, serão os delimitadores dessa discricionariedade. De um modo geral, utiliza-se indistintamente os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, embora existam sutis diferenças teóricas.

Para Luís Roberto Barroso, o princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. [28]

Surgido pela interpretação extensiva do devido processo legal, feita pela Justiça americana, o princípio da razoabilidade, deve ser entendido como um princípio de interpretação normativa e também como um princípio negativo para o Poder público, e aí se pensa a razoabilidade no seu sentido etimológico. A irrazoabilidade pode ser fundamento para invalidação do ato administrativo, mas a razoabilidade não é fundamento suficiente para a sua validade [29].Desta forma, a razoabilidade traduz-se em uma forma justa e sensata de aplicação da lei. Razoável traz em si a idéia daquilo que não arbitrário, do que é conforme a razão, sensato, ponderado.

O princípio da razoabilidade postula conceitualmente, portanto, uma relação de adequação entre o fim eleito pela lei e os meios em razão dos quais ele é efetuado. Pretende-se, em arremate, que haja uma verificação da adequação entre fim e meio, ou uma confrontação entre o fundamento da atuação administrativa e seus defeitos, de modo a tornar possível o controle de eventual excesso.

Por outro lado, a razoabilidade também se expressa pela proporcionalidade que postula a proibição do excesso, como preconiza a doutrina romano-germânica. Aqui, deseja-se que o atuar administrativo não desborde para além do necessário quando for impor aos administrados uma restrição reclamada pelo interesse público. [30]

Sobre o princípio da proporcionalidade, De Plácido e Silva, em seu dicionário jurídico, ensina:

Proporcional - do latim proporcionalis, de proportio (proporção, relação), entende-se o que se mostra numa relação de igualdade ou de semelhança entre várias coisas. É o que está em proporção, isto é, apresenta a disposição ou a correspondência devida entre as partes e o seu todo. A proporcionalidade, assim, revela-se numa igualdade relativa, conseqüente da relação das diferentes partes de um todo já comparadas entre si. [31]

O princípio da proporcionalidade corresponde a uma idéia de equilíbrio entre os meios utilizados e os fins que se buscam. A proporcionalidade envolve também consideração sobre adequação entre meios e fins e a utilidade de um ato para a proteção de um determinado direito. [32] Observa-se, mormente quando há conflito entre dois bens, se a medida que será utilizada é a adequada para atingir determinado fim; é necessária, não havendo outra medida que atinja o mesmo fim sem prejuízo do bem jurídico envolvido; e se não está em desproporção em relação ao fim visado. O meio escolhido, enfim, há de ser adequado, necessário e não excessivo.

Apesar dessa distinção, pode-se dizer que princípio da razoabilidade é uma das facetas da proporcionalidade, mas não se restringe à relação meio-fim, atendo-se à situação concreta dos bens jurídicos envolvidos em razão da particularidade do caso individual. A razoabilidade, como se viu, determina que as condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos sejam consideradas na decisão.

Não obstante essa sutil diferenciação, a doutrina e a jurisprudência no Brasil não vêm diferenciando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O próprio Supremo tem usado as expressões indistintamente. Assim, a rigor do purismo científico que exige a menção à diferenciação conceitual, admite-se que em linha gerais há uma certa fungibilidade entre o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade. [33]

O importante é ter em mente que a exigência de proporcionalidade e de razoabilidade vem sendo entendida como um dever normativo do administrador, passível de exame judicial. É de suma importância nesse sentido a razoabilidade como princípio negativo, pois a irrazoabilidade é causa suficiente para questionar a validade de um ato administrativo.

Os princípios mencionados, quando se trata de administração Pública, avaliam se a conduta do administrador é proporcional e compatível com a finalidade pública visada pelo ato. Assim, além dos limites eventualmente determinados na lei para o exercício do mérito administrativo, o administrador há de obedecer aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, já que o ato desproporcional em relação aos fins visado ou não razoável, arbitrário é passível de exame e anulação jurisdicional.

Celso Antonio Bandeira de Melo esclarece que

[...] a administração, ao atuar no exercício de discrição, terá que obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis -, as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada.

Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu líbito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda. Em outras palavras: ninguém poderia aceitar como critério exegético de uma lei que esta sufrague as providências insensatas que o administrador queira tomar; é dizer, que avalize previamente condutas desarrazoadas, pois isto corresponderia a irrogar dislates à própria regra de Direito. [34]

Dessa forma, o mérito administrativo, ou a avaliação da oportunidade e conveniência da prática do ato, está circunscrito aos ditames da proporcionalidade, observando-se se há uma adequação justa entre os meios usados e a finalidade a ser efetivada, e da razoabilidade, avaliando-se se o ato é sensato, prudente, ou, permissa vênia pela tautologia: razoável.

Como a observância desses princípios não é sugerida, mas imposta ao administrador, é perfeitamente possível que o Poder Judiciário analise a razoabilidade e a proporcionalidade desses atos e, eventualmente, anule-os por ofensa aos princípios mencionados.

5.3.PERSPECTIVA DE CONTROLE EM FACE DOS ATOS DE REGULAÇÃO

Antes de enfrentar a possibilidade e a delimitação do controle jurisdicional dos atos de regulação, cabe uma ressalva: é que não há apenas um Poder ou órgão responsável por exercer esse controle, pois há várias formas de controlar os atos regulatórios. O Executivo, através da supervisão das atividades das agências, exerce fiscalização. O próprio Legislativo tem formas de controle, podendo, inclusive, sustar os atos de regulação que exorbitem da esfera da legalidade. O Ministério Público, por sua parte, desempenhará suas funções institucionais em relação às agências, questionando judicialmente os atos eventualmente contrários ao ordenamento jurídico. Há, ainda, o controle do Tribunal de Contas, mas, nesse caso, não se trata propriamente de controle dos atos de regulação, mas do controle dos atos afeitos à administração interna das agências, tais como os referentes à licitação, contratos administrativos, dentre outros.

Embora todos esses controles tenham sua importância, enfocar-se-á o controle realizado pelo Poder Judiciário. Controle esse que, mesmo nos Estados Unidos, vem sendo ampliado, principalmente a partir dos anos 70, quando se passa a diminuir a competência regulatória das agências. [35]

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Sobre a possibilidade de controle jurisdicional em relação aos atos de regulação, dificilmente se poderá negar, já que é a própria Constituição que prevê, em seu artigo 5º, inciso XXXV, o princípio da inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário em face de lesão ou ameaça de lesão a direito. Assim, a intervenção do Judiciário no controle dos atos das agências reguladoras, quando provocado, não apenas é possível, mas é obrigatória. A autonomia das agências não as salvaguarda da possibilidade de ter seus atos apreciados pelo Poder Judiciário. A fiscalização do Judiciário não tolhe a autonomia das agências, mas submete-as ao sistema constitucional da inafastabilidade de apreciação jurisdicional, assegurando à sociedade que os órgãos reguladores não atuarão de forma abusiva ou arbitrária.

Premente, então, torna-se a delimitação desse controle, o âmbito em que pode ser exercido, principalmente porque há grande margem de discricionariedade na realização desses atos de regulação, sobressaindo-se o juízo de oportunidade e conveniência do administrador – o qual, aliás, no caso das agências reguladoras com mais propriedade, deveria ser escolhido por critérios técnicos, e não políticos; devido ao alto grau de conhecimento técnico que é necessário para administrar com proficuidade a discricionariedade legal outorgada aos dirigentes das agências.

No direito brasileiro, tradicionalmente, era vedada ao Judiciário a análise do mérito administrativo, limitando-se as decisões judiciais ao controle da legalidade dos atos praticados pela administração. Contudo, como mencionado, essa posição perde força na dogmática jurídica, aqui entendida como ciência do direito, sendo suplantada por uma visão que prioriza uma análise judicial mais profunda, calcada no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Passa-se a exigir um mínimo de racionalidade em relação às decisões administrativas, conferindo-se ao Poder Judiciário um espaço para avaliar o mérito, que terá sua amplitude delimitada de acordo com a proporcionalidade e a razoabilidade da decisão do administrador.

O controle dos limites, aqui preconizado, não é, portanto, a negação da discricionariedade nem, tampouco, a substituição do administrador pelo juiz, se não que, ao contrário, é seu reforço, pela precisão, com que beneficia o instituto e o seu sistema, e pela segurança com que brinda ao administrado, em última análise, origem e destinatário da norma jurídica.

A sindicabilidade jurisdicional não reside na reavaliação do mérito, como poderia parecer aos que se encastelam em ultrapassados preconceitos doutrinários, mas na verificação de sua conformidade a esses limites: o Judiciário não examina o mérito em si mas o que o exorbita. [36]

Essa nova concepção, que atinge todos os atos administrativos, com mais precisão dever ser acatada para os atos de regulação. Ocorre que as agências reguladoras editam norma que, à semelhança da lei, impõe prescrições de conduta com caráter de generalidade e abstração. É certo que essas normas infralegais estão embasadas em uma lei no sentido formal, mas o que faz a agência reguladora é inovar no ordenamento jurídico, criando efetivamente normas de conduta genéricas e abstratas, e não simplesmente complementando a norma legal. É em decorrência dessa concentração de poderes discricionários nos órgãos reguladores, dotados de pretensa autonomia, que se deve desenvolver um acompanhamento jurisdicional de fiscalização e controle.

Ao baixarem seus atos de regulação, as agências reguladoras exercem poder normativo, e, através de atos administrativos, impõe obrigações, de forma assemelhada a uma lei em sentido estrito. Só que há uma diferença: o exercício desse poder normativo pelas agências reguladoras não vem acompanhado da legitimidade que acompanha o processo legislativo, levado a cabo, aliás, por representantes do povo. Na atividade das agências, inexistem os mecanismos usuais de controle do processo legislativo. Neste ponto, levanta-se uma importante questão: em que medida é legítimo e democrático um ato de regulação emanado por um órgão composto por representantes não eleitos e, em tese, independentes da Administração Pública direta?

Em outros termos: onde encontrar legitimidade na atividade normativa das agências reguladoras? No controle jurisdicional, decerto. E não no controle realizado nos moldes tradicionais, mas em um controle que eventualmente ingressará no mérito administrativo, com fulcro nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Reconhecendo que a criação de burocracias independentes tecnicamente especializadas para a regulação dês setores da economia brasileira foi um dos pilares da reforma do Estado no Brasil dos anos 90, e que o modelo de agências reguladoras independentes parece estar em processo de consolidação no país, a preocupação com a legitimidade das normas e decisões dessas agências vem sendo enfrentada no campo do Direito, da Economia e da Ciência Política. [37]

Os atos das agências, mesmo os normativos, e principalmente esses, estão sujeitos à observância da Constituição, da legislação no sentido estrito e dos princípios aplicados a toda Administração Pública, tanto os expressos – legalidade, publicidade, igualdade, moralidade e eficiência – quanto os implícitos, tais como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Sobre a subsunção, ao princípio da proporcionalidade, dos atos que implicam restrições a direito, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes assim leciona:

A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade. [38]

Quando provocado, o Judiciário poderá analisar não só os requisitos vinculados dos atos de regulação, já que realizará uma análise mais profunda, adentrando no próprio mérito do ato, não para que o juiz imponha suas convicções sobre a conveniência e oportunidade do ato, mas para analisar a subsunção do ato às normas superiores e aos princípios administrativos. O Judiciário, se provocado, poderá fiscalizar, inclusive, o processo que antecede a emanação de um ato de regulação, exigindo informações sobre as opções adotadas e suas correlatas justificativas técnico-científicas. O Judiciário poderá analisar se o órgão regulador adotou todas as providências necessárias para um profícuo e satisfatório desempenho da sua competência discricionária. E um ato de regulação que ignore ou desrespeite as cautelas necessárias, impostas pelo conhecimento técnico ou científico, pode ser analisado e, se for o caso, invalidado pelo Poder Judiciário.

É esse controle amplo do Judiciário, pelo menos potencial, que concederá legitimidade à atividade normativa das agências, que não poderão editar atos arbitrários ou desarrazoados, já que estão sujeitas ao controle jurisdicional. Há, então, uma discricionariedade vigiada.

Poder-se-ia argumentar que a participação popular na elaboração dos atos de regulação, prevista fragmentariamente nas leis que criam os entes reguladores e nos decretos que detalham a estrutura desses, concederia legitimidade ao processo de criação normativa. A legislação que criou a Agência Nacional de Energia Elétrica –ANEEL prevê audiências públicas, como expõe o Decreto nº 2335/1997, art 6º, inciso IV. A Lei nº 9.472, que criou a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, prevê, em seu artigo 42, consultas públicas. Também em relação à ANATEL, o Decreto nº 2.338 de 1997, em seu artigo 36, prevê a participação de pessoas da sociedade nos órgãos consultivos das agências. De certa forma, todas as agências, na legislação específica que as informa, prevêem formas de participação popular. Normalmente, as decisões das agências reguladoras, notadamente as de grande repercussão, são precedidas de consultas e audiências públicas. Ocorre que neste canal de comunicação, a sociedade civil é colocada para opinar, não para decidir. O processo decisório, no final, pode ser acompanhado pela sociedade civil, mas os representantes dessa terão papel opinativo, não decisivo.

No final, essas formas de participação popular, mitigadas é bem verdade, não concedem a legitimidade necessária para assegurar a edição dos atos normativos de regulação. A participação popular, nos moldes observados nas agências, deve ocorrer em todos os âmbitos em que houver gestão da coisa pública, mesmo que não exista atividade normativa. A participação popular na gestão da coisa pública é imprescindível em um governo democrático e republicano. Essa participação há de existir em todas as pessoas e órgãos administrativos, daí que sua existência nas agências reguladoras apenas supre uma exigência democrática e republicana, não sendo suficiente para conferir legitimidade à atividade normativo-reguladora das agências. Só o amplo controle jurisdicional sobre os atos de regulação conferirá a indispensável legitimidade para a edição de normas reguladoras.

O Judiciário não tem, assim, diretamente, voltamos a insistir em benefício da clareza, a tutela da legimidade, pois que esta, no Estado Demcrático, é, em última análise, do povo e de seus representantes eleitos; mas tem-na indiretamente, a partir da definição positivada de legitimidade que se contém na norma legal, explícita ou implicitamente, quando autoriza à Administração o exercício da discricionariedade.

Confrontando a oportunidade e conveniência do ato praticado com o s seus limites técnico, o julgador está em condições de contrasta-lo com padrões objetivos que conduzem à satisfação da legitimidade na finalidade legal.

Quando a lei faz uma previsão específica incompleta do interesse público caberá ao Judiciário examinar se a Administração a completou coerentemente, utilizando os princípios instrumentais da realidade e da razoabilidade. [39]

Em estudo sobre o tema, Sebastião Botto de Barros Tojal vai ainda mais longe, sugerindo que:

[...] será possível ao Poder Judiciário investigar se as metas e diretrizes das agências reguladoras e protetivas dos direitos dos administrados estão sendo implementadas com a edição desses atos administrativos de regulação. Caberá, então, ao juiz determinar a imediata correção dos desvios daqueles atos que se tiverem desbordado da atividade-fim da regulação. [40]

De certa forma, esse parece ser o entendimento de Marçal Justen Filho:

Mesmo no tocante à discricionariedade é possível cogitar da fiscalização jurisdicional. O controle jurisdicional não pode invadir aquele núcleo de autonomia decisória inerente à discricionariedade. Mas o respeito a esse núcleo de mérito não significa sequer impossibilidade de questionamento e exame. O Judiciário pode verificar se a autoridade administrativa adotou todas as providências necessárias ao desempenho satisfatório de uma competência discricionária. [41]

Na mesma obra, porém, o autor faz uma ressalva:

Mas há também outro aspecto peculiar ao funcionamento das agências. Em grande parte dos casos, a atividade das agências refletirá conhecimentos técnico-científicos e atuação de especialistas. Os juízos e avaliações em que se fundam as decisões das agências poderão exteriorizar um conhecimento especializado dificilmente acessível ao funcionamento comum e normal do Poder Judiciário, cuja renovação na via judicial seja extremamente problemática.

Suponha-se, por exemplo, uma operação de concentração empresarial de grande porte, apta a produzir um poder de domínio do mercado reputado como suficientemente perigoso para colocar em risco a livre competição. A avaliação dessa questão depende de conhecimento técnico-científico, de abrangência restrita a alguns segmentos ou setores de especialistas

[...] Isso não significa impossibilidade de submissão dos atos praticados pelas agências ao crivo do Judiciário, mas a necessidade de uma especial cautela da autoridade jurisdicional no tocante ao desempenho da investigação a propósito deles. [42]

Ao concluir que o controle jurisdicional desses atos deverá ser realizado com cautela especial, Marçal Justen Filho, na verdade, explicita uma característica que deve ser comum a toda e qualquer intervenção jurisdicional. A cautela é essencial ao juiz. O que Marçal Justen pretende com essa ressalva é, aparentemente, esclarecer que os aspectos técnicos que geralmente envolvem os atos de regulação devem ser levados em consideração pelo Judiciário. Esse esclarecimento também é atinente a toda e qualquer atividade jurisdicional, pois, havendo aspectos técnicos envolvidos em uma lide, não pode o juiz simplesmente ignora-los, tendo de os levar em conta, nem que seja para nega-los, de forma fundamentada. As decisões judiciais não são arbitrárias, devendo analisar todos os aspectos envolvidos na lide, daí a necessidade de fundamentação das decisões judiciais.

Assim, a análise técnica não pode ser olvidada pelo Judiciário, o que, ademais, em um Estado democrático de Direito, é característica essencial á função jurisdicional, que deve considerar, fundamentadamente, todos os elementos envolvidos na lide.

A possibilidade de controle jurisdicional diante dos atos de regulação realiza um dos escopos mais importantes da jurisdição, que é a participação, ao menos em potencial, do jurisdicionado nos destinos da sociedade. O jurisdicionado não é mero espectador, pois a conseqüência dos atos estatais têm repercussão direta sobre ele, e não há um Estado democrático de direito sem que haja ampla possibilidade de participação de cada cidadão nos destinos da sociedade, e o amplo acesso ao Judiciário tem suma importância nessa participação, pelo menos a posteriori. É, pois, neste escopo político da jurisdição:

[...] permitir a participação do jurisdicionado nos destinos da sua sociedade, que está à base de instrumentos como a ação popular (em que tal participação é deferida diretamente aos cidadãos) e a ação civil pública (em que tal participação se faz através de associações e instituições de defesa dos interesses da sociedade, como o Ministério Público). A participação da sociedade na fixação de seus destinos (além da interferência da sociedade na própria gestão do Estado por aqueles que exercem o poder) é essencial para a caracterização de um Estado democrático de Direito. A democracia sem participação direta da sociedade civil, em que o poder é exercido exclusivamente pelos detentores de cargos e funções públicas, é uma forma ultrapassada de regime político, que não se coaduna com as determinações constitucionais. [43]

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Sobre o autor
João Aurino de Melo Filho

Procurador da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO FILHO, João Aurino. Controle jurisdicional na atividade das agências reguladoras.: Delimitação da discricionariedade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2163, 3 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12903. Acesso em: 5 nov. 2024.

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