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Controle jurisdicional na atividade das agências reguladoras.

Delimitação da discricionariedade administrativa

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03/06/2009 às 00:00
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6.CONCLUSÃO

A atuação das agências, mesmo autônoma, está margeada pelos ditames do Direito, pois os objetivos estatais não se realizam a qualquer custo. Tanto a propagada reforma da Administração Pública quanto a sua principal meta, ampliar a eficiência da atividade administrativa, estão limitadas pela Constituição da República, com todo o seu arcabouço normativo e principiológico. Esclarecido esse pressuposto, o Judiciário aparece como o Poder mais apto para exercer a fiscalização e controle dos atos regulatórios, concedendo à tarefa de regulação a legitimidade necessária.

Não que o Judiciário tenha a tutela direta da legitimidade, posto que esta legitimidade, no âmbito de um Estado Democrático de Direito, pertence ao povo, que a exerce diretamente ou por meio de seus representantes legitimamente eleitos. Indiretamente, porém, o Judiciário tem a tutela dessa legitimidade, pois é na norma legal, feita pelos representantes do povo, que se encontra a autorização para o exercício da discricionariedade administrativa. E é o Poder Judiciário que tem a função precípua de tutelar o cumprimento da lei, tutelando, indiretamente, a expressão da vontade do povo.

É claro que, dentro de suas competências, também exercem fiscalização sobre as agências o Poder Executivo e o Legislativo, mas é o Judiciário, responsável pela tutela legal, que irá efetivamente observar e, eventualmente, impedir o descumprimento normativo. Até porque a autonomia das agências é defendida ardorosamente pelo Poder Executivo, o qual, no afã de implementar suas políticas públicas, utiliza-se do poder decisório das agências reguladoras.

A fiscalização jurisdicional, portanto, torna-se ainda mais pertinente, pois não é raro que o Poder Executivo faça uma leitura parcial das normas jurídicas, sobretudo das constitucionais, visando à implementação da política pública da vez, normalmente circunstancial, a depender da ideologia – ou da falta dela – do partido governista. Ocorre que os entes reguladores não podem ser usados pelo Executivo como um meio de executar suas políticas públicas imune ao controle externo dos demais Poderes, notadamente do Judiciário, e livre de qualquer fiscalização.

Do contrário, utilizar-se-ia a autonomia das agências para reduzir o controle, sobretudo o jurisdicional, sobre o exercício de competências estatais; embora as agências reguladoras tenham surgido justamente com o objetivo oposto: permitir que o exercício de competências estatais seja mais transparente e controlável, menos político e mais técnico. Mais um motivo para esclarecer que a liberdade decisória das agências reguladoras não as dispensa do respeito às normas e princípios constitucionais.

Mesmo havendo grande poder decisório sob a tutela das agências reguladoras, a sua atividade deve ser suscetível de fiscalização, pois não há independência em sentido próprio, nem real separação do Governo; havendo, simplesmente, um reforço na autonomia de gestão para melhor e mais eficiente prestação dos serviços públicos de importância coletiva.

O âmbito de atuação das agências reguladoras vem crescendo paulatinamente, e sua maior ou menor liberdade de atuação refletirá em um número incontável de beneficiários de serviços públicos. A delimitação da atividade regulatória atinge todos os cidadãos usuários de serviços públicos, e a fiscalização jurisdicional da legalidade dessa atuação trará conseqüências a toda coletividade.

A legitimidade dos atos de regulação, de repercussão coletiva, está intimamente relacionada com o controle jurisdicional. A possibilidade de um controle jurisdicional posterior concederá legitimidade ao exercício da atividade normativo-reguladora das agências, ainda que para isso o conceito de mérito administrativo tenha de ser minimizado, desembocando em uma discricionariedade limitada ou relativa. Torna-se, desse modo, viável e, sobretudo, necessário o controle jurisdicional nos atos das agências reguladoras, tanto para garantir a legalidade desses atos administrativos quanto, o que tem grande correlação com o mencionado, para assegurar a legitimidade da edição dos atos de regulação, que prescindem do rígido controle do processo legislativo, mesmo levado a cabo por representantes do povo legitimamente eleitos.


7. REFERÊNCIAS

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Notas

  1. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 354.
  2. BARROS TOJAL, Sebastião Botto de. Controle judicial da atividade normativa das agências reguladoras. In: MORAES, Alexandre de (org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 152.
  3. JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p. 31.
  4. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 54.
  5. JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., p. 17.
  6. JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., p. 24.
  7. JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., p. 24.
  8. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 82.
  9. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Limites da Função reguladora das agências diante do princípio da legalidade In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito regulatório: temas polêmicos. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 56.
  10. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 1999; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
  11. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Agências reguladoras: legalidade e constitucionalidade. In: Revista tributária e de finanças públicas, n. 35, dez. 2000, p. 143-158; SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (org.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 17-38; SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica – princípios e fundamentos. São Paulo: Malheiros, 2001.
  12. CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. A independência da função reguladora e os entes reguladores independentes, Revista de Direito Administrativo, n. 219, p. 253, jan./mar.2000.
  13. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 355.
  14. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p.160.
  15. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p.160.
  16. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 1994, pp. 132-133. Destaques no original.
  17. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 197.
  18. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 197.
  19. MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 32.
  20. MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 138.
  21. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 407-408
  22. MORAES, Alexandre de. As Agências Reguladoras. Revista dos Tribunais, v. 791, p.739-740, set. 2001.
  23. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.162.
  24. BARROS TOJAL, Sebastião Botto de. op. cit., pág. 162.
  25. BARROS TOJAL, Sebastião Botto de. op. cit., pág. 162.
  26. JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit, p. 590.
  27. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias da Administração pública: Concessão, permissão, franquia, intervenção e outras formas. 3. ed. Atlas, 2001, p. 150.
  28. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 211.
  29. BALTHAZAR, Ezequiel Antonio Ribeiro. A legalidade no Estado democrático de direito: necessidade de razoabilidade e de proporcionalidade das leis. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (org.). Direito regulatório (temas polêmicos). Belo Horizonte: Forum, 2003, p. 99.
  30. COSTA COELHO. Paulo Magalhães da. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 61.
  31. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. v. 3-4, p. 476.
  32. TOLEDO BARROS, Suzana de. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p.71.
  33. BALTHAZAR, Ezequiel Antonio Ribeiro. op. cit., p. 94.
  34. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 99.
  35. STUCHI, Carolina Gabas. Regulação e desregulação diante dos princípios da administração pública. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (org.). Direito regulatório (temas polêmicos). Belo Horizonte: Forum, 2003, p. 116.
  36. MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 63.
  37. LESSA MATOS, Paulo Todescan. Agências reguladoras e democracia: participação pública e desenvolvimento. In: SALOMÃO FILHO, Calixto. (org.). Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 185.
  38. FERREIRA MENDES, Gilmar. A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Repertório IOB de jurisprudência, São Paulo, n.23, p 470, dez. 1994.
  39. MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. op. cit., p. 60.
  40. BARROS TOJAL, Sebastião Botto de. op. cit., pág. 162.
  41. JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., p. 590.
  42. JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., p. 592.
  43. FREITAS CÃMARA, Alexandre. Lições de direito processual civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris: 2004, p. 83.
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Sobre o autor
João Aurino de Melo Filho

Procurador da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO FILHO, João Aurino. Controle jurisdicional na atividade das agências reguladoras.: Delimitação da discricionariedade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2163, 3 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12903. Acesso em: 28 mar. 2024.

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