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A (in)constitucionalidade material da imposição do regime da separação obrigatória de bens para os maiores de sessenta anos

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05/06/2009 às 00:00
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2 MINORIAS E A QUESTÃO DO IDOSO

Neste capítulo, analisaremos a questão das minorias a fim de verificarmos em que medida os idosos se encaixam nessa perspectiva. Também será objeto de análise o instituto da ação afirmativa, em que pese as iniciativas voltadas à inserção do idoso, de maneira plena, no contexto social. Para tanto, será imprescindível verificarmos o tratamento dispensado ao indivíduo senil pelo Estatuto do Idoso, concluindo se, efetivamente, ele cumpre o fim para que fora proposto.

2.1 MINORIAS

Hodiernamente, a maior parte dos Estados constituídos, e, portanto, soberanos, se intitulam Estados Democráticos de Direito. Mas, esse é um conceito que deve ser aferido na prática. De maneira que dizer que um Estado assume a feição de "Estado Democrático de Direito", significa que além de possuir uma Constituição como vinculação jurídica de poder, possui ainda uma ordem de domínio legitimada pelo povo, pensada e estruturada na pessoa humana [46].

Veja que o regime democrático é o pressuposto lógico que sustenta a afirmação acima, de modo que é nesse contexto democrático que a dicotomia maioria/minoria assume extrema relevância. Vejamos. Desde a antiguidade clássica, donde remonta a democracia ateniense, tão exaltada por Aristóteles, o conceito de democracia guarda uma premissa comum, qual seja: de que seria um governo do povo pelo povo, regime político em que o poder reside na massa de indivíduos e é por eles exercido, seja por meio de representantes ou diretamente [47].

Nessa perspectiva, ao discorrer sobre o princípio democrático, conclui CANOTILHO [48]:

Em primeiro lugar, o princípio democrático acolhe os mais importantes postulados da teoria democrática representativa – órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes. Em segundo lugar, o princípio democrático implica democracia participativa, isto é, a estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efectivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs políticos democráticos. É para esse sentido participativo que aponta o exercício democrático do poder.

Evidentemente, tal conceito experimentou ao longo do tempo algumas modificações fruto de conquistas da humanidade. Assim, por exemplo, não mais encontra assento na concepção moderna de democracia a restrição de que somente os cidadãos livres comporiam o corpo de indivíduos aptos a ditarem os rumos políticos da cidade [49]. Portanto, embora essa fosse a linha sustentada por Aristóteles no contexto de sua época e que tenha vigido durante longo período [50], seria inadmissível justificar essa restrição nos dias atuais, vez que a nossa democracia está, inevitavelmente, atrelada a ditames jurídicos e axiológicos inafastáveis, como a liberdade, a igualdade e a dignidade da pessoas humana.

A esse respeito, oportuna a lição de Peter Häberle [51]:

(...) a democracia não se desenvolve apenas no contexto de delegação de responsabilidade formal do Povo para os órgãos estatais (legitimação mediante eleições), até o último intérprete formalmente competente, a Corte Constitucional. Numa sociedade aberta, ela se desenvolve também por meio de formas refinadas de mediação do processo público e pluralista da política e da práxis cotidiana, especialmente mediante a realização dos Direitos Fundamentais. (grifamos)

Será, enfim, como dissemos, nesse contexto democrático que o paradoxo maioria/minoria comportará discussões das mais variadas naturezas, a fim de que se estabeleça em que medida o princípio da maioria é legitimo e pode prevalecer frente às minorias sem que isso importe numa "ditadura da maioria [52]", em que os valores característicos da democracia se resumam ao mero arbítrio das maiorias.

Mas, afinal, o que se está a dizer por "minoria"? [53]

O termo minoria diz respeito a determinado grupo humano e social que esteja em inferioridade numérica em relação a um grupo majoritário e/ou dominante. Uma minoria pode ser étnica, religiosa, cultural, lingüística. Não necessariamente o termo minoria indica que sectários ou membros das minorias sejam necessariamente perseguidos ou dizimados pelo grupo dominante, embora há numerosos casos de perseguições a minorias, notadamente às étnicas [54].

Oportuno, outrossim, para análise das minorias no contexto democrático, a trancrição de trecho elucidativo de artigo de Gerardo Ruiz-Rico Ruiz [55], em que discorre sobre os direitos das minorias no contexto do direito espanhol e conclui que, em última análise, o direito das minorias pode ser tido como " direito à diferença". Direito esse que há de ser mantido incólume para sobrevivência da pluralidade que marca um Estado Democrático. São palavras deste autor:

No cabe duda de que (...) el comúm denominador de éstas es siempre la iferioridad numérica de um grupo de sujetos, en el marco de una sociedade que podría recibir la denominacion de << golbal>>. A esta configuración elemental o básica habria que anãdir una de carater cualitativo que permite concebir a la <<minoria>> como grupo portador de unas señas particulares o singularidades de identidad de índole cultural, religiosa, linguística o de otro tipo. Precisamente la existencia de una diversidad en los modo os estilos de vida constituye la razón de ser do reconocimiento de un supuesto << derecho a la diferencia>>, punto de partida em cualquier sociedad democrática para la creación de mecanismos jurídicos eficaces de protección de las minorias. [56]

Como se pode inferir das noções de minoria acima esboçadas, há uma tendência natural de que estes grupos "humanos e sociais" suportem os ditames da maioria, ficando, na maior parte das vezes, visivelmente vulneráveis. No plano jurídico, contudo, dentro da perspectiva democrática de direito que se pretende adotar, é mister que o legislador e o aplicador do direito pautem suas condutas sempre atentando para as necessidades da maioria que compõe o corpo social, sem esquivar-se, todavia, da manutenção dos direitos fundamentais daqueles grupos que por possuírem características/particularidades comuns, os fazem pertencente a um grupo distinto dos demais.

Assim, atentar para os direitos das minorias é realizar, efetivamente, a democracia, a qual não pode reduzir-se a um conceito puramente político, sem nenhuma repercussão prática na vida do cidadão. É mister, portanto, comprender, respeitar e tutelar " o longo mar de rostos que enche a terra de humanidade [57]"

Portanto, um dos grandes desafios que está posto para os operadores do direito revela-se na necessidade, impostergável, de conciliar a defesa dos interesses e das necessidades da maioria com a necessidade imperativa de que a minoria encontre, dentro do corpo social, respeito pelas suas diferenças e proteção jurídica que lhe dê azo a recorrer ao Poder Judiciário sempre que for ferida em seu direito fundamental à diferença, que constitui-se, em última análise, ao direito fundamental à igualdade material ou substancial perseguida pela Carta Magna.

Numa sociedade pluralista como a nossa, é, imprescindível, que aqueles que estejam incumbidos do processo legislativo, da implementação de políticas públicas e aplicação das leis, atentem para o debate interdisciplinar travado entre juristas e cientistas sociais de forma a melhor compreender a realidade da gama de minorias que compõem uma nação, assimilando que uma verdadeira democracia não é composta somente de uma maioria prevalecente, mas também por minorias das mais variadas naturezas, que reclamam tratamentos específicos a fim de que se verifique, na prática, a observância do preceito constitucional impositivo da igualdade material. Afinal, embora uma minoria possa ser caracterizada por ser "reduzida em número", não pode jamais ser em direitos e garantias.

É justamente face a essa exigência constitucional de que os direitos fundamentais encontrem aplicação prática, vez que se prestam a resguardar um patamar mínimo de direitos que garantam ao indivíduo uma existência digna, é que se tem desenvolvido na doutrina o instituto da "ação afirmativa", que se consubstancia, podemos dizer, numa tentativa de implementação de políticas públicas voltadas à criação de medidas específicas a fim de que o princípio da igualdade material seja observado na práxis, isto é, trabalha com a premissa de que, ontologicamente, somos diferentes, e, portanto, por vezes carecemos de tratamentos diferenciados para que alcancemos um patamar de efetiva igualdade de oportunidades. Embora uma minoria possa ser caracterizada

2.2 AÇÃO AFIRMATIVA

Na visão do professor e ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim B. Barbosa Gomes [58], a discussão acerca do instituto da ação afirmativa começou com um considerável atraso na Academia brasileira. Desse modo, embora a temática da isonomia não seja recente, no Brasil, demorou-se para que fosse dado um viés prático ao princípio da igualdade, mesmo ante ao esforço demasiado da doutrina em disseminar a importância de seu contorno substancial e não meramente formal.

Com o advento do Estado Social de Direito [59], a igualdade material foi maximizada frente ao tratamento obtido pelo Estado Liberal que lhe precedera. Assim, a atenção a determinados grupos e indivíduos identificados por serem socialmente desfavorecidos e fragilizados, redobrou. Passou-se a perseguir, com muito mais vigor, a promoção de uma justiça social, que procurava perceber e tratar o ser humano levando-se em conta suas singularidades [60]. Nas palavras de Flávia Piovesan: [61]

Do ente abstrato, genérico, destituído de cor, sexo, classe social, dentre outros critérios, emerge o sujeito de direito concreto, historicamente situado, com especificidades e particularidades. Daí apontar-se não mais ao indivíduo genérica e abstratamente considerado, mas ao indivíduo "especificado", considerando-se categorizações relativas a gênero, idade, etnia, raça, etc.

Será, portanto, essa nova forma de perceber o indivíduo, seja de forma particular seja inserido em determinados grupos ou categorias, que irá reclamar medidas/políticas sociais compensatórias que visem implementar a tão perseguida igualdade substancial. [62]

Nessa linha, Joaquim B. Barbosa Gomes [63], define as ações afirmativas como "políticas públicas voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física".

O primeiro a utilizar a expressão "ação afirmativa" em um texto oficial, foi o presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy, em 1961, ocasião em que propôs medidas que visavam ampliar a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho. Mais adiante, seu sucessor, Lyndon B. Johnson, foi responsável por atribuir ao termo um significado mais próximo daquele que ficou consagrado no meio jurídico. [64]

Na verdade, o instituto da ação afirmativa terá maior repercussão no trato da questão do "dilema americano", que cuida da discriminação da raça negra, que até os dias atuais sofre com o preconceito que a deixa à margem do contexto social, político e econômico em que vive a sociedade dos Estados Unidos da América. [65]

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Na ocasião, vislumbrou-se a necessidade de que o Estado abandonasse sua posição cômoda de "neutralidade" para agir, efetivamente, no intuito de realizar a igualdade tão convincente no plano formal, mas, sofrivelmente, distante da realidade da população negra. [66]

Infelizmente, não é só os Estados Unidos da América que padece com esse problema de forte preconceito e discriminação, mormente, no tocante à raça negra, mas, em diversos outros países verifica-se situação similar, em que a igualdade constitui-se apenas princípio constitucional, sem ressonância efetiva na prática. Não podemos olvidar que para o desenvolvimento de alternativas que visem extirpar ou amenizar as condutas discriminatórias e preconceituosas, é preciso admitir sua prática. Talvez aí resida o maior entrave à sua implementação, considerando-se, ainda, a influência negativa "por parte daqueles que historicamente se beneficiaram da exclusão dos grupos socialmente fragilizados". [67]

Evidentemente, a ação afirmativa não constitui remédio para todos os males, mas, emerge com o escopo de procurar atenuar os efeitos das distorções trazidas pelas desigualdades. Surge, pode se dizer, como um importante desafio para o jurista contemporâneo, o qual deverá procurar, em sua atuação, corrigir ou abrandar as desigualdades que a lei, por si só, não foi nem será capaz solucionar. Soa imprescindível, outrossim, que a própria sociedade clame por uma atuação estatal positiva, que suplante as premissas ideológicas do Estado Liberal que se apresentam como óbice intransponível a uma efetiva igualdade substancial.

Nessa linha, arremata Carmem Lúcia Antunes Rocha [68]:

O essencial é igual oportunidade para a consecução dos objetivos da pessoa humana. E para igual oportunidade é preciso igual condição. Igual oportunidade e igual condição entre homens desiguais pela capacidade pessoal de ação e direção. Porque a igualdade social não importa nem impõe um nivelamento entre homens naturalmente desiguais. O que ela estabelece é a supressão das desigualdades artificiais criadas pelos privilégios da riqueza, numa sociedade em que o trabalho é social, e, conseqüentemente, social a produção, mas o lucro é individual e pertence, exclusivamente, a alguns.

Devemos, pois, nos insurgir contra todo e qualquer tipo de discriminação artificial que atente contra dignidade da pessoa humana, e, desta forma, contra a igualdade em seu aspecto material, apoiando, por outro lado, as tentativas, ainda que esparsas, de proteger aqueles grupos fragilizados socialmente.

Podemos citar, como exemplo de implementação de política pública, que atenda ou que procura atender, aos fins aqui propostos, a Lei n° 10.741, promulgada em 1° de outubro de 2003, a qual instituiu o Estatuto do Idoso, que se consubstancia em medida protetiva do idoso e possui, dentre outros objetivos, o de evitar qualquer forma de discriminação em razão da idade.

2.3 O IDOSO

Historicamente, houve uma inversão do papel ocupado pelo idoso no âmbito social. Pode se dizer que com o desenvolvimento acelerado do capitalismo, houve um processo de desprestígio do sujeito idoso, isto é, daquele que já não possui a mesma força de trabalho e, portanto, não contribui com a mesma vitalidade para o processo de produção e circulação de riqueza. É mais uma prova do reflexo direto do aspecto econômico sobre o social.

Aquela prática milenar de quase veneração que se tinha pelo sujeito ancião, que parecia transcender da força da juventude para a sabedoria da velhice, se tornou, hodiernamente, obsoleta. Interessa ao sistema aquele que produz. O indivíduo senil passou a ser visto pelo Estado, de certa forma, como um número que significa gasto, sobretudo, gasto para a Previdência Social.

Infelizmente, a atenção dispensada nos debates públicos acerca da minoria idosa se deu, na maior parte dos casos, em virtude dos débitos que a mesma representa para os cofres públicos, e não com o fim de criação de normas e/ou implemento de políticas públicas para inserção do idoso no meio social.

A pressão para que o indivíduo idoso tivesse certos direitos próprios dessa faixa etária tutelados, foi feita, sobretudo, por organizações não governamentais, comissões de direitos humanos empenhadas na conquista e preservação dos direitos de minorias e, particularmente, pela Associação Nacional de Gerontologia, a qual pesquisando e atualizando dados acerca da questão dos idosos, formulou o rol de recomendações do documento Políticas Para a 3ª Idade nos anos 90 [69].

Graças, portanto, ao enorme esforço empreendido por forças conjuntas dos mais diversos setores da sociedade, preocupados com a seriedade da causa, podemos listar como fruto desse trabalho, gradativamente, as seguintes conquistas legislativas: a Lei Orgânica da Assistência Social, n. 8.742, de 07 de dezembro de 1993, que fez prevalecer o benefício de um salário mínimo aos idosos absolutamente carentes; a lei n° 8.842/94 que implantou a Política Nacional do Idoso; a Lei n º 10.048, de 08 de novembro de 2000, que estabeleceu a prioridade de atendimento do idoso nas repartições públicas e empresas concessionárias de serviços púbicos; A lei n º 10.173, de 10 de janeiro de 2001, que concedeu prioridade de tramitação dos processos judiciais de pessoas com idade superior a sessenta e cinco anos e, finalmente, em 2003, a edição da   Lei n° 10.741, que passou a vigorar em 01 de janeiro de 2004, elaborada com o escopo de atender à necessidade impostergável de proteção específica que carece o indivíduo senil, daí sua consagração como Estatuto do Idoso [70].

Emerge, portanto, o Estatuto do Idoso, como medida protetiva do idoso e que possui como principal objetivo evitar qualquer forma de discriminação em virtude da idade mais avançada. O referido diploma garante, assim, a todos com idade igual ou superior a 60 anos especial proteção legal, a fim de lhes assegurar "todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade." [71]Embora não fosse necessário, o Estatuto do idoso fez questão de estabelecer em seu art. 8º, que "o envelhecimento é um direito personalíssimo e sua proteção um direito social". Sendo assim, qualquer violar tais direitos estará sujeito "à responsabilidade penal, civil e administrativa, conforme o caso". [72]

Procurando estabelecer responsabilidade para o Estado e para a sociedade, os artigos 9º e 10º, do Estatuto do Idoso, estabelecem, respectivamente:

Art. 9º É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.

Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.

Os valores consagrados nestes dispositivos legais, na ótica esboçada por Waldimir Novaes Martinez [73], e, endossada neste trabalho,

(...) são nobilíssimos da civilização, merecendo todos os encômios possíveis, sem os quais o cidadão não desfruta da qualidade de vida e que, em hipótese alguma, podem ser esquecidos pelas autoridades guardiãs da cidadania. De nada serve a liberdade sem respeito pessoal; é imprestável ser livre, vivendo indignamente.

Esperamos, assim, manter viva a esperança de que dias melhores virão e que disposições deste jaez saiam da "confortável zona de utopia legislativa", que, inegavelmente, proporciona ao legislador enorme comodidade, na medida em que justifica estar desincumbido de sua missão constitucional legiferante, e possa atingir seus destinatários com vigor, enaltecendo a dignidade da pessoa idosa, proporcionando-lhe viver esta fase da vida com o que de melhor ela puder oferecer e não como via de martírio e discriminação perpetrada por aqueles que, por certo, devem cogitar de morrerem ainda jovens. Pois, como reflete a sabedoria dos ditados populares "só não respeita o idoso quem pensa que vai morrer jovem."

De qualquer modo, hodiernamente, não se pode ignorar que o crescimento da população idosa tem sido uma tendência mundial, e que, mais cedo ou mais tarde, os Estados que ainda não enfrentaram terão que enfrentar essa realidade [74]. O envelhecimento, como processo natural que é, tende a chegar para todos, salvo se esse processo for irrompido pelo evento morte. Se assim é, então, atentar para a questão do idoso hoje representa salvaguardar a integridade de nossos direitos de amanhã.

Infelizmente, como se demonstrou, no Brasil, a proteção do idoso, enquanto cidadão que compõe uma minoria específica dentro do contexto macro da sociedade, em virtude da idade mais avançada encontrou acolhida em nossa legislação bem tardiamente, considerando-se o fator de peso de que, segundo dados significativos da ONU, o Brasil em 2025 "terá a sexta população mais idosa do mundo, com cerca de 32 milhões de idosos" [75]

Na opinião do gerontólogo [76] e sociólogo Flavio da Silva Fernandes [77], a urgência no reconhecimento dos direitos do idoso se deve, primordialmente, a três fatores: as transformações sociais, a expansão demográfica e a consideração de que a saúde dos indivíduos é afetada no curso dos anos.

Esses fatores elencados pelo especialista, não podem em nenhum momento serem desconsiderados. Primeiro, a população idosa, inegavelmente, possui menores condições de adaptação às transformações sociais experimentadas no curso da vida, ao que se soma o fato de que sua mão de obra passa a não mais captada com facilidade pelo mercado de trabalho, formando um excedente populacional sem expectativas de retorno ao mercado de trabalho. [78]

Segundo, o crescimento dessa parcela da população mundial tem sido alarmante, criando uma necessidade impostergável de planejamento dos governos para essa nova realidade, em que a população idosa está quase a superar a população de crianças, fenômeno que se percebe em caráter mundial. Por fim, além das dificuldades de ordens estruturais e conjecturais ocasionadas pelo aumento significativo da expectativa de vida em todo mundo, o indivíduo senil ainda tem que lidar com o fato de que com o passar dos anos a saúde tende a ficar mais debilitada, gerando, por conseqüência, gastos extras com medicamentos de enfermidades próprias da idade. [79]

O idoso não deve ser visto de forma alguma com um olhar penoso, mas como parcela de um todo (corpo social) que está a nos mostrar quais caminhos os jovens de hoje devem percorrer para alcançar o sucesso e quais jamais devem trilhar para não repetirem os mesmos fracassos da juventude de ontem. São, antes de idosos, seres humanos, portanto, destinatários de todos os direitos e garantias fundamentais que garantam um patamar existencial com um mínimo de dignidade. Especiais, na medida em além desses, reclamam ainda a tutela de direitos próprios da idade, como o são as crianças. Assim, Paulo Roberto Barbosa Ramos: [80]

(...) os idosos são sujeitos de direitos, não somente individualmente, mas coletivamente. O fato de as pessoas irem envelhecendo não lhes retira, em hipótese alguma, a sua dignidade, porquanto continuam sendo seres humanos portadores dos mesmos direitos imprescritíveis e inalienáveis dos quais são sujeitos todas as criaturas de semblante humano. Dessa forma, nenhuma sociedade pode ignorá-los, deixando de desenvolver políticas públicas voltadas a atender às suas necessidades; necessidades essas facilmente averiguáveis a partir do simples conhecimento da realidade desse segmento em cada sociedade.

Nesta senda, a nossa Constituição Federal de 1988, em seu art. 3º eleva a supressão de todas as formas de desigualdades, inclusive a decorrente da idade, ao patamar de objetivos da República federativa do Brasil, a fim de dar efetividade à razão fundante do Estado Democrático de Direito, qual seja: a dignidade da pessoa humana [81].

Dada a importância assumida pela tutela dos direitos das minorias no contexto de uma sociedade plural como a brasileira, a Constituição Federal e a própria Lei n º 10.741/03, em seu art. 73 e seguintes, autorizam o Ministério Público a atuar na defesa dos direitos das pessoas idosas, a fim de resguardar a dignidade das mesmas. Nessa toada, observa Clodoaldo de Oliveira Queiroz [82]:

(...) salta aos olhos a importância do Ministério Público na defesa dos direitos desse segmento social, porquanto tem a tarefa primordial de reverter esse quadro de desrespeito a seus direitos, especialmente por meio de ações que despertem a atenção da sociedade para a necessidade de sua garantia, lançando mão de todos os instrumentos jurídicos à sua disposição, especialmente, o inquérito civil e a ação civil pública, como forma de demonstrar a sociedade que se transitou da barbárie à civilização, traduzida pela afetividade das normas que reconhecem os direitos humanos como imprescritíveis e invioláveis.

Atuando na defesa de tais direitos, o ministério Público certamente estará velando pela sua função constitucional, isto é, enquanto "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis [83]", e o idoso, por sua vez, poderá respirar mais aliviado sabendo que uma instituição atuante e que não se conforma com qualquer forma de injustiça, como o Parquet, está legitimimada a defender seus interesses.

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Sobre a autora
Renata Pereira Carvalho Costa

Advogada. Mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Renata Pereira Carvalho. A (in)constitucionalidade material da imposição do regime da separação obrigatória de bens para os maiores de sessenta anos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2165, 5 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12908. Acesso em: 28 mar. 2024.

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