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Prejuízos, (in)constitucionalidade e soluções contra a prática de criação de contas em paraísos fiscais para fins fraudulentos

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17/06/2009 às 00:00
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A preocupação da pesquisa foi a de ir mais a fundo no estudo dos paraísos fiscais, focalizando-os sob a perspectiva de que acabam virando ralos para dinheiro oriundo de atividades ilícitas, apesar de não serem ilegais e que seu surgimento não tenha sido motivado pela intenção deliberada de virar refúgios de sonegadores.

Acontece que as vantagens que oferecem atraem corruptos, traficantes e sonegadores em geral. Essas pessoas e suas bilionárias operações escusas causam problemas de toda ordem para o país lesado, e o principal deles é o fomento à desigualdade socioeconômica. Em se tratando do Brasil, esse problema é ainda mais sério, tendo em vista as suas dimensões continentais e a histórica desigualdade existente, inclusive a desigualdade regional, onde enquanto São Paulo é o estado mais rico, cidades principalmente do Norte e Nordeste do país sofrem com a falta de água potável e de alimento.

Para o Brasil, paraíso fiscal é o local que não tributa ou que gera um ônus tributário de não mais que 20% sobre a renda. Possuem também um sigilo bancário e fiscal fortificado, estabilidade política que garanta o não confisco dos valores depositados, isonomia de tratamento fiscal a investidores nacionais e estrangeiros, não existe qualquer forma de controle cambial e são países que praticamente não cooperam com investigações fiscais de outros países.

Todas essas vantagens aliadas à extrema burocracia brasileira e sua díspare carga tributária tornam-se um verdadeiro terreno fértil para as aplicações naqueles países. O problema encontra-se no fato de que não é só o dinheiro limpo, oriundo de atividades lícitas e prévio planejamento tributário que cai nessas contas, mas principalmente o dinheiro sujo, que financia as mais obscuras atividades. Para dificultar o rastreamento dos fraudadores por seus países de origem, eles colocam as contas em nomes de laranjas, para que haja o despiste. No Brasil, além da maciça evasão tem-se também o problema da crescente informalidade que, além de prejudicar a saúde dos consumidores com produtos de baixíssima qualidade e infringir os direitos de marca dos originais proprietários, ainda não paga qualquer tipo de tributo, ocasionando sério déficit ao erário.

A legislação brasileira não proíbe a criação de contas e envio de dinheiro para paraísos fiscais, desde que as movimentações, lícitas, sejam declaradas no imposto de renda e que sejam tributadas devidamente pelo país de origem. Essa premissa baseia-se na legalidade e na livre iniciativa, princípios constitucionais. Por caracterizar uma brecha legal, uma vez que não proíbe nem permite expressamente as aplicações em paraísos fiscais, está o contribuinte livre para fazê-lo, desde que atendidos os requisitos acima mencionados.

O planejamento tributário, de caráter elisivo e, portanto, legal, baseia-se na noção do parágrafo anterior, ao contrário da evasão que é, de fato, a fuga ilícita de divisas. No sentido de conter as práticas nocivas como a evasão, a sonegação e a lavagem de dinheiro, foram editadas muitas normas pelo legislativo brasileiro. Algumas são ineficazes, outras tão somente serviram para dificultar a vida do contribuinte honesto e mais algumas até ajudaram a impor alguns breques nessas práticas, mas diante da dimensão real do problema, ainda são de efeito muito tímido, de forma que ainda não intimidaram os sonegadores nem impactaram de forma decisiva os seus negócios.

Em tempos de crise econômica em nível mundial, a discussão em torno do tema ganhou espaço de destaque. Órgãos, cidadãos comuns e autoridades de vários lugares do mundo têm-se manifestado sobre o assunto, e tem ganho cada vez maior repercussão a proposta do fim da tributação privilegiada dos paraísos e o estabelecimento de rigorosas sanções como arma para o seu combate.

A questão atinente ao fim dos paraísos fiscais, enquanto não for resolvida eficazmente, conta com inúmeras sugestões, que podem servir como eficientes válvulas de escape. Porém, após sentirem o peso da crescente pressão mundial, países de rigoroso sigilo bancário e fiscal como a Suíça têm-se mostrado de boa vontade para colaborar com as investigações a serem solicitadas daqui por diante. Isso deveu-se às ameaças de imposição de severas punições, bem como a própria proposta de extinção dos paraísos fiscais. E este trabalho não poderia ter sido concluído sem serem anunciadas as decisões tomadas na reunião do G-20.

Tal possibilidade foi um dos temas centrais da reunião do G-20, dia 02 de abril do corrente ano, em Londres, e contou com o apoio das principais nações reunidas. Foi decidido pelo fim dos paraísos fiscais com o estabelecimento de severas sanções aos países que se recusarem em cooperar na fiscalização das divisas, além de medidas outras que possibilitem a reconstrução das economias afetadas, para gerar a retomada ao crescimento e dos empregos, bem como medidas de estabelecimento de políticas sustentáveis, tendo em vista que a questão ambiental também vem clamando desesperadamente por socorro.

Resta, agora, esperar para ver qual o impacto a ser gerado pela tomada das decisões do encontro na expectativa de quem sejam eficazes e façam com que as economias mundiais, em especial as menos desenvolvidas, possam desenvolver-se, gerando uma maior igualdade socioeconômica para seus povos e um meio ambiente mais saudável, e que a crise seja superada contornando-se os problemas da melhor forma possível, sem mais prejuízos.


4. REFERÊNCIAS

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Sobre a autora
Nathalia Chaves Lopes

Advogada, especialista em direito tributário, especializanda em gestão de crises em relações internacionais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Nathalia Chaves. Prejuízos, (in)constitucionalidade e soluções contra a prática de criação de contas em paraísos fiscais para fins fraudulentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2177, 17 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13011. Acesso em: 20 abr. 2024.

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