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As ações afirmativas a partir da teoria da causalidade cumulativa de Gunnar Myrdal

25/06/2009 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução. 2. O leading case Brown vs. Board of Education of Topeka. 2. As Ações Afirmativas: conceito e origem. 3. A política de cotas e a teoria da causalidade cumulativa de Gunnar Myrdal. 4. Conclusão. Referências bibliográficas.


1. Introdução.

O presente artigo visa discutir o pensamento subjacente às ações afirmativas à luz da teoria da causalidade cumulativa de Gunnar Myrdal, apresentada em sua clássica obra An American Dilemma: the negro problem and modern democracy, cujo impacto foi tão significativo a ponto de ter inclusive influenciado, segundo a literatura, a decisão da Suprema Corte Norte-americana no famoso leading case Brown vs. Board of Education of Topeka, e, a despeito disso, permanece ausente, s.m.j. do debate público acerca das ações afirmativas no Brasil.

Portanto a pretensão singela do presente artigo consiste em nada mais do que expor sucintamente dita teoria, a fim de contribuir para com a compreensão da problemática envolvendo as ações afirmativas e da lógica a elas subjacente.


2. O leading case Brown vs. Board of Education of Topeka.

O caso Brown vs. Board of Education of Topeka (1954), ensejou o início de um novo período no que diz respeito ao tema das relações raciais nos Estados Unidos da América, constituindo um dos precedentes mais emblemáticos da história constitucional estadunidense e inaugurando, a partir de então, uma importante fase do ativismo judicial da Suprema Corte.1

O juiz Earl Warren prolatou sua decisão revendo a segregação racial institucionalizada, cabendo a transcrição parcial dos argumentos por ele expendidos, in verbis:

Separá-las [as crianças negras] de outras da mesma idade e qualificações unicamente por causa de sua raça, gera um sentimento de inferioridade em sua posição na comunidade que pode afetar seus corações e mentes de uma forma que pode jamais ser desfeita. The effect of this separation on their educational opportunities was well stated by a finding in the Kansas case by a court which nevertheless felt compelled to rule against the Negro plaintifOs efeitos desta separação sobre as suas oportunidades educacionais foram bem demonstrados no julgamento de um caso pela Corte de Kansas, a qual, no entanto, sentiu-se obrigada a decidir contra o pedido dos negros: ‘A separação entre crianças brancas e de cor em escolas públicas tem um efeito negativo sobre as crianças de cor. O impacto é maior quando se tem o encorajamento da lei; a política de separar as raças é geralmente interpretada como se denotasse a inferioridade do grupo negro. A sense of inferiority affects the motivation of a child to learn. Um sentimento de inferioridade afeta a motivação da criança para aprender. ASegregation with the sanction of law, therefore, has a tendency to [retard] the educational and mental development of negro children and to deprive them of some of the benefits they would receive in a racial[ly] integrated school system. segregação com o encorajamento da lei, portanto, tende a retardar o desenvolvimento mental e intelectual das crianças negras e a privá-las de alguns dos benefícios que receberiam acaso o sistema educacional fosse racialmente integrado’. Brown vs. Board of Education – 347 U.S 483 (1954). (Tradução livre).2

Warren procurou ressaltar a relevância do caso no combate às medidas de segregação impostas no âmbito educacional, bem como sublinhar os efeitos perversos da discriminação contra os negros, especialmente a irreparabilidade dos prejuízos decorrentes de tais efeitos, em relação às crianças negras.

Nesta ocasião decidiu-se que no âmbito da educação pública a doutrina do separate but equal, consubstanciada na decisão Plessy vs. Ferguson (1896), que permaneceu como paradigma judicial por décadas, não teria mais acolhida. A segregação baseada no critério racial em escolas da rede pública violaria a cláusula da igual proteção prevista na 14ª Emenda, pois, a separação era uma negativa da igual proteção das leis.

Não obstante, com a histórica decisão judicial no caso Brown v. Board of Education of Topeka (1954) a Suprema Corte não colocou termo, de maneira ampla, eficaz e imediata a segregação entre brancos e negros nas escolas do sul dos Estados Unidos, haja vista ter afirmado que a segregação deverá ser eliminada progressivamente ("with all deliberate speed"), ao invés de imediatamente ("immediately").3

Vistas estas premissas, de se analisar o conceito e as distinções de ações afirmativas e política de cotas, com vistas ao estudo do tema proposto.


2. As Ações Afirmativas: conceito e origem.

A adoção de ações afirmativas constitui uma das medidas tendentes à minoração do quadro de exclusão social, econômica e cultural, que atinge parcelas vulneráveis da sociedade e implica necessariamente o reconhecimento de que tais parcelas necessitam de apoio para atingir a igualdade de oportunidades.

Reputa-se ação afirmativa, para fins do presente artigo, toda distinção instaurada com vistas a minimizar ou eliminar uma situação de vulnerabilidade decorrente de um quadro de desigualdade ou discriminação odiosa, por qualquer meio, desde que implique em uma promoção ou favorecimento – tratamento seletivo ou diferenciado –, visando os atingidos por uma situação desfavorável.4

Consiste, em outras palavras, na instauração de uma seletividade com vistas a compensar ou corrigir uma situação de vulnerabilidade de origem discriminatória ou fundada em desigualdade socioeconômica ou de outra natureza.5

Entre as técnicas ou instrumentos possíveis ou utilizáveis para a instituição de ações afirmativas encontram-se, ao lado das mais conhecidas – as políticas de cotas – diversas outras, como os patamares mínimos, as metas, os programas de incentivo, desde que visem suprimir ou reduzir quadros de desigualdade generalizada ou persistente.6 Portanto, tecnicamente, políticas de cotas e ações afirmativas não se confundem; antes aquelas constituem espécies destas.7

Parte majoritária da literatura aponta os Estados Unidos da América como pátria de origem das denominadas ações afirmativas. Autores como John David Skrentny e Paul Singer vislumbram que as primeiras referências a tais políticas surgiram em 1935, na Lei das Relações de Trabalho Nacionais (The 1935 National Labor Relations Act), a qual propugnava o combate à discriminação e visava reparar situações de violação legal ou injustiças já perpetradas.8

Embora a expressão "affirmative action" apareça pela primeira vez nos Estados Unidos da América, na Executive Order 10.925, de iniciativa do presidente John Kennedy9, foi seu sucessor, o presidente Lyndon B. Johnson, procurando abrandar as intensas pressões exercidas pela sociedade civil organizada, quem buscou dar um significado mais próximo do instituto nos moldes em que é adotado atualmente, promulgando o Civil Right Act, de 2 de julho de 1964, 10 e posteriormente a Lei sobre os direitos de voto – Voting Rights Act de 1965. 11

O modelo norte-americano de tratamento diferenciado em estudo foi recepcionado também no Brasil, sendo conhecido ora como ação afirmativa, ora como discriminação positiva, prevalecendo entre nós a primeira denominação.

É a partir da década de 1990, notadamente na modalidade de cotas, que o tema começa a ganhar visibilidade no Brasil, especialmente, após as reivindicações empreendidas pelo movimento negro organizado 12, que almejava especificamente maior inclusão dos afro-descendentes, na mídia, no mercado de trabalho e no acesso ao ensino superior. 13

As políticas de cotas para o acesso de afro-descendentes às universidades públicas, de todas as políticas reivindicadas, é a que mais suscita polêmica, possivelmente porque sua afirmação põe por terra o mito da "democracia racial" e a correlata falácia brasileira no sentido de inexiste racismo no Brasil. 14

Ademais, atualmente encontra-se em tramitação o Projeto de Lei n. 6264/2005 – denominado Estatuto da Igualdade Racial – o qual, caso seja aprovado pelo Congresso Nacional, entre outras disposições, instituirá políticas de cotas para as Universidades Federais e para cargos públicos.

Evidentemente a matéria é polêmica e tem suscitado acirrado debate no âmbito da opinião pública e do Parlamento, sendo que o conceito de causalidade cumulativa, cuja criação é atribuída a Gunnar Myrdal.


3. A política de cotas e a teoria da causalidade cumulativa de Gunnar Myrdal.

Gunnar Myrdal, jurista e economista sueco que em 1974 recebeu o Prêmio Nobel de Economia, com sua teoria a respeito da teoria da moeda e das flutuações econômicas e pela análise percuciente da interdependência dos fenômenos sociais, econômicos e institucionais.

O pensamento subjacente às ações afirmativas parece remontar a Gunnar Myrdal, que, em seu clássico An American Dilemma: The Negro Problem and Modern Democracy (1944), livro célebre inclusive por ter influenciado a decisão da Suprema Corte norte-americana no leading case Brown vs. Board of Education of Topeka (1954), aqui já sucintamente examinado. 15

O livro constitui fruto de pesquisa levada a cabo por Myrdal na década de 1940, financiada pela Carnegie Fondation, livro cujo sucesso pode ser expresso em números: mais de 100.000 exemplares e 25 reimpressões antes da segunda edição, no ano de 1965.

Na obra, o autor identifica o que denomina causalidade cumulativa (cumulative causality). Segundo Myrdal:

Uma razão mais profunda para a unidade da questão negra pode emergir quando tentamos formular nossa hipótese relativa à dinâmica de suas causas. O mecanismo que opera aqui é o ‘princípio da cumulação’ também comumente chamado de ‘círculo vicioso’. Tal princípio tem uma aplicação muito ampla em matéria de relações sociais. Ele é, ou deveria ser convertido em, uma ferramenta teorética central para estudar a mudança social. 16 (tradução livre da autora).

Sustentando uma compreensão global ou holística da questão racial norte-americana – visão esta que, em nosso juízo, aplica-se à questão racial brasileira mutatis mutandis – Myrdal explicita que o denominado efeito cumulativo consiste na retro-alimentação de quadros de exclusão pelos efeitos de outros quadros de exclusão, atingindo todas as esferas da vida dos afetados:

Ao logo de todo este estudo, nós devemos assumir uma interdependência geral entre os fatores envolvidos na questão negra. O preconceito e a discriminação dos brancos rebaixam o negro em termos de seus padrões de vida, saúde, educação, maneiras e moral. Isso, por sua vez, retroalimenta o preconceito dos brancos. Portanto, o preconceito racial e os padrões negros dão causa mutuamente um ao outro. Se as coisas permanecerem tal qual elas estão e têm estado, o resultado será que ambas as forças equilibrarão uma à outra." 17 (tradução livre da autora).

Segundo Myrdal, a causalidade cumulativa implica, ainda, a amplificação e perpetuação dos efeitos do primeiro empuxo ou influxo:

Se um dos fatores muda, isso pode causar uma mudança no outro fator também, e dar início a um processo de interação no qual a mudança ocorrida em um fator seja continuamente suportada pela reação do outro fator. O sistema inteiro pode modificar-se na direção da mudança primária, mas muito além. É isso que se quer dizer com causalidade cumulativa. 18 (tradução livre da autora).

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Por outro lado, segundo o cientista social sueco 19, o círculo vicioso pode, através de mudanças causadas por um estímulo adequado, converter-se em um "círculo virtuoso", por força da mesma lei ou princípio da causação cumulativa:

No campo da política racial relativa à questão negra qualquer elevação promovida em qualquer desses fatores – se nossa hipótese central estiver correta – moverá todos os demais fatores na mesma direção e exercerá, por intermédio de todos eles, um efeito cumulativo sobre o status geral do negro. Um aumento, uma tendência ascendente pode ser afetada por qualquer número de medidas, independentemente de onde o impulso inicial é exercido. Através do processo de cumulação, ele pode ser transferido através do sistema todo. 20 (tradução livre da autora).


4. Conclusão.

O conceito de causalidade cumulativa de Myrdal é valioso para compreender a complexidade da situação de exclusão dos afro-descendentes no Brasil, denunciada de forma inequívoca pelos indicadores sociais, nos quais constituem maioria entre os excluídos.

Explicita, sobretudo, como uma cadeia de fatos negativos – escravidão, obstrução do acesso aos meios de subsistência e produção (terra), ausência de indenização no pós-abolição, preconceito e discriminação – gerou um quadro de exclusão crescente e perene, cujos efeitos chegam até a contemporaneidade. 21

Por conseguinte, as ações afirmativas recentemente estatuídas no Brasil visam não somente coibir a discriminação do presente, mas, sobretudo, eliminar os efeitos persistentes – psicológicos, culturais, comportamentais, sociais e econômicos – da discriminação, dominação e exploração do passado historicamente recente e seus impactos negativos na realização dos direitos fundamentais dos afro-descendentes. 22

O conceito de causalidade cumulativa permite compreender, outrossim, a lógica subjacente ao instituto das ações afirmativas: da mesma maneira que afetações negativas – como exclusão e discriminação – originam toda uma cadeira de negatividades que se acumulam em detrimento dos afetados, um apoio ou incentivo em qualquer dos fatores implicados – renda, educação, etc. – tem o condão e provocar uma melhoria global na condição dos afrodescendentes, conforme demonstrou Gunnar Myrdal.

Sobretudo em matéria de cotas para o acesso de afro-descendentes à educação superior, as implicações positivas são evidentes. Pois conforme já observara o Juiz Warren em Brown vs. Board of Education of Topeka, ainda no ano de 1954:

Hoje, educação é talvez a mais importante função do Estado e dos governos locais. Tanto a legislação estabelecendo o comparecimento obrigatório às escolas e os crescentes gastos com educação demonstram nosso reconhecimento quanto à importância da educação para nossa sociedade democrática. Ela é requisito para o desempenho de nossas mais elementares responsabilidades públicas, mesmo o serviço nas forças armadas. Ela é o verdadeiro fundamento da boa cidadania. 23 (tradução livre da autora).

E não somente. O exercício dos direitos mais elementares e, como o direito ao sufrágio exercido através do voto, requerem acesso a um nível educacional adequado, constituindo uma evidência inegável a militar em favor da interdependência dos direitos. 24

Desse modo, parece essencial a inclusão de elementos teóricos fundamentais, como o conceito ora estudado e elaborado por Myrdal, para a compreensão adequada da justificativa, do funcionamento e da finalidade das ações afirmativas, e para um debate público e político cientificamente esclarecido, e não fundado sobre preconceitos e idiossincrasias.


Referências bibliográficas.

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Notas

  1. No ano de 1948 Ada Lois Sipuel, estudante negra, provocou a Suprema Corte porque a faculdade de direito de Oklahoma indeferiu seu pedido de matrícula. A mesma universidade teve de deferir o pedido de C.W. McLaurin, que se matriculou num programa de pós-graduação em Educação. Porém o aluno foi obrigado a sentar-se em ambiente contíguo à sala de aula, em lugar separado na biblioteca, bem como foi constrangido a usar o refeitório em horário diverso dos outros estudantes. Sweatt, outro afro-descendente teve pedido indeferido para matricular-se na faculdade de Direito do Texas. Em 1952 a Corte preparava-se para apreciar casos do Kansas (Brown v.Topeka), da Carolina do Sul, da Virgínia, e de Delaware. As quatro ações, não obstante, versarem sob fatos e premissas distintas, a questão atinente à segregação racial nas escolas, encontrava-se presente em todas, e desta feita, seriam julgadas conjuntamente.

  2. No original: "To separate them from others of similar age and qualifications solely because of their race generates a feeling of inferiority as to their status in the community that may affect their hearts and minds in a way unlikely ever to be undone. The effect of this separation on their educational opportunities was well stated by a finding in the Kansas case by a court which nevertheless felt compelled to rule against the Negro plaintiffs: Segregation of white and colored children in public schools has a detrimental effect upon the colored children. The impact is greater when it has the sanction of the law, for the policy of separating the races is usually interpreted as denoting the inferiority of the negro group. A sense of inferiority affects the motivation of a child to learn. Segregation with the sanction of law, therefore, has a tendency to [retard] the educational and mental development of negro children and to deprive them of some of the benefits they would receive in a racial integrated school system."

  3. Nesse passo, cumpre aduzir que no ano seguinte ao julgamento do caso Brown, a Suprema Corte foi chamada novamente a se manifestar a respeito dos termos em que deveria ser efetivada a decisão anterior, caso este, que ficou conhecido como Brown II. Ver Brown v. Board of Education II, 349 U.S 294 (1955).

  4. LIMA JÚNIOR, J. B. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais, 2001, p. 143.

  5. Nesta perspectiva ampla, tanto as disposições que outorgam tratamento prioritário e preferencial a idosos, crianças, portadores de necessidades especiais e afro-descendentes, quanto as disposições que estabelecem o combate às desigualdades regionais, sejam estas últimas resultado da realidade socioeconômica ou mesmo de fatores alheios à vontade humana ou ao agir social, como, por exemplo, regiões suscetíveis a prolongados períodos de estiagem, são reputadas ações afirmativas.

  6. GOMES, J. B. B. Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. O Direito como Instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 40.

  7. Para aspectos relacionados à constitucionalidade das ações afirmativas, bem como referentes aos requisitos que permitem a distinção entre discriminações positivas, privilégios odiosos e discriminações negativas, toma-se a liberdade de remeter a JENSEN, G; SGARBOSSA, L.F. A análise da constitucionalidade das ações afirmativas em face do princípio isonômico através do princípio da proporcionalidade. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/9446/analise-da-constitucionalidade-das-acoes-afirmativas-em-face-do-principio-isonomico-atraves-do-principio-da-proporcionalidade>. Acesso em 01 jun. 2009. Jus Navigandi (Teresina), v. 1309, 2007.

  8. In verbis: "… an employer who was found to be discriminating against union members or unions organizers would have to stop discriminating, and also take affirmative action to place those victims where they would have been without the discrimination". SKRENTNY, J. D. The Ironies of Affirmative Action. Politics, Culture, and Justice in America. Chicago & London: The University of Chicago Press, 1996, p. 6. Visando combater o tratamento discriminatório dispensado a trabalhadores sindicalizados e viabilizar o caráter preventivo e reparatório de tais medidas, o The 1935 National Labor Relations Act destacava que, se um empregador fosse encontrado discriminando sindicalistas ou operários sindicalizados, deveria cessar a discriminação e, ao mesmo tempo, adotar ações afirmativas que devolvessem às vítimas as posições nas quais estariam, se não tivessem sido discriminadas. Ibid.

  9. Kennedy soube fazer uma leitura apropriada dos anseios da sociedade americana naquele momento marcada por crescentes tensões sociais, geradas principalmente por razões de preconceito. MENEZES, P. L. de. A Ação Afirmativa (Affirmative Action) no Direito Norte-Americano, 2001, p.87.

  10. A Lei dos Direitos Civis de 1964, proibia a segregação em diversos locais, como escolas, acomodações públicas, programas de governo e emprego. MENEZES, P. L. de. Idem, p. 91.

  11. A Lei sobre os direitos de voto – Voting Rights Act de 1965 garantia aos negros o direito de votar e de ser votado.

  12. Aduz-se como importante marco nas demandas e lutas das populações afro-descendentes, a Marcha Zumbi dos Palmares pela Vida realizada em 20 de novembro de 1995. O Movimento Negro ainda teve um papel decisivo no tocante a compromissos assumidos pelo Estado Brasileiro, nos últimos anos, em fóruns internacionais da Organização das Nações Unidas, com destaque à III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância, ocorrida em Durban, na África do Sul, em 2001. Ademais, tais manifestações foram decisivas para a implementação das primeiras ações afirmativas no âmbito dos Ministérios, resultou ainda na criação da SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em 2003, e na promulgação da Lei 10.639/2003, que institui a obrigatoriedade da disciplina História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas faculdades e escolas públicas e privadas e por fim, no Estatuto da Igualdade Racial, que se encontra tramitando no Congresso Nacional, desde 1999. Além disso, a III Conferência Mundial teve reflexos internos, dentre os quais, o Programa Nacional de Direitos Humanos II, em 2002, o qual estabelecia um conjunto de medidas tendentes a promover os direitos da população negra.

  13. GOMES, J. J. B. O debate constitucional sobre as ações afirmativas. In: SANTOS, E. dos; LOBATO, F. (Orgs.). Ações Afirmativas, 2003, p. 17.

  14. Não obstante, o racismo à brasileira poder ser considerado diferente do norte-americano ou do sul-africano, diversos autores propugnam que também os programas positivos aqui adotados, devem possuir nuances próprios de nosso contexto. Dentre os quais, OLIVEIRA, L. R. C. Direito legal e insulto moral. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 47-50, KAUFMANN, R. F. M. A Ação Afirmativa (Affirmative Action) no Direito Norte-Americano, 2001. HASENBALG, C. O contexto das desigualdades raciais. In: SOUZA, J. (Org.). Multiculturalismo e Racismo, 1997, p. 67. RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Editora das Letras, 1995, p. 56.

  15. Igualmente o relatório da UNESCO de 1950, intitulado The Race Question e igualmente confiado a Myrdal é apontado como influente sobre a decisão de Brown vs. Board of Education of Topeka.

  16. MYRDAL, G. An American dilemma: The Negro Problem and Moderny Democracy. New York: Harper & Brother, 1944, p. 75.

  17. MYRDAL, G. Idem, pp. 75-76.

  18. Ibidem. O Autor explicita a interdependência dos diversos fatores na questão dos afrodescendentes: "A rise in the Negro employment, for instance, will raise family incomes, standards of nutrition, housing, and health, the possibilities of the Negro youth more education, and so forth, and all of these effects on the initial changes, will, in their turn, improve the Negroes’ possibilities of getting employment and earning a living." Ibidem.

  19. Embora economista por formação e prêmio Nobel de Economia, Gunnar Myrdal não restringiu sua produção exclusivamente ao âmbito da teoria econômico, como parece evidente. Seu livro An American Dilemma, por exemplo, é um clássico da sociologia.

  20. MYRDAL, G. Idem, p. 77.

  21. De se rememorar que, no Brasil, em lugar de vir acompanhada de uma reforma agrária que proporcionaria aos ex-escravos o acesso à subsistência, a alguma renda e, quiçá, a um desenvolvimento futuro adequado, a abolição foi precedida pelo Estatuto da Terra, segundo alguns editado preventivamente, exatamente com vistas à iminente libertação da mão de obra. Para tal corrente da historiografia, a modificação do regime fundiário do país visou exatamente à manutenção da separação da mão-de-obra em relação ao meio de produção por excelência do período – a terra. Tal painel auxilia a compreensão da complexa situação de exclusão do negro na sociedade brasileira contemporânea, em que se articulam aspectos variados, que vão da discriminação racial – ainda que velada – à vulnerabilidade econômica, cujas consequências perduram, protraindo os efeitos do período escravagista no tempo e fazendo com que desbordem parcialmente nas contemporâneas questão agrária e questão racial, ambas ainda não resolvidas. ANDRADE, M. C. Op. cit., p. 08. É interessante observar o paralelo que se pode traçar entre as considerações de Max Weber com relação à concentração dos meios de administração e de guerra em mãos do soberano e sua expropriação em relação aos estamentos, de um lado e, de outro, a separação dos operários em relação aos meios de produção que se encontra à base do capitalismo, segundo Karl Marx, para com a situação ora relatada. Parece, s.m.j., constituir-se de uma regularidade, sempre significando a concentração de poder – seja ele político ou econômico – com vistas à manutenção de situações de dominação e exploração. Tal complexidade e seus efeitos ganham em nitidez e compreensão a partir das teorizações de Gunnar Myrdal acerca da causalidade cumulativa, sobre a qual se discorrerá adiante. MYRDAL, G. An American dilemma: The Negro Problem and Moderny Democracy. New York: Harper & Brother, 1944, p. 75.

  22. Tais efeitos se revelam na denominada discriminação estrutural, "espelhada nas abismais desigualdades sociais entre grupos dominantes e grupos marginalizados". Segundo MASSEY, D.; DENTON, N., apud GOMES, J. B. O debate constitucional sobre as ações afirmativas. In: SANTOS, R. E.; LOBATO, F. (Orgs.). Ações Afirmativas, 2003, p. 30.

  23. "Today, education is perhaps the most important function of state and local governments. Compulsory school attendance laws and the great expenditures for education both demonstrate our recognition of the importance of education to our democratic society. It is required in the performance of our most basic public responsibilities, even service in the armed forces. It is the very foundation of good citizenship." Brown vs. Board of Education of Topeka (1954).

  24. Os princípios da interdependência e da indivisibilidade dos direitos humanos e fundamentais expressam a realidade de que todos os direitos, sejam de que dimensão ou geração forem, dependem uns dos outros de maneira intrínseca, de modo a denunciar o caráter ideológico das distinções entre as categorias e a exporem, ainda, os efeitos nefastos oriundos da violação de determinados direitos fundamentais, como os de natureza social, sobre outros direitos fundamentais, como os civis e políticos, sendo a recíproca verdadeira. Com base em ambos os princípios postulou-se aqui uma concepção holística ou integral dos direitos humanos fundamentais, como única apta a respeitar um patamar mínimo de realização dos direitos fundamentais, seja de um ponto de vista individual, seja de um ponto de vista transindividual. Neste sentido CANÇADO TRINDADE, A. A. Tratado de Direitos Internacionais dos Direitos Humanos. v. I. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2003, p. 475.

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Sobre a autora
Geziela Jensen

Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Membro da Société de Législation Comparée (SLC), em Paris (França) e da Associazione Italiana di Diritto Comparato (AIDC), em Florença (Itália), seção italiana da Association Internationale des Sciences Juridiques (AISJ), em Paris (França). Especialista em Direito Constitucional. Professora de Graduação e Pós-graduação em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JENSEN, Geziela. As ações afirmativas a partir da teoria da causalidade cumulativa de Gunnar Myrdal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2185, 25 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13042. Acesso em: 5 nov. 2024.

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