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Os contratos eletrônicos como relação de consumo

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16/07/2009 às 00:00
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5 CONTRATO ELETRÔNICO COMO RELAÇÃO DE CONSUMO

Atualmente, com a popularização dos PCs e o uso da Internet para fins comerciais, o comércio eletrônico transformou-se num mercado mundial outrora inimaginável. Destarte, qualquer tipo de transação para a aquisição de um produto ou de um serviço pode ser efetivado através de contratação eletrônica. O B2C (Bussiness-to-Consumer) desenvolve-se de forma surpreendente, impulsionando grandiosos investimentos.

As transações realizadas via Internet envolvem sempre um fornecedor de bens ou serviços, um consumidor-usuário da Internet que adquire, como destinatário final, os produtos ou serviços colocadas à disposição num website pelo fornecedor; e por fim, uma contratação bilateral, a qual consiste num contrato eletrônico.

Esses novos contratos de consumo virtuais, eletrônicos ou, ainda, B2C são definidos por Ligia Maura Costa [32] como "todo e qualquer negócio realizado via Internet, tendo por um lado, uma pessoa física ou jurídica, na qualidade de produtora, fabricante, fornecedora e, por outro, o consumidor, destinatário final dos respectivos produtos ou serviços".

Atente-se que, para que não seja litigiosa essa relação de consumo, como antes demonstrado, o fornecedor deve ser, ao máximo, transparente e informar ao consumidor na relação consumerista quais são os passos envolvidos para que ele possa fechar a contratação sem problemas. Essa necessidade deve-se ao fato de que o consumidor é, sem dúvida alguma, o elo mais vulnerável dessa cadeia de consumo e não pode, por conseguinte, ser surpreendido por ofertas e publicidades enganosas e abusivas pelo fornecedor. Dessa forma, está garantida a proteção do consumidor durante a realização de uma relação de consumo no comércio eletrônico.

Como em todo e qualquer negócio, o consumidor que contrata de forma eletrônica está sujeito a risco e deve tomar o máximo de cuidado e precaução. Como exemplos, podemos citar os riscos de erros e manipulações no momento de concluir ou de se arrepender do negócio; fornecedores não-sérios ou falsários; a demora extrema no fornecimento do produto ou serviço; entre outros [33].

Ante o exposto, há de se concordar que as práticas negociais de ofertar produtos e serviços pela Internet, em seus diversos modos, configuram-se relações de consumo e os contratos daí resultante, são contratos de consumo que se submetem ao crivo do Código de Defesa do Consumidor, conforme visto no tópico 4.3.

5.1 O NOVO PARADIGMA DA CONFIANÇA NO CONTRATO DE CONSUMO ELETRÔNICO

Conforme ideias expostas na belíssima obra Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comercio eletrônico, a autora Cláudia Lima Marques eleva, à categoria de princípios aplicáveis no mundo virtual, o princípio da confiança.

Segundo a referida autora, em seu estudo sobre o tema [34], "confiar é acreditar (credere), é manter, com fé (fides) e fidelidade, a conduta, as escolhas e o meio; confiança é aparência, informação, transparência, diligência e ética no exteriorizar vontades negociais".

Sem dúvida, um dos aspectos mais relevantes do comércio eletrônico diz respeito à questão da confiança dos consumidores diante desse novo mercado, a fim de proteger suas legítimas expectativas. Assim, entende-se que a confiança é chave para o desenvolvimento do comércio eletrônico.

Como a maioria das transações eletrônicas baseia-se em acordos aceitos pressionando apenas um click na página eletrônica (webpage), o que constitui uma regra admissível como base no costume negocial e na conduta das partes, no momento da oferta à distância, informação, transação e formação do consentimento, conquistar a confiança do consumidor é fundamental para o êxito da operação.

Segundo Karl Larenz [35], a confiança "é o princípio imanente de todo o Direito". Hoje, a confiança é um princípio diretriz dessas relações contratuais [36], merece proteção [37] e é fonte autônoma de responsabilidade.

Cláudia Lima Marques [38] ressalta também que "a confiança é o paradigma novo necessário para realizar ‘este passo adiante’ de adaptar nosso atual Direito do Consumidor a este novo modo de comércio". Nesse sentido, acrescenta que é preciso confiar em todos os processos e procedimentos decorrentes do meio eletrônico e ter a confiança como meta na realização das expectativas legítimas do consumidor também no negócio jurídico do comércio eletrônico [39].

Para Antonio Menezes Cordeiro [40], o paradigma atual do Direito, visando proteger equitativamente o mais fraco, é o paradigma da confiança, definido por ele como sendo "aquele que valoriza a informação declarada no meio eletrônico, que valoriza o déficit informativo dos leigos, sem se importar com sua nacionalidade ou território, valoriza o "outro" e toda a coletividade que recebe a informação".

Observa-se que deve o Direito preocupar-se em estabelecer a necessária proteção qualificada do usuário-leigo, por meio das exigências de mais informação e transparência, mais cooperação quanto à possibilidade de arrependimento e reflexão, mais segurança nas formas de pagamento no meio eletrônico e mais cuidado com relação aos dados coletados nesse meio [41].

É entendimento nosso que o paradigma da confiança nas relações de consumo é imposto tanto no Código de Defesa do Consumidor, com a ideia de transparência e sua visão ampla do princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, III), como também no Código Civil de 2002, na cláusula geral de boa-fé (art. 422), que menciona também o princípio da "probidade" ou lealdade. Analisando autores alemães, ensina Antonio Menezes Cordeiro [42] que a ideia de confiança está intimamente ligada à ideia de boa-fé, transparência e lealdade contratual, apesar de serem estes conceitos diferenciáveis.

Nesse sentido, os princípios da boa-fé e da confiança, que permeiam os mais diversos tipos de contratos, não ficam afastados dos contratos que envolvem relação de consumo e, consequentemente, dos contratos firmados por meios eletrônicos.

Conclui-se que, como a teoria da aparência e a da boa-fé no Brasil são utilizadas para afirmar que as relações sociais de consumo (juridicamente protegidas), baseiam-se na confiança legítima e merece proteção do Direito e que, no mundo virtual, essa aparência desmaterializou-se, daí decorre a importância de acrescentar aos já conhecidos princípios contratuais um novo paradigma, valorizando a confiança como eixo de conduta, como fonte jurídica no meio eletrônico.

5.2 O DIREITO DE ARREPENDIMENTO: APLICAÇÃO DO ART. 49, CDC

Em face do grande número de usuários e a necessidade de uma padronização, o direito de arrependimento no contrato eletrônico segue, de forma analógica, a norma prevista no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor.

A doutrina majoritária entende que o referido dispositivo é perfeitamente aplicável aos contratos eletrônicos, pois, além de se referir a um contrato à distancia, nele estão presentes a impessoalidade e a satisfação incerta acerca do produto ou serviço disponível na rede, contando o consumidor com a prerrogativa de um prazo de reflexão para verificar se o produto ou serviço adquirido realmente satisfaz suas expectativas, e, caso não satisfaça, poderá desfazer o negócio.

Para a prof.ª Claudia Lima Marques [43], cabe ao fonecedor provar o arrependimento eletrônico, apesar da declaração de vontade ter sido do consumidor, pois "cujus commodum, ejus periculum!" [44]. Assim, aquele que se utiliza de meios eletrônicos à distância para contratar, tem que estar preparado para o risco do erro ou desistência do consumidor.

Sem precisar apresentar qualquer justificativa ao fornecedor, bastando estar descontente com o produto adquirido ou serviço prestado, entende-se que pode o consumidor que contratou fora do estabelecimento comercial se arrepender da celebração do contrato. Assim, também, Ada Pellegrini Grinover [45] ao comentar que "o direito de arrependimento existe per se, sem que seja necessária qualquer justificativa do porquê da atitude do consumidor. Basta que o contrato de consumo tenha sido concluído fora do estabelecimento comercial para que incida, plenamente, o direito de o consumidor arrepender-se".

A perfeita adequação do art. 49 do CDC ao comércio eletrônico é quase unânime, principalmente se tratando da questão da realização do negócio fora do estabelecimento comercial, como critério objetivo necessário para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor. Segundo Newton de Lucca [46], posição contrária tem o prof. Fábio Ulhoa Coelho, entende não se tratar de negócio caracterizado fora do estabelecimento do fornecedor, já que o consumidor está em casa, ou no trabalho, mas acessa o estabelecimento virtual do empresário, encontrando-se, por isso, na mesma situação de quem se dirige ao estabelecimento físico. Para ele, o direito de arrependimento é reconhecido apenas nas hipóteses em que o comércio eletrônico emprega marketing agressivo ao consumidor.

A jurisprudência é enfática ao reconhecer a aplicabilidade do art. 49 do CDC na modalidade de contratação eletrônica B2C (Business-to-Consumer). Conforme julgado da AC Nº. 2006.001.42097, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) [47] reconhece ao indivíduo [48] que adquire um pacote de viagem através do site de um grande revendedor na Internet, a tutela especial protetiva mencionada.

Como dito anteriormente, o atual direito contratual busca evitar o desequilíbrio contratual, resguardando a sua equidade contratual, e para isso faz-se necessário interpretar as normas do CC/2002 e do CDC, aplicáveis às contratações eletrônicas, em consonância com os princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva, da vulnerabilidade, da transparência e da confiança.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos argumentos expostos no presente trabalho, observa-se que o direito vigente precisa adaptar-se para melhor regulamentar as novas relações sociais advindas da evolução tecnológica e do avanço do comércio eletrônico.

A tecnologia, por meio da Internet, possibilitou aos indivíduos (compradores) fazerem compras sete dias por semana, 24 horas por dia e em qualquer lugar do mundo. Ao passo que os fornecedores podem manter suas lojas (virtuais) abertas 365 dias no ano, com baixíssimo custo de manutenção e sem grandes interferências humanas (mão-de-obra).

Em análise geral, os contratos eletrônicos são firmados utilizando a Internet como meio de comunicação e são considerados como um contrato como outro qualquer, apenas sendo efetivados de forma virtual, possuindo assim suas peculiaridades.

Destarte, tais contratos não consistem numa nova modalidade contratual, mas, sim, numa nova forma de celebração, pois diferem dos contratos tradicionais somente no que concerne à sua formação, que se dá em meio eletrônico. São contratos celebrados à distância e os procedimentos como a oferta, aceitação e o pagamento são realizados por meio da Internet.

Foi possível constatar que, diferentemente do comércio tradicional, prepondera nos contratos eletrônicos a liberdade de uso (princípio da liberdade das formas), a escassa legislação, a despersonalização, a flexibilização dos conceitos de tempo e de espaço (atemporalidade e desterritorialização) e também a dispensabilidade, em regra, de contato físico, de documentos físicos, escritos em papel (desmaterialização).

Importante destacar também que o contrato eletrônico deve preencher todos os requisitos e pressupostos de validade aplicáveis aos contratos tradicionais e, em virtude da vulnerabilidade do ambiente digital em que ele se encontra presente, deve-se tomar todos os cuidados quanto à segurança dos procedimentos pré-contratuais.

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Na ausência de uma legislação mais específica, entende-se que os juízes devem utilizar-se dos princípios gerais de direito e dos costumes que lentamente se fixam para reger as controvérsias oriundas dos contratos eletrônicos, a fim de melhor atender às exigências da sociedade [49]. Porém, esta falta de normalização específica causa desconforto e certos conflitos nestas contratações, uma vez que fica por conta da interpretação doutrinária e dos tribunais a resolução de possíveis conflitos envolvendo tais questões.

Ressalta-se que na contratação pela Internet não há fronteiras. É um fenômeno de efeitos mundiais. Tratando-se de contratos de consumo, estes têm dominado o instituto dos contratos eletrônicos no mundo moderno, tendo em vista a facilidade que as pessoas e empresas têm hoje em se comunicarem, mesmo que estejam em lados opostos do mundo.

Como evidenciado, diante da lacuna legislativa existente sobre o tema, resta aos contratos eletrônicos de consumo a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e as normas do Código Civil de 2002 que regulam os contratos em geral.

No Brasil, em face da necessidade de uma melhor e mais específica regulamentação legislativa do comércio eletrônico, já tramitam Projetos de Leis no Congresso Nacional, como os já mencionados PL 4.906/01, o PL nº 1.589/99 da OAB/SP e, também, a Medida Provisória nº 2.200-2/01 (Institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil), que seguramente complementarão as aplicações de relações jurídicas no comércio eletrônico. Muito embora existam esses projetos em trâmite no Congresso, os mesmos se encontram parados desde 2002, apesar do pedido de urgência de análise, pela relevância da matéria.

A fim de proteger os consumidores em suas legítimas expectativas no mundo virtual, restou claro que a questão da confiança é um aspecto relevante do comércio eletrônico. O princípio da confiança é o paradigma atual do Direito que visa proteger equitativamente o mais fraco (consumidor) e está intimamente ligado ao princípio de boa-fé, transparência e lealdade contratual, que, apesar de serem estes conceitos diferenciáveis, são fontes jurídicas no meio eletrônico.

O comércio eletrônico não pode, de forma alguma, ser um meio de manipulação dos consumidores. Nesse contexto, se os consumidores forem induzidos a contratações por um simples click de forma impensada, significando a assinatura de um contrato indesejado, é possível a aplicabilidade do período de arrependimento do CDC.

Conclui-se de tudo que foi apresentado que, apesar dos avanços e da regulamentação trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, com a ploriferação de situações de litígios dos contratos eletrônicos, haja vista suas características (desmaterialização, despersonalização, desterritorialização e atemporalidade), devem-se impor um ritmo mais dinâmico nas aprovações e disponibilizações de normas jurídicas específicas capazes de transmitirem mais confiança e segurança jurídica às relações de consumo por meio da Internet, um mercado em ampla ascensão.

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Sobre o autor
Alexandre Vianna Berenguer

Bacharelando do curso de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERENGUER, Alexandre Vianna. Os contratos eletrônicos como relação de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2206, 16 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13164. Acesso em: 26 abr. 2024.

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