RESUMO
A utilização do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade sempre foi matéria controvertida nos Tribunais Superiores, principalmente com a edição do artigo 7°, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil, que veda qualquer vinculação ao salário mínimo. Neste cenário, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n.° 4, estabelecendo que qualquer indexação ao salário mínimo é inconstitucional. Com base neste entendimento, o Tribunal Superior do Trabalho reeditou a sua súmula 228. A redação, que antes trazia o salário mínimo como base de cálculo, agora esclarecia que o parâmetro indexador do adicional de insalubridade deveria ser o salário básico do empregado, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo. Porém, essa nova redação da súmula 228 do TST foi suspensa pelo STF, haja vista que ao reeditar a sua súmula, o TST, em vez de solucionar a problemática, usurpou a competência do Poder Legislativo. Com isso, ao suspender tal súmula e declarar que o salário mínimo não pode servir de parâmetro indexador, o STF deixou sem regulamentação a base de cálculo do adicional de insalubridade. O panorama atual é de constante controvérsia quando o assunto em pauta é a postura que o Judiciário deve adotar com relação à base de cálculo do adicional de insalubridade. Assim, em face da discussão travada entre os Tribunais Superiores, percebe-se a necessidade de apresentação de um projeto legislativo que oportunize o fim da polêmica gerada, ou que a base de cálculo do adicional de insalubridade constitua-se em objeto de negociação coletiva.
Palavras Chaves: Adicional de insalubridade; Base de Cálculo; Salário Mínimo; Inconstitucionalidade.
1 INTRODUÇÃO
O objetivo do estudo é verificar, através das modificações ocorridas no ordenamento jurídico, qual é o parâmetro indexador mais adequado para o cálculo do adicional de insalubridade, tendo vista a problemática da não recepção da Constituição Federal de 1988 aos dispositivos que autorizam a vinculação do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, e a inconstitucionalidade das decisões e atos normativos que determinam o parâmetro indexador com bases nestes dispositivos.
A discussão trata da base de incidência dos percentuais do adicional de insalubridade em face do disposto na Constituição Federal Brasileira de 1988, no artigo 7°, inciso IV, que por um lado veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, inclusive como parâmetro indexador de adicional de insalubridade; no entanto, no artigo 192 da Consolidação das Leis do Trabalho e na súmula 228 do Tribunal Superior do Trabalho, o parâmetro indexador para o cálculo do adicional de insalubridade é o salário mínimo.
2 A INCONSTITUCIONALIDADE DA BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
Com a concepção da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, o artigo 192 dispôs textualmente que, "o exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo." (BRASIL, 2009a)
Na interpretação deste artigo e com este entendimento, para abster decisões controversas, o antigo prejulgado n.° 8, de 1964, foi convertido no Enunciado 137, no qual o Tribunal Superior do Trabalho estabelecia que: "É devido o adicional de serviço insalubre, calculado à base do salário mínimo da região, ainda que a remuneração contratual seja superior ao salário mínimo acrescido de taxa de insalubridade" (BRASIL, 2009b).
Nos anos seguintes o Tribunal Superior do Trabalho ainda determinou, através dos Enunciados n.° 17 [01] e 228 [02], respectivamente, que "O adicional de insalubridade devido ao empregado que, por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa, percebe salário profissional será sobre este calculado" e "A base de cálculo do adicional de insalubridade é o salário mínimo de que cogita o artigo 76 da CLT." (BRASIL, 2009b)
Assim, o salário mínimo tornou-se a base de cálculo do adicional de insalubridade, quando o TST, através dos enunciados n.° 17 e 228, decidiram que este deveria incidir no respectivo adicional na falta de piso salarial, convenção coletiva, ou por sentença normativa.
No entanto, a matéria ficou controvertida nos Tribunais Superiores a partir de 1988, quando a Constituição, por conta do artigo 7°, inciso IV, não recepcionou o entendimento do TST, caracterizando como inconstitucional qualquer medida que vincula o salário mínimo como base de cálculo:
Art. 7° - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. (BRASIL, 2009c)
Neste contexto, a CRFB/1988 "[...] proíbe que o salário mínimo sirva de valor de referência. A razão disso é impedir que o aumento (ainda que nominal) do salário acarrete, automaticamente, o aumento de outras prestações: preços, alugueis etc." (MENESES apud FERREIRA FILHO, 1990, p. 96)
Proíbe a Constituição que sirva o salário mínimo para vinculação a qualquer fim. Isto quer dizer que, o salário mínimo não pode servi como índice para correção de contratos, fixação de pensão alimentícia, fixação de subsídios de prefeitos e vereadores e quaisquer outras remunerações não relacionadas com a relação de trabalhado. (MANUS, 1995, p.108)
Pacificava-se então, nos tribunais, o entendimento de que o artigo 7°, inciso IV, da CRFB de 1988, proibia a adoção do salário mínimo como indexador de obrigações não salariais. Da própria jurisprudência do STF colhe-se o precedente a indicar que:
A vedação da vinculação do salário-mínimo, constante do inc. IV do art. 7. da Carta Federal, visa a impedir a utilização do referido parâmetro como fator de indexação para obrigações sem conteúdo salarial ou alimentar. Entretanto, não pode abranger as hipóteses em que o objeto da prestação expressa em salários-mínimos tem a finalidade de atender as mesmas garantias que a parte inicial do inciso concede ao trabalhador e a sua família, presumivelmente capazes de suprir as necessidades vitais básicas. Recurso extraordinário não conhecido. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário 170203)
Seguia também a jurisprudência trabalhista o prevalecente entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, expresso nos seguintes arestos:
A proibição para qualquer fim, prevista no artigo 7°, inciso IV, da Constituição da República, não impede a utilização do salário mínimo com a unidade de cálculo do adicional de insalubridade, posto que se trata de verdadeiro padrão eleito legislador ordinário para tal fim. A vedação constitucional visa a excluir o salário mínimo como fator indexador de reajustes, mas não sua utilização como único parâmetro para o cálculo para dos adicionais de insalubridade. (BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista 73.351/93.4)
Assim, sendo expressamente vedada na Constituição a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, continuaram as determinações do Tribunal Superior do Trabalho para que a base de cálculo da incidência dos percentuais para o cálculo do adicional de insalubridade tivesse como parâmetro o salário mínimo. No entanto, do ponto de vista doutrinário, a matéria não era pacifica, pois havia interpretações no sentido de que a base de cálculo deveria ser o salário contratual:
Mesmo com essas súmulas as interpretações sobre a base de cálculo permaneceram divergentes, vez que ela foi editada antes da Constituição de 1988. No entanto, o precedente do TST na Orientação Jurisprudencial n. 2 em Seção de Dissídios Individuais, que dirimiu essa dúvida determinando que mesmo na vigência da Constituição de 1988 a base de cálculo do adicional de insalubridade é o salário mínimo. (SALIBA, 2004, p.17-18)
Nascimento (2004, p. 830), afirma que:
Os percentuais, conforme os graus de insalubridade mínimo (10%), médio (20%) e máximo (40%), vinham incidindo sobre o salário mínimo, qualquer que fosse o salário contratual do empregado. A Constituição (art. 7º, IV), ao proibir a vinculação de outros pagamentos ao salário mínimo, alterou o critério que vinha sendo observado. Uma solução possível é o cálculo sobre os pisos salariais das categorias estabelecidas em convenções ou sentenças normativas. (NASCIMENTO, 2004, p. 830)
Desta feita, diante das criticas dos doutrinadores trabalhistas e constitucionais, as primeiras decisões a respeito da vedação ao salário mínimo como parâmetro indexador na base de cálculo do adicional de insalubridade começaram a surgir aproximadamente em meados da década de 1990, gerando grande polêmica.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA TRABALHISTA. ALEGADA AFRONTA AOS ARTS. 5°., II, E 7°., IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Acórdão que, no primeiro caso, concluiu pela existência de previsão na CLT para o pagamento do adicional de insalubridade, afirmação insuscetível de ser examinada em recurso extraordinário; e, no segundo, utilizou o salário mínimo justamente para efeito de calculo de vantagem salarial devida ao empregado, hipótese em que o referido índice não pode ser tido por desvirtuado de sua finalidade. Agravo Regimental improviso. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento em Agravo Regimental 169269)
Análoga a essa decisão, o Ministro Relator Marco Aurélio, em 04 de março de 1997, em Agravo de Instrumento interposto ao Supremo Tribunal Federal, já tinha decidido referente à vinculação do salário mínimo ao adicional de insalubridade o seguinte:
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - REGÊNCIA - CARTA POLÍTICA DA REPÚBLICA X LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA. O adicional de insalubridade tem parâmetros fixados não na Carta Política da República, mas na legislação ordinária, no caso, na própria Consolidação das Leis do Trabalho e em portaria editada pelo Ministério competente - do Trabalho. Daí não se poder empolgar a via excepcional do extraordinário para discutir-se a configuração, ou não, de ambiente nocivo à saúde do prestador dos serviços. SALÁRIO-MÍNIMO - VINCULAÇÃO PROIBIDA. A teor do disposto no inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal, tem-se como proibida a adoção do salário-mínimo como unidade monetária, ou seja, visando à adoção de fator de indexação. Longe fica de configurar preceito contrário à Carta o que revela o salário-mínimo como base de incidência da percentagem alusiva ao adicional de insalubridade. Exsurge com relevância maior a interpretação teleológica, buscando-se o real objetivo da Norma Maior. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento em Agravo Regimental 177959)
Com esses precedentes, o Supremo Tribunal Federal começou a discordar do entendimento aplicado pelo Tribunal Superior do Trabalho. Assim, em decisão ao Recurso Extraordinário n.° 236.396-MG, do qual o relator foi o Ministro Sepúlveda Pertence, em 02 de outubro de 1998, decidiu o STF:
Tem razão a Recorrente: ao fixar o adicional de insalubridade em determinando percentual do salário mínimo, o TST – e, antes dele, o TRT – contrariou o disposto no art. 7°, VI, da Constituição.
Ante o exposto, conheço do recurso extraordinário e lhe dou provimento para afastar, a partir da promulgação da Carta de 1988, a vinculação ao salário mínimo (piso nacional de salário) estabelecidas pelas instancias ordinárias, devendo o processo retornar ao TRT, a fim de que decida qual critério legal substitutivo o adotado é aplicável: é meu voto. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 236396)
Assim foi alterando-se o entendimento fixado pelo Tribunal Superior do Trabalho, deixando claro que a base de cálculo do adicional de insalubridade, a partir da vigência do artigo 7º da Constituição Federal, já não pode ser o salário mínimo. Contudo, todas as decisões deixavam em aberto qual exata base de cálculo deve ser aplicada.
As decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria começavam a parecer no sentido de "vedar" a vinculação do salário mínimo ao adicional de insalubridade,
O STF começava a modificar o entendimento da Justiça do Trabalho, declarando que é inconstitucional decisão que vincula o salário mínimo, no entanto, ainda assim, neste tribunal, as Turmas divergiam.
A utilização do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade nunca foi matéria pacífica, mesmo após a Constituição Federal de 1988, que veda tal vinculação. "[...] por força de manifestações do STF em processos específicos, de que a vinculação seria inconstitucional, juízes e tribunais trabalhistas passaram a estabelecer base de cálculo maior do que a prevista na CLT, assim ora vinculada ao piso da categoria, ora ao salário do empregado." (OBINO FILHO, 2008)
Assim, era imprescindível a necessidade de reforço à ideia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de maneira a assegurar a segurança jurídica e o princípio da igualdade, pois os órgãos do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdade arbitrária, devendo, pois, utilizar todos os mecanismos constitucionais para conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária. (MORAES, 2006, p. 515)
Diante da multiplicação de processos, das controvérsias e decisões reiteradas, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n.° 4 ao decidir o Recurso Extraordinário sob o n.° 565.714 com Repercussão Geral, interposto contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual os trabalhadores do Estado de São Paulo pleiteavam adicional de insalubridade com base no salário percebido, alegando que a Constituição Federal no artigo 7°, inciso IV, não recepcionou o salário mínimo como parâmetro indexador para cálculo o adicional de insalubridade. O objeto deste recurso era o reconhecimento que a lei complementar n.° 432/1985, que regulamentava tal base de cálculo para o trabalhador insalubre, fosse considerada não recepcionada pela atual Constituição e com isso reconhecido que o salário de cada empregado deve ser a base de cálculo do adicional. (COELHO, 2008)
A decisão do STF foi a seguinte:
CONSTITUCIONAL. ART. 7º, INC. IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 3º, § 1º, DA LEI COMPLEMENTAR PAULISTA N. 432/1985 PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. INCONSTITUCIONALIDADE DE VINCULAÇÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE AO SALÁRIO MÍNIMO: PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DA MODIFICAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO BENEFÍCIO POR DECISÃO JUDICIAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. O sentido da vedação constante da parte final do inc. IV do art. 7º da Constituição impede que o salário-mínimo possa ser aproveitado como fator de indexação; essa utilização tolheria eventual aumento do salário-mínimo pela cadeia de aumentos que ensejaria se admitida essa vinculação (RE 217.700, Ministro Moreira Alves). A norma constitucional tem o objetivo de impedir que aumento do salário-mínimo gere, indiretamente, peso maior do que aquele diretamente relacionado com o acréscimo. Essa circunstância pressionaria reajuste menor do salário-mínimo, o que significaria obstaculizar a implementação da política salarial prevista no art. 7º, inciso IV, da Constituição da República. O aproveitamento do salário-mínimo para formação da base de cálculo de qualquer parcela remuneratória ou com qualquer outro objetivo pecuniário (indenizações, pensões, etc.) esbarra na vinculação vedada pela Constituição do Brasil. Histórico e análise comparativa da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Declaração de não-recepção pela Constituição da República de 1988 do Art. 3º, § 1º, da Lei Complementar n. 432/1985 do Estado de São Paulo. 2. Inexistência de regra constitucional autorizativa de concessão de adicional de insalubridade a servidores públicos (art. 39, § 1º, inc. III) ou a policiais militares (art. 42, § 1º, c/c 142, § 3º, inc. X). 3. Inviabilidade de invocação do art. 7º, inc. XXIII, da Constituição da República, pois mesmo se a legislação local determina a sua incidência aos servidores públicos, a expressão adicional de remuneração contida na norma constitucional há de ser interpretada como adicional remuneratório, a saber, aquele que desenvolve atividades penosas, insalubres ou perigosas tem direito a adicional, a compor a sua remuneração. Se a Constituição tivesse estabelecido remuneração do trabalhador como base de cálculo teria afirmado adicional sobre a remuneração, o que não fez. 4. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (BRASIL, Recurso Extraordinário n.° 565.714) (sem grifo no original)
Assim, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos reconheceu que a Constituição veda qualquer vinculação ao salário mínimo, mas não determinou que a base de cálculo para o adicional de insalubridade fosse a remuneração do trabalhador, haja vista que a Constituição não autoriza tal vinculação.
Após esse julgamento houve o entendimento da necessidade da edição de uma súmula vinculante versando sobre o assunto, sendo publicada a súmula vinculante n.º 4, no dia 09 de maio do ano corrente.
A 4ª súmula vinculante preceitua que, "Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial." (BRASIL, 2009d)
O Supremo Tribunal Federal estabeleceu de uma vez por todas que a vinculação ao salário mínimo é inconstitucional, porém não determinou qual base de cálculo deverá ser utilizada para apurar o adicional de insalubridade.
A primeira parte desta súmula vinculante já era esperada, em virtude de outros julgados que antecederam a sua edição. Porém, a parte final, que proíbe a fixação da base de cálculo pelos juízes e tribunais, surpreendeu, já que não poderá mais ser adotado o salário mínimo como base e não existe lei para servir de parâmetro às futuras decisões. Sendo os juízes obrigados a sentenciar ou despachar no processo mesmo quando da existência de lacuna ou obscuridade (art. 126 do CPC), a edição dessa Súmula Vinculante causou grande alvoroço no meio jurídico, por não ter sido estabelecido como esses inúmeros processos, que têm como pedido o adicional de insalubridade, deverão ser julgados. (VIEIRA, 2009)
Os Tribunais Superiores, Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior do Trabalho, levando em consideração os reflexos financeiros que esta mudança na base de cálculo poderia ocasionar, estavam adotando técnica decisória alemã, conhecida como "Declaração de Inconstitucionalidade sem Pronúncia de Nulidade", com a qual a norma declarada inconstitucional continua a ser aplicada nas relações obrigacionais, já que o Poder Judiciário não pode substituir o legislador na regulamentação da matéria (VIEIRA, 2009). Assim, são inúmeros os pleitos que ficam sem resposta, por não haver norma a ser aplicada. Neste sentido, a seguinte jurisprudência:
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. SALÁRIO MÍNIMO (ART. 192 DA CLT). DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM PRONÙNCIA DE NULIDADE ("UNVEREINBARKERKLARUNG"). SÚMULA N.º 228 DO TST E SÚMULA VINCULANTE 4 DO SF. 1. O STF, ao apreciar o RE-565.714-SP, sob o pálido da repercussão geral da questão constitucional referente à base de cálculo do adicional de insalubridade, editou a Súmula Vinculante 4, reconhecendo a inconstitucionalidade da utilização do salário mínimo, mas vedando a substituição desse parâmetro por decisão judicial. 2. Assim decidindo, a Suprema Corte adotou técnica decisória conhecida no direito constitucional alemão como declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, ou seja, a norma, não obstante ser declarada inconstitucional, continua a reger as relações obrigacionais em face da impossibilidade de o Poder Judiciário se substituir ao legislador para definir critério diverso para a regulamentação da matéria. 3. Nesse contexto, ainda que reconhecida a inconstitucionalidade do art. 192 da CLT e, por conseguinte, da própria súmula n.º 228 do TST, tem-se que a parte final da súmula vinculante n.º 4 do STF não permite criar critério novo por decisão judicial, razão pela qual, até que se dite norma legal ou convencional estabelecendo base de cálculo distinta do salário mínimo para o adicional de insalubridade, continuará a ser aplicado esse critério para o cálculo do referido adicional, salvo a hipótese da súmula n.º 17 do TST, que prevê o piso salarial da categoria, para aquelas categorias que o possuam. Recurso de Revista provido. (BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista 955/2006-099-15-00.1)
Esta posição do Supremo Tribunal Federal de limitar o poder-dever do magistrado na solução do caso concreto, sem ter o assunto a ser decidido qualquer tipo de regulamentação, feriu a carga de segurança jurídica que o instituto da súmula vinculante, na sua teoria, tanto busca resguardar. (VIEIRA, 2009)
Com esta situação, o que se aguardava era que o Poder Legislativo editasse o quanto antes norma para regulamentar a matéria. Até a Ordem dos Advogados do Brasil declarou que o Presidente da República poderia, em razão da urgência e importância do assunto, editar medida provisória para sanar este vácuo legislativo.
Motivado pela edição da 4ª súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior do Trabalho, na omissão do poder legislativo, deu nova redação à sua súmula n.º 228, que utilizava o salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, sempre que não fosse estabelecido salário profissional ou piso normativo ao empregado. (VIEIRA, 2009)
Desta forma, o Tribunal Superior do Trabalho tentou modificar a súmula que autorizava a vinculação do salário mínimo ao adicional de insalubridade, e ao alterar o enunciado de sua súmula 228 para dizer que o adicional de insalubridade deve ser calculado sobre o salário básico do empregado e não mais ao salário mínimo ou piso salarial da categoria, a pretexto de fazer observar a súmula vinculante n.º 4 do Supremo Tribunal Federal, acabou por desrespeitá-la, além de usurpar da competência do Poder Legislativo. (COELHO, 2008)
O Tribunal Superior do Trabalho, em sua súmula 228, como já dito, interpretava que os percentuais do adicional de insalubridade continuavam a incidir sobre o "salário mínimo", à exceção das hipóteses previstas na súmula 17, ou seja, salvo para aqueles empregados que, por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa recebessem piso salarial, seria sobre aquele calculado.
Diante da jurisprudência vinculante do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior do Trabalho viu-se obrigado a alterar a redação de sua Súmula 228, publicando-a no Diário Oficial do dia 4/7/2008, com o seguinte teor: "Adicional de Insalubridade. Base de Cálculo. A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante n.º 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo." (BRASIL, 2009c)
[...] o TST, ao pretender alterar o entendimento adotado na Súmula 228, a pretexto de adequá-lo à Súmula Vinculante n.º 4 do STF, dizendo que o adicional de insalubridade será calculado com base no salário básico, acabou por contrariá-la, pois é bastante clara ao determinar que o salário mínimo não poderia ser substituído por decisão judicial. (COELHO, 2008)
Na mesma redação da súmula vinculante é determinado que os juízes não poderão estabelecer outra base de cálculo. Apenas pela via legislativa ou por força de negociação coletiva poderá ser eleita nova base de cálculo do adicional de insalubridade, ou para qualquer outro parâmetro indexador.
O Tribunal Superior do Trabalho, ao "legislar", acabou invadindo as competências privativas do Poder Legislativo, incorrendo em outra inconstitucionalidade.
Afora esse grave equívoco, a mais alta Corte Trabalhista, ao determinar que se conte o adicional de insalubridade sobre o "[...] salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo", acabou por desprestigiar outra garantia constitucional, qual seja, aquela que reconhece a validade dos acordos e convenções coletivos de trabalho (art. 7.º, inc. XXVI), inclusive quando da diminuição de direitos trabalhistas, como ele próprio já reconheceu, quando expressamente admite o pagamento de adicional de periculosidade em percentual inferior ao legal (Súmula 364, item II). A prevalecer esse novo entendimento, as empresas sofrerão consideráveis impactos financeiros em suas folhas de salários.
[...] Não se admite a ruptura da jurisprudência feita pelo TST que, além de confrontar o entendimento vinculante do STF, impôs às empresas, em uma só penada, custo absolutamente imprevisto, injustificável e injusto. (COELHO. 2008)
Esse equívoco da Justiça do Trabalho em legislar deu ensejo à Reclamação Direta no Supremo Tribunal Federal sob o n.° 6266 (ver anexo), proposta pelo Confederação Nacional das Indústrias contra a nova redação da súmula 228 que o TST reeditou. Desta forma, valendo-se, da permissão constitucional do artigo 103-A da Constituição Federal de 1988, que admite a Reclamação Direta ao STF, visando a "cassação" da decisão judicial dada com fundamento na nova súmula 228 do TST, exatamente porque contrária à súmula vinculante n.º 4 daquela Corte Constitucional. (COELHO, 2008)
No dia 15 de julho de 2008 o Supremo Tribunal Federal deferiu liminar, suspendendo a aplicação da Súmula 228 do Tribunal Superior do Trabalho, na parte em que permite a utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade.
Em síntese, a decisão em liminar proferida pelo Ministro Gilmar Mendes foi a seguinte:
À primeira vista, a pretensão do reclamante afigura-se plausível no sentido de que a decisão reclamada teria afrontado a Súmula Vinculante n° 4 desta Corte:
"Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial."
Com efeito, no julgamento que deu origem à mencionada Súmula Vinculante n° 4 (RE 565.714/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Sessão de 30.4.2008 - Informativo nº 510/STF), esta Corte entendeu que o adicional de insalubridade deve continuar sendo calculado com base no salário mínimo, enquanto não superada a inconstitucionalidade por meio de lei ou convenção coletiva.
Dessa forma, com base no que ficou decidido no RE 565.714/SP e fixado na Súmula Vinculante n° 4 , este Tribunal entendeu que não é possível a substituição do salário mínimo, seja como base de cálculo, seja como indexador, antes da edição de lei ou celebração de convenção coletiva que regule o adicional de insalubridade. Logo, à primeira vista, a nova redação estabelecida para a Súmula n° 228/TST revela aplicação indevida da Súmula Vinculante n° 4, porquanto permite a substituição do salário mínimo pelo salário básico no cálculo do adicional de insalubridade sem base normativa. Ante o exposto, defiro a medida liminar para suspender a aplicação da Súmula n° 228/TST na parte em que permite a utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Reclamação 6266)
Com isso, ao suspender a parte da súmula que determinava a nova base de cálculo e, ao mesmo tempo, vedava, através da 4ª súmula vinculante, a base de cálculo do adicional de insalubridade pelo salário mínimo, o STF deixou dúvidas na aplicação do parâmetro indexador para o cálculo. Agora o Supremo Tribunal Federal tem nas mãos a incumbência de decidir a base de cálculo do adicional de insalubridade.
O panorama atual é de constante controvérsia quando o assunto em pauta é a postura que o Judiciário deve adotar com relação à base de cálculo do adicional de insalubridade, após a publicação da súmula vinculante n.º 4. (VIEIRA, 2009)
Assim, a pretensa pacificação acenada pela emissão da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal só veio pôr mais lenha na fogueira das polêmicas que cercam a fixação de uma base de cálculo para o adicional de insalubridade, pois com a posição de inconstitucionalidade do uso do salário mínimo, bem como pela impossibilidade de decisão judicial fixar o cálculo pelo salário base do trabalhador conforme indicava a natimorta Súmula nº 228 do TST, restou a dúvida de como calcular o adicional de insalubridade, fato que vem enlouquecendo os empregadores e emperrando a solução de milhares de reclamações trabalhistas que tratam desta questão. (MESQUITA NETO, 2008)
O próprio Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Pedro Paulo Teixeira Manus (2008), bem se posicionou afirmando que "[...] quanto mais se fala deste assunto, mais controvertido fica", já que uma súmula vinculante, que deveria vir pra acabar com desordem jurídica, está causando muito mais alvoroço do que antes da sua edição.
O que se espera é que tal discussão seja sanada o mais rápido possível, já que não se pode conceber a idéia do jurisdicionado ser prejudicado, com a suspensão do julgamento dos seus processos, em razão da demora no estabelecimento de qual será a base de cálculo do adicional de insalubridade. Deve, portanto, o STF, em grau de urgência, levar a Pleno o questionamento da Súmula n.º 228. Outrossim, o Poder Legislativo deve voltar seus olhos para esta questão e agilizar a elaboração de lei regulando a matéria para apaziguar o clamor de restabelecimento da ordem jurídica, no que tange à base de cálculo do adicional de insalubridade. (VIEIRA, 2009)
Ressalta-se que até hoje não há decisão de mérito sobre a Reclamação 6266 proposta no Supremo Tribunal Federal, com a qual se espera que devam sanar as discussões acerca do parâmetro indexador para o cálculo o adicional de insalubridade. Há somente a decisão liminar que suspende a aplicação da nova redação da súmula 228 do TST, deixando sem regulamentação a base de cálculo do adicional de insalubridade.
Extrai-se do disposto na Súmula Vinculante nº 4 e Súmula 228 do Tribunal Superior do Trabalho que o artigo 192 da CLT restou não recepcionado. Entretanto, é importante observar que, antes mesmo da edição das referidas súmulas, o aludido dispositivo, que assegurava o cálculo do percentual de adicional de insalubridade sobre o salário mínimo, feria frontalmente a Constituição Federal, pois não fora recepcionado. (SANTOS, 2008)
Por outro lado, no primeiro julgamento de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, entendeu-se que o salário mínimo não pode servir de base para o cálculo de nenhuma parcela remuneratória, salientando, inclusive, a não-recepção do art. 192 da CLT pela Constituição Federal. (SANTOS, 2008)
Nesse contexto, denota-se que a edição da Súmula Vinculante nº 4 do STF e a posterior consolidação da jurisprudência do TST, acerca da não-vinculação do salário mínimo para a base de cálculo do adicional de insalubridade, insculpida na Súmula 228, não inovam o ordenamento jurídico, uma vez que o art. 192 celetário não mais estava albergado pela Carta Magna. Contudo, tal medida pretendeu equacionar a problemática anteriormente instalada no âmbito jurídico trabalhista ante a ausência de declaração expressa de inconstitucionalidade do dispositivo legal e de jurisprudência de Tribunal Superior que desse interpretação conforme à Constituição à matéria relativa à base de cálculo do adicional de insalubridade. (SANTOS, 2008)
Assim, em face de tamanha discussão entre os Tribunais Superiores sobre o parâmetro indexador que deve incidir no cálculo do adicional de insalubridade, nada ficou decidido, fazendo com que o trabalhador insalubre fique à espera da decisão do STF na Reclamação n.° 6266, que ainda aguarda julgamento. O que se tem certeza é que o salário mínimo não será mais utilizado como base de cálculo, pois além do disposto na Constituição Federal, a súmula vinculante n.° 4 também veda sua vinculação para qualquer fim. O que resta saber é qual base de cálculo será agora utilizada.
Ademais, esperamos para um futuro bem próximo que o Congresso Brasileiro possa aprovar legislação específica para fixar a nova base de cálculo para o adicional de insalubridade, diante das propostas de projeto de lei surgidas após a instalação da polêmica, bem como que os sindicatos de trabalhadores possam cumprir seu papel de negociar a aprovação de cláusula em convenção ou acordo que garanta a utilização do piso salarial da categoria no cálculo da insalubridade, como forma de pacificar e encerrar a cizânia em torno da fixação de base de cálculo da insalubridade. (MESQUITA NETO, 2008)
Assim, não há ainda uma base de cálculo declarada pelos Tribunais Superiores para substituir a vinculação ao salário mínimo e o que ainda vem incidindo é o salário mínimo, pois os empregadores ainda não modificaram o parâmetro indexador esperando decisão do STF.
Desta feita, muitos trabalhadores, frente a essa discussão, têm procurado a Justiça do Trabalho no intuito de modificar a base de cálculo do adicional de insalubridade percebido, abarrotando o judiciário de processos e recursos que não são julgados, pois não há norma determinada.
Com isso, até que seja publicada lei sobre o assunto ou então celebrada convenção coletiva entre empregados e empregadores para regular qual será a incidência dos percentuais do adicional de insalubridade, a base de cálculo desta parcela continua a ser o salário mínimo.
A saúde do trabalhador deve ser preservada, sendo o adicional de insalubridade um acréscimo pelo dano que o labor lhe causa. A base de cálculo do adicional de insalubridade deve ser vista como meio compensação ao trabalhador, restando claro que o adicional deverá ser um valor significante tanto para o empregado, como também para o empregador, que tem o dever de se cercar-se das cautelas para cessar e neutralizar o agente insalubre.
Depois de tantas decisões controvertidas, o Supremo Tribunal Federal editou súmula vinculante no intuito de vedar de uma vez por todas a vinculação ao salário mínimo, mas parece que as discussões não acabaram por aí. Ainda se espera que o STF pronuncie qual base de cálculo deve incidir o percentual do adicional de insalubridade.
Torna-se desejoso que surja uma lei para regular a base de cálculo do adicional de insalubridade, pois os empregados que não possuem convenção coletiva continuam percebendo o percentual mínimo.