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A tese da desaposentação e o atual entendimento dos tribunais pátrios

18/08/2009 às 00:00
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I- Introdução.

        A tese da desaposentação inicialmente buscava assegurar ao beneficiário do regime geral de previdência social que viesse a se tornar servidor público a possibilidade de somar seu tempo de serviço anterior com o atual – no regime estatutário –, para, então, aposentar-se pelo regime especial, auferindo proventos de valor superior.

        Em uma apertada síntese, pode-se dizer que os proventos recebidos a título de aposentadoria pelo regime geral necessitavam serem restituídos para viabilizar o aproveitamento do tempo de serviço ou contribuição no regime especial, quando permitida a renúncia. Em um momento seguinte, a restituição somente seria devida e imprescindível caso a renúncia ao beneficio viesse em prol de uma nova aposentação no mesmo regime (geral), demonstrando tratamento mais severo a este pleito que, na época, era de difícil concessão.

        Atualmente a possibilidade de renúncia e desnecessidade de restituição vêm prevalecendo nos julgados pátrios, notadamente naqueles emanados pelo Superior Tribunal de Justiça.

        O presente artigo busca demonstrar, de forma breve, as teses que permitiram essa mudança de entendimento nos Tribunais pátrios e baseia-se em pesquisa e análise jurisprudencial.


II- Da Possibilidade de Renúncia ao Benefício Previdenciário.

        O art. 58, parágrafo 2º, do Decreto 2.172/97 é firme em conclamar a irreversibilidade e irrenunciabilidade das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial. Todavia, o referido texto normativo foi instituído visando regulamentar a lei que trata dos benefícios da previdência social (Lei 8213/91), a qual jamais apresentou qualquer dispositivo que remetesse àquelas condições.

        Nesse passo, esclarecemos que o Decreto busca explicitar as normas contidas na Lei, determinando os procedimentos necessários para o alcance dos objetivos desta. Assim, em momento algum o Decreto pode ultrapassar instruções contidas na Lei Ordinária, pois esta atravessou todo um processo democrático de discussão e elaboração na Casas Legislativas, ao passo que aquele teve sua criação oriunda de ato do Poder Executivo (devendo ser um fiel respeitador das normas que intenta regulamentar).

        Ademais, consoante a hierarquia normativa, a Constituição encontra-se no topo, seguida pelas Leis Complementares, Leis Ordinárias e, só então, pelos Decretos.

        Desta forma, não merece prevalecer o entendimento apresentado pelo Instituto Nacional da Previdência Social, o qual privilegia o Decreto regulamentador em detrimento da Lei Ordinária.

        Alguns Tribunais pátrios têm observado tal hierarquia, com ênfase para decisão exarada pelo Tribunal Regional Federal da 1º Região, in verbis:

        [..] inexiste óbice constitucional ou legal que vede a renúncia à aposentadoria, sendo inadmissível que norma regulamentar da Previdência Social estabeleça a irreversibilidade e irrenunciabilidade do benefício (art. 58, § 2º do Decreto 2.172/97, art. 181-B do Decreto 3.048/99) (in, TRF1, Apelação Cível nº 2002.32.00.003819-7/AM).

        Ademais, em que pesem decisões em sentido contrário, atualmente vislumbra-se a aposentadoria como direito patrimonial disponível, notadamente quando o interessado busca a obtenção de beneficio mais vantajoso.

        O Tribunal Regional da 5º Região proferiu decisão nesse sentido:

        Previdenciário. Aposentadoria proporcional ao tempo de contribuição. Renúncia a fim de obtenção de benefício mais vantajoso. Possibilidade. Aposentadoria por idade. Cumprimento dos requisitos para concessão. Redução da verba honorária ante a singeleza da questão. 1. Possibilidade de renúncia de benefício previdenciário, por se cuidar de um direito patrimonial disponível. Precedentes do STJ. (TRF5, Apelação Cível n. 397248/RN, grifo nosso).

        Tal entendimento encontra-se corroborado por jurisprudência emanada do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

        É firme a compreensão desta Corte de que a aposentadoria, direito patrimonial disponível, pode ser objeto de renúncia, revelando-se possível, nesses casos, a contagem do respectivo tempo de serviço para a obtenção de nova aposentadoria, ainda que por outro regime de previdência. (in, STJ, Recurso Especial n. 557.231⁄RS, Rel. Min. Paulo Gallotti, Sexta Turma, Julgado em 16⁄6⁄2008)

        Além disso, as garantias constitucionais do direito adquirido e do ato jurídico perfeito subsistem em prol do cidadão, não podendo ser utilizadas visando obstaculizar o segurado à obtenção do benefício que lhe seja mais vantajoso.

        Por fim, o artigo 96, inciso III, da Lei 8213/91 retrata que "não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro". Entretanto, com a renúncia do benefício, este passará a não mais existir, fazendo com que o tempo de contribuição anterior possa ser utilizado na concessão de nova aposentadoria, nos termos da decisão abaixo evidenciada, exarada pelo Superior Tribunal de Justiça:

        Com efeito, havendo a renúncia da aposentadoria, inexistirá a vedação legal do inciso III do art. 96 da Lei nº 8.213⁄1991, segundo o qual "não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro", uma vez que o benefício anterior deixará de existir no mundo jurídico, liberando o tempo de serviço ou de contribuição para ser contado em novo benefício. (in, STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial Nº 328.101 - SC (2001⁄0069856-0)

        Ainda:

        Em que pesem os argumentos do INSS, a referida vedação não incide quando há a renúncia à aposentadoria, uma vez que o benefício renunciado deixará de existir no mundo jurídico, liberando o tempo de serviço ou de contribuição para ser contado em novo benefício. (Agravo Regimental no Recurso Especial nº 328.101).

        Destacamos a parte final do supracitado acórdão:

        A renúncia ao benefício em tela, como já decidido reiteradamente por esta Corte, é perfeitamente possível, por ser a aposentadoria um direito patrimonial disponível. Sendo assim, se o segurado pode renunciar à aposentadoria, no caso de ser indevida a acumulação, inexiste fundamento jurídico para o indeferimento da renúncia quando ela constituir uma própria liberalidade do aposentado. Nesta hipótese, revela-se cabível a contagem do respectivo tempo de serviço para a obtenção de nova aposentadoria, ainda que por outro regime de previdência. Caso contrário, o tempo trabalhado não seria computado em nenhum dos regimes, o que constituiria uma flagrante injustiça aos direitos do trabalhador. (Agravo Regimental no Recurso Especial nº 328.101, grifo nosso).

        Idêntico entendimento encontra-se perfilhado ao longo do Recurso Especial n. 557.231⁄RS, Rel. Min. Paulo Gallotti, da Sexta Turma, julgado em 16⁄6⁄2008.

        Reiteramos o posicionamento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça: o segurado pode renunciar à aposentadoria nos casos de indevida cumulação, não havendo na lei pátria qualquer óbice à renúncia quando esta advém de sua própria vontade, notadamente quando visa a concessão de benefício que lhe seja mais vantajoso, sendo plenamente viável a contagem do respectivo tempo de serviço para a sua obtenção.

        Por fim:

        Previdenciário. Recurso Especial. Renúncia a benefício previdenciário. Possibilidade. Direito patrimonial disponível. Abdicação de aposentadoria por idade rural para concessão de aposentadoria por idade urbana. 1. Tratando-se de direito patrimonial disponível, é cabível a renúncia aos benefícios previdenciários. Precedentes. 2. Faz jus o Autor à renúncia da aposentadoria que atualmente percebe – aposentadoria por idade, na qualidade de rurícola – para o recebimento de outra mais vantajosa – aposentadoria por idade, de natureza urbana. 3. Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial n. 310.884⁄RS, 5ª Turma, Rel. Min.ª Laurita Vaz, DJU de 23⁄8⁄2005, grifo nosso).

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        Em face da presente argumentação, resta evidente a possibilidade de renúncia do benefício da aposentadoria para a obtenção de outro mais vantajoso.


III) Da Desnecessidade de Devolução das Parcelas Recebidas.

        Segundo entendimento dominante apresentado pelo Superior Tribunal de Justiça, a renúncia à aposentadoria para a concessão de benefício mais vantajoso gera efeitos ex nunc, não prescindindo de qualquer restituição dos valores, pois o beneficiário, quando aposentado, fazia jus ao seu recebimento, de caráter alimentar.

        Colacionamos decisões que corroboram o presente parágrafo:

        O ato de renunciar ao benefício, conforme também já decidido por esta Corte, tem efeitos ex nunc e não implica a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus aos seus proventos. Deve-se ressaltar que a recorrida em nenhum momento almejou a cumulação dos benefícios previdenciários, pleiteando apenas a renúncia ao benefício pago pelo RGPS e posterior pagamento pelo regime estatutário. Inexistindo inativação onerosa aos cofres públicos

(in, STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial Nº 328.101 - SC (2001⁄0069856-0).

        Ainda:

        No caso concreto, o provimento atacado foi proferido em sintonia com o entendimento de ambas as Turmas componentes da Terceira Seção, segundo o qual, a renúncia à aposentadoria, para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não importa em devolução dos valores percebidos, "pois enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos (STJ, Recurso Especial n. 692.628⁄DF, Sexta Turma, Relator o Ministro Nilson Naves).

        Assim, resta evidente a desnecessidade de restituição das parcelas recebidas a título de aposentadoria, notadamente ante a ausência de ônus aos cofres públicos, pois o beneficiário da desaposentação permaneceu vertendo contribuições em prol da Previdência Social.


IV) Da Utilização do Tempo de Serviço ou Contribuição para a Obtenção de Novo Beneficio.

        A renúncia à aposentadoria não gera renúncia ao tempo de serviço base para a sua concessão, "por se tratar de um direito incorporado ao patrimônio do trabalhador", segundo preleciona o Superior Tribunal de Justiça ao longo do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 328.101.

        Apresentamos doutrina de Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, extraída de acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região (Apelação Cível nº 2002.32.00.003819-7/AM):

        Entendemos que a renúncia é perfeitamente cabível, pois ninguém é obrigado a permanecer aposentado contra seu interesse. E, neste caso, a renúncia tem por objetivo a obtenção futura de benefício mais vantajoso, pois o beneficiário abre mão dos proventos que vinha recebendo, mas não do tempo de contribuição que teve averbado. Comunga desta posição o Procurador do Trabalho, Ivani Contini Bramante, que escreveu: ‘A desaposentação, ipso facto, trata-se de renúncia-opção. E, quando vocacionada à conversão da aposentadoria de um regime menos vantajoso para um regime mais vantajoso é válida e eficaz. Nesta questão, como visto, prevalece o entendimento de que a aposentadoria é renunciável quando beneficiar o titular do direito e ou ensanchar nova aposentadoria mais vantajosa. (grifo nosso).

        Segundo o exposto pelos autores, a renúncia ao benefício não atinge o tempo de serviço, entendimento também observado ao longo do Recurso Especial n. 557.231⁄RS, Rel. Min. Paulo Gallotti in verbis:

        Previdenciário. Aposentadoria. Direito à renúncia. Expedição de certidão de tempo de serviço. Contagem Recíproca. Devolução das parcelas recebidas. 1. A é direito patrimonial disponível, passível de renúncia, portanto. 2. A abdicação do benefício não atinge o tempo de contribuição.

        Nesse passo, resta evidente que e renúncia à aposentadoria não atinge o tempo de contribuição utilizado para o seu cálculo.

        Por fim, menciona-se decisão extraída do Tribunal Regional Federal da Quinta Região, que se coaduna perfeitamente com o presente caso e merece detalhada leitura e momento posterior: Apelação Cível n. 397248/RN.


V) Conclusão.

        Tem-se observado a evolução das decisões jurisprudenciais quanto ao direito a desaposentação, sendo esta admitida no momento em que o beneficiário busca – unicamente – a concessão de benesse mais vantajosa - de seu pleno direito - pois permaneceu vertendo contribuições para a Previdência Social.

        Nesse passo, questões quanto à possibilidade de renuncia ao benefício previdenciário e desnecessidade de devolução dos valores percebidos a título de aposentadoria são positivamente unânimes, notadamente no Superior Tribunal de Justiça, pairando somente pequenos desentendimentos quanto à utilização do tempo de serviço para obtenção de nova aposentadoria, os quais brevemente serão pacificados em prol do aposentado.

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Sobre o autor
Kétlin Sartor Ristau

Advogada em Santa Catarina. Pós-graduanda em Direito Societário e Empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RISTAU, Kétlin Sartor. A tese da desaposentação e o atual entendimento dos tribunais pátrios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2239, 18 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13350. Acesso em: 19 dez. 2024.

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