4. OUTRAS DISPOSIÇÕES DA NOVA LEI
4.1. Breve justificativa
Aqui, peço vênia para ser ainda mais sucinto, a fim de não me tornar cansativo. O enfoque principal reside nos capítulos I, II e IV do Título VI da Parte Especial do CP.
A revogação do Cap. III do título mencionado, o que se deu por força da Lei n. 11.106/2005, torna desnecessário falar do crime de rapto, sendo inadequado discutir aqui o sequestro para fins libidinosos. Destarte, creio que posso apenas noticiar as inovações trazidas pela nova lei.
4.2 Alterações empreendidas
A Lei n. 11.106/2005 tinha alterado o título do Cap. V. Agora ele foi novamente modificando, passando a dispor o CP: "CAPÍTULO V: DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOA PARA FIM DE PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL".
Já dissemos que os arts. 214, 216, 223 e 224 do CP foram revogados pela Lei n. 12.015/2009. De outro modo, a Lei n. 11.106/2005 já tinha se encarregado de revogar os arts. 217, 219, 220, 221 e 222 do codex. Disse, ainda, que houve revogação tácita do seu art. 227, § 1º, uma vez que a conduta constituirá crime contra vulnerável.
O § 1º do art. 228 do CP não tinha mais razão de ser, uma vez que a conduta foi deslocada para o Cap. II. Desse modo, a Lei n. 12.015/2009 deu nova redação ao dispositivo, passando a dispor o CP:
Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual
Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 2º - Se o crime, é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Os §§ 2º e 3º foram mantidos sem alteração, sendo que deve-se destacar que a prostituição é ato pessoal, não podendo constituir crime. Todavia, participar da prostituição alheia é conduta social e pode ser reprimida.
A casa de prostituição, largamente existente no território nacional, continua sendo considerada ilícita, mas o tipo foi modificado, passando a estabelecer:
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:
Prova de que o art. 226 só é aplicável aos crimes dos Cap. I e II está no próprio sistema legislativo. O art. 230 foi alterado, mas para alterar a qualificadora decorrência da idade da vítima, in verbis:
Rufianismo
Art. 230. ............................................................................................................................
§ 1º Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 2º Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência.
Os art. 231 e 231-A, o primeiro foi substancialmente modificado pela Lei n. 11.106/2005 e o segundo criado por esta, foram objetos de nova modificação legislativa, sendo mais um exemplo de que o art. 226 não se estende aos crimes dos Cap. V e VI do Tít. VI do CP. Observe-se:
Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2º A pena é aumentada da metade se:
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual
Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2º A pena é aumentada da metade se:
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Análise anterior permitiu vislumbrar o acréscimo dos arts. 217-A, 218-A e 218-B ao Cap. II. No entanto, foi inserido o ""CAPÍTULO VII: DISPOSIÇÕES GERAIS" e foram criados novos artigos para referido título, in verbis:
Aumento de pena
Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada:
I – (VETADO);
II – (VETADO);
III - de metade, se do crime resultar gravidez; e
IV - de um sexto até a metade, se o agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador."
Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça.
Art. 234-C. (VETADO).
Imagine-se que o agente padrasto da vítima menor de 14 anos e a engravide. Nesse caso, duas causas de aumento concorrerão para o mesmo caso, hipótese em que o Juiz poderá aplicar as duas causas ou optar por uma delas (CP, art. 68, parágrafo único).
O veto ao art. 234-C é plenamente justificável, eis que a Mensagem n. 640 de 7.8.2009, expõe:
Art. 234-C do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, acrescido pelo art. 3º do projeto de lei
Art. 234-C. Para os fins deste Título, ocorre exploração sexual sempre que alguém é vítima dos crimes nele tipificados.
Razões do veto
Ao prever que ocorrerá exploração sexual sempre que alguém for vítima dos crimes contra os costumes, o dispositivo confunde os conceitos de ‘violência sexual’ e de ‘exploração sexual’, uma vez que pode haver violência sem a exploração. Diante disso, o dispositivo estabelece modalidade de punição que se aplica independentemente de verificada a efetiva prática de atos de exploração sexual.
Os crimes do art. 213 e 217-A são hediondos, conforme previsão do art. 4º da nova lei. Este alterou os incs. V e VI do art. 1º da Lei n. 8.072/1990, já o disse.
A corrupção de menores da Lei n. 2.252, de 1.7.1954, foi deslocada para o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13.7.1990), o qual foi acrescido do seguinte dispositivo:
Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 1º Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet.
§ 2º As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.
Não vejo maiores problemas no tipo. Porém, corromper é modificar a natureza, sendo inconcebível a posição do STJ, construida no sentido que como há crime formal, ainda que o menor já esteja corrompido o crime continuará existindo. Tal entendimento leva à violação da literalidade da lei.
5. À GUISA DE PROVOCAÇÃO
É lamentável que se pretenda ver a panacéia de todo mal social em leis criminais mais severas. Transformar a iniciativa da ação em pública gerará graves problemas e afetará as vítimas.
A lei foi publicada e entrou em vigor no dia 10.8.2009, sendo que foram várias as publicações e exposições televisivas, nos dias 16 e 17.8.2009 que trataram de casos concretos de atos de pedofilia.
O Presidente do Senado Federal, em discurso proferido no dia 17.8.2009, disse que o processo que condena de forma infame, sem o respeito a qualquer garantia constitucional se assemelha ao narrado por Kafka em seu livro O Processo. Vejo aquele homem idoso sendo atacado de todas as maneiras, com ampla divulgação na mídia, como se ele, por ser pessoa pública, não fosse titular da garantia de proteção à sua dignidade.
Sem pretender inocentar o parlamentar, bem como os carcereiros do Estado do Pará que estão sendo acusados de deixar menina de 14 anos ter encontros íntimos com "assassino", isso "dentro do cárcere" e, também, sem pretender defender secretário municipal que teria sido flagrado com adolescentes em motel de Sorocaba, Estado de São Paulo, só posso dizer que o art. 234-B do CP determina o segredo de justiça.
A norma é processual e deveria ter sido inserida no CPP, não no Cap. VII do Tít. VI da Parte Especial do CP. Todavia, mesmo errada em sua colocação legislativa, ela visa a assegurar a dignidade da vítima, sendo que não poderia estar ocorrendo tamanha divulgação de tais fatos como estamos presenciando nestes dias.
A mesma lei que seria protetora está servindo para a inoportuna exposição de adolescentes. O segredo desejado gera efeito contrário e a lei criminal tende a fomentar outra espécie de crime, caracterizado pela exposição da vítima, o qual produz efeitos tão danosos quanto aqueles que a se procura coibir, o que me faz ficar em conflito sobre a utilidade e oportunidade da nova lei.
Notas
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UFMS. Relatório final da CPMI da exploração sexual será votado às 17h30. Disponível em: https://www.caminhos.ufms.br/noticias/view.htm?a=351. Acesso em: 11.8.2009, às 17h55.
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GOMES, Patrícia Saboya. Esperança para as crianças do Brasil: a CPMI da exploração sexual apresenta seus resultados. Brasília: Senado Federal, 2.004.
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HOLLANDA, Eduardo; PEDROSA, Mino. Tem que punir. São Paulo: Isto É, n. 1.851, 6.4.2009. Disponível em: https://www.terra.com.br/istoe/1851/1851_vermelhas_01.htm. Acesso em: 11.8.2009, 19h25.
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MARTINEZ, Fabrina.Veja o que a CPMI da exploração sexual apurou sobre o caso. Disponível em: https://www.caminhos.ufms.br/noticias/view.htm?a=601. Acesso em: 11.8.2009 às 17h45.
-
COSTA, Flávio Dino de Castro e. Currículo lattes. Disponível em: https://lattes.cnpq.br. Acesso em 12.8.2009, às 21h.
-
A Lei n. 8.072/1990 foi decorreu de iniciativa do então Deputado Federal Rubem Medina, logo após a extorsão mediante sequestro de Roberto Medina, irmão do parlamentar.
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Ana Elizabeth Lofrano dos Santos foi vítima de homicídio, em espetaculoso caso que afetou o Congresso Nacional. Daniela Perez, atriz principal e filha de escritora de novelas da maior emissora de televisão, foi assassinada pelo colega de trabalho que com ela mantinha romance. E, finalmente, Marcos Velasco foi morto a socos e pontapés em Brasília, caso que constou da exposição de motivos da Lei n. 8.930/1994.
-
ALMEIDA, Baptista Chagas de. Cura falsificada. Brasília: Jornal Correio Brasiliense, Caderno Brasil, 14.8.2009. p. 8-9.
-
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. A constante atualização legislativa do direito criminal. Disponível em: https://www.sidio.pro.br. Acesso em: 12.8.2008, às 8h15.
-
Não se olvide que elemento normativo do tipo é aquele que exige complementação, que pode ser alcançada em outras leis ou na sociedade complexa.
-
ZAFFARONI, Raul Eugênio. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.997. p. 455-463.
-
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal: parte geral. Curitiba: ICPC, Lumen Juris, 2.006. p. 117-342.
-
QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2.008. p. 133.
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Esclareça-se que, para evitar confusões terminológicas, venho abandonando a palavra "culpa", até porque, doutrinariamente, a distinção entre as suas modalidades (imprudência, imperícia e negligência) é extremamente frágil, podendo todas elas serem reunidas na negligência, esta como omissão ao dever de cuidado.
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Deve-se destacar que a teoria finalista parte da concepção de Nicolai Hartmann, plagiada por Welzel, que afirma toda conduta está dirigida a um fim. Desse modo, todo dolo é específico, inexistindo distinção entre dolo genérico e específico, uma vez que o dolo exige o elemento volitivo. No entanto, prefiro falar como consta da doutrina tradicional, para a qual o dolo específico é especial fim de agir contido no tipo.
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HUNGRIA, Nelson; LACERDA, Romão Cortes de. Comentários ao código penal. 4. ed. Rio de Janeiro: 1.959. v. 8, p. 231-235.
-
Ibidem. p. 233.
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MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2.007. p. 14-24.
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BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2.002. p. 876.
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STJ. Informativo n. 400, de 22 a 36.6.2009. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/SCON/infojur/doc.jsp>. Acesso em: 17.8.2009, às 7h45.
-
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. A liberdade sexual do adolescente e a Lei nº 11.829/2008. Teresina: Jus Navigandi, ano 13, n. 1.979, 1.12.2008. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/12028 >. Acesso em: 16.8.2009, às 19h35.
-
Ibidem.
-
HUNGRIA, Nelson; LACERDA, Romão Cortes de. Comentários ao código penal. 4. ed. Rio de Janeiro: 1.959. v. 8, p. 285.