O art. 34, da Lei 9.249, de 26/12/95, ressuscitou velha conhecida, e não menos polêmica, causa de extinção da punibilidade exclusiva dos delitos de natureza tributária (arts. 11, §§ 1º e 2º, da Lei 4.357/65; 2.º, da Lei 4.729/65; 18, § 2.º, do Decreto-Lei 157/67; e, 14, da Lei 8.137/90), que havia sido morta e enterrada pelo art. 98 da Lei 8.383/91.
A reintrodução em nosso sistema penal do pagamento do tributo, inclusive de seus acessórios, como causa extintiva da punibilidade, teve por escopo aumentar a arrecadação tributária. Deu, o legislador, prevalência ao interesse mediatamente tutelado - crédito tributário, em detrimento do imediatamente protegido - fé pública, administração pública (DÍLIO PROCÓPIO DE ALVARENGA (1)).
Ocorre que, no sistema anterior, o contribuinte flagrado em sonegação preferia discutir, até a última instância administrativa e judicial, a autuação levada a cabo pelo fisco, do que pagar amigavelmente o tributo. Afinal, o pagamento espontâneo em nada lhe beneficiaria. Ao contrário, além de descapitalizá-lo, o ato de pagar voluntariamente o tributo poderia ser interpretado pelo juiz criminal como confissão de culpa...
Observou, o legislador, que o sistema caduco, embora mais severo, era menos eficiente que o atual em termos de desempenho da arrecadação tributária.
Questiona-se a eficácia do instituto. De um lado, sem dúvidas, o contribuinte autuado encontrará motivação para promover o imediato recolhimento de seu débito, em lugar de discuti-lo eternamente. A solução é boa, se o objetivo é o incremento da arrecadação a curto prazo.
De outro lado, trata-se de inequívoco incentivo a que os demais contribuintes, que até então vinham cumprindo suas obrigações fiscais, deixem de fazê-lo, cientes de que, na remota eventualidade de virem a ser flagrados em sonegação, terão garantida a impunidade mediante o só recolhimento da obrigação tributária apurada no auto de infração. Convém ressaltar que não há, de lege lata, limites à fruição do benefício, podendo invocá-lo o mais renitente e reincidente dos sonegadores, em tantos processos quantos vier a responder. A perspectiva é, então, de queda da arrecadação a médio e longo prazo.
De lege ferenda, a par dos imperativos de ordem ética e moral aqui não analisados, quer parecer que melhor seria a adoção dos institutos inovadores da Lei 9.099/95 (transação penal, com aplicação imediata de medidas alternativas à pena privativa de liberdade, e a suspensão condicional do processo penal, sempre tendo-se em vista a reparação integral do dano, nos casos em que houver).
Polêmica a parte, conclui-se que, no entender do legislador, a busca do equilíbrio fiscal das contas públicas é, no atual momento histórico do país, prioridade nacional. Ao que parece, não interessa ao Estado encarcerar o contribuinte que lhe financia e sustenta, por mera vindita. Mesmo porque, preso este contribuinte deixaria de contribuir.
Diz o art. 5.º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que o juiz, na aplicação da lei, atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Há, também, em hermenêutica, um princípio segundo o qual o interprete deve, na exegese da lei, optar, dentre as várias interpretações possíveis, por aquela que dá à norma a maior eficácia possível. Partindo-se desses pressupostos, é que se deve responder à seguinte indagação: O parcelamento do crédito tributário é causa de extinção da punibilidade?
Malgrado decisões jurisprudenciais em contrário (2), observa-se que a lei exige o pagamento do tributo, e não mero parcelamento.
Mesmo porque, a lei dispõe que inclusive os acessórios devam ser recolhidos para efeito de extinção da punibilidade, o que dá idéia de recolhimento integral do débito. Parece evidente que o pagamento parcial ou parcelado não guarda sintonia com a mens legis.
A propósito, veja-se o que decidiu o E. Tribunal Regional Federal, 1.ª Região:
"PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.
Lei 8.137/90, art. 14. PARCELAMENTO DA DÍVIDA. Pagamento
não realizado integralmente antes do recebimento da denúncia.
Extinção da Punibilidade inocorrente. Habeas Corpus
Indeferido"
(HC n.º 94.01.38198-4/MG).
É que, no magistério do Ministro VICENTE CERNICCHIARO, do STJ:
"O parcelamento não se confunde com a
novação (esta implica substituição
da relação jurídica, com mudança do
devedor, do credor, ou do objeto da prestação).
O parcelamento, ao contrário, mantém a relação
jurídica e repercute apenas nas condições
de pagamento. O parcelamento não está arrolado entre
as causas de extinção do crédito tributário
(CTN, art. 156)."
(STJ-RHC 3.973-6/RS)
O instituto do parcelamento, na verdade, se assemelha à moratória em caráter individual pois, o que se vê é uma mera tolerância do credor, que concede ao devedor prorrogação do prazo para pagamento, admitindo receber seu crédito de forma parcelada.
"A concessão da moratória em caráter individual observa HUGO DE BRITO MACHADO não gera direito adquirido e será revogada de ofício, diz o art. 155 do CTN, sempre que se apure que o beneficiário não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumpria ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor."(3)
Não se pode, portanto, ter por extinta a punibilidade de crime contra a ordem tributária pelo simples fato de o agente ter obtido o parcelamento do débito, ainda que se encontre em dia com as obrigações assumidas.
Admitir-se que o simples parcelamento seja suficiente para a extinção da punibilidade, implicaria no risco de vermos contribuintes, flagrados em conduta delituosa, obterem o citado favor fiscal, quitarem umas poucas parcelas e, após passada em julgado a sentença extintiva da punibilidade, deixarem de pagar. O que não é de todo absurdo, porquanto quem, cujos freios morais não foram eficientes para evitar a pratica de crimes tais, não terá dificuldades de natureza ética para deixar de honrar o parcelamento.
A evidência, a eficácia da norma legal restaria reduzida e o fim social a que se dirige não seria alcançado.
Por outro lado, recusar qualquer efeito penal ao parcelamento, implicaria em desestímulo àqueles, cuja situação financeira não permitisse o pagamento à vista, e que tencionassem, de boa-fé, obter o parcelamento, com o fito de honrá-lo. O propósito legal de incrementar a arrecadação restaria igualmente prejudicado.
Ainda na lição do Min. CERNICCHIARO:
"o
réu é processado porque (dolosamente) está
em débito. O parcelamento cumprido afasta o débito
(exigível); atua, pois, como antecedente lógico
da decisão final. Em outros termos, configura - questão
prejudicial. Em sendo assim, não faz sentido o
processo ter seqüência. Impõe-se a suspensão.
O fato repercute no interesse (processualmente considerado)."
(...) "Com efeito, o parcelamento não
é causa extintiva. A razão é simples: poderá
não ser cumprido. Quando o for, extinguir-se-á
o débito pelo pagamento. (...) O parcelamento
encerra obrigação de pagar. Concomitantemente, é
condição suspensiva da extinção
da punibilidade."
(in julgamento citado - grifou-se).
Quando os ventos da moda sopram em direção à uma justiça consensual, a suspensão da persecução criminal se revela mais afinada com os propósitos da lei e sua máxima eficácia.
Conclusões: 1) - o art. 34, da Lei 9.249/95, teve como finalidade aumentar a arrecadação tributária; 2) - o parcelamento não extingue a punibilidade, porque não traduz pagamento integral, havendo inclusive a possibilidade de o agente não honrá-lo; 3) - por importar em pagamento, caso venha a ser totalmente honrado, o parcelamento não deve ser desprezado para efeito do disposto no art. 34, da Lei 9.249/95; 4) - pelos princípios da consulta aos fins sociais a que a lei se dirige (art. 5.º, da LICC), bem como ao da máxima eficácia da norma, deve-se ter por suspenso o curso da persecução criminal, na hipótese de parcelamento, até a completa extinção do débito, caso em que ter-se-á por extinta a punibilidade, ou, até eventual descumprimento, hipótese em que o feito deverá retomar seu curso normal, interpretação esta que se apresenta com maior eficácia quanto à obtenção do fim legal (máxima eficácia da norma).
1. Apud Rui Stoco, in LEIS PENAIS ESPECIAIS E SUA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL, RT, 1995, pág. 1.492, nota 10.00 à Lei n.º 8.137, de 27/12/90;
2. Segundo as quais a lei não exige o pagamento, mas tão somente que o agente promova o pagamento, isto é, pratique atos tendentes a solver o débito e que demonstrem de forma inequívoca essa intenção, como por exemplo pedir e obter o parcelamento (STJ - HC n.º 2.583-5-RJ; TRF/4.ª R. - HC n.º 94.04.44934-2/PR.);
3. In CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO, 10.ª ed., Malheiros, 1995, pág. 125.