O parágrafo primeiro do art. 71 da Lei 8.666/93, em relação à administração pública, declara:
"Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)"(Grifou-se)
Contudo, o item IV da Súmula nº 331 do TST preconiza:
"O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993)".
Ou seja, no âmbito da justiça do trabalho, com base no referido enunciado da Súmula do TST, a administração pública tem sido obrigada, em caráter subsidiário, a arcar com as obrigações trabalhistas eventualmente inadimplidas pela empresa terceirizada.
Nestes casos, a responsabilização da administração se dá em razão de prevalecer, na esfera trabalhista, o princípio da proteção ao hipossuficiente, que resguarda os direitos do obreiro.
Ora, como o tomador de serviços é beneficiário dos trabalhos prestados pelo obreiro, fica com a responsabilidade de, em eventual inadimplência, ser responsabilizado pelos créditos trabalhistas devidos, em primeiro grau, pela empresa interposta.
Outra justificativa para se responsabilizar a Administração Pública, é a chamada culpa in eligendo e in vigilando. Em outras palavras, entende-se que se a administração escolheu determinada empresa que não cumpriu adequadamente suas responsabilidades, a Administração deve ser responsabilizada, uma vez que teria escolhido mal ou não teria fiscalizado suficientemente a empresa responsável pelos serviços terceirizados no que tange aos pagamentos de seus débitos trabalhistas.
A súmula ora tratada adveio de entendimento do Plenário do Tribunal Superior do Trabalho, que, no julgamento do incidente de uniformização TST-IUJ-RR-297751/1996.2, entendeu:
"INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - ENUNCIADO Nº 331, IV, DO TST - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - ARTIGO 71 DA LEI Nº 8.666/93. Embora o artigo 71 da Lei nº 8.666/93 contemple a ausência de responsabilidade da Administração Pública pelo pagamento dos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato, é de se consignar que a aplicação do referido dispositivo somente se verifica na hipótese em que o contratado agiu dentro de regras e procedimentos normais de desenvolvimento de suas atividades, assim como de que o próprio órgão da administração que o contratou pautou-se nos estritos limites e padrões da normatividade pertinente. Com efeito, evidenciado, posteriormente, o descumprimento de obrigações, por parte do contratado, entre elas as relativas aos encargos trabalhistas, deve ser imposta à contratante a responsabilidade subsidiária. Realmente, nessa hipótese, não se pode deixar de lhe imputar, em decorrência desse seu comportamento omisso ou irregular, ao não fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo contratado, em típica culpa in vigilando, a responsabilidade subsidiária e, conseqüentemente, seu dever de responder, igualmente, pelas conseqüências do inadimplemento do contrato. Admitir-se o contrário, seria menosprezar todo um arcabouço jurídico de proteção ao empregado e, mais do que isso, olvidar que a Administração Pública deve pautar seus atos não apenas atenta aos princípios da legalidade, da impessoalidade, mas sobretudo, pelo da moralidade pública, que não aceita e não pode aceitar, num contexto de evidente ação omissiva ou comissiva, geradora de prejuízos a terceiro, que possa estar ao largo de qualquer co-responsabilidade do ato administrativo que pratica. Registre-se, por outro lado, que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade objetiva da Administração, sob a modalidade de risco administrativo, estabelecendo, portanto, sua obrigação de indenizar sempre que cause danos a terceiro. Pouco importa que esse dano se origine diretamente da Administração, ou, indiretamente, de terceiro que com ela contratou e executou a obra ou serviço, por força ou decorrência de ato administrativo." (Rel. Min. Milton de Moura França, julgado em 11.09.00 e publicado no DJU de 20.10.00)
Diante desse quadro introdutório, verifica-se que o TST nada mais fez que, em termos práticos, declarar a inconstitucionalidade do art. 71 da Lei 8.666 de 1993, respeitando, sem dúvidas, no âmbito daquela Colenda Corte, a regra do art. 97 da Constituição Federal.
Nos mesmos casos, os Tribunais Regionais do Trabalho constantemente aplicam referida súmula e, sem dúvida, direta ou indiretamente, explicita ou implicitamente, afastam a aplicabilidade do art. 71 da Lei 8.666 de 1993 através de seus órgãos fracionários (turmas, p.ex). Haveria nesses casos desrespeito à regra insculpida no art. 97 da Constituição?
O art. 97 da Constituição Federal exige que, no âmbito do controle difuso ou incidental de constitucionalidade, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo emane do pleno ou órgão especial do Tribunal – regra da reserva de plenário ou full bench. É o teor do artigo:
"Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público".
O Código de Processo Civil, por sua vez, em seus artigos 480 a 482, regula o procedimento a ser seguido para submissão ao plenário ou órgão especial da arguição de inconstitucionalidade surgida no processo.
Com efeito, a Lei nº 9.756/98 incluiu o parágrafo único do artigo 481, do CPC, que declara a desnecessidade de submissão ao órgão de cúpula dos Tribunais das arguições sobre as quais houver manifestação anterior do Pleno ou órgão especial do Tribunal. Transcrevo o dispositivo processual:
"Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno.
Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)".
Assim, verifica-se que é desnecessária a submissão ao plenário do tribunal somente quando há anterior pronunciamento do pleno ou órgão especial dos respectivos tribunais – tribunais inferiores - ou do Pleno do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, o que, a priori, exclui da exceção a existência de pronunciamento de Tribunal Superior.
Ou seja, em interpretação literal e restritiva, conclui-se que, ainda que existente posicionamento do Pleno de Tribunal Superior, os tribunais inferiores estariam obrigados a observar a reserva de plenário, sob pena de violar-se o artigo 97 da Constituição Federal.
No entanto, com base no princípio constitucional da celeridade – artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal -, entende-se que o dispositivo processual merece interpretação ampliativa e conforme à Constituição, no sentido de entender-se desnecessária a submissão ao plenário dos Tribunais inferiores de temas sobre os quais houver manifestação anterior do Pleno de Tribunal Superior, especialmente quando, como no caso relatado, tratar de entendimento sumulado.
Ora, posicionamento diverso traria unicamente prejuízo à celeridade processual e, consequentemente, ao jurisdicionado, que seria obrigado a ter seu processo submetido ao pleno das Cortes inferiores, que decidiriam conforme a jurisprudência sumulada da Corte Superior ou, em caso de divergência, teria a sua decisão reformada por esta em certo recurso.
Além disso, deve-se interpretar sistematicamente o Código de Processo Civil para se chegar à interpretação adequada do art. 481, parágrafo único. Vejamos.
Em interpretação sistemática do Código de Processo Civil – artigos 557 e 481 do CPC -, verifica-se que o recurso contra decisão que se encontra em confronto com súmula ou jurisprudência consolidada de Tribunal Superior pode ter seu seguimento negado monocraticamente, com base no artigo 557 do CPC. Assim, não pode encontrar respaldo a exigência de submissão ao plenário da Corte a quo dos casos em que o julgamento colegiado se baseou no mesmo entendimento sumulado.
Em outras palavras, fere a própria razoabilidade obrigar que o feito julgado por órgão fracionário com base em súmula ou jurisprudência de Tribunal Superior tenha nulidade declarada em razão da não submissão ao órgão especial ou pleno do respectivo tribunal, se o recurso não requeria sequer julgamento colegiado, pois poderia ter seguimento negado monocraticamente – artigo 557, do CPC, que preceitua:
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)
Assim, entendemos que se um Tribunal Regional do Trabalho julga inconstitucional ou deixa de aplicar o parágrafo primeiro do art. 71 da Lei 8.666, nos termos da Súmula 331 do TST, por órgãos fracionários, não há falar em violação do art. 97 da Constituição, pois este entendimento já fora consolidado pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, dispensando que os TRTs sejam obrigados a submeter a mesma matéria aos seus respectivos plenos ou órgãos especiais.
Este entendimento, sem dúvida, é o mais consentâneo, trazendo, a um só tempo, respeito ao princípio da celeridade, interpretação sistemática e adequada do Código de Processo Civil.
Aliás, a linha interpretativa exposta começa a encontrar respaldo no próprio Supremo Tribunal Federal. Cito os seguintes precedentes:
"Trata-se de reclamação constitucional, aparelhada com pedido de medida liminar, proposta pelo Estado de Minas Gerais, contra acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 2. Argui o autor que a Quinta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, ao negar provimento a recurso ordinário em reclamação trabalhista, afastou a aplicabilidade do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93. Isto sem que houvesse pronunciamento do Plenário do tribunal acerca da inconstitucionalidade do dispositivo legal.
(...)
E o fato é que essa súmula foi objeto de análise pelo Plenário do Tribunal Superior do Trabalho no Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 297.751/96, em 11 de setembro de 2000. Não houve, portanto, nenhuma violação à reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal). Digo isto porque me parece, neste juízo provisório, aplicável ao caso a disciplina do parágrafo único do art. 481 do Código de Processo Civil, in verbis: "Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão
(...)" (STF-Rcl-8216- MC/MG, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, publicado no DJ de 19.05.09)(grifou-se).
"(...)Ademais, não me parece razoável que o relator, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil (´O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior´) possa, monocraticamente, com supedâneo em súmula ou jurisprudência dominante de tribunal superior, julgar improcedente um recurso (que, lembre-se, não raro ataca sentença em que se tenha declarado a inconstitucionalidade de lei), sem que se confira a mesma prerrogativa às Turmas ou Câmaras dos tribunais. Daí a leitura conjunta que há de se fazer do parágrafo único do art. 481 e do art. 557, ambos do Código de Processo Civil
(...)" (STF-Rcl-7219- MC/MG, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, publicado no DJ de 13.02.2009)(grifou-se).
Diante desses fundamentos, conclui-se que a interpretação emanada de Turma de Tribunal inferior prescinde da observância da reserva de plenário, quando está cláusula já foi observada em relação ao mesmo tema pelo Tribunal Superior Competente, restando insculpido o entendimento em súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal Superior.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Disponível em: <www.stf.jus.br>, Acesso em: 20.mar.2009.
BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
______. Vade Mecum acadêmico de Direito. Organização Anne Joyce Angher. 2ª ed., São Paulo: Ridel, 2005.( Coleção de Leis Rideel).
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do processo, 18. ed., São Paulo: Malheiros, 2002.
DANTAS, Bruno. Repercussão Geral: Perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008.
DIDDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da, Curso de Direito Processual Civil, 5ª Ed. Bahia: Editora Juspodvm, 2008, v. 3.