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Empresários e trabalhadores diante da regulamentação da terceirização no Brasil.

É possível um acordo mínimo?

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5. A perspectiva das representações sindicais diante da terceirização

O sindicalismo, com destaque para a CUT vem buscando aprimorar sua estratégia nos últimos anos. Busca-se agora, mais propositivamente, interferir nas decisões e nas conseqüências da terceirização, seja por meio de novas formas de organização sindical (organização de terceirizados; comissão de trabalhadores por empresa composta por trabalhadores da empresa contratante e trabalhadores terceirizados), seja por meio do debate da legislação, ou da negociação [13].

Desta forma, desde 2004, a CUT, sob a coordenação de sua Secretaria Nacional de Organização, aprofundou em seu interior um conjunto de ações sindicais de enfrentamento em relação ao tema.

Em face das contradições existentes no seio do próprio sindicalismo, o GT de Terceirização defrontou-se com um conjunto de questões polêmicas acerca da regulamentação da terceirização, as quais, pela tradição democrática da Central, ousamos compartilhar publicamente. Entre as principais polêmicas destacamos as seguintes: A CUT deveria ou não propor um Projeto de Lei (PL), a ser apresentado no Congresso Nacional, para regulamentar a terceirização? O PL deveria proibir a terceirização e obrigar a "primeirização"; ou deveria incentivar a informação prévia e a negociação coletiva? O PL deveria ser um único para o setor privado e o setor público; ou deveriam ser elaborados dois projetos distintos? O PL deveria proibir a terceirização na atividade-fim e deixar ao Judiciário decidir os impasses; ou deveria proibir a terceirização na atividade-fim e deixar à negociação coletiva definir estas atividades em cada setor? O PL deveria ou não fazer referência ao assunto da representação sindical dos terceirizados? O PL deveria prever que os terceirizados decidiriam qual o sindicato os representará; ou deveria prever que o sindicato representante dos terceiros será o da atividade preponderante? O PL deveria obrigar a igualdade de salários e benefícios entre os terceiros e os empregados diretos; ou deveria garantir um piso nacional de salário para as categorias? O PL deveria ou não aceitar a limpeza, a vigilância e os temporários como atividades terceirizáveis, tendo em vista a regulamentação já existente e a difusão da terceirização nestas atividades? O PL deveria prever a arbitragem para solucionar os conflitos; ou o Judiciário deveria ser sempre procurado para solucionar os impasses da negociação?

Como resultado do amadurecimento de um intenso debate interno, envolvendo os vários ramos de atividade representados pela CUT, foram estabelecidos determinados parâmetros que serviram para estruturar a proposta de projeto de lei da Central sobre a terceirização – parâmetros estes que acabaram sendo posteriormente encampados pelo ex - Presidente da CUT e atual Deputado Federal Vicente Paulo da Silva (Partido dos Trabalhadores, SP), em seu Projeto de Lei de nº 1621, de 2007. São os seguintes os parâmetros:

1. A terceirização na atividade-fim da empresa deve ser proibida;

2. Na atividade-fim, somente poderá haver trabalhadores diretos;

3. Garantia, aos terceirizados, das mesmas condições de salários, jornadas, benefícios, condições de saúde, ritmo e segurança no ambiente de trabalho;

4. Informação prévia aos sindicatos quanto à pretensão de se implantar projetos de terceirização (seis meses de antecedência);

5. A empresa tomadora é proibida de manter empregado em atividade diversa daquela para a qual ele foi contratado pela prestadora de serviços;

6. Empregados da prestadora não poderão ser subordinados ao comando disciplinar e diretivo da tomadora. Esta não poderá exigir a pessoalidade na prestação de serviços;

7. A contratação de prestadoras de serviços constituídas com a finalidade exclusiva de fornecer serviços de mão-de-obra é proibida - ressalvados os casos previstos em lei;

8. Responsabilidade solidária da tomadora no cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias, no tocante ao período em que ocorrer a prestação dos serviços pelos empregados da prestadora;

9. A prestadora é obrigada a fornecer à tomadora, mensalmente, a comprovação do pagamento dos salários, do recolhimento das contribuições previdenciárias e do FGTS – informações que serão fornecidas também às representações sindicais sempre que solicitadas;

10. A tomadora assegurará o pagamento de salários, 13º salário, férias e recolhimento de FGTS, se a prestadora deixar de cumprir estes compromissos com seus trabalhadores;

11. Haverá vínculo empregatício entre a tomadora e os empregados da prestadora, sempre que presentes os elementos que caracterizam uma relação do emprego previstos na CLT;

12. O sindicato representativo dos trabalhadores poderá representar os empregados judicialmente, na qualidade de substituto processual.

De todos os posicionamentos das Centrais Sindicais, a proposta da CUT é a mais completa e detalhada. De certa forma, ele orientou a colocação das outras Centrais Sindicais sobre o tema. Isto fica evidente quando se analisa a "Carta aberta aos parlamentares", assinada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical (FS), Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST) e União Geral de Trabalhadores (UGT), em 7 de outubro de 2007, e que apontou as seguintes "diretrizes de consenso" das Centrais Sindicais em torno de uma legislação sob das Centrais Sindicais sobre o tema:

a) Direito à informação prévia;

b) Proibição da terceirização na atividade-fim;

c) Responsabilidade solidária da empresa contratante pelas obrigações trabalhistas;

d) Igualdade de direitos e de condições de trabalho;

e) Penalização das empresas infratoras.


6. Limites e possibilidades do diálogo: a busca de espaços de mediação

Tomando como ponto de partida os parâmetros formulados pela CUT para a regulamentação da terceirização e os seus desdobramentos em relação às demais Centrais Sindicais, o posicionamento de parte dos empresários expresso na proposta da Fiesp, apresentada anteriormente, estabelece pontos que ainda guardam uma diferença bastante grande no que tange à construção de um marco regulatório negociado da terceirização.

Um dos problemas da proposta da Fiesp, à luz das posições da CUT, está em remeter para a esfera contratual entre empresas uma relação que é essencialmente trabalhista, estabelecendo o Código Civil como parâmetro legal em detrimento do Direito do Trabalho. Em que pese o formalismo jurídico não ser o único ponto de referência para o diálogo, trata-se de uma inversão significativa da mediação contratual, que desprotege ainda mais os trabalhadores.

Também é importante notar que os conceitos de atividade-fim e atividade-meio (ou inerente e acessória; essencial e secundária), hoje repelidos pelas entidades empresariais, foram promovidos pelo próprio empresariado no curso da década de 1990. Em diversos discursos e pronunciamentos naquele período lideranças empresariais enfatizaram a necessidade da modernização por meio do chamado "core business", isto é, da focalização da empresa em sua "atividade-fim" e da terceirização de tudo o mais que fosse possível.

Admitir a terceirização de tudo o que a empresa "quiser", a partir do princípio da liberdade de iniciativa empresarial, significaria também a existência de uma legislação de proteção generalizada ao trabalho no Brasil, o que ainda está longe da realidade brasileira que, dentre outros aspectos, não reconhece o direito de organização sindical no local de trabalho, tampouco favorece a negociação e a contratação coletiva em níveis mais amplos. Neste sentido, a livre terceirização representa o risco concreto do incremento da precarização do trabalho.

Um dos pontos nevrálgicos do debate sobre o marco regulatório para terceirização, que vai para além de uma questão conceitual, reside na hierarquização dos processos de trabalho em termos de etapas principais e secundárias, fim ou meio. Isto porque esta tem sido a base do Enunciado nº 331 que, como vimos é o principal instrumento legal regulatório da terceirização vigente hoje no país, portanto referência acerca da sua legalidade ou ilegalidade.

Outro aspecto importante é a responsabilidade subsidiária ou solidária. A responsabilidade subsidiária, sugerida pela FIESP, já está garantida pelo Enunciado nº 331 e não tem sido suficiente para resolver os inúmeros problemas enfrentados pelos trabalhadores no campo das ações no Judiciário. O que as Centrais Sindicais almejam é a responsabilidade solidária.

Por fim, mas não menos importante, um aspecto do documento da FIESP que se diferencia das posições da CUT reside nos direitos trabalhistas e previdenciários, em especial no que se refere à proteção da saúde dos trabalhadores. Ao invés de se comprometer com condições de trabalho adequadas e com a proteção efetiva da saúde dos trabalhadores, o documento da FIESP remete à esfera burocrática, da fiscalização, um dos problemas mais graves da gestão do trabalho, portanto de responsabilidade das empresas, que é o desrespeito à vida e à saúde dos trabalhadores, expresso de forma dramática, e ainda assim parcial, nos elevados de acidentes e doenças do trabalho.

Em que pese a situação de vulnerabilidade do conjunto dos trabalhadores frente às novas formas de organização da produção e do trabalho, a realidade tem demonstrado que os trabalhadores terceirizados vem sendo mais penalizados no tocante ao incremento de situações de risco e à incidência de acidentes de trabalho, inclusive graves e fatais.

Diante da polarização de posições em torno das premissas para regulamentação da terceirização, o Ministério do Trabalho e Emprego, por solicitação das Centrais Sindicais, reinstalou um espaço tripartite de discussão sobre o tema, que acabou não evoluindo para a construção coletiva e negociada de uma proposta.


7. É POSSÍVEL UM acordo MÍNIMO entre empresários e trabalhadores em torno da REGULAMENTAÇÃO da terceirização?

Tanto os empresários quanto as representações sindicais avançaram, nos últimos anos, em explicitar o conteúdo da regulamentação que desejariam ser aprovada no Congresso Nacional. Contudo, o que se verifica no presente momento é que nenhuma das partes tem força suficiente para aprovar um projeto de lei perfeitamente de acordo com seus interesses.

Diante do exposto, é preciso avançar neste diálogo, posto que a ausência de regulamentação, se já não interessa ao empresariado, também é bem menos interessante para os trabalhadores, maiores vítimas deste vácuo de regulamentação.

Um eventual avanço no diálogo entre capital e trabalho pode significar a construção de um Projeto de Lei negociado entre as partes, com uma chance maior de aprovação no Congresso Nacional.

Assim, com base na comparação das perspectivas iniciais de que partem empresários e representações sindicais, sugerem-se alguns pontos que poderiam orientar um "consenso mínimo" sobre o tema:

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1. Iniciar o diálogo com a explicitação do que ambas as partes consideram como elementos fundamentais para a construção de um projeto de regulamentação da terceirização. O esforço é produzir princípios negociados visando a elaboração de uma futura legislação.

2. Acordar que o objeto do diálogo deve ser as relações de trabalho nos atos de terceirização no setor privado. A terceirização no setor público deve ser tratada em legislação à parte e sua eventual negociação deve envolver outros interlocutores.

3. A priori, princípios que são do interesse empresarial como "modernização da produção", "especialização", "eficiência" e "segurança jurídica" não são necessariamente excludentes com os princípios e interesses dos trabalhadores. O ponto central para os trabalhadores é a qualidade das relações de trabalho.

4. O cuidado com a idoneidade das prestadoras é de interesse de trabalhadores e tomadoras.

5. No mesmo sentido, firmar que a atividade-fim não pode ser passível de terceirização por parte da tomadora. Contudo, os setores, áreas e atividades que compõem a "atividade-fim" em cada ramo de atividade deveriam ser objeto de negociação entre empresas e representações sindicais. A terceirização somente poderia ocorrer após esta definição em contratação coletiva.

6. Além dos pontos listados acima, outros itens deveriam ser dialogados: a) garantia de informação e negociação prévias; b) proibição de terceirização por empresas que sejam exclusivamente fornecedoras de mão-de-obra; c) manutenção do nível de emprego, realocação e re-treinamento do pessoal afetado); d) garantias efetivas de proteção da saúde e segurança; f) fornecimento de comprovantes de quitação de débitos do FGTS e previdência social pelas empresas terceiras; g) exigência de informações sobre os terceiros; h) representação sindical; i) piso salarial por função no ramo; j) vínculo empregatício.

A regulamentação da terceirização atingida por meio de acordo poderá não ser a melhor, a luz dos interesses específicos de capital e trabalho, vistos isoladamente. Mas será a regulamentação possível. E, assim, é muito provável que, sem resolver todas as contradições geradas pela terceirização no Brasil, ela possa ao menos contribuir para a instituição de um quadro menos perverso em termos de seus efeitos sobre o mundo do trabalho. Em outras palavras, se, em muitos dos casos, a terceirização é um processo de fato irreversível, ela deve justificar-se por fatores como especialização, qualificação e ganhos de escala, e não pelo rebaixamento de salários, incremento de jornadas e piora nas condições de trabalho, como acontece atualmente.


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Sobre os autores
Jefferson José da Conceição

Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo do Campo. Professor Doutor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Ex-economista do DIEESE nas Subseções do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-2003) e da CUT (2003-2008). Autor do livro "Quando o apito da fábrica silencia" (Santo André: ABCDMaior, 2008) e um dos autores do livro "O abc da crise" (São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009).

Claudia Rejane de Lima

Psicóloga. Assessora da Secretaria Nacional de Organização da CUT, responsável pelo tema da terceirização. Mestranda em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Jefferson José ; LIMA, Claudia Rejane. Empresários e trabalhadores diante da regulamentação da terceirização no Brasil.: É possível um acordo mínimo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2268, 16 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13517. Acesso em: 29 mar. 2024.

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