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O Tribunal do Santo Ofício da inquisição fiscal

01/02/2001 às 00:00
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A recente aprovação pelo Senado da lei que permitirá à Receita Federal quebrar o sigilo bancário de qualquer pessoa, está gerando grande indignação entre os juristas, face ao claro retrocesso histórico e as inconstitucionalidades representadas por essa iniciativa. Tal atitude criará um órgão com poder sobre a vida particular das pessoas, faculdade que representa violação a diversos princípios constitucionais, já a muito consolidados nos Estados Modernos. Essa prática governamental pode ser comparada a Contra-Reforma Católica do século XVI, que adveio como resposta ao movimento protestante de Lutero e Calvino.

Após séculos de dominação absoluta de toda a civilização ocidental e de se ter corrompida pela prepotência, a Igreja Católica Apostólica Romana teve seu poder dogmático decisivamente contestado por Martinho Lutero, quando esse afixou no portal de entrada da Igreja do Whitberg suas 95 teses, que deram margem a chamada Reforma Protestante. Este movimento veio se opor à Igreja Medieval, que já não defendia verdadeiramente aqueles ideais balizadores do Cristianismo: a justiça, a igualdade e a fraternidade entre os homens.

Para combater esse movimento reformador, foi criado o órgão denominado Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, que seria responsável pela defesa dos princípios regentes do catolicismo da época. Os inquisidores, em defesa daquela instituição degenerada, mostrando intolerância e hipocrisia desmedida, cometeram inúmeras atrocidades: torturaram, queimaram e assassinaram milhares de pessoas. Isso ocorreu pelo simples fato de que tais agentes da Igreja eram dotados de poderes ilimitados, somente controlados por aqueles que detinham poder temporal comparável ao da própria Igreja. Dessa forma, os mais pobres e os desafetos dos nobres e clérigos mais importantes eram rapidamente transmudados em heréticos contumazes.

Nos Estados Nacionais, por sua vez, visto que foram inicialmente formados com base em monarquias absolutas, em que o Príncipe tinha "inspiração divina para governar", eram promovidas verdadeiras orgias com o dinheiro público, não havia respeito a liberdade ou a igualdade. O Príncipe fazia aquilo que desejava. Contra tal realidade, que demonstrava claramente que o Estado se afastará de suas funções primordiais – defender os interesses da coletividade que o forma – , também insurgiram-se "reformadores", na verdade advieram revoluções, que culminaram com a formação do Estado Moderno, o Estado Democrático de Direito, em que todos são iguais perante a lei, ninguém é punido sem que antes lei estabeleça a possibilidade de punição, todos tem direito a ampla defesa e ao contraditória nos procedimentos administrativos e judiciais, não se pode privar nenhum homem de seus bens sem a obediência do devido processo legal, e a dignidade, a privacidade, a honra dos cidadões tem proteção constitucional inderrogável.

Viga mestra do sistema constitucional moderno e a divisão dos poderes, como pensada por Montesquie, em que o Estado possui três funções, a legislativa, a executiva e a jurisdicional, as quais, pelo método de freios e contrapesos, levaria a permanência da justiça e da liberdade.


Contudo, apesar de estarmos ingressando no ano século XXI da era cristã, já estar consolidado Estado de Democrático de Direito como forma de organização dos povos, e a liberdade, a igualdade, a segurança, a privacidade, a vida, a ampla defesa, etc... estarem entre os direitos individuais garantidos pelas Constituição de todos os países ocidentais, o Governo do Brasil, distanciando-se dos objetivos primordiais do estado democrático, decidiu inverter o curso da História, voltando a época dos Estados Absolutistas, para criar o sui generis Tribunal do Santo Oficio da Inquisição Fiscal. Esse órgão será onipotente, e promoverá uma devassa na vida particular de qualquer um, ao menor sinal de heresia contra o Governo. Isso sem obedecer a nenhum dos preceitos constitucionais, nem a ampla defesa, nem o contraditório, nem a privacidade, etc....

Esse novo Tribunal é parte da "contra-reforma" levada a efeito pelo governo brasileiro, com base em "motivos nobres" (a Inquisição defendia os ideais Cristãos) e uma hipocrisia incomparável, para combater duas "heresias", nas quais o governo possui certa parcela de culpa, uma vez que exige uma carga tributária excessiva da qual não se vê retorno, cria tributos inconstitucionais, cobra tributos cumulativamente, muda as regras do jogo quando quer através de medidas provisória, institui empréstimos compulsórios e não os devolve, ou seja, faz tudo que está a seu alcance para não ser respeitado pelos seus cidadões. A primeira dessas "heresias" é perpetrada pelo sonegador, aquele que sabe que deve e não paga por que não quer; a segunda é a daquele que através de meios constitucionais busca afastar os muitos tributos inconstitucionais e assim sobreviver.

Louvável a intenção de combater o sonegador, mas por que não permitir, como insculpido na Constituição Federal, a apreciação do Judiciário? Quais os critérios para se diferenciar o sonegador do empresário honesto? Como assegurar a privacidade e a segurança, frente a esse superpoderoso órgão, de quem sempre pagou em dia seus tributos?

Como os inquisidores da Igreja Antiga ou os Monarcas Absolutos, o novo Tribunal terá poderes absolutos e, não fugindo a regra, promoverá atrocidades e iniquidades, derivadas desse excesso de poder.

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Contudo, graças a História da Civilização Ocidental e a Montesquieu, principalmente, temos ainda uma esperança: o Judiciário. O Tribunal do Santo Oficio da Inquisição era onipotente, O Monarca absoluto também, já o Tribunal do Santo Oficio da Inquisição Fiscal ainda não é; somente o será se o Supremo Tribunal Federal permitir que, pela prepotência, degenere o Estado Democrático de Direito Brasileiro em Estado Absoluto. Se o Judiciário não interferir vencerá a máxima de Maquiavel – os fins justificam os meios – ou melhor, nesse caso, que os fins arrecadatórias estatais, a princípio corretos, possam ser efetivados através de meios inconstitucionais.

Resta-nos a seguinte pergunta: se permitida essa caça as bruxas, quem será lançada à fogueira?

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Sobre o autor
Leonardo Freitas

acadêmico de Direito na UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Leonardo. O Tribunal do Santo Ofício da inquisição fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1358. Acesso em: 2 nov. 2024.

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