RESUMO: A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 previa em seu texto uma metodologia pouco racional para encontrar o valor do salário de benefício dos aposentados pela Previdência Social. Com o advento da Emenda Constitucional nº. 20 de 1998 essa metodologia foi modificada, buscando-se, a partir deste momento, o equilíbrio financeiro e atuarial, ocorrendo, inclusive, uma desconstitucionalização das normas que regulam as aposentadorias. Para se conseguir este equilíbrio financeiro e atuarial, implantaram uma fórmula denominada de fator previdenciário, que é composta de variáveis e constantes relacionadas com a idade do segurado, tempo de contribuição e expectativa de sobrevida, tornando muito difícil para o próprio segurado prever o quantum de benefício que irá receber, podendo ter, até mesmo, uma surpresa desagradável. O fator previdenciário contém certos dados problemáticos, que influem no valor do benefício do segurado sem qualquer grau de racionalidade e previsão, beneficiando uns em detrimento de outros que estão em pé de igualdade, ou pior, tratando da mesma forma indivíduos que se encontram naturalmente separados, ferindo, assim, o princípio constitucional da isonomia.
ABSTRACT: The 1988 Brazilian Constitution provided for a not-so-rational methodology to determine the pension to be paid to retirees from the Social Security System. Constitutional Amendment n. 20 of 1998 changed this methodology to ensure a financial and actuarial balance by, among other measures, deconstitutionalizing the rules that regulate retirement pensions. For such a financial and actuarial balance to be effectively achieved, a formula referred to as social security factor was implemented, which is made up of variables and constants related to a retiree’s age, time of contribution, and life expectancy, making it very difficult for retirees to calculate the quantum of benefits they will receive or even giving them an unpleasant surprise in some cases. The social security factor contains some problematic data which influence the amount of the benefit to be paid to a retiree without any degree of rationality and foreseeability, benefiting some to the detriment of others who are on an equal footing or, which is even worse, treating people who are naturally separated in the same way, disregarding the constitutional principle of isonomy.
Palavras-chave: Previdência Social; Fator previdenciário; Isonomia; Aposentadoria; Princípios.
Key words: Social Security System; Social Security Factor; Isonomy; Retirement; Principles.
1.INTRODUÇÃO
Até a Emenda Constitucional nº. 20 de 15 de dezembro de 1998, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 era responsável pelas diretrizes de cálculo das aposentadorias por tempo de contribuição e por idade. Após, houve uma significativa transformação na regra de cálculo dos benefícios previdenciários aos quais se aplicam o fator previdenciário.
Essa mudança trouxe consigo uma incerteza muito grande por parte dos segurados que já se encontravam no sistema previdenciário e até mesmo por parte daqueles que estavam ingressando no sistema. Pode se dizer que essa incerteza é gerada até mesmo pelo desconhecimento da fórmula do fator previdenciário que até hoje não é conhecida por muitos.
De uma forma geral tememos aquilo que não conhecemos e assim teme-se o fator previdenciário por diversos motivos, uns justos e outros que não passam de suposições sem fundamentação lógica.
Desta forma, visa o presente trabalho esclarecer, de forma modesta, a aplicação do fator previdenciário, com um enfoque mais preciso na variável expectativa de sobrevida, nas aposentadorias por tempo de contribuição e por idade, esta última, sabendo de antemão, que a aplicação do fator previdenciário é facultativa [01].
Todos, ou pelo menos a maioria das pessoas, irão se aposentar um dia, e provavelmente se utilizarão da previdência social para tal. Assim, o fator previdenciário, encarado como a peça fundamental do quebra-cabeça para se encontrar o valor do benefício daquele que se aposenta, deve ser profundamente estudado e desmembrado para verificar se cumpre seu papel social e sobre tudo se atende os ditames constitucionais.
O estudo mais aprofundado da fórmula do fator previdenciário não tem sua importância voltada apenas para aqueles que um dia farão uso dos benefícios da previdência social, mas sobremaneira, para os estudantes e profissionais das ciências jurídicas e econômicas, tendo em vista o preceito constitucional que permitiu a criação do fator previdenciário, ser o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário.
Vê-se, portanto, que é de suma importância que o referido fator seja profundamente estudado, fato que até hoje, 8 anos após a entrada em vigor da lei 9.876/99, não aconteceu. Existem diversos estudos acerca do tema, inclusive o trabalho de Deud [02], se aproxima bastante da questão com conclusões bastante profícuas e coerentes.
Até mesmo a constitucionalidade do fator previdenciário já foi questionada por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade [03] – ADI, contudo a abordagem levada ao plenário do Supremo Tribunal Federal não esgotou todas as questões, deixando aqueles mais curiosos ávidos por uma análise mais abrangente.
Mesmo assim, a aplicação do fator previdenciário foi declarada constitucional, no sentido de não ferir o princípio da vedação ao retrocesso, entretanto, este fator não foi devidamente esmiuçado, no sentido de analisar cada uma das variáveis que o compõe e confrontá-las, a posteriori, com o principio basilar da República Federativa do Brasil, o princípio da isonomia.
Toda e qualquer norma criada deve obrigatoriamente estabelecer uma adequação com o princípio da isonomia que nada mais é que oferecer tratamento idêntico aos semelhantes e tratamento diverso àqueles que se distinguem, na medida de suas distinções. Contudo essa discriminação não deve ser excessiva, nem mesmo incoerente com o fim almejado com a discriminação.
Desta forma, torna-se inevitável o confronto entre a norma jurídica existente no ordenamento e sua adequação ao princípio da isonomia constitucional, em vista, sempre, das garantias individuais do cidadão.
2.DESENVOLVIMENTO
O escopo deste trabalho é analisar não a constitucionalidade da aplicação do Fator Previdenciário, até mesmo por que este assunto já fora decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.111-7/DF, mas a influência positiva ou negativa de algumas variáveis que o compõe nos cálculos dos benefícios previdenciários e sua harmonização com o princípio constitucional da isonomia.
2.1.A PREVIDÊNCIA SOCIAL
Acima de tudo, a Previdência Social há de ser vista como um direito fundamental enquadrado na 2ª geração de direitos do homem conforme a classificação do jurista Tcheco Karel Vasak, criada na aula inaugural do Curso do Instituto Internacional de Direitos do Homem, em Estrasburgo. [04] Essa teoria das gerações dos direitos fundamentais tornou-se bastante conhecida, sendo até mesmo utilizada em julgados do Supremo Tribunal Federal [05]. A segunda geração de direitos fundamentais se baseia no princípio da igualdade (isonomia), sendo conhecidos como os direitos sociais e econômicos. Neste tópico é que se enquadra toda a seguridade social, e não só a previdência, pois requer uma manifestação do Estado para que os indivíduos consigam gozar de certos benefícios sociais que sem a intervenção do Estado conseguiriam.
A Previdência Social é apenas um dos três pilares daquilo que a CRFB/88, em seu artigo 194, chamou de Seguridade Social. Esta engloba os conceitos de Saúde, Assistência e Previdência Social. O presente trabalho se ocupará apenas do conceito de Previdência Social, evitando-se, assim, uma possível desvirtuação do tema proposto, visto que a Seguridade Social abrange uma infinidade de discussões acerca das centenas de detalhes que a compõe.
A expressão ‘previdência’ constou pela primeira vez em uma Constituição Brasileira em 1934. Mas em 1946 surge a expressão ‘previdência social’ e agora com a Carta de 1988 temos que a Previdência Social é espécie do gênero Seguridade Social. [06]
Previdência vem derivado do verbo prever, sendo a qualidade de quem consegue ver com antecipação, antever e ainda aquele que é prevenido e prudente. [07] Assim, Previdência Social pode ser entendida como verificação, previsão e antecipação de determinadas contingências sociais, fazendo uma reserva atual e prevendo algo de possível ocorrência no futuro. [08]
Tendo em vista essa necessidade humana de prover o futuro o Estado cria um sistema de proteção obrigatório para todos os indivíduos que exercem um trabalho ou não, sabendo que ao chegar a uma idade senil, dificilmente, alguém poderá subsistir por meio de sua força de trabalho. Desta forma, faz-se patente a intervenção do Estado para que obrigue o trabalhador a contribuir para sua própria subsistência futura, no caso de algum evento, conforme o artigo 201 da CRFB/88 [09] afirma que a previdência social será organizada na forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e atenderá nos termos da lei, a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada e a proteção à maternidade, especialmente à gestante...
A previdência social possui caráter contributivo, o que significa que somente haverá uma contraprestação do Estado se existir por parte do indivíduo uma contribuição. De todos os benefícios existentes da previdência social, irei fixar-me, especificamente, em dois, quais sejam, a aposentadoria por idade e por tempo de contribuição, elencadas nas alíneas b e c do inciso I do artigo 18 da lei 8.213/91, respectivamente.
A aposentadoria é um benefício previdenciário que consiste no pagamento de uma renda mensal ao contribuinte que cumpra todos os requisitos estipulados em lei, estipulado com base no valor e no tempo de contribuição. A este pagamento mensal chama-se salário de benefício.
2.1.1.Os benefícios previdenciários
A previdência social visa, acima de tudo, fornecer àquele que contribui uma segurança frente as incertezas da vida as quais todo ser humano está exposto. Essa segurança se refere num valor pecuniário pago pelo Estado àquele segurado sempre que a situação fática esteja descrita como uma daquelas a ser beneficiada. Assim, quem é segurado da previdência social tem o direito de gozar de cobertura aos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade, proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário, salário-família e auxílio – reclusão para os dependentes de segurados de baixa renda, além de pensão por morte do segurado [10].
Na realidade, alguns avanços visando a universalização, da ampliação da cobertura e da diminuição das desigualdades antecedem a Carta Magna de 1988, pois antes disso já haviam aumentado o valor do piso dos benefícios urbanos, diminuído o período de carência e alguns benefícios foram estendidos para a clientela rural [11]
Como o tema abordado é o fator previdenciário e este somente afeta as aposentadorias por tempo de contribuição e por tempo de serviço, são apenas nestes benefícios que nos prenderemos.
2.1.2.O cálculo do valor do benefício
Previa o artigo 202 da CRFB/88, antes da Emenda Constitucional nº 20/98, que o cálculo do salário de benefício seria realizado de acordo com a média dos 36 últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, sendo feitos reajustes de modo a preservar seu real valor. [12]
Segundo MARTINS [13], o objetivo do constituinte ao estabelecer o citado dispositivo foi de o legislador ordinário não poder alterar ao seu alvedrio o cálculo do beneficio, estabelecendo uma garantia ao segurado, pois o governo vinha estabelecendo artifícios para o cálculo do benefício que, na pratica, reduziam o seu valor. Entretanto, esta regra é socialmente injusta pois privilegia os segmentos sociais que apresentam trajetória salarial ascendente, a saber os trabalhadores de renda mais elevada, em detrimento dos trabalhadores de menor escolaridade e menor renda que têm rendimentos decrescentes ao final da vida laboral [14].
A Emenda Constitucional nº 20/98, conhecida como reforma da previdência, alterou significativamente o capítulo que trata da Seguridade Social e retirou a garantia do segurado que estava contida na Constituição referente ao cálculo do valor do salário de benefício, passando esta regulamentação para lei ordinária, possibilitando, somente neste momento, a mudança na forma de se calcular o salário de benefício.
São duas as leis responsáveis por regulamentar a previdência social atualmente, a lei 8.212/91 e a lei 8.213/91, regulamentadas pelo decreto 3.048/99. O artigo 29 da lei 8.213/91, com as alterações da lei 9876/99, indica a forma como serão calculados o valor dos salários de benefícios, em que consiste, para os benefícios de que tratam as alíneas b e c (Aposentadoria por idade e por tempo de contribuição) do inciso I do artigo 18, na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário.
Cabe salientar que o uso do fator previdenciário somente é obrigatório no caso de aposentadoria por tempo de contribuição, pois na aposentadoria por idade é facultativo a sua aplicação, devendo ficar à eleição do segurado a forma de cálculo que melhor lhe aprouver no momento da aposentadoria [15].
Vê-se, portanto, que houve uma mudança significativa no cálculo para o valor do salário de contribuição após a edição da Emenda Constitucional nº 20/98.
2.1.3.O fator previdenciário
A fórmula prevista para geração do "fator previdenciário" seguiu a orientação ideológica da reforma de 1998. Além de se colocar como uma alternativa à idade mínima, também trouxe para dentro do próprio sistema de previdência pública o principal elemento do sistema previdenciário privado, ou seja, a lógica da capitalização. [16]
Em novembro de 1999, época em que foi aprovada a lei 9.876/99 no Congresso Nacional que trazia para o bojo da lei 8.212/91 a aplicação do fator previdenciário, o clima era de otimismo como pode-se perceber no dizer de Vinícius Carvalho Pinheiro e Solange Vieira Paiva quando afirmam trata-se de um marco histórico na reorganização da previdência brasileira que elimina injustiças distributivas e contribui significativamente para melhoria dos resultados financeiros [17].
Após a reforma, para se encontrar o salário de benefício, efetivamente aquilo que o aposentado irá receber, deveria se utilizar a seguinte fórmula:
Sb = M x f
Onde:
Sb = salário de benefício;
M = média dos 80% maiores salários de contribuição do segurado, corrigidos monetariamente;
f = fator previdenciário.
O fator previdenciário aprovado é obtido por intermédio da seguinte fórmula [18]:
= fator previdenciário;Id = idade do contribuinte no momento da aposentadoria (id);
Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria;
tc = tempo de contribuição;
a = alíquota no valor de 0,31, referente à contribuição de 11% do empregado mais a de 20% do empregador.
O regime da previdência pública brasileira é conhecido como regime de repartição simples, que tem como principal característica a solidariedade entre os trabalhadores e os beneficiários, ou seja, o grupo de segurados na ativa contribui para o pagamento dos benefícios dos segurados na inatividade, demonstrando a patente necessidade de um equilíbrio coletivo [19]. Quando o primeiro grupo chegar a inatividade (Ex. aposentadoria), os novos segurados da ativa contribuirão para o pagamento dos seus benefícios e assim sucessivamente.
A doutrina aponta algumas mazelas deste tipo de regime como por exemplo a facilidade de ocorrer um desequilíbrio nas contas, no sentido de haver muitos beneficiários e pouco contribuintes. Esse desequilíbrio pode ocorrer por fatores totalmente alheios à previdência social, como desemprego, recessão econômica e baixo índice de crescimento.
A aplicação do fator previdenciário no cálculo do benefício foi motivada tendo em vista a fragilidade do regime de repartição simples, tentando inserir um quê do regime de capitalização, pois este tem como característica a individualidade, já que cada segurado contribui para seu próprio benefício futuro [20]. Este regime funciona como se fosse uma poupança individual que cada segurado faz ao longo de sua vida e logo assim que cumpridos os requisitos, começa a receber uma renda mensal efetivamente proporcional àquilo que contribuiu desde o início, aplicadas as taxas de juros de mercado.
Muitos países passaram e passam pela mesma dúvida brasileira, que concerne na manutenção do sistema de repartição ou na implantação do sistema de capitalização. Esta última hipótese foi descartada pelo Brasil, por questões fiscais e principalmente em relação ao grande custo da transição que varia em torno de 188 e 250% do valor do PIB [21].
Alguns países como Suécia, Itália, Polônia e Lituânia adotaram uma espécie híbrida conhecida como regime de capitalização escritural ou capitalização virtual [22], que consiste basicamente num sistema de repartição no qual os ativos contribuem para os benefícios dos inativos, mas o valor desses benefícios é encontrado de forma individual, de acordo com aquilo que cada segurado tenha efetivamente pago em todo o seu período de contribuição, aplicada uma taxa de juros atualizadora.
Com o fator previdenciário, o tipo de regime adotado pela previdência pública no Brasil não chegou a mudar de repartição para capitalização ou mesmo capitalização escritural, mas se próxima muito desta última visto que há um vínculo sutil entre o benefício a ser pago ao segurado com aquilo que foi trazido por ele para o sistema, contudo, o fator previdenciário utiliza uma pseudo-taxa de juros calculada endogenamente com base na idade do segurado na data de sua aposentadoria e no seu tempo de contribuição [23].
O fator previdenciário foi alvo de muitas críticas mesmo durante a aprovação da lei 9.876/99, como podemos verificar em um trecho do discurso do Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá [24] em que afirmava, com veemência, que seus pares estariam assinando um cheque em branco e que trabalhador nenhum, após a implantação do fator, conseguiria aposentar-se. Afirmava ainda que todos os Deputados seriam os responsáveis e demonstrando simulações que indicavam que só teria direito a aposentadoria integral, caso fosse aplicado esse maldito fator previdenciário, quem tivesse sessenta anos de idade cumulativamente com 40 anos de contribuição.
Alguns autores mencionam que a intenção do legislador ao criar uma fórmula de cálculo para o salário de benefício que leva em conta a idade do segurado, o tempo de contribuição e a expectativa de sobrevida foi a de incentivar o filiado ao sistema a manter se nesta posição por mais tempo, contribuindo para uma aposentadoria de valor mais vantajoso e ao mesmo tempo, equilibrar o fluxo de receitas e despesas da Previdência Social [25].
Dentre todos os itens que compõe o fator previdenciário, existe um que pode trazer uma diferença significativa ao valor da aposentadoria e que não depende da vontade do segurado, a expectativa de sobrevida.
A expectativa de sobrevida do segurado no momento da aposentadoria será obtida a partir da tábua completa de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para toda população brasileira, considerando a média nacional única para ambos os sexos [26].
Esta tábua de seria atualizada anualmente pelo próprio IBGE, sempre no mês de dezembro [27], entretanto isso não vem acontecendo, pois estamos no ano de 2008 e utilizamos a tábua elaborada em 2006, o que pode ser um problema no momento da próxima atualização, pois como se passaram alguns anos, poderá haver uma significativa alteração na expectativa de sobrevida da população o que conseqüentemente alterará o valor dos benefícios dos aposentados.
Problema parecido com este já foi sentido pelos filiados da previdência pública brasileira quando o IBGE resolveu modificar a metodologia de cálculo da tábua de expectativa de sobrevida, apresentando no ano de 2002 uma nova tabela, a qual trazia diferenças significativas em relação às anteriores, exibindo variações percentuais de 8% nas menores faixas etárias, chegando a mais de 20% nas faixas a partir de 67 anos, como efeito instantâneo desta nova tábua, aquele filiado que decidiu se aposentar com 35 anos de contribuição, tendo 59 anos de idade, pela tábua de 2001, conseguiu um fator previdenciário igual a 1 [28], entretanto, se na mesma situação fática, um filiado com 35 anos de contribuição e 59 de idade, decidisse se aposentar um ano depois, o fator previdenciário aplicado ao seu caso seria de 0,8693 [29], reduzindo sensivelmente o valor de seu benefício e seu poder aquisitivo. Desta forma, com a mudança de cálculo repentina, a partir de 2003, para obter um fator previdenciário igual a 1, o segurado que contar com 35 anos de contribuição, deverá ter 63 anos de idade na data da aposentadoria [30].
Vê-se, portanto, que apesar do fator previdenciário propiciar uma pseudo-taxa de juros capaz de capitalizar ou não o seu benefício composta da idade na data da aposentadoria e do tempo de contribuição, a expectativa de sobrevida, entendida aqui como uma variável exógena, pode ser capaz de distorcer qualquer previsão realizada pelo segurado de uma provável data para se aposentar, tendo por vezes que contribuir mais para se aposentar com menos.
Apenas como ilustração, o exemplo altamente perspicaz de DEUD, 2004 [31] não se torna despiciendo, pois em seu trabalho científico apresenta um exemplo de um suposto segurado que tenha se filiado ao RGPS com 18 anos de idade e que em novembro de 2003, contava com 57 anos de idade e 39 de contribuição. Aplicando-se a tábua de expectativa de sobrevida de 2001, válida para a concessão de benefícios até 1º de dezembro de 2003, o valor do benefício seria multiplicado por um fator igual a 1,0171. Decidindo permanecer em atividade por mais um ano para aumentar o valor de seu benefício, requer a concessão de sua aposentadoria em novembro de 2004, com 58 anos de idade e 40 de contribuição. Ao valor do seu benefício será aplicado o fator previdenciário calculado a partir da tábua de expectativa de sobrevida de 2002. Nessa hipótese, o fator será de 0.9648. Ou seja, o segurado trabalhou e contribuiu por mais um ano e terá uma redução no valor de seu beneficio. Será como um ano perdido. Apenas no ano seguinte, se não for modificada a tábua de expectativa de sobrevida, poderá obter um fator igual a 1.
Como se não bastasse o problema das mudanças bruscas na metodologia de cálculo das tábuas de mortalidade pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, existe um outro fator muito preocupante, como bem asseverou o Deputado Federal José Genuíno, líder do partido dos trabalhadores na época da aprovação da lei 9.876/99, aponta [32] que em uma primeira análise permite-se constatar que o Ministério da Previdência e Assistência Social adotou, para ambos os sexos, a mesma expectativa de sobrevida, embora, homens e mulheres a tenham em graus diferenciados. Segundo o Anuário Estatístico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a expectativa de sobrevida dos homens aos 60 anos é de 15,93 anos e das mulheres é de 18,13 anos. Mas aquele Ministério unificou o índice em 17,29 anos, o que prejudica mais sensivelmente os homens.
Cumpre salientar que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística publica as tábuas de mortalidade, donde se extrai a expectativa de sobrevida, do sexo feminino, masculino e a unificada [33].
Desta feita, o homem, que em regra possui uma expectativa de vida inferior a da mulher, terá que contribuir durante mais tempo, pois terá que completar os requisitos não só de sua expectativa de sobrevida, mas também a diferença entre esta e a da mulher.
2.2.O PRINCÍPIO DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL
Constitucionalmente previsto no artigo 5º, caput, da Carta Magna, o princípio da isonomia, inaugurando o Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, informa [34] que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade da direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
No AI-AgR 340477/PR, com relatoria do Ministro Celso de Mello, publicado no D.J. 28.02.2003, elucidando o princípio exposto no artigo supra-citado, afirma com toda sua categoria que o atentado à isonomia consiste em se tratar desigualmente situações iguais, ou em se tratar igualmente situações diferenciadas, de forma arbitrária e não fundamentada e é na busca da isonomia que se faz necessário tratamento diferenciado, em decorrência de situações que exigem tratamento distinto, como forma de realização da igualdade.
Vê-se, portanto, que o princípio da isonomia, não prevê o tratamento idêntico à todos os cidadãos submetidos a determinada norma, mas, a identidade de tratamento somente àqueles que se assemelham, sendo obrigatório o tratamento distinto àqueles que se distinguem, na medida de suas desigualdades, para que efetivamente, o princípio constitucional da isonomia seja concretizado. Assim também é o entendimento do Ministro Eros Grau, quando foi relator da ADI 3.305, julgada em 13.09.06 e publicada no D.J. em 24.11.06, indicando que a concreção do princípio da igualdade reclama a prévia determinação de quais sejam os iguais e quais os desiguais e o direito deve distinguir pessoas e situações que não sejam iguais. Os atos normativos podem, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações a fim de conferir a uma, tratamento diverso do que atribui a outra sendo necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio.
No elucidativo dizer do Ministro supra-citado, há um ponto de suma importância no que concerne na compatibilidade do fator de dicrímen e a desequiparação procedida. A esta compatibilidade, o administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, denomina de pertinência lógica entre o fator erigido em critério de discrímen, e a discriminação legal decidida em função dele. Com isso o Professor afirma [35] que o ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele. E de forma contrária, ocorre imediata e intuitiva rejeição de validade à regra que, ao apartar situações, para fins de regulá-las diversamente, calça-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico dispensado.
A diferenciação proposta há de se enquadrar exatamente nas diferenças existentes nas pessoas, fatos ou situações, pois só neles podem residir diferenças [36]. Não existe a possibilidade do fator de discrímen se enquadrar, por si só, no tempo transcorrido, visto que este é neutro, e por sua neutralidade absoluta, não diferencia seres ou situações, jamais pode ser tomado como o fator em que se assenta algum tratamento jurídico desuniforme, sob pena de violência à regra da isonomia [37].
Assim, temos que uma norma não pode utilizar somente o tempo como fator de discrímen, pois um indivíduo não pode ser beneficiado em detrimento de outro, desde que estejam em idêntica situação, pelo simples aspecto temporal, por si só.
Mais uma vez com maestria, propõe o ilustre Professor Emérito da Universidade Católica de São Paulo, Celso Antônio Bandeira de Mello [38]que a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes.
Portanto, temos formado, pela melhor doutrina, o princípio da isonomia como garantia do indivíduo e acima de tudo uma correlação concreta e abstrata, esta referente ao fator diferencial e a diferenciação conseqüente e aquela, aferida em função dos interesses abrigados no direito positivo constitucional [39].