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Súmula vinculante nº 20 (GDATA).

Uma crítica à metodologia do Supremo Tribunal Federal na aplicação do instituto

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A Súmula Vinculante n° 20, editada em 29/10/2009, possui a seguinte redação:

A Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa – GDATA, instituída pela Lei nº 10.404/2002, deve ser deferida aos inativos nos valores correspondentes a 37,5 (trinta e sete vírgula cinco) pontos no período de fevereiro a maio de 2002 e, nos termos do artigo 5º, parágrafo único, da Lei nº 10.404/2002, no período de junho de 2002 até a conclusão dos efeitos do último ciclo de avaliação a que se refere o artigo 1º da Medida Provisória no 198/2004, a partir da qual passa a ser de 60 (sessenta) pontos.

Essa nova súmula parte de diversos recursos que foram interpostos perante o Supremo Tribunal Federal com a finalidade de discutir se servidores públicos inativos teriam direito de receber a Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa – GDATA, instituída pela Lei n° 10.404/2002, em seu valor máximo, de cem pontos.

Defendiam os aposentados que seria extremamente discriminatório ser-lhes atribuída a gratificação relativa a apenas dez pontos.

A União defendia que tal gratificação tinha natureza pro labore faciendo, sendo devida em virtude do exercício da atividade.

A discussão constitucional envolvida dizia respeito à equiparação entre ativos e inativos no que tange à remuneração. O art. 40, § 8°, da CF estabelecia uma paridade entre ativos e inativos. Assim era redigido o dispositivo.

§ 8º - Observado o disposto no art. 37, XI, os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei.

Durante esse período, entendia-se que os inativos teriam direito de receber aquelas parcelas remuneratórias que eram deferidas aos servidores ativos pelo só fato de se encontrarem em atividade. Em outras palavras, entendia a Corte não ser extensível aos inativos as gratificações concedidas a servidores em situações particulares ou anormais [01].

Com a reforma previdenciária realizada a partir da edição da EC 41/2003 foi extinta essa equiparação. Com isso os inativos perderam o direito de receber os mesmos valores pagos aos servidores ativos. A redação do art. 40, § 8°, da CF passou a ser a seguinte:

§ 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.

Apesar de extinta a paridade, a Emenda Constitucional n° 41/2003, em seu art. 7° estabeleceu uma regra de transição. Vejamos.

Art. 7º Observado o disposto no art. 37, XI, da Constituição Federal, os proventos de aposentadoria dos servidores públicos titulares de cargo efetivo e as pensões dos seus dependentes pagos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em fruição na data de publicação desta Emenda, bem como os proventos de aposentadoria dos servidores e as pensões dos dependentes abrangidos pelo art. 3º desta Emenda, serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei.

Essa regra de transição garantiu o direito de aqueles que já estavam aposentados à época da reforma manterem a paridade em relação aos servidores ativos. Esse era o caso dos aposentados nos autos do RE 476.279/DF-STF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Sessão Plenária de 19/4/2007.

Vejamos, agora, a dinâmica do GDATA, que inclui três períodos distintos. A gratificação foi instituída pela Lei n° 10.404/2002, sendo garantido aos aposentados o valor mínimo de dez pontos, que também era deferido aos servidores ativos. A Lei 10.971/2004, porém, alterou esse valor mínimo para trinta pontos.

Em uma primeira leitura, percebe-se que a GDATA era concedida aos servidores segundo critérios de avaliação. Isso significa que nem mesmo os ativos teriam a garantia de cem pontos da gratificação, razão pela qual não era possível conceder a gratificação nesse patamar aos aposentados. Além disso, era impossível estender aos inativos, com base em critérios de razoabilidade, outros índices que não estivessem previstos em lei para os inativos.

Ocorre que os servidores ativos tiveram, em um curto período, a garantia de um mínimo de pontos. Esse mínimo precisaria, pela regra da paridade, ser estendido aos inativos. O art. 6º da Lei n° 10.404/2002 estabeleceu que até 31 de maio de 2002 e até que fossem editados os atos referidos no art. 3º dessa Lei a GDATA seria paga em valores correspondentes a trinta e sete pontos e cinco décimos. O regulamento da GDATA foi baixado pelo Decreto 4.247, de 22 de maio de 2002.

Sendo assim, chegamos à primeira conclusão da presente súmula vinculante.

1ª conclusão: A Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa –GDATA, instituída pela Lei nº 10.404/2002, deve ser deferida aos inativos nos valores correspondentes a 37,5 (trinta e sete vírgula cinco) pontos no período de fevereiro a maio de 2002.

Entendemos, porém, que a redação da súmula vinculante deveria estabelecer que tal pontuação incidiu desde 9 de janeiro de 2002, data em que publicada a Lei n° 10.404/2002, e não a partir de fevereiro desse ano. Esse foi o entendimento esposado no RE n° 476.390/DF-STF, Relator Ministro Gilmar Mendes, Sessão Plenária de 19/4/2007 que, aliás, serviu de fundamento para a Súmula Vinculante n° 20. Essa é nossa primeira crítica à súmula, que certamente gerará muita discussão quando de sua aplicação pelas instâncias inferiores.

Continuamos a analisar a dinâmica legal do instituto. O art. 5º da Lei n° 10.404/2002, por sua vez, estabelecia o seguinte:

Art. 5° A GDATA integrará os proventos da aposentadoria e as pensões, de acordo com:

I – a média dos valores recebidos nos últimos 60 (sessenta) meses; ou

II-o valor correspondente a 30 (trinta) pontos, quando percebida por período inferior a 60 (sessenta) meses. (Redação dada pela Lei nº 10.971, de 2004)

Parágrafo único. Às aposentadorias e às pensões existentes quando da publicação desta Lei aplica-se o disposto no inciso II deste artigo.

Com base na referida lei, a gratificação, teria um patamar mínimo de 30 pontos, que deveria ser concedido àqueles que já eram aposentados à data da publicação da lei. Chegamos, então, à segunda conclusão, que parte da literalidade da norma.

2ª conclusão: a partir de junho de 2002, quando o patamar de trinta e sete pontos e cinco décimos já não incide, aplica-se a regra da Lei n° 10.404/2002, que garante trinta pontos a quem já era aposentado em 2002.

Cabe aqui uma segunda crítica ao texto da súmula. O texto não é claro e abre margem a interpretações equivocadas. O leitor que não tenha um conhecimento mais aprofundado sobre o tema pode supor que após junho de 2002 o patamar de trinta e sete pontos e cinco décimos continuaria a ser aplicado. Melhor seria que a redação da súmula fizesse alusão, nesse segundo período ao patamar de trinta pontos, e não se tivesse se limitado a dizer, "nos termos do artigo 5º, parágrafo único, da Lei nº 10.404/2002" [02].

A súmula simplesmente repetiu o dispositivo do julgamento realizado no RE 476.279/DF-STF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Sessão Plenária de 19/4/2007. Entendemos, porém, que a síntese dada no RE 597.154-QO/PB-STF, Relator Ministro Gilmar Mendes, Sessão Plenária de 19/2/2009, no qual se aplicou ao tema o rito da repercussão geral seria mais adequado para servir de base à redação da súmula [03].

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Convidamos, nesse ponto, o leitor a refazer a leitura da súmula vinculante, para desfaça qualquer leitura equivocada.

Continuando a analisar a dinâmica da GDATA, nos deparamos com a Medida Provisória n° 198/2004 (convertida na Lei n° 10.971/2004), que em seu art. 1º estabelecia em seu caput:

Art.1°Até que seja instituída nova disciplina para a aferição de avaliação de desempenho individual e institucional e concluído os efeitos do último ciclo de avaliação, a Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa - GDATA, instituída pela Lei no 10.404, de 9 de janeiro de 2002, será paga no valor correspondente a sessenta pontos aos servidores ativos alcançados pelo art. 1º da mesma Lei, inclusive os investidos em Funções Comissionadas Técnicas - FCT e Funções Gratificadas - FG e os ocupantes de cargo em comissão, respeitados os níveis do cargo efetivo e os respectivos valores unitários do ponto, fixados no Anexo I desta Medida Provisória.

Lembramos, mais uma vez, que no caso concreto cuidava-se de inativos que tinham direito à paridade em virtude de regra de transição. Por tal razão, a regra da referida medida provisória foi estendida aos inativos. E chegamos, dessa forma, à terceira conclusão.

3ª conclusão: após a conclusão dos efeitos do último ciclo de avaliação, a GDATA é devida no patamar de sessenta pontos, até sua extinção, em 2006.

Compilando as três informações, chegamos à conclusão final de que entre fevereiro e maio de 2002 a gratificação era devida no valor correspondente a trinta e sete pontos e cinco décimos, entre junho de 2002 e a conclusão do último ciclo era devida na margem de trinta pontos e após a conclusão do ciclo era devida no patamar de sessenta pontos.

Registre-se que a GDATA foi extinta pela Lei n° 11.357/2006, que dispôs sobre o Plano Geral de Cargos do Poder Executivo.

Finalizamos os comentários à presente súmula vinculante com mais algumas críticas. A quarta crítica diz respeito à redação da súmula, que não é auto-explicativa. O efeito didático, de divulgação da jurisprudência do Tribunal, foi o que motivou, historicamente, a criação das súmulas. Em sua origem as súmulas não possuíam qualquer valor processual, servindo apenas à persuasão (daí serem chamadas, por alguns, de súmulas persuasivas). Não se pode, a nosso ver, desprezar o conteúdo didático e, portanto, a clareza do enunciado.

A mera referência a artigos de lei praticamente inviabiliza a compreensão da súmula por parte daquele leitor que não esteja disposto a pesquisar o tema específico, mas que esteja simplesmente interessado em apreender a jurisprudência do Tribunal como um todo.

Além disso, uma quinta crítica é cabível. A súmula não faz qualquer alusão a um fato que foi essencial no julgamento do leading case, que é o de que os aposentados beneficiados com tais índices são apenas aqueles que já eram aposentados à data da edição da Emenda Constitucional n° 41/2003.

Da forma que está redigida, a súmula vinculante dá a entender que todos os aposentados teriam direito a tais índices.

Assim, levando-se em conta que as súmulas vinculantes sempre precisam tratar de temas constitucionais, nos termos do art. 103-A da Carta Maior, não é possível admitir que a única discussão constitucional envolvida na discussão não receba a menor referência no texto do enunciado.

Por fim, nossa sexta crítica tem um caráter mais ideológico do que técnico. A Constituição do Brasil, em seu art. 103-A autoriza a edição de súmulas vinculantes em casos nos quais a controvérsia acarrete "relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica".

Entendemos, dessa forma, que não se deva banalizar o instituto. Se um dia o Tribunal possuir setecentas súmulas, não será humanamente viável a memorização de todas elas, o que acabará por retirar a força desses enunciados.

Quando cuidamos de temas transitórios, como dessa gratificação, a GDATA, que foi criada em 2002 e extinta em logo em 2006, falamos em um universo limitado de processos, que tem como destino perder a relevância após algum tempo, até mesmo por conta da incidência da repercussão geral, aplicada ao caso.

Não se despreza o fato de que milhares de ações discutem essa temática. Mas são milhares de ações, dentro de um universo de dezenas de milhões que tramitam perante o Poder Judiciário, e que um dia serão extintas. Nesse dia a Súmula Vinculante n° 20 será um entulho a confundir os operadores do Direito nas gerações futuras.


Notas

  1. RE n° 476.390/DF-STF, Relator Ministro Gilmar Mendes, Sessão Plenária de 19/4/2007.
  2. A incidência do patamar de trinta pontos pode ser melhor aferida na leitura do RE n° 476.390/DF-STF, Relator Ministro Gilmar Mendes, Sessão Plenária de 19/4/2007, que serviu de precedente para a súmula.
  3. No referido recurso extraordinário o relator entendeu por firma a jurisprudência no seguinte sentido: "incidirão as sucessivas leis de regência, para que a GDATA seja concedida aos servidores inativos nos valores correspondentes a 37,5 pontos, no período de fevereiro a maio de 2002; para que de junho de 2002 a abril de 2004 a concessão se faça nos termos do art. 5º, II, da Lei n° 10.404, de 2002; e para que no período de maio de 2004 até a conclusão dos efeitos do último ciclo de avaliação (art. 1º da Medida Provisória n° 198, de 2004, convertida na Lei n° 10.971, de 2004), a gratificação seja concedida aos inativos nos valores referentes a 60 pontos".
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Sobre o autor
Fabrício Sarmanho de Albuquerque

Professor e Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBUQUERQUE, Fabrício Sarmanho. Súmula vinculante nº 20 (GDATA).: Uma crítica à metodologia do Supremo Tribunal Federal na aplicação do instituto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2336, 23 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13894. Acesso em: 24 abr. 2024.

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