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A utilização das parcerias público-privadas pelo sistema prisional brasileiro em busca da ressocialização do preso.

Uma perspectiva possível

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25/11/2009 às 00:00
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4. A OPINIÃO DE ESPECIALISTAS.

O entendimento da maioria dos especialistas é no sentido de que a privatização de presídios é um caminho viável à situação carcerária brasileira, entretanto há posicionamentos contrários. Luíz Flávio Borges D’Urso [23] afirma ser favorável à privatização:

"Registro que sou amplamente favorável à privatização, no modelo francês e as duas experiências brasileiras, uma no Paraná há um ano e outra no Ceará, há dois meses, há de se reconhecer que são um sucesso, não registram uma rebelião ou fuga e todos que orbitam em torno dessas unidades, revelam que a ‘utopia’ de tratar o preso adequadamente pode se transformar em realidade no Brasil. [...] Das modalidades que o mundo conhece, a aplicada pela França é a que tem obtido melhores resultados e testemunho que, em visita oficial aos estabelecimentos franceses, o que vi foi animador.[...]De minha parte, não me acomodo e continuo a defender essa experiência no Brasil, até porque não admito que a situação atual se perpetue, gerando mais criminalidade, sugando nossos preciosos recursos, para piorar o homem preso que retornará, para nos dar o troco!" [24]

Elizabeth Sussekind, ex-secretária nacional de Justiça, diz que os presídios privados são mais eficazes, "Um agente penitenciário corrupto, se for público, no máximo é transferido. Se for privado, é demitido na hora. [...] Fui secretária e cansei de entregar alvará de soltura a quem ficou preso por quatro anos e saiu da cadeia sem saber assinar o nome. Eles colocavam a digital no alvará porque o Estado foi incapaz de alfabetizá-los". [25]

O jurista Luiz Flávio Gomes também é favorável à terceirização:

"Sou contrário a uma privatização total e absoluta dos presídios. Mas, temos duas experiências no país de terceirização, terceirizou-se apenas alguns setores, algumas tarefas. Essas experiências foram no Paraná e no Ceará, experiências muito positivas. [...] Há uma empresa cuidando da alimentação de todos, dando trabalho e remunerando nesses presídios, que possuem cerca de 250 presos cada um. O preso está se sentindo mais humano, está fazendo pecúlio, mandando para a família e então está se sentindo útil, humano. Óbvio que este é o caminho. Sou favorável à terceirização dos presídios". [26]

O deputado Fernando Capez, quando inquirido sobre o sistema de privatização de presídios, declarou:

"É melhor que esse lixo que existe hoje. Nós temos depósitos humanos, escolas de crime, fábrica de rebeliões. O estado não tem recursos para gerir, para construir os presídios. A privatização deve ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra. Tem que ser enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável. Ou privatizamos os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a privatização não é a questão de escolha, mas uma necessidade indiscutível, é um fato". [27]

O saudoso Professor Júlio Fabbrini Mirabete, ao analisar o tema, separou as atividades inerentes à execução, destacando as atividades administrativas em sentido amplo, classificadas na divisão que propõe: atividades administrativas em sentido estrito (judiciárias) e atividades de execução material, podendo estas, em seu modo de pensar, serem atribuídas a entidades privadas. Afasta, pois, em termos legais, qualquer tentativa de privatizar as atividades jurisdicionais, bem como a atividade administrativa judiciária, exercidas estas últimas, v.g. pelo Ministério Público, Conselho Penitenciário, etc. [28]

O Professor Damásio de Jesus, acerca do questionamento sobre a privatização de presídios, cauteloso, asseverou:

"A privatização é conveniente desde que o poder de execução permaneça com o Estado. O que é possível é o poder público terceirizar determinadas tarefas, de modo que aqueles que trabalham nas penitenciárias não sejam necessariamente funcionários públicos. Mas advirto: se fizermos isso, não se abriria caminho para a corrupção?"  [29]

Em estudo inédito sobre o assunto, os professores Sandro Cabral e Sérgio Lazarini, no qual compararam os indicadores de desempenho de prisões públicas e terceirizadas dos Estados da Bahia e do Paraná, são incisivos ao afirmar:

"Nossos resultados apontam que as formas híbridas de provisão de serviços prisionais apresentam não apenas melhores custos, mas também melhores indicadores de qualidade em termos de segurança, ordem e nível de serviço oferecido aos detentos. A chave está na presença do supervisor público, cujo papel é garantir um nível adequado de serviço. Nesse caso, a supervisão pública exercida pelos diretores do presídio inibe eventuais condutas auto-interessadas dos operadores privados, evitando a redução dos padrões de qualidade dos serviços acordados." [30]

Há especialistas discordantes da privatização de presídios. Julita Lemgruber, ex-subsecretária de Segurança Pública do Rio de Janeiro diz que "se a privatização fosse boa, os Estados Unidos, a nação mais privatista do planeta, não teriam tão poucas unidades privatizadas" [31].

O professor Laurindo Minhoto, também com entendimento contrário:

"A grande promessa dos advogados da privatização no Brasil é justamente essa (diminuir custos). A idéia é de que a iniciativa privada, mais eficiente, adote programas de qualidade e de gestão. Dizem que ela já teria sido, em tese, comprovada nos países onde houve implementação do sistema. Digo sinceramente: não há qualquer estudo que comprove isso, aqui ou lá. Reduções de custo, quando existem, são mínimas se comparadas aos gastos dos estabelecimentos públicos. E, em muitas situações, o que parece é que essa diminuição do preço por detento aparece devido à piora na qualidade dos serviços penitenciários. Justamente no que seria o diferencial: na ressocialização, educação, trabalho, saúde e acompanhamento do preso. São tarefas que sofrem piora em função do corte de custos. Os presídios privados são a Gol (empresa de aviação brasileira que barateia passagens e oferece serviço de bordo mais modesto) do setor." [32]


5. AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.

Alguns estados brasileiros já possuíam normas versando sobre as PPPs, entretanto, em 2004 foi publicada a Lei Federal nº 11.079, que instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parcerias público-privadas no âmbito da Administração Pública. Entre os diversos tipos de investimentos estão os contratos para construção, manutenção e gestão de penitenciárias, onde, embora exista um usuário, no caso o detento, a Administração Pública é a tomadora indireta do sistema, por ser ela a compradora do serviço prestado pelo parceiro privado. A lei 11.079/2004 disciplina que as funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado são indelegáveis.

No Brasil ainda não foi concretizada nenhuma experiência de contratos de gestão de presídios nos moldes da lei das PPPs, porém, Minas Gerais (que, em 2008, colocou em consulta pública a PPP de uma prisão para 3 mil detentos, orçada em 200 milhões de reais) e Pernambuco (que também submeteu à consulta pública uma PPP visando a construção e gestão de um Centro Integrado de Ressocialização) já estão na fase dos canteiros de obras. Em Pernambuco, uma empresa ficará responsável por investir cerca de 240 milhões de reais na construção de um presídio para 3.126 detentos e depois pela gestão dele por três décadas. Em troca o estado pagará uma mensalidade por preso (R$ 2400,00). [33] Já em Minas Gerais a duração do contrato é de 27 anos e o estado fixou a mensalidade máxima a ser paga por cada detento em R$ 2.100,00.

No fim do primeiro semestre de 2009 o Brasil possuía 469.807 presos para 270.300 vagas nos presídios [34]. Há um déficit em torno de 200 mil vagas no sistema penitenciário e é provável que outros estados caminhem para a utilização das PPPs nessa área.

5.1 A IMPLANTAÇÃO DA PPP PARA A PENITENCIÁRIA DE ITAQUITINGA EM PERNAMBUCO.

Em Pernambuco, o grupo vencedor da licitação para a construção de uma penitenciaria em Itaquitinga foi o Consórcio Reintegra Brasil, das baianas Socializa Empreendimentos e Serviços de Manutenção e Advance Participações e Construções. O centro de Itaquitinga terá capacidade para 3.126 detentos e, do lado do Estado, custará 1,9 bilhão de reais ao longo de 30 anos de concessão [35]. A construção, que deveria ficar pronta até o dia 31 de março de 2010, está com um atraso de 10 meses no andamento do projeto. Há previsão da construção de cinco salas exclusivas para visitas íntimas, um parlatório (recinto onde o preso se comunica por telefones), padaria, locais para capacitação profissional, além de contar com moderno sistema de segurança (com uso de raio "X" e várias áreas de revista). Esse novo complexo prisional será composto por dois blocos para regime semi-aberto (1200 vagas), três para o regime fechado (1926 vagas) e uma unidade para administração do Centro Integrado de Ressocialização (CIR), além de cozinha, lavanderia, padaria, canil e granja. O CIR ocupará uma área de 100 hectares e todas as unidades do complexo irão funcionar independentes. O apenado será individualizado de acordo com a pena e o perfil criminológico, atendendo a Lei de Execução Penal (LEP). Haverá dois tipos de cela: individual e coletiva, esta com no máximo quatro presos. À concessionária caberá dotar a unidade de advogado, assistente social, médicos (clínico e psiquiatra), psicólogo, terapeuta educacional, dentista, enfermeiro, professores de educação física, ensino fundamental e médio e instrutor de informática. O objetivo é a prestação de serviços assistenciais à população carcerária, tendo por fim harmonizar a convivência entre os internos e o seu futuro retorno à sociedade e proporcionar as condições físicas e psicológicas para o cumprimento da pena que lhes foi imposta, através da assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa [36].

Os cargos de diretor geral, diretor adjunto e coordenador de segurança e disciplina serão ocupados por servidores públicos do estado de Pernambuco. Ao diretor geral caberá, entre outras responsabilidades, a de garantir a vedação contratual à ultrapassagem do limite nominal de capacidade do CIR, de 3.126 internos, ou seja, impedir a superlotação carcerária. Já à policia militar pernambucana caberá a manutenção dos serviços de policiamento e vigilância externa na unidade prisional, o acompanhamento em escoltas para hospitais, fórum e outros locais, e a intervenção na área interna das unidades.O projeto de ressocialização, de responsabilidade da concessionária, englobará os procedimentos para retorno dos internos à sociedade, descrevendo os planos que deverão ser implantados com o propósito de possibilitar a educação e a qualificação profissional, a possibilidade de trabalho e sua respectiva remuneração, e o resgate da cidadania. Serão possíveis duas configurações para o trabalho dos sentenciados: trabalho preferencialmente de natureza industrial, rural ou agrícola e de serviços, cujo tomador seja uma pessoa jurídica terceira; e o trabalho referente a serviços gerais e de manutenção da Unidade.

5.2. A IMPLANTAÇÃO DA PPP PARA A PENITENCIÁRIA DE RIBEIRÃO DAS NEVES EM MINAS GERAIS.

O governo de Minas Gerais assinou, em 16 de junho de 2009, o contrato para início da construção de um complexo penitenciário por meio de Parceria Público-Privada (PPP). Essa penitenciária será construída em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, num prazo máximo de 30 meses, pelo consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), com investimento de 190 milhões de reais sem custos para o Estado. O prazo para a gestão será de 27 anos. O novo complexo penitenciário terá cinco unidades prisionais com 608 vagas cada uma, e vai abrigar sentenciados do sexo masculino que cumprem pena nos regimes fechado e semi-aberto. Serão 1.824 vagas para regime fechado e 1.216 para o semi-aberto. O número de presos por cela é quatro no regime fechado e seis no semi-aberto e o custo diário aos cofres do Estado será de R$ 74,63 por vaga ocupada, valor abaixo do previsto no edital da licitação [37]. O Poder Público é responsável pelas atividades de segurança armada nas muralhas e pela segurança externa à unidade, bem como pela supervisão, controle e monitoramento de todas as atividades. O diretor de segurança permanece como um agente governamental e tem exclusivamente as responsabilidades de monitorar e supervisionar os padrões de segurança da unidade, além de aplicar eventuais sanções administrativas aos internos. O governo do Estado também se responsabiliza por administrar as transferências de internos relacionadas à unidade, vedada expressamente qualquer forma de superlotação.

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A concessionária, entre outras responsabilidades, tem a de prestar serviços nas áreas jurídica, psicológica, médica, odontológica, psiquiátrica, assistencial, pedagógica, esportiva, social e religiosa; educação básica e média aos internos; treinamento profissional e cursos profissionalizantes; serviços de gestão do trabalho do preso para o desenvolvimento e acompanhamento dos sentenciados, em conformidade com o disposto na Lei de Execução Penal. A ressocialização do interno terá prioridade no modelo de gestão apresentado pelo Consórcio GPA que pretende, com o desenvolvimento de atividades diferenciadas, criar um ambiente adequado à reintegração dos presos à sociedade. Os detentos terão atividades educativas, artísticas e culturais, além de cursos profissionalizantes com o objetivo de criar mão-de-obra especializada e adequada para o mercado de trabalho. Aos presos que cumprirem pena em regime semi-aberto haverá oportunidades de empregos fora da prisão.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A situação atual do sistema penitenciário brasileiro é notoriamente caótica. Sabemos que nossos presídios são verdadeiras "universidades do crime" e que, como afirmou Luiz Flávio D’Urso, esse sistema serve para piorar o homem preso, que retornará para nos dar o troco. A questão da superlotação é, sem dúvida, a mais importante a ser enfrentada. As experiências de co-gestão na administração prisional são positivas. Esse sistema, que proporciona ao apenado um tratamento minimamente digno, com possibilidade de educação, dos mais diversos atendimentos (médico, defensor, ensino profissionalizante e trabalho) tem gerado resultados benéficos. Para tanto, basta verificarmos o índice de reincidência no presídio de Guarapuava, PR (à época em que o sistema de co-gestão estava implantado – até 2005) de 6%, enquanto a média nacional era de 70%.

A utilização de parcerias público-privadas, em nosso modesto entendimento, traz ainda mais benefícios para a sociedade que o modelo de gestão compartilhada. Com as PPPs o Estado não investe, diretamente, na construção e manutenção do complexo penitenciário, pois esse ônus fica a cargo do parceiro privado e, com a criação de novas unidades prisionais, a tendência é de que o problema da superlotação carcerária seja significativamente minimizado. Quanto à obediência aos requisitos previstos na Lei de Execuções Penais referentes ao cumprimento da pena (em condições dignas) e na Constituição Federal (dignidade da pessoa humana), o parceiro privado tem a obrigação contratual de cumpri-los, haja vista que a desobediência a essas obrigações gerará sanções administrativas e, principalmente, pecuniárias, por parte do Estado-contratante. Nesse sistema, em princípio, o preso terá oportunidade de cumprir sua pena de forma digna e haverá instrumental adequado para possibilitar que ele alcance a ressocialização, retornando, finalmente, ao convívio harmônico em sociedade.

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Sobre o autor
Jorge Amaral dos Santos

Policial Rodoviario Federal. Especialista em Direito Público - UCS/ESMAFE, pós-graduando (especialização) em Direito Penal e Direito Processual Penal Contemporâneo - UCS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Jorge Amaral. A utilização das parcerias público-privadas pelo sistema prisional brasileiro em busca da ressocialização do preso.: Uma perspectiva possível. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2338, 25 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13906. Acesso em: 4 mai. 2024.

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