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"Compra e venda" de monografia.

Consequências cíveis e criminais

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3- É CRIME A APRESENTAÇÃO COMO SUA DE MONOGRAFIA FEITA POR OUTRA PESSOA?

3.1-DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA

Como já afirmado anteriormente, a cessão do direito de nominação por quem não fez a monografia é indiscutivelmente crime. Nesse caso, ocorre violação – desde que não haja consentimento do autor da obra intelectual – do direito moral do autor (direito de nominação), crime previsto no art. 184 do Código Penal.

No entanto, quem cede o direito de nominação de obra que criou não viola direito moral do autor, mesmo que se considere proibida, pela lei autoral, sob qualquer forma, a cessão do direito de nominação. É que o termo violação, previsto no art. 184 do Código Penal, significa utilização na consentida, o que independe da proibição ou não da conduta no âmbito civil. Como afirmou Fragoso:

Pratica-se o crime realizando qualquer ação que viole o direito de utilizar, de fruir e de dispor da obra, basicamente publicando ou reproduzindo, modificando ou divulgando, por qualquer meio, sem autorização, a obra a que se refere o direito. A tradução não consentida também é violação de direito autoral [35]

É evidente que a norma que se extrai do art. 46 da Lei 9610/98, que, em determinadas hipóteses, permite a terceiros usufruir dos direitos de autor sem o seu consentimento, interessa para a configuração do crime previsto no art. 184, do CP. No caso, por exemplo, de reprodução de obras intelectuais, mediante o sistema braile, para uso de deficientes visuais, mesmo que feito sem o intuito de lucro, configura, em princípio, o crime previsto no art. 184, do CP. Isso ocorreria porque a reprodução seria feita sem prévia autorização do autor, havendo, portanto, violação. No entanto, como essa violação é permitida pela própria lei autoral (art. 46, I, d, da lei 9610/98), não há fato típico. Aplica-se aqui a teoria da tipicidade conglobante, já que a conduta, conforme alerta Zaffaroni [36], apesar de encaixar-se na descrição penal prevista no tipo, não é típica, pois é favorecida por outra norma do ordenamento.

Por outro lado, quando não há violação dos direitos do autor, como ocorre no caso da cessão do direito de nominação pelo próprio autor da obra, não há sequer adequação ao tipo previsto no art. 184 do CP. Pode até configurar, para alguns, violação à norma civil que proíbe a cessão do direito de nominação (art. 27), mas não à norma penal que proíbe a violação do direito moral do autor. O termo violação, previsto no art. 184, do CP, deve ser interpretado restritivamente e na acepção vulgar: utilização não consentida. Do contrário, haveria aplicação da analogia em matéria penal, o que é vedado. Como afirmou Claus Roxin: "[...] una interpretación que ya no este cubierta por el sentido literal posible de um precepto penal, constituye uma analogía fundamentadora de La pena y por tanto es inadmissible" [37]. Portanto, não há crime na cessão do direito de nominação, desde que feita pelo autor intelectual da monografia.

Não obstante a atipicidade da conduta de ceder o direito de nominação de obra própria, há controvérsia sobre se as condutas do cessionário do direito de nominação configurariam crime. Poder-se-ia considerar que a colocação do nome em monografia feita por outra pessoa configuraria o crime de falsidade ideológica, já que se insere em documento "declaração diversa da que devia ser escrita". Afinal, deveria constar na monografia declarações referentes ao conhecimento do graduando, e não de terceiro. Há ainda que se demonstrar se a conduta de ludibriar os membros da banca, na farsa de provar oralmente ser o autor do que não se escreveu, não configuraria o crime de estelionato. É o que faremos a seguir.

Antes, porém, é preciso esclarecer que, embora a conduta de ceder o direito de nominação não configure crime; seria possível, caso constatada a tipicidade na conduta do cessionário, considerar o autor da obra intelectual co-autor do crime cometido por quem apresentou monografia feita por terceiro. O fato de o autor da obra intelectual, na maioria dos casos, não praticar as condutas previstas no núcleo do tipo penal de falsidade ideológica e estelionato – já que não apresenta a monografia, nem coloca o nome de terceiro na obra que fez –, não é empecilho para considerá-lo co-autor do crime. Segundo Nilo Batista: "[...] a co-autoria se sujeita a duas exigências: a comum resolução para o fato e a comum (sob divisão do trabalho) da realização dessa resolução [38]". A comum resolução do fato estaria configurada pelo fato de o autor da obra intelectual saber e concordar com o fim da utilização da obra. Afinal, uma monografia a ser apresentada numa conceituada Instituição de Ensino Superior requereria maiores trabalhos do autor da obra intelectual e a cobrança de um preço maior pelo serviço. Já a contribuição para o advento dos possíveis crimes cometidos pelo cessionário ocorreria pelo fato de o autor da obra intelectual ter o domínio funcional do fato [39], já que esse tem a possibilidade de acabar com a farsa a qualquer momento, exercendo o direito de paternidade da obra (art. 24, I, da lei 9610/98).

3.2 APRESENTAÇÃO/DEPÓSITO DA MONOGRAFIA: ESTELIONATO?

Para avaliar se a conduta do cessionário do direito de nominação configura crime, comecemos pelo crime de estelionato. Embora a fraude na apresentação ocorra depois da colocação do nome em obra monográfica alheia, opta-se por tratar primeiro da conduta posterior, já que a doutrina majoritária [40] e a jurisprudência (enunciado n. 17 da súmula do STJ) consideram que o estelionato absorve o crime de falsidade ideológica.

A tese de que o estelionato absorve o crime precedente de falsidade ideológica parece ser mesmo a mais correta. O fato de o crime de falsidade ideológica prever pena maior do que a prevista para o crime de estelionato não é empecilho à aplicação do princípio da consunção. O que importa, para aplicação do princípio da consunção – que soluciona o conflito aparente de tipos penais [41] –, é que o tipo penal escolhido para absorver os demais (consunto), segundo Horta, seja: "[...]a mais abrangente tradução [...] dos aspectos lesivos do fato, ainda que distintos os bens jurídicos que uma e outra tutelam preferencialmente" [42]. Se a aplicação da consunção dependesse de o crime consunto prever pena maior do que a dos crimes absorvidos, não haveria autonomia ao princípio, pois, nesse caso, bastaria a aplicação do princípio da subsidiariedade [43].

No entanto, no caso da apresentação da monografia feita por outrem, não se configura o crime de estelionato. Há fraude sem dúvida. No entanto, falta o prejuízo patrimonial, necessário para a configuração do crime. Como alerta Hungria, demorou bastante tempo para a Ciência Penal desgarrar o crime de estelionato do crime de falso que o precede. No entanto, hoje é indiscutível que o crime de estelionato é crime contra o patrimônio. Ao tratar sobre o crime de estelionato, afirmou:

a matéria punível não é a fraude em si mesma, o engano ou o induzimento em erro, mas a locupletação ilícita ou a injusta lesão patrimonial. O engano é apenas um momento precursor do crime. Este critério conceitual está definitivamente integrado no direito penal hodierno, tendo resultado de uma lenta e gradativa elaboração científica, no sentido de atribuir ao estelionato seu verdadeiro posto entre os crimes contra o patrimônio, para corrigir-se a imprecisão das fontes romanas e a obscura doutrina dos juristas medievais, que o haviam confundido com o falsum (ofensa à fides publica, sem necessidade de um efetivo dano material)" [44]

No caso da artimanha referida, não há prejuízo patrimonial para a Instituição de Ensino que aprovou aluno nessas condições. Se a Instituição de Ensino Superior for pública, haverá até abertura de vaga com a saída do falsário, agora formado. Se a Instituição for particular, embora pequena parte da doutrina [45] admita que o crime de estelionato proteja lucro cessante, também não ocorrerá prejuízo. Não há cogitar-se em lucro cessante nessa hipótese. É que a reprovação do estudante, pela descoberta da fraude, não implicaria por si só novo pagamento de mensalidade por nova orientação ou pela composição de nova banca de monografia. O estudante poderia simplesmente escolher outra Instituição de Ensino Superior para concluir o curso. Esse parece ser inclusive o que ocorre na maioria dos casos, tendo em vista o esforço a ser desenvolvido pelo estudante para apresentar monografia em Instituição de Ensino Superior em que foi descoberta a fraude.

3.3 É CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA?

É preciso, antes, averiguar se monografia pode ser considerado documento para fins penais. Caso não seja, não haverá crime, mesmo que a informação contida na monografia seja diversa da que deveria constar: o conhecimento do aluno.

Von Liszt, ao comentar sobre o Código Alemão que não previa o conceito de documento, afirmou que o motivo é que: [...]supõem-no ‘conhecido e firmemente estabelecido’" [46]. No entanto, segundo o mesmo autor: "essa suposição é um erro lamentável, pois cada um dos caracteres do conceito é tão controvertido quanto à idéia fundamental, sobre que ele se assenta" [47].

A Doutrina pátria, em sua maioria [48], limita-se a distinguir se o documento para fins penais pode ser considerado escrito ou não. Nélson Hungria, contudo, vai mais além conceituando o documento a partir de seu conteúdo. Segundo o autor, documento:

[...]"É todo escrito especialmente destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de prova de fato juridicamente relevante. É o testimonium scriptum, provido de maior ou menor coação jurídica (opressio juris) como elemento de convicção. É o que, na linguagem forense, se chama de prova por escrito, preconstituída (fiunt scripture ut quod actum est facilius per eas probari posse) ou acidental, auto-suficiente ou dependente de complementação" [49].

Para Von Liszt, o documento para fins penais não é, contrariamente ao que supôs Hungria, qualquer documento que sirva para prova, mas somente os que tenham: "[...]sido preparado para provar, pelo seu conteúdo intelectual (e não somente pela sua existência), um fato juridicamente relevante [...] O documento deve ser feito, passado, lavrado, isto é, deve-lhe ter sido impresso o seu destino de prova por uma vontade reguladora no momento de ser ele criado ou mesmo posteriormente. É somente a tais documentos que o Direito Penal concede a sua proteção peculiar e não a todos os que têm importância no processo civil e no processo criminal." [50]. Daí ter concluído Von Liszt que: "[...] O que constitui a essência do documento é o seu destino de prova e não a sua aptidão para a prova" [51].

O conceito proposto por Liszt não merece ser desprezado. Se a lei penal não define o que seja documento, melhor é interpretar restritivamente o conceito a aplicar a analogia com normas processuais. A par disso, não parece que a monografia seja sequer documento, pelo menos não de acordo com a acepção restrita proposta por Von Liszt. A monografia não é criada para que o aluno prove ser ele o criador da obra intelectual apresentada. É claro que na apresentação perante a banca examinadora poderá ser constatado que o aluno não sabe patavina do que escreveu. Isso significa que a monografia tem aptidão para provar quem é o seu criador, mas não é feita para esse fim. Daí não poder ser considerado documento para fins penais.

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Por outro lado, mesmo se consideramos a monografia documento, não há como considerar que a declaração contida na monografia é falsa ou diversa da que deveria constar, caso em que se configuraria o crime de falsidade ideológica. O Supremo Tribunal Federal, ao examinar caso envolvendo "cola eletrônica" [52] – no qual vestibulando utiliza escuta telefônica para responder as provas do exame –, considerou que essa conduta não configura crime de falsidade ideológica. Segundo a tese vencedora, não há, nesse caso, inserção em documento de conteúdo diverso do que deveria constar. As questões estão contidas na prova para que o estudante responda da forma como melhor lhe aprouver, podendo inclusive deixá-las branco. Quanto à fraude utilizada para responder as questões, consideraram-na irrelevante para a configuração do tipo penal de falsidade ideológica, já que na descrição desse crime não há referência ao meio utilizado para declarar a vontade, mas somente à declaração. Segundo o Ministro Cesar Peluzo, em voto vencedor nesse julgamento:

"[...]Para fins penais, releva tão só seja mentirosa a declaração, pouco se dando a via pela qual o declarante logre formar a representação mental dessa inverdade e o expediente de que lance mão para chegar a declará-la. No caso, falsas podem ter sido algumas das respostas às questões do vestibular, nunca o processo mediante o qual o agente se pôs em condições de formalizar as declarações correspondentes às respostas [53]"

O precedente, embora tenha peculiaridades, é aplicável ao caso das monografias. Assim como o vestibulando não tem o dever de responder corretamente as questões formuladas no vestibular, aquele que apresenta monografia não é obrigado a tratar com acerto sobre o problema proposto na obra. Por outro lado, o fato de o utilizador de monografia alheia ser mais ajudado que o vestibulando, já que esse tem o trabalho de transferir as respostas enviadas via rádio, enquanto aquele recebe a obra pronta, não parece ser motivo para diferenciar os dois casos. Não é possível separar a obra do intelecto. Isso não por convicções morais, mas por própria norma de direito positivo. A lei autoral considera as criações do espírito "obra intelectual" (art. 7º, lei 9610/98). Desse modo, assim como o vestibulando não pode ser considerado autor da prova vestibular – embora tenha feito obra –, o utilizador de monografia alheia também não pode ser considerado autor da obra intelectual que deposita/apresenta. No caso do vestibular, o intelecto utilizado para responder as questões da prova é o do professor que transmite as respostas via rádio. O aluno mecanicamente transfere as respostas para a prova. Considerá-lo autor da obra implicaria considerar co-autor dos julgamentos colegiados o taquígrafo. Um absurdo, sem dúvida.

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Sobre o autor
João Paulo Rodrigues de Castro

Defensor Público Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, João Paulo Rodrigues. "Compra e venda" de monografia.: Consequências cíveis e criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2344, 1 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13941. Acesso em: 22 nov. 2024.

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