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Nulidades do processo administrativo disciplinar

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05/12/2009 às 00:00
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Para que o processo administrativo disciplinar tramite regularmente e seja concluído de forma válido, é necessário que sejam observadas a forma processual, com obediência a normas e princípios pertinentes, e a formação de cada ato que o compõe, objetivando a busca da verdade dos fatos. Assim, de nada serve um PAD com rigor formal, se os atos que o formam não correspondem à verdade dos fatos, tornando-o, dessa forma, inválido.

Essa preocupação com a validade do PAD será objeto de estudo desse trabalho, desdobrando-se na análise das nulidades atinentes ao processo disciplinar.


1.Nulidade e anulabilidade de ato processual

Não possui a legislação brasileira dispositivo que conceitue as nulidades processuais do PAD. De todo modo, existem alguns pareceres/formulações [01], jurisprudência e doutrina, ainda não uniformes, dos quais se pode inferir algum conceito. José Armando da Costa [02] define a nulidade processual disciplinar como "vício de forma, provocando prejuízo em detrimento da verdade substancial dos fatos imputados ao servidor acusado, que contamina a validade do ato e do respectivo processo".

O único dispositivo da Lei nº 8.112/90 que trata da nulidade disciplinar, sem entretanto conceituá-la, é o art. 169, que dita que "verificada a existência de vício insanável, a autoridade julgadora declarará a nulidade total ou parcial do processo e ordenará a constituição de outra comissão, para instauração de novo processo".

José Armando da Costa [03] esclarece que nem todos os defeitos que inquinam os atos processuais disciplinares são definíveis como causa de nulidade. O que vai definir a nulidade será a classificação do vício processual, que pode ser de nulidade, de anulabilidade ou de mera irregularidade.

Os vícios de nulidade são aqueles que causam prejuízos notórios ao servidor acusado, sendo desnecessária sua avaliação ou demonstração. Os vícios de anulabilidade exigem que os prejuízos sejam argüidos e demonstrados. Já os vícios de mera irregularidade são aqueles que não implicam prejuízo para as partes, por consistirem em meras violações de forma.

Segundo Sebastião José Lessa [04], pode-se, ainda, classificar os atos processuais em essenciais (imprescindíveis) e acidentais (prescindíveis). Segundo essa classificação, que é de grande uso doutrinário, os atos processuais assim se classificam: denúncia (estrutural); despacho de recebimento da denúncia (estrutural); citação (estrutural); interrogatório (acidental); defesa prévia (acidental); diligências das partes (acidental); audiência das testemunhas de acusação (acidental); audiência das testemunhas de defesa (acidental); diligências da causa (acidental); alegações finais (estrutural); saneamento do processo (no caso de vício insanável, estrutural); e sentença (estrutural).

Importante realçar que a maior parte das fases expostas no parágrafo anterior está disciplinada na Lei nº 9.784/99 e outras no Código de Processo Penal, e não na Lei nº 8.112/90, que não especifica os atos processuais. O professor Sebastião Lessa [05] ressalta que há expressível distinção entre a inexistência material do ato e a mera deficiência. Assim, por exemplo, a inexistência material da defesa acarreta nulidade absoluta (insanável), enquanto que a deficiência da peça defensória acarreta nulidade relativa (sanável). Disso depreende-se que a inexistência material de ato estrutural acarreta nulidade absoluta, independentemente de demonstração de prejuízo, enquanto que a deficiência desse mesmo ato poderá ou não acarretar a nulidade, dependendo da demonstração concreta do dano causado. Já no que tange aos atos acidentais, independentemente da inexistência ou da mera deficiência, a decretação da nulidade dependerá sempre da prova do efetivo prejuízo suportado pelo interessado.

as nulidades absolutas são aquelas que causam patente prejuízo para o acusado, carecendo de prova para sua demonstração e podendo ser declarada de ofício pelo juiz, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de provocação das partes. Segundo José Armando da Costa [06], por constituírem irregularidades que agridem frontalmente a veracidade dos fatos e afrontam o direito de defesa do acusado, as nulidades absolutas, por atingirem os atos estruturais, contaminam o processo de invalidade irrecuperável, devendo esse ser refeito desde o começo (ab initio).

Segundo José Armando [07], os defeitos do ato disciplinar estão associados à competência, à forma, à finalidade, ao objeto, ao motivo e à falta de razoabilidade, podendo ora constituir atos nulos (nulidade absoluta), ora anuláveis (nulidade relativa).

1.1 Vícios de competência

Segundo José Armando da Costa [08], os defeitos associados à competência que afetam o ato disciplinar classificam-se em: ausência de competência; invasão de competência; prorrogação ilegal de competência e antecipação ilegal de competência.

A ausência de competência consiste no vício que contamina o ato punitivo, em virtude de não ter o seu prolator atribuição para exercitar a função disciplinar, configurando a inexistência por completo do poder punitivo. São exemplos desse tipo de defeito: instauração processo por autoridade hierárquica incompetente, incompetência funcional dos membros da comissão processante e a incompetência da autoridade julgadora.

Já na invasão de competência, tem-se que o vício do ato disciplinar resulta do fato de o autor ter exorbitado do campo de sua competência e invadido as atribuições de outra autoridade. Segundo José Armando da Costa [09], nessa modalidade, a autoridade administrativa não é totalmente destituída de poder punitivo, visto que ela detém poder disciplinar, apenas o exerce fora dos limites de sua competência.

O autor ressalta, ainda, que, em razão da aplicação do princípio da hierarquia, a invasão somente se caracteriza quando uma autoridade disciplinar de determinado grau hierárquico edita ato punitivo da alçada de autoridade superior.

Por vez, o prolongamento ilegal de competência consiste no defeito em que autoridade continua a exercer as atribuições inerentes ao cargo do qual já foi desconstituído, definitiva ou provisoriamente. Caso seja identificada a má-fé no comportamento da autoridade, o fato enquadra-se na infração penal prevista no art. 324 do Código Penal brasileiro, que tipifica o exercício funcional ilegalmente prolongado.

Por fim, nas palavras de José Armando da Costa [10], tem-se a antecipação ilegal de competência, que se caracteriza pelo fato de o agente, antes de satisfazer os requisitos legais de sua investidura, se antecipa para exercer atribuições que, por lei, ainda não lhe competem. Da mesma forma que o defeito supracitado, a antecipação ilegal de atribuições caracteriza o crime previsto no art. 324 do Código Penal, desde que configurado o dolo.

Segundo José Armando da Costa [11], o requisito da competência respalda-se nos princípios da legalidade, da hierarquia, da descentralização, da especialidade e da responsabilidade, constituindo-se como o ponto fundamental para a validade do ato administrativo, tendo, por isso, que estar sempre vinculado, ou seja, previsto na lei.

1.2 Vícios referentes à forma

Apesar da inexistência de dispositivo expresso na Lei nº 8.112/90, referente à forma dos atos disciplinares, existem disposições, de forma indireta, que ditam o formalismo necessário à validade do ato punitivo. Exemplo disso é o art. 140 da lei estatutária que dita que "o ato de imposição da penalidade mencionará sempre o fundamento legal e a causa da sanção disciplinar".

Segundo José Armando da Costa [12], pode-se inferir do referido dispositivo legal que o ato disciplinar deve se revestir de forma escrita, conter o dispositivo infringido e a imputação apurada contra o servidor, devendo, também, ser publicado oficialmente, para que produza os seus efeitos legais. Resume o autor as deformações que afetam o ato disciplinar atinentes à forma: ausência de documento escrito, falta de publicidade do ato punitivo, omissão do fato constitutivo da transgressão, não-declinação do dispositivo do regulamento que fundamenta a punição e não-especificação da pena imposta.

1.3 Vícios referentes à finalidade

Segundo José Armando da Costa [13], pode-se depreender da Lei nº 8.112/90 que as finalidades do processo disciplinar consistem em promover a disciplina, a regularidade e o aperfeiçoamento do serviço público.

O referido autor destaca, entretanto, que a atividade punitiva da administração reveste-se de discricionariedade, em que são analisados os critérios da oportunidade e da conveniência das decisões. Desse modo, as decisões estão suscetíveis a subjetivismos que acabam por configurar defeitos do ato disciplinar, visto que, eventualmente, punições acobertam sentimentos de vingança e perseguição.

Segundo José Armando [14], essas distorções configuram o desvio do poder disciplinar, afetando o ato punitivo no requisito da finalidade. Esse desvio caracteriza-se pelo uso inadequado do poder discricionário das autoridades administrativas, que, a pretexto de levarem em conta os critérios da oportunidade e da conveniência, editam atos punitivos para a satisfação de sentimentos pessoais, desviando-se da finalidade pública perquirida.

Ainda segundo José Armando [15], quando o ato disciplinar é totalmente vinculado, a comprovação do desvio de poder não é tão complexa, visto que existem dispositivos legais traçando os procedimentos a serem seguidos; mas, quando o ato em questão é discricionário, a prova do desvio de finalidade torna-se um tanto quanto difícil.

Embora seja difícil identificar as reais intenções do administrador, o autor supracitado elenca uma série de sintomas, catalogados pela doutrina, que permitem a evidência das distorções de finalidade, são eles: falta de proporcionalidade entre o fato e a sanção imposta; discrepância da punição imposta com outras punições, pelas mesmas razões, aplicadas anteriormente; motivação excessiva relevadora de insegurança da autoridade que pune; motivação inidônea ou insuficiente; motivação contraditória; manifesta falta de lógica; inobservância de norma interna; e injustiça manifesta. O egrégio Superior Tribunal de Justiça tem precedentes sobre o tema:

Mandado de segurança. Processo administrativo disciplinar. Exoneração. Demissão. Ato incoerente com seu fundamento. Desvio de finalidade. Nulidade. A fundamentação que trás idéia incompatível com o ato promove sua nulidade. [...] [16]

No mesmo sentido o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

[...] A instauração de processo administrativo para satisfação de interesses alheios à Administração Pública constitui desvio de finalidade e justifica a intervenção judicial para recomposição da finalidade e moralidade públicas. [...] [17] Grifo nosso.

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1.4 Vícios referentes ao objeto

Segundo José Armando da Costa [18], o objeto do ato disciplinar é a punição imposta ao servidor transgressor, podendo ser vinculado ou discricionário. Em regra, o objeto do ato disciplinar será discricionário, entretanto a pena a ser aplicada tem que estar dentre as várias previstas na Lei nº 8.112/90.

Depreende-se da conceituação do doutrinador José Armando que os vícios associados ao objeto do ato disciplinar consistem na imposição de pena não prevista em lei ou em pena desproporcional ao dano causado.

1.5 Vícios referentes ao motivo

O motivo constitui o fato gerador do ato disciplinar, ou seja, é a causa da realização do ato punitivo. Igualmente ao objeto, o motivo do ato disciplinar pode ser discricionário ou vinculado.

O doutrinador José Armando da Costa [19] distingue dois aspectos do motivo do ato disciplinar: os componentes fáticos e os componentes hipotéticos. O primeiro diz respeito às ocorrências de situações fáticas que condicionam a elaboração do ato; o segundo aos fatos hipotéticos definidos em lei como ensejadores do ato. Por exemplo, o ato administrativo de concessão de aposentadoria por tempo de serviço tem por motivo o tempo de serviço previsto em lei e prestado efetivamente pelo servidor, em que o tempo de serviço previsto na lei como requisito para concessão é o componente hipotético e o tempo de serviço realmente prestado é o componente fático.

O mesmo autor [20] destaca os defeitos de motivo presentes no componente fático: inexistência de fato; existência de fato, mas de autoria absolutamente incomprovada; e existência de fato, mas cometido por outrem. Já os vícios localizados no componente hipotético: ausência de hipótese legal; e hipótese legal distanciada do fato

1.6 Vícios referentes à falta de razoabilidade

Já estudado no início deste trabalho, o princípio da razoabilidade constitui um dos pilares para a regularidade do ato disciplinar. José Armando da Costa [21] destaca que a razoabilidade fundamenta-se nos seguintes elementos: adequação entre meio e fim; adoção de medida menos onerosa; e relação custo-benefício. A inobservância a quaisquer desses elementos constitui vício que pode acarretar a anulação processual.

1.7 Demais vícios

José Armando [22], com base em fragmentos jurisprudenciais, administrativos, doutrinários e nos princípios constitucionais e legais, destaca, exemplificativamente, uma série de causas de nulidade absoluta do processo disciplinar, que podem estar inclusas em uma das categorias já citadas, mas, pela freqüência das argüições de nulidade, valem ser citadas, são elas:

1.7.1 Vícios referentes à composição da comissão

A composição da comissão tem previsão legal na Lei nº 8.112/90 e o descumprimento dos dispositivos constantes desta lei enseja anulação do processo. Destacam-se os seguintes vícios: comissão composta por menos de três membros; comissão composta por membros ocupantes de função de confiança exoneráveis ad nutum; comissão integrada por servidores instáveis; e comissão composta por servidores que sejam inimigos do acusado.

Quanto à exigência da comissão ser formada por servidores estáveis, os tribunais já pacificaram o assunto e têm anulado processos por falta de cumprimento desse requisito, a fim de garantir que a comissão processe as apurações de modo imparcial, sem ameaças de demissões ou qualquer outro tipo de retaliação. [23]

1.7.2 Vícios relativos à citação do indiciado

A citação é um dos meios de preservar o contraditório e a ampla defesa do servidor acusado/indiciado. Assim constituem defeitos processuais: falta de citação; citação encaminhada para endereço diverso do que consta dos autos do processo; citação por edital do indiciado que se encontre preso; que tenha endereço certo; que esteja asilado em país estrangeiro; que esteja internado em estabelecimento hospitalar para tratamento de saúde; e a citação feita, de pronto, por edital, quando inexiste nos autos do processo qualquer indicação que traduza o empenho de localização do indiciado.

É o entendimento do STJ:

[...] No processo administrativo disciplinar, é indispensável que se proporcione ao servidor processado, esteja ele já indiciado (art. 161, § 1º, da Lei 8.112/90) ou ainda como simples acusado (na fase de instrução do inquérito administrativo), o direito à ampla defesa e ao contraditório, devendo-se chamar o acusado ao feito desde o seu início, para que tenha oportunidade de acompanhar a instrução. Precedentes do c. STF. Segurança concedida. [24]

O art. 163 da Lei nº 8.112/90 prevê a citação por edital, que deve ser publicada no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, quando o indiciado estiver em lugar incerto e não sabido. Nas situações citadas no parágrafo anterior, o requisito "lugar incerto e não sabido" não está presente, motivo pelo qual a citação torna-se irregular. Segundo o professor Léo da Silva Alves [25], as citações descritas correspondem a citações circundutas, o que quer dizer que não têm eficácia jurídica.

1.7.3 Vícios referentes ao direito de defesa

Constituem ofensa ao direito de defesa do acusado: ausência das alegações escritas de defesa; inexistência de notificação ao servidor acusado para acompanhar os atos apuratórios do processo, notadamente a audição de testemunhas, que poderão ser reinquiridas pelo acusado; indeferimento de certidão, sobre aspecto relevante, por parte da administração interessada no processo; negação de vista dos autos do processo ao funcionário indiciado; negação de vista dos autos do processo, fora da repartição, ao advogado legalmente constituído defensor do indiciado, desde que não se trate de processo com vários indiciados; juntada de elementos comprobatórios aos autos do processo, depois de haver o indiciado apresentado a sua defesa escrita final, a menos que tais peças em nada influam sobre a verdade dos fatos que agravem a situação daquele. É o entendimento do STF:

[...] I – Ao servidor sujeito a processo administrativo disciplinar é assegurado o direito de defesa, que há de ser amplo. Lei 8.112/90, art. 153.

II – O advogado regularmente constituído tem direito a ter vista do processo administrativo disciplinar, na repartição competente, ou retirá-lo pelo prazo legal. [...] [26]

É compreensível por parte da comissão do PAD não saber, em alguns momentos, se o direito de defesa do acusado já se esgotou, isso porque muitos acusados, a fim de protelar o fim do processo e atrapalhar o trabalho da comissão, inquirem testemunhas ou solicitam diligências de má-fé ou com fins exclusivamente protelatórios. Daí, muitas vezes, as comissões caem em armadilhas que acabam por suscitar nulidades processuais. Mas, felizmente, o Judiciário tem conseguido distinguir as causas que, de fato, ensejam anulação do processo disciplinar das meramente protelatórias. Transcreve-se o entendimento do STJ:

[...] 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, em processo administrativo disciplinar, não há cerceamento de defesa se, embora sem a presença do acusado, a oitiva de testemunhas é acompanhada pelo defensor.

2. Não obstante tenha sido alegado que a defesa se mostrou deficiente, os recorrentes não lograram demonstrar em que consistiu referida irregularidade, impedindo a análise da suscitada contrariedade aos princípios do contraditório e da ampla defesa. [...] [27]

[...] 3. Não há óbice legal a que a comissão seja composta por quatro servidores, dês que três deles a integrem na qualidade de membro e um na qualidade de secretário. Inteligência do artigo 149 da Lei nº 8.112/90.

4. Não há falar em violação do devido processo legal e da ampla defesa se ao imputado, pela via intimatória, se oportunizou, por vezes seguidas, vista dos autos, indicação de testemunhas e ofertamento de defesa, após sua indiciação.

5. "O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos." (artigo 156, parágrafo 1º, da Lei nº 8.112/90).

6. Ordem denegada. [28]

1.7.4 Vícios pertinentes à negativa de diligências essenciais

Como já foi dito, muitas vezes os acusados utilizam-se da alegação de direito de defesa para atrapalhar o andamento do processo. Por isso, é preciso que as comissões processantes atentem para as diligências protelatórias e percebam que, caso o acusado não esteja agindo de má-fé, constituem causa de nulidade processual: o indeferimento de perícias técnicas; a não-audição de testemunhas que foram arroladas pelo servidor acusado; a negativa de outras diligências, tais como acareações, reconhecimento de pessoas ou coisas, etc.

O STJ tem julgado diversos casos em que a comissão processante não consegue distinguir as diligências necessárias das protelatórias, bem como não consegue fundamentar suas negativas. Eis a transcrição da ementa de um dentre vários julgados:

[...] Conforme entendimento firmado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no processo administrativo disciplinar, o presidente da comissão deve fundamentar adequadamente a rejeição de pedido de oitiva de testemunhas formulado pelo servidor (art. 156, § 1º, da Lei 8.112/90), em obediência aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV).

No caso, a autoridade administrativa indeferiu os depoimentos requeridos na defesa escrita, pois não trariam maiores esclarecimentos para o desfecho da investigação. Deveria, contudo, ter explicitado o motivo porque tais testemunhos seriam desnecessários, e não fazer mera repetição da regra do citado art. 156, § 1º, da Lei nº 8.112/90.

A insuficiente fundamentação da recusa ao pleito do impetrante configura cerceamento de defesa, o que importa na declaração de nulidade do processo administrativo disciplinar desde tal ato. [...] [29]

Ainda sobre a falta de motivação de atos processuais decidiu a egrégia Corte:

[...] II – A apreciação, sem a devida motivação, de questão levantada pelo servidor quanto à suspeição do presidente da comissão de processo disciplinar, caracteriza-se como cerceamento de defesa do acusado, ensejando a anulação do processo.

[...] IV – A ausência de devida motivação de ato administrativo, especialmente o que indefere a produção de provas, resulta na nulidade desse ato. [30]

1.7.5 Vícios referentes ao julgamento do processo

O julgamento do processo disciplinar não é competência da comissão processante, mas sim da autoridade julgadora, que pode coincidir ou não com a autoridade instauradora do processo. Constituem vícios referentes ao julgamento do processo: julgamento estruturado com base em fatos ou alegações inexistentes na explanação do despacho de instrução e indiciação; julgamento feito de modo contrário às provas existentes no processo; julgamento discordante das conclusões da comissão processante, quando as provas dos autos não autorizarem tal discrepância; julgamento feito por autoridade administrativa que se tenha revelado, em qualquer circunstância do cotidiano, como inimiga do acusado; falta de indicação, na portaria punitiva da autoridade julgadora, do fato ensejador da sanção disciplinar; e falta de capitulação da transgressão, em tese, atribuída ao acusado.

Eis a jurisprudência da Suprema Corte:

[...] Ato de ministro de Estado que aplica penalidade de suspensão por noventa dias. Agravamento em relação à penalidade de advertência indicada no relatório de comissão disciplinar. Fundamentação insuficiente. Leitura do art. 168 da Lei 8.112/1990.

O art. 168 da Lei 8.112/1990 não obriga a autoridade competente a aplicar a penalidade sugerida no relatório de comissão disciplinar, mas exige, para o agravamento dessa pena, a devida fundamentação.

[...] Por maioria, recurso ordinário conhecido em parte, afastadas as demais alegações de nulidade, e, nessa parte, provido, para anular o ato impugnado, sem prejuízo de que outro venha a ser praticado com a devida fundamentação. [31]

1.8 Nulidades relativas

As nulidades relativas, como já esboçado no início desse capítulo, se definem como sendo aquelas que não demonstram de pronto prejuízo às partes, devendo ser provado prejuízo para que o processo seja invalidado. Por interessar somente às partes e por corresponder aos atos acidentais do processo, não pode a nulidade relativa ser declarada de ofício.

Segundo Sebastião José Lessa [32], as nulidades relativas podem ser sanadas se não forem argüidas em momento oportuno ou se o ato for praticado de outra forma e tenha atingido seus efeitos.

José Armando da Costa [33] cita alguns exemplos de causas de nulidade relativa:

a) suspeição da autoridade instauradora do processo; dos membros da comissão processante; e da autoridade julgadora. A Lei nº 8.112/90 contempla apenas a figura do impedimento, sendo necessária a utilização supletiva da Lei nº 9.784/99 [34], que dispõe sobre a suspeição.

b) existência originária ou superveniente de impedimentos funcionais em desfavor de algum dos membros da comissão processante;

c) desenvolvimento dos trabalhos apuratórios da comissão em constante subordinação à autoridade instauradora, revelando a prática de um trabalho teleguiado;

d) exclusão de alguma das testemunhas arroladas pelo servidor acusado;

e) elaboração da diligência de reconhecimento por meio de fotografia, quando inexistir impossibilidade de tal diligência ser efetivada de forma direta, com a presença da pessoa ou coisa suspeita.

O professor Sebastião José Lessa [35] relaciona os princípios que precisam ser considerados no trato das nulidades relativas:

– Princípio do prejuízo: é a necessidade da constatação de real prejuízo, consoante a doutrina francesa e o que dispõe o art. 563 do CPP.

– Princípio do interesse: a nulidade não pode ser declarada a favor de quem a deu causa. Ou mais: aquele que, de alguma forma, por ação ou omissão, contribuiu para que o ato resultasse juridicamente falho, não pode ser, por essa situação, favorecido.

– Princípio da irrelevância: não se declara a nulidade de ato que não tiver sido relevante na apuração da verdade substancial ou não houver contribuído definitivamente para o julgamento. Essa regra está confirmada no art. 566 do diploma processual penal. Ex.: testemunha ouvida sem as formalidades essenciais – por carta precatória, imprestável no processo disciplinar. Em nada pesando esse testemunho ao deslinde da causa, não há que se falar em nulidade.

– Princípio da extensão: quando um ato é anulado, acarreta automaticamente a anulação dos atos subseqüentes que dele dependam. Por exemplo, quando a portaria é firmada por autoridade incompetente, todos os atos que decorreram dela são suscetíveis de igual nulidade.

Com base nesses princípios, é possível diminuir as chances de se ter o processo anulado, eis que não estará eivado de vícios.

Os tribunais têm reconhecido que defesa frágil equivale à inexistência de defesa. Todavia, é preciso cautela ao classificar o caso como de nulidade relativa ou absoluta. A ausência de defesa tem-se como causa de nulidade absoluta. A deficiência, por sua vez, é motivadora de nulidade relativa, uma vez que será preciso analisar, efetivamente o desempenho, para ter-se avaliação de mérito.

1.9 Vícios de mera irregularidade

Retomando a definição já exposta, os vícios de mera irregularidade não causam prejuízo às partes, por isso não constituem motivos determinantes para a invalidação do ato processual.

José Armando da Costa [36] cita exemplos de vícios de mera irregularidade: tomada de providências que tenham sido deliberadas pela comissão processante, mas que não constem da respectiva ata; simples troca da denominação legal (nomen juris) das peças processuais efetivamente realizadas; julgamento fora do prazo legal; e ausência de simples formalismos.

Importante frisar a observação de José Armando da Costa de que:

[...] os vícios configuradores de meras irregularidades, a despeito de não constituírem defeito capaz de provocar a nulidade do processo, podem, numa escala de repetição abusiva, desacreditar os trabalhos da comissão de processo disciplinar e, por via de conseqüência, atingir tal escopo de invalidez. [37]

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Sobre a autora
Izabella Belúsio dos Santos

Servidora do Tribunal Superior Eleitoral e bacharel em Direito e Jornalismo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Izabella Belúsio. Nulidades do processo administrativo disciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2348, 5 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13976. Acesso em: 28 mar. 2024.

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