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A possibilidade da desaposentação no Regime Geral de Previdência Social

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11/12/2009 às 00:00
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4.ESPÉCIES DE DESAPOSENTAÇÃO

O pedido de renúncia à aposentadoria pode ter objetivos distintos. Há a hipótese do aposentado pelo RGPS que deseja renunciar ao benefício para obter novo júbilo no mesmo regime. Há o caso daquele aposentado pelo RGPS que verteu contribuições para RPPS e, portanto, pretende aposentar-se neste regime. Mas também há de se cogitar a hipótese do aposentado que simplesmente deseja mudar seu status de aposentado para ativo.

Em cada uma das hipóteses de desaposentação a análise deve ser individualizada, como faremos a seguir.

4.1.NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL PARA APROVEITAMENTO DO TEMPO NO MESMO REGIME

É o caso do aposentado pelo regime geral de previdência que continuou a exercer atividade remunerada abrangida pelo regime. Neste caso, embora aposentado, o exercício de atividade abarcada pelo regime torna-o contribuinte obrigatório, conforme artigo 11, § 3º da Lei 8.213/91.

O rol dos segurados considerados obrigatórios pelo RGPS encontra-se no Artigo 11 da Lei 8.213/91 e no Decreto 3048/99 no Artigo 9º.

4.2. NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL PARA APROVEITAMENTO DO TEMPO EM REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA

A lei nº 9.796/99 dispõe sobre a compensação financeira entre o Regime Geral de Previdência Social e os regimes de previdência dos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos casos de contagem recíproca de tempo de contribuição para efeito de aposentadoria e dá outras providências.

Nesta espécie de desaposentação o segurado deseja renunciar à sua aposentadoria junto ao RGPS para obter certidão recíproca de tempo de contribuição e averbá-la em RPPS a que está vinculado.

4.3.POR VONTADE NÃO JUSTIFICADA DO TITULAR

Existe a possibilidade de o aposentado desejar renunciar a sua aposentadoria por motivos pessoais, que talvez não queira revelar. Como direito patrimonial, portanto, disponível, em princípio, não haveria motivo relevante para exigir-se do segurado uma motivação, uma vez que a renúncia é ato unilateral do titular do direito.

Nesta esteira podemos imaginar o cidadão que simplesmente deseja transmutar-se do status de aposentado para ativo, ou daquele que deseja retornar ao serviço ativo em cargo público inacumulável. Fabio Zambitte Ibrahin (2007:73), a respeito, aduz:

[...] é perfeitamente possível a extensão da desaposentação para outras hipóteses, em especial o servidor que deseja retornar ao serviço ativo em cargo público não compatível com aquele em que se jubilou.

Não se pode obrigar o segurado a permanecer aposentado, a administração carece de interesse. A insistência na manutenção de um benefício contrariamente a vontade do titular consiste em restrição indevida a direito patrimonial disponível.


5.EFEITOS DA RENÚNCIA E A MANUTENÇÃO DO EQUILIBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL

Admitida a possibilidade da renúncia à aposentadoria, surge a questão da necessidade ou não da devolução dos valores recebidos a título de renda mensal durante o período de vigência do benefício que se pretende renunciar. Este fator inerente ao direito de renúncia alcança o interesse de toda a sociedade, pois como dispõe o Artigo 195 da CRFB/88, a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta.

Cabe estabelecer qual o alcance dos efeitos da renúncia, se ex tunc, haverá a obrigação de devolução dos valores recebidos pelo beneficiário durante todo o período em que esteve aposentado, se ex nunc,deixará de haver esta obrigação.

A questão é complexa, pois não se restringe exclusivamente ao direito patrimonial disponível do beneficiário, mas atinge todo o sistema financeiro e atuarial da previdência social, o qual, por expressa disposição legal, deve ser conservado.

Diz o Artigo 201 da CRFB "A previdência Social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial [...]". Segundo nos explica Fabio Zambitte Ibrahim (2007: 8), o equilíbrio atuarial "demanda o balanceamento de massa, isto é, a correlação adequada entre contribuições, massa de trabalhadores e requisitos de elegibilidade de benefícios". Melhor elucidando, Martinez (apud FABIO ZAMBITTE IBRAHIN, 2007, p.23) explica que o equilíbrio atuarial compreende as ideais matemáticas - como taxa de contribuição, experiência de risco, expectativa média de vida, tábuas biométricas, margem de erro, etc.- e as relações biométricas que, de igual modo, possibilitam estimar as obrigações pecuniárias em face do comportamento da massa e o nível da contribuição e do benefício.

Significa dizer então, que o valor das contribuições, o período de carência e tempo de contribuição exigido para a concessão dos benefícios foram estipulados com base em uma análise atuarial. Assim, para a concessão da aposentadoria integral, por exemplo, exigiu-se tempo de contribuição suficiente para possibilitar à autarquia garantir ao segurado uma renda mensal de 100% do seu salário de benefício durante sua vida, estimada com base na tabela de mortalidade do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). De igual modo calculou-se que, no caso da aposentadoria proporcional, exigindo-se tempo de contribuição menor a renda mensal do benefício também teria de ser menor, 70% pelas regras atuais.

Por meio destas análises é que aos administradores do regime previdenciário é possível a adoção de medidas eficazes para correção de desvios, preservando a segurança, confiabilidade e liquidez do sistema e assim evitando sua falência.

O RGPS adotou como forma de funcionamento financeiro o de repartição simples e não o de capitalização. Explica Feijó Coimbra (apud MARINA VASQUES DUARTE: 2008, p.35) que o sistema de capitalização inspira-se em técnicas de seguro e poupança onde o esforço de cada indivíduo e cada geração conflui para a realização de fundos, que administrados de maneira correta, permitiriam a entrega das prestações no devido tempo. Já pelo sistema de repartição, o volume das quantias arrecadadas em cada período servirá para o custeio das prestações que devidas forem no mesmo período. Como observa Duarte (2008, p.35), a prevalência do sistema de repartição no atual sistema brasileiro decorre da adoção do princípio da solidariedade insculpido no art. 195, inciso II da CRFB. Portanto, o trabalhador não financia a sua previdência, mas a seguridade social como um todo.

A importância de se analisar o sistema financeiro do RGPS reside no fato de que alguns autores têm defendido que, em razão de o sistema ser o de repartição, não haveria necessidade de devolução dos valores recebidos para a efetivação da desaposentação.

Sobre o tema, Ibrahin (2007:60/61) assevera que, para o adequado deslinde da questão, convém atentar para as duas espécies de desaposentação, isto é, aquela feita no mesmo regime previdenciário em razão da continuidade laborativa e outra resultante do intento de averbação de tempo de contribuição em outro regime previdenciário. No primeiro caso, diz Ibrahin:

[...] não há que se falar em restituição de valores percebidos, pois o benefício de aposentadoria, quando originariamente concedido, foi feito com o intuito de permanecer durante o restante da vida do segurado. Se este deixa de receber as prestações vindouras, estaria, em verdade, favorecendo o regime previdenciário.

A desaposentação não se confunde com a anulação do ato concessivo do benefício, por isso, não há que se falar em efeito retroativo do mesmo, cabendo tão-somente sua eficácia ex nunc. A exigência de restituição de valores recebidos dentro do mesmo regime previdenciário implica em obrigação desarrazoada, pois se assemelha ao tratamento dado em caso de ilegalidade na obtenção da prestação previdenciária.

E segue, dizendo que "A desaposentação em mesmo regime previdenciário é, em verdade, um mero recálculo do valor da prestação em razão das novas cotizações do segurado".

No caso da desaposentação para obtenção de certidão para averbação e regime diverso, diz Ibrahin (2007:62) que:

[...] sendo o regime financeiro adotado o de repartição simples, como nos regimes previdenciários públicos em nosso país, não se justifica tal desconto, pois o benefício não tem sequer relação direta com a cotização individual, já que o custeio é realizado dentro do sistema de pacto intergeracional, com a população atualmente ativa sustentando os benefícios dos hoje inativos.

Com a devida vênia, nos filiamos à corrente de entendimento contrária a posição de Ibrahin, pois, ainda que, como mencionado pelo autor, não haja relação direta entre o benefício auferido e a cotização individual, é óbvio que o sistema terá prejuízo em ter de repassar para o regime instituidor valores contribuídos pelo segurado, pois, durante todo o período em esteve jubilado, percebeu mensalidades. Admitindo esta hipótese de repasse ao regime instituidor sem devolução de quantias, quem então financiou a aposentadoria deste segurado?

Compartilham deste entendimento Marina Vasques Duarte, Roberto Luis Luchi Demo, André Santos Novaes e Wladimir Novaes Martinez.

Diferente raciocínio deve ser feito no caso da desaposentação e nova aposentação dentro do mesmo regime, pois neste caso, entendemos viável o processo sem a restituição de quantias. Entretanto, há que se considerar, além da existência ou não de prejuízo ao sistema, também a justeza e garantia de isonomia da operação, pois no caso de uma renúncia à aposentadoria proporcional para obtenção de uma integral, o segurado leva vantagens sobre aquele que não se aposentou proporcionalmente e seguiu contribuindo para atingir o direito à integralidade, uma vez que aquele percebeu benefício durante o período em que contribuiu para alcançar o tempo necessário a aposentadoria integral, e este não.

Em cada caso, há que se fazer uma análise exclusiva. A questão é complexa e merece tratamento em tópico específico, como será feito a seguir.


6. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DO RECEBIDO

Embora grande parte dos doutrinadores e juristas se manifeste a favor da desaposentação, quando se trata de fixar entendimento sobre a necessidade de devolução ou não dos valores recebidos há extrema disparidade.

Como Fabio Zambitte Ibrahin, cujo posicionamento já foi mencionado, muitos outros se manifestam contrários a devolução de valores, fundamentando suas decisões no sistema financeiro de repartição simples adotado pelo RGPS e no caráter alimentar das mensalidades da aposentadoria, principalmente. Outros são favoráveis à devolução por entenderem que existe a necessidade de restituição do status quo ante. E assim, segue-se a discussão no intuito de definir posição que atenda ao direito individual do aposentado, mas também não prejudique o direito dos terceiros mantenedores do sistema de seguro social.

Verifica-se que a análise deve ser feita especificamente em cada espécie de desaposentação, pois que a finalidade de cada uma é que vai determinar a necessidade ou não de restituição dos valores recebidos.

6.1.DENTRO DO MESMO REGIME

A maior parte da doutrina tem se manifestado contrária a devolução dos valores recebidos quando a desaposentação visa a uma nova aposentação dentro do mesmo regime. Entretanto, há que se considerar que existem diferenças quando o segurado pretende renunciar a uma aposentadoria integral para que seja acrescido tempo de contribuição posterior em uma nova jubilação ou quando o benefício a ser renunciado é uma aposentadoria proporcional para a obtenção de uma integral.

6.1.1.NA APOSENTADORIA INTEGRAL

A obrigatoriedade de contribuição do segurado que, após aposentado, volta a exercer atividade abrangida pelo RGPS fez surgir a idéia de incorporação destas contribuições para a melhoria da renda mensal em uma nova aposentadoria. Assim, em razão da fórmula utilizada para cálculo da renda mensal das aposentadorias, quanto mais tempo de contribuição e idade o segurado tiver, menor é o fator previdenciário incidente sobre seu salário de benefício. Igualmente, como o cálculo do salário de benefício é feito com base na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo (Artigo 29, I da Lei 8213/91), quanto maior a quantidade de maiores salários o segurado tiver, maior será a média. Por esta razão, torna-se interessante e vantajoso ao segurado desaposentar-se para incorporar maior tempo de contribuição ao tempo já considerado na concessão de sua aposentadoria.

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Como citado anteriormente, Fabio Zambitte Ibrahim considera desnecessária a devolução dos valores, pois segundo ele, sendo o regime financeiro adotado o de repartição simples, não se justifica tal desconto, pois o benefício não tem sequer relação direta com a cotização individual. Diz ainda que a desaposentação em mesmo regime previdenciário é, em verdade, mero recálculo do valor da prestação em razão das novas cotizações do segurado.

Também entende desnecessária a devolução dos valores recebidos Carlos Alberto Pereira de Castro (2003:490), segundo refere, "[...] não há a necessidade de devolução dessas parcelas, pois, não havendo irregularidade na concessão do benefício recebido, não há o que ser restituído".

Como observa Martinez (2009:111)

Não são poucos os estudiosos que entendem não haver o ônus da restituição do recebido; muitos deles pensam no fato de que esse período de percepção do benefício em manutenção será compensado com a menor expectativa de vida do segurado (registro a ser considerado pelo regime instituidor).

Partilhando desta corrente de entendimento pela não devolução de valores tem se mostrado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, como se pode depreender de trecho do relatório proferido pelo Ministro Paulo Galotti na apreciação do Recurso Especial 557.231-RS (Documento 1002410-EMENTA/ACÓRDÃO – Site certificado – DJ 16/06/2008):

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o ato de renunciar ao benefício tem efeitos ex nunc e não envolve a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto aposentado, o segurado fez jus aos proventos.

Divergindo, Marina Vasques Duarte (apud MARTINEZ: 2009, p.112) defende a restituição do que foi recebido da Previdência Social como meio de não lhe causar prejuízo.

Compartilha de posicionamento semelhante, Roberto Luis Luchi Demo, ao considerar que:

Se o beneficiário não indenizar "algo" ao sistema previdenciário, para fins de nova contagem do tempo de contribuição já utilizado, a equação previdenciária não fecha: a retribuição será maior que a contribuição, arrostado a relação custo-benefício sob a perspectiva do equilíbrio atuarial. (2003, p.24).

Na esteira deste pensamento, vem a propósito, o ensinamento de André Santos Novaes (2003, p.8), considerando que a desaposentação exige necessariamente a devolução dos valores recebidos da Previdência Social, sob pena de se configurar enriquecimento ilícito e prejuízo para o sistema previdenciário.

O Tribunal Regional Federal da quarta região tem entendido que se faz necessária a devolução dos valores recebidos quando a nova aposentadoria se operar no mesmo regime da aposentadoria renunciada. O que fundamenta seu posicionamento é a disposição do Art. 18, § 2º da Lei de Benefícios que expressamente dispõe que o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. Vejamos recente decisão proferida:

PREVIDENCIÁRIO. REAPOSENTAÇÃO. INVIABILIDADE. ART. 18, § 2º, DA LEI Nº 8.213/91.

1. Conquanto seja possível, consoante o entendimento jurisprudencial corrente, a renúncia à aposentadoria deferida pelo INSS (por se tratar de direito patrimonial, logo disponível), não é dado ao segurado agregar tempo posterior ao jubilamento para obter novo benefício no mesmo regime em bases mais favoráveis.

2. De acordo a sistemática vigente, o segurado aposentado que continuar a exercer atividade vinculada ao Regime Geral de Previdência Social deve recolher as contribuições previdenciárias correspondentes, fazendo jus apenas ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado, nos termos do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91.

3. Deferida a aposentadoria, resta configurado ato jurídico perfeito, de modo que não se pode pretender o desfazimento unilateral para nova fruição no mesmo regime.

4. Inviável, pois, a pretensão da parte autora visando, em data muito posterior ao início de sua aposentadoria por invalidez, quando somente então estariam preenchidos os requisitos exigidos para a aposentadoria por idade, o cancelamento daquele benefício em curso e o deferimento deste, mais vantajoso. (APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO,Processo: 2008.71.04.001727-0/RS, TURMA SUPLEMENTAR, Relator GUILHERME PINHO MACHADO, D.E. 27/07/2009)

De posição mais tênue, Wladimir Novaes Martinez (2009:112) entende que há a necessidade de restabelecimento do status quo ante, mas que o montante a ser restituído pelo desaposentante deve limitar-se ao necessário para manutenção equilíbrio financeiro e atuarial.

A questão da legalidade do ato, manifestada por Carlos Alberto Pereira de Castro não serve como motivo para justificar a não devolução dos valores, pois, em tese, todos os benefícios concedidos pela previdência são legais e válidos face à atividade plenamente vinculada da administração pública.

Neste caso, em que tanto a desaposentação quanto a nova aposentadoria dão-se no mesmo regime, nos parece que não haveria prejuízo em a instituição previdenciária admitir tal procedimento sem a necessidade de restituição dos proventos. Em verdade, o segurado verteu novas contribuições para o regime e não haveria prejuízo em estes valores passarem a integrar o período base de cálculo do benefício. Entretanto, do ponto de vista legal, a vedação expressa do Art. 18, § 2º da Lei de Benefícios parece não deixar dúvidas quanto à intenção do legislador de que as contribuições do aposentado não reverteriam em seu próprio benefício, exceto na forma de salário família e reabilitação profissional. Assim, enquanto não houver a supressão desta vedação legal entendemos que a renúncia deve operar-se com efeito ex tunc .

6.1.2. NA APOSENTADORIA PROPORCIONAL

Diferente situação é do segurado que aposentado na forma proporcional, deseja renunciar ao benefício para obtenção de aposentadoria integral.

Neste caso, o segurado valeu-se da possibilidade de aposentadoria antecipada para já ir percebendo o benefício enquanto vertia contribuições para atingir o tempo mínimo para aposentadoria integral.

Como bem observa Roberto Luis Luchi Demo (apud MARTINEZ: 2009, p.109), não seria justo que um segurado recebesse aposentadoria proporcional por cinco anos e ela se transformasse na integral sem nada devolver e outro segurado tivesse pagado por 35 anos.

Neste caso, entendemos justo que o segurado restitua ao sistema o total recebido nos cinco anos em que esteve aposentado proporcionalmente, de modo a igualar-se àquele segurado que não optou pela proporcional e contribuiu cinco anos a mais para aposentar-se na forma integral.

6.2.PARA OBTENÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

Há a situação do segurado que deseja se desaposentar para obter Certidão Recíproca de Tempo de Contribuição (CTC) com o fim de averbá-la em regime diverso do de origem. Neste caso, diverge a doutrina, parte defendendo a não devolução dos proventos, parte manifestando-se a favor da devolução total, e ainda outros defendendo a devolução parcial ou do necessário.

Neste caso, deve-se atentar para o fato de que, fornecendo certidão recíproca de tempo de contribuição ao segurado, o RGPS terá de compensar financeiramente o RPPS em que o segurado será aposentado, conforme determina a Lei de Compensação, nº 9796/99 que assim determina:

Art. 4º Cada regime próprio de previdência de servidor público tem direito, como regime instituidor, de receber do Regime Geral de Previdência Social, enquanto regime de origem, compensação financeira, observado o disposto neste artigo.

§ 1º O regime instituidor deve apresentar ao Regime Geral de Previdência Social, além das normas que o regem, os seguintes dados referentes a cada benefício concedido com cômputo de tempo de contribuição no âmbito do Regime Geral de Previdência Social:

I - identificação do servidor público e, se for o caso, de seu dependente;

II - o valor dos proventos da aposentadoria ou pensão dela decorrente e a data de início do benefício;

III - o tempo de serviço total do servidor e o correspondente ao tempo de contribuição ao Regime Geral de Previdência Social.

§ 2º Com base nas informações referidas no parágrafo anterior, o Regime Geral de Previdência Social calculará qual seria a renda mensal inicial daquele benefício segundo as normas do Regime Geral de Previdência Social.

§ 3º A compensação financeira devida pelo Regime Geral de Previdência Social, relativa ao primeiro mês de competência do benefício, será calculada com base no valor do benefício pago pelo regime instituidor ou na renda mensal do benefício calculada na forma do parágrafo anterior, o que for menor.

§ 4º O valor da compensação financeira mencionada no parágrafo anterior corresponde à multiplicação do montante ali especificado pelo percentual correspondente ao tempo de contribuição ao Regime Geral de Previdência Social no tempo de serviço total do servidor público.

§ 5º O valor da compensação financeira devida pelo Regime Geral de Previdência Social será reajustado nas mesmas datas e pelos mesmos índices de reajustamento dos benefícios da Previdência Social, mesmo que tenha prevalecido, no primeiro mês, o valor do benefício pago pelo regime instituidor.

Assim, a base de cálculo da compensação, segundo o parágrafo 3º do artigo 4º da Lei 9796/99, será o valor do benefício pago pelo regime instituidor ou a renda mensal do benefício segundo as regras da Previdência Social, o que for menor. Após apurado o valor base, a compensação equivalerá à multiplicação desse valor pelo percentual que o tempo de contribuição ao regime geral representa no tempo de serviço total do servidor público.

Esta é a sistemática considerada para obtenção do valor a ser transferido pelo RGPS ao RPPS, de maneira que não haja prejuízo nem ao regime de origem, nem ao regime instituidor. É o montante transferido ao RPPS somado ao total de contribuições vertidas para este regime que possibilitará o pagamento do benefício ao segurado.

Não é difícil vislumbrar o prejuízo que o não ressarcimento de valores acarretará ao RGPS, caso este forneça ao segurado a certidão almejada. Vejamos o seguinte exemplo: determinado segurado obteve benefício de aposentadoria no RGPS, que calculou o valor de sua renda mensal a partir da média de suas contribuições, tempo de contribuição vertido e expectativa de sobrevida. Este segurado, logo após aposentar-se, foi aprovado em concurso público estadual e passou a exercer as atribuições do cargo público. Ficou no cargo por 15 anos, concomitantemente usufruindo de sua aposentadoria junto ao RGPS. Com os 15 anos de atividade no setor público, surge a possibilidade de aposentar-se no RPPS, no entanto, para atingir o tempo mínimo necessário, precisa utilizar-se do tempo laborado com vinculação ao RGPS. Dirige-se ao INSS e requer a renúncia de sua aposentadoria e a expedição de Certidão de Tempo de Contribuição para que possa utilizá-la no RPPS. A utilização da certidão emitida pelo RGPS no RPPS gera a obrigação da compensação previdenciária, em que o regime de origem terá de repassar ao regime instituidor os valores que o segurado verteu para o RGPS, de acordo com o cálculo mencionado no §4º, Art. 4º da Lei 9796/99.

Grosso modo, significa dizer que, as contribuições que o segurado verteu para o RGPS serão repassadas ao regime instituidor. Então pergunta- se: os 15 anos de aposentadoria que o segurado percebeu do RGPS serão custeados por quem?

Embora Fabio Zambitte Ibrahim (2007:62) tenha razão ao afirmar que no sistema de repartição simples não há relação direta com a cotização individual, sendo o custeio com a população atualmente ativa sustentando os benefícios dos hoje inativos, não se pode ignorar o fato de que será também a população ativa que terá de custear os valores a serem compensados ao sistema instituidor. E, embora não haja relação direta entre o benefício pago e a cotização individual, por obvio, há uma correspectividade entre as contribuições do segurado e a transferência de valores através da aposentadoria, assim não fosse, não haveria razão de existir o fator previdenciário. Ao transferir as reservas acumuladas pelo segurado para outro regime, sem manter quantia que corresponda ao período já transferido através da aposentadoria, logicamente haverá prejuízo ao sistema e a conta terá de ser paga pela sociedade.

Na doutrina, podemos citar Marina Vasques Duarte como defensora da restituição integral do recebido e Wladimir Novaes Martinez como defensor da devolução do necessário à manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial.

Embora as razões até então expostas tenham o condão de fundamentar a necessidade de devolução dos valores para a emissão de CTC de modo a conservar o equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS, verifica-se que o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região têm sido contrário à necessidade de devolução, vejamos alguns julgados:

PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA. RENÚNCIA. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA APROVEITAMENTE EM REGIME PREVIDENCIÁRIO DIVERSO. CONTAGEM RECÍPROCA. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS RECEBIDAS.

1. Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a aposentadoria é direito patrimonial disponível, sendo, em tese, possível a renúncia.

2. A renúncia da aposentadoria não atinge o tempo de contribuição, de modo que viável seu aproveitamento em outro regime previdenciário.

3. No caso de renúncia da aposentadoria junto ao RGPS para aproveitamento no regime estatutário não há necessidade de devolução dos valores recebidos (AR 200204010280671. Rel. p/ acórdão Des. Nylson Paim de Abreu. 3ª Seção do TRF4, DE 27-10-2008)

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. RENÚNCIA. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. CONTAGEM RECÍPROCA. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS RECEBIDAS.

1. Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a aposentadoria é direito patrimonial disponível, sendo possível a renúncia.

2. A renúncia da aposentadoria não atinge o tempo de contribuição, de modo que viável seu aproveitamento em outro regime previdenciário.

3. No caso de renúncia da aposentadoria junto ao RGPS para aproveitamento no regime estatutário não há necessidade de devolução dos valores recebidos. AR 200204010280671. Rel. p/ acórdão Des. Nylson Paim de Abreu. 3ª Seção do TRF4, DE 25-07-2008. (AC n.º 2003.72.05.00.70.22-4/SC, TRF/4ª Região, Turma Suplementar, Relator Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. de 09-03-2007)

Este posicionamento tem como precedente o entendimento que vem sendo adotado no Superior Tribunal de Justiça, vejamos:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.DIREITO DE RENÚNCIA. CABIMENTO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DECERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PARA NOVA APOSENTADORIA EM REGIMEDIVERSO. NÃO- RIGATORIEDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS.EFEITOS EX TUNC DA RENÚNCIA À APOSENTADORIA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. A renúncia à aposentadoria é perfeitamente possível, por ser ela um direito patrimonial disponível. Sendo assim, se o segurado pode renunciar à aposentadoria, no caso de ser indevida a acumulação, inexiste fundamento jurídico para o indeferimento da renúncia quando ela constituir uma própria liberalidade do aposentado. Nesta hipótese, revela-se cabível a contagem do respectivo tempo de serviço para a obtenção de nova aposentadoria, ainda que por outro regime de previdência. Caso contrário, o tempo trabalhado não seria computado em nenhum dos regimes, o que constituiria uma flagrante injustiça aos direitos do trabalhador.

2. O ato de renunciar ao benefício, conforme também já decidido por esta Corte, tem efeitos ex tunc e não implica a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus aos seus proventos. Inexistindo a aludida inativação onerosa aos cofres públicos e estando a decisão monocrática devidamente fundamentada na jurisprudência desta Corte, o improvimento do recurso é de rigor.

3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 328101 / SC AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL, Relator (a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 20/10/2008 RT vol. 879 p. 206)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. RECURSO CONTRÁRIO À JURISPRUDÊNCIA DO STJ. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO PELO RELATOR EX VI DO ARTIGO 557, CAPUT, CPC. PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. DECISÃO MANTIDA.

1. A teor do disposto no artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei nº 9.756/1998, poderá o relator, monocraticamente, negar seguimento ao recurso na hipótese em que este for manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à jurisprudência dominante no respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

2. No caso concreto, o provimento atacado foi proferido em sintonia com o entendimento de ambas as Turmas componentes da Terceira Seção, segundo o qual, a renúncia à aposentadoria, para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não importa em devolução dos valores percebidos, "pois enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos" (REsp 692.628/DF, Sexta Turma, Relator o Ministro Nilson Naves, DJU de 5.9.2005).

3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 926120 / RS, Relator (a) Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA,DJe 08/09/2008)

Este posicionamento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça assenta-se na legalidade das parcelas recebidas do benefício a ser renunciado. Para elucidar, transcrevemos parte do relatório exarado pela Ministra Laurita Vaz do STJ, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.107.638-PR (2008/0280515-4):

[...] é firme no âmbito desta Corte Superior de Justiça o entendimento no sentido de que a renúncia à aposentadoria, para fins de concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não implica em devolução dos valores percebidos, pois, enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus aos seus proventos.

Efetivamente, não há dúvida de que as mensalidades pagas a título de aposentadoria foram devidas, com exceção dos casos em que se constata alguma irregularidade administrativa ou fraude. Entretanto, a questão a ser analisada é mais abrangente, pois, como é sabido, a seguridade social é financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta e a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial é critério eleito pela CRFB a ser observado. Assim, embora a aposentadoria seja um direito patrimonial e, portanto, disponível, a previdência é direito social. É necessário que a análise não se restrinja a legalidade ou ilegalidade da questão, mas abranja cálculos financeiros e atuariais que possibilitem o exercício do direito de renúncia sem que haja prejuízo de terceiros.

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Sobre a autora
Sabrina Coppi Carvalho

Bacharel em Direito pela Fundação Universidade de Cruz Alta/RS, Analista do Seguro Social, Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Gama Filho/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Sabrina Coppi. A possibilidade da desaposentação no Regime Geral de Previdência Social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2354, 11 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14000. Acesso em: 26 abr. 2024.

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