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A violência nas praças de desporto e a responsabilização penal do torcedor-infrator.

A norma do art. 39 da Lei nº 10.671/03

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6.CONCLUSÃO

Cientistas e autoridades públicas analisam há tempos o fenômeno mundial da violência nas praças de desporto, ocasionado pelos turbilhões conflituosos de torcedores nos estádios e seus entornos. Os prejuízos à sociedade e ao desenvolvimento do esporte decorrentes das ações de torcedores criminosos, aliada à contumácia da problemática, vem obrigando o Congresso Nacional do Brasil a discutir e formular, paulatinamente, medidas no intuito de amenizar tais danos.

Ainda que de forma embrionária, a redação original do Estatuto do Torcedor veio a estabelecer a possibilidade e a forma de se proceder pela via judicial a responsabilização criminal do torcedor infrator, com o seu afastamento de estágios, ginásios e congêneres. Se estabeleceu uma infração de mera conduta, representada pelo envolvimento em tumultos, sendo irrelevante que a ação se transmute em infração penal outra para tão-somente se mover o poder judiciário.

A infração de natureza penal em destaque representa uma poderosa ferramenta, em especial para as entidades de pratica desportiva, tendo em vista que a possibilidade de processar criminalmente o mau torcedor, além de permitir a efetivação das condições de segurança lhes impingida pela novel legislação, configura uma das mais expressivas e autênticas modalidades de repressão a que alude o art. 213 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Assevera-se que informações atinentes à infração e o procedimento para a apuração das condutas de promoção de tumultos, invasão e incitação à violência em eventos desportivos, devem ser cada vez mais difundidas e popularizadas. Para que os efeitos almejados sejam verificados na práxis, a certeza da efetividade da sanção é conditio sine quae non, mostrando-se útil para tal fim a adoção de mecanismos tecnológicos de identificação de torcedores.

Conquanto esteja em trâmite no legislativo federal brasileiro o texto final de projeto de lei que pode trazer várias mudanças a este instrumento legal, a questão merece debate tanto mais apurado, cujo cerne deve ser a busca de soluções para a violência nos estádios. A precariedade da infra-estrutura brasileira e a forma claudicante com que se tem sido discutida a matéria, ao sabor dos acontecimentos, não se coaduna com a atual realidade esperada do desporto no Brasil, às vésperas de abrigar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.


REFERÊNCIAS

FREUD, S. Psicologia de grupo e análise do ego. In:_____. Tradução de Jayme Salomão. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,

1996.

GRECO, Rogério. Código penal comentado. Niterói: Impetus, 2008.

HARDT, Michael; NEGRI, Antônio. Multidão: Guerra e democracia na era do império. Tradução: Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2005.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1977, v.1.

LYRA FILHO, João. Introduções ao direito desportivo. Rio de Janeiro, 1952.

MELO FILHO, Álvaro de. Direito desportivo atual. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

TOLEDO, Luiz Henrique de. Torcidas organizadas de futebol. Campinas: ANPOCS, 1996.


Notas

  1. Filiamo-nos à classificação adotada por HARDT, NEGRI (2005, p. 176), segundo a qual as diferenças dos sujeitos sociais desaparece nas massas, ao passo que as multidões compõem-se potencialmente de todas as diferentes configurações da produção social. Ambas, contudo, permitem que o individualismo se exponha enquanto coletividade, afastando-se a personalidade individual para configurar-se uma personalidade grupal, sob o abrigo do anonimato.
  2. Aqui, entenda-se tal vocábulo como multidão, massa, bando, facção, caravana, exprimindo-se, em suma, a idéia de grande quantidade de seres humanos, posto que o contexto sobre o qual se funda a análise é exatamente o do comportamento humano em coletividade, sendo, pois, para fins deste ponto do estudo, pouco relevante a classificação adotada.
  3. A primeira aparição do esporte no texto constitucional se deu com a Constituição da República de 1967, pela qual se estabeleceu, no art. 8º, inciso XVII, alínea ‘q’, a competência da União para legislar sobre normas gerais de desporto. Com o atual texto constitucional, a competência passou a ser concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Tal assertiva, contudo, não exclui totalmente a competência municipal, posto que deve ser contextualizada com o disposto no art. 30, inciso II, da Lei Suprema. Neste entendimento, portanto, a competência legislativa municipal restringir-se-ia à suplementar as leis que versam sobre o desporto no âmbito federal e estadual.
  4. Nos referimos à legislação ordinária, a despeito de regulamentos e demais instrumentos infralegais, mesmo aqueles aplicados à época no âmbito da Justiça Desportiva, posto que nosso objeto central de análise é a responsabilização do espectador em face dos juízos e côrtes estatais.
  5. Conforme dispõe a norma do art. 5º, inciso XXXII da Constituição Federal.
  6. A segurança do consumidor configurou importante preocupação do legislador do Código de Defesa do Consumidor, tendo tal direito sido mencionado em diversos dispositivos. Merece destaque ainda a positivação do direito à "efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos", insculpida no inciso VI do art. 6º deste diploma legal.
  7. É o caso da sentença proferida nos autos nº 067/3.03.0000923-1, que tramitaram perante a Vara Adjunta do Juizado Especial Cível da comarca de São Lourenço do Sul, no Rio Grande do Sul. Neste ação judicial, o Grêmio de Porto Alegre restou condenado a indenizar torcedor que sofreu danos de materiais nas dependências do Estádio Olímpico, quando foi agredido e roubado na vitória por 3 a 0 do Grêmio sobre o Olímpia, do Paraguai, em partida disputada pela Copa Libertadores da América de 2003. O fundamento jurídico para a responsabilização do clube mandante conjugou as regras do Código Civil (art. 927 e seguintes) e do Código de Defesa do Consumidor (art. 12 e seguintes), haja vista que à data do evento danoso não encontrava-se vigente a regra expressa e inequívoca insculpida no art. 14 do Estatuto do Torcedor. Em situação semelhante, o mesmo Grêmio foi condenado a indenizar torcedor, desta vez somente por danos morais (autos de Apelação Cível nº 70013709761). Na oportunidade do julgamento do Recurso de Apelação Cível, a Desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira asseverou que "a responsabilidade pela segurança do torcedor durante a realização de evento esportivo é da entidade detentora do mando de jogo. E tal responsabilidade, tratando-se de prejuízos causados pela falha na segurança, é objetiva, ensejando a aplicação, além das regras específicas do Estatuto do Torcedor, do disposto nos artigos 12 a 14 do Código de Defesa do Consumidor, que dizem, por sua vez, com a responsabilidade – objetiva – do fornecedor por defeitos no fornecimento de produtos ou na prestação de serviço."
  8. Aplicando-se tal conceito à condição do torcedor, poder-se-ia afirmar, a título de exemplos, que aquele que profere os mais escabrosos xingamentos aos atletas, árbitros e membros de comissão técnica, não poderá, a princípio, ser objeto de persecução criminal por qualquer crime contra a honra.
  9. Decreto-Lei nº 3.688/41. Artigo 40. Provocar tumulto ou portar-se de modo inconveniente ou desrespeitoso, em solenidade ou ato oficial, em assembléia ou espetáculo público, se o fato não constitui infração penal mais grave; Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
  10. Em diversos Estados brasileiros, tais como Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, os Juizados Especiais são estruturados no interior dos estádios de futebol, com vistas a dar eficácia e agilizar o procedimento repressivo.
  11. O processo aguarda julgamento, estando atualmente concluso ao Ministro Relator, Joaquim Barbosa.
  12. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.439
  13. Lei nº 10.671/03. Artigo 25: "O controle e a fiscalização do acesso do público ao estádio com capacidade para mais de vinte mil pessoas deverá contar com meio de monitoramento por imagem das catracas, sem prejuízo do disposto no art. 18 desta Lei".
  14. No Campeonato Brasileiro de Futebol do ano de 2009, após o final da partida realizada no estádio Couto Pereira, em Curitiba, inúmeros torcedores invadiram o gramado para praticar variados crimes: da lesão corporal ao homicídio tentado. O fato de o clube mandante, Coritiba, não ter acatado amplamente a norma do art. 25 do Estatuto do Torcedor levou o Ministério Público e a Polícia Civil do Estado do Paraná a despenderem semanas de trabalho analisando imagens produzidas pela imprensa. Tal situação tem sido corriqueira nos estádios de futebol do Brasil, o que causa consternação, colocando à toda evidência que as instituições privadas somente cumprem o mandamento legal após a ocorrência de um evento danoso, ao passo que, também após incidentes, os entes públicos se movimentam e repentinamente se recordam de que podem - e devem - exercer o seu poder de polícia administrativo.
  15. A mencionada inexistência das normas sugeridas pelo art. 37, § 2º, da Lei nº 10.671/03, não trazem prejuízo à aplicação de multas decorrentes da observância da norma do art. 56, inciso I, e 57, ambos da Lei nº 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, mediante o processo administrativo ali previsto.
  16. Lei nº 9.099/95. Artigo 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
  17. Lei nº 9.099/95. Artigo 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
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Sobre o autor
Julian Henrique Dias Rodrigues

Advogado em exercício no Brasil, em Portugal e na União Europeia. Licenciado pela Faculdade de Direito de Curitiba desde 2008, é pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público do Paraná, em Direito do Desporto pela Universidade Castelo Branco, e em Direito da Medicina pela Universidade de Lisboa. Mestrando em Direito pela Universidade Nova de Lisboa. Integrou a Comissão de Direito do Desporto da Ordem dos Advogados do Brasil (PR), e diversos Tribunais de Justiça Desportiva. Atuou como assessor de magistrado junto ao Tribunal de Justiça do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Julian Henrique Dias. A violência nas praças de desporto e a responsabilização penal do torcedor-infrator.: A norma do art. 39 da Lei nº 10.671/03. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2387, 13 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14181. Acesso em: 22 nov. 2024.

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