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FAP – Fator Acidentário de Prevenção.

Possíveis inconstitucionalidades verificadas no Regulamento CNAS nº 1.308/2009, que regulamenta a Lei nº 10.666/2003

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O artigo analisa a evolução histórica do custeio da prevenção do acidente de trabalho e verificar se a forma pela qual o FAP foi adotado respeita as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Introdução

A par do salário digno e das condições saudáveis de trabalho, a questão relativa à infortunística [01] sempre causou preocupações nas relações entre empregadores e empregados.

Os acidentes de trabalho podem decorrer dois fatores principais. Do tipo de atividade desenvolvida (insalubre ou perigosa por si mesma), ou por falta de cuidado, orientação e prevenção dos trabalhadores pelos patrões no ambiente de trabalho.

Junto com o agravo originado do trabalho, surge também o custo do tratamento do trabalhador acidentado ou com a sua manutenção em caso de incapacidade ou da manutenção de sua família em caso de morte.

Este custeio é o problema atual a ser enfrentado pelas Empresas. Por imposição constitucional, é o empregador [02] o responsável pelos encargos relativos à saúde e medicina no trabalho.

Ate dezembro de 2.009, estes encargos eram calculados apenas em razão do risco da atividade econômica, gerando uma tributação coletiva, definida pelo mesmo ramo de atividade a que pertencem as empresas, segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE Classe, em sua versão 2.0. Por esta tributação coletiva, as empresas, independentemente de causarem mais ou menos acidentes ou doenças, pagam alíquota igual, de acordo com a classificação de sua atividade econômica.

Este esquema teria o inconveniente de empresas desiguais serem tratadas de forma homogênea no aspecto tributário, fazendo-se necessário a flexibilização da carga tributária de modo que a taxação seja baseada nas condições ambientais do trabalho de cada empresa. Ou seja, seria preciso mover a tributação coletiva rumo à tributação individual.

A solução para implementar a tributação individual foi a adoção de algum elemento que permitisse bonificar ou majorar a tributação das empresas segundo a relação entre a acidentalidade de cada uma delas e como estas empresas se comportam em relação às demais empresas pertencentes ao mesmo ramo de atividade econômica.

Surge então o Fator Acidentário de Prevenção – FAP, que positiva este mecanismo. O FAP constitui-se, então, em um novo elemento no cálculo do Seguro de Acidente de Trabalho – SAT, que dentro de um sistema bônus-malus [03], pode aumentar ou diminuir o custo tributário da empresa em relação ao acidente do trabalho.

A idéia do FAP não é recente. Em 8 de maio de 2003, o sistema foi previsto por meio da edição da lei nº 10.666, que em seu art. 10 [04], determinou que a alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.

A regulamentação do FAP é que é recente. Atualmente, o FAP é regulamentado pelo Decreto 6.957/2009, que alterou o art. 202-A, do RPS, e pela Resolução do Conselho Nacional de Previdência Social - CNPS- nº 1.308/2009 (Resolução). Pelo art. 4º, do Decreto nº 6.957/2009, o FAP começa a produzir efeitos a partir do primeiro dia do mês de janeiro de 2.010.

A idéia do presente artigo é analisar a evolução histórica do custeio da prevenção do acidente de trabalho e verificar se a forma pela qual o FAP foi adotado respeita as limitações constitucionais ao poder de tributar.


Histórico

Conforme previsto na Convenção 155, da OIT, os encargos relativos à saúde e medicina no trabalho são atribuídos ao empregador [05], pois é ele quem assume o risco do empreendimento (atividade econômica) e dirige a prestação pessoal dos serviços.

No Brasil, a primeira legislação que tratou a respeito do tema foi o Decreto nº 3.724, de 31 de dezembro de 1.919. O artigo 2º obrigou ao empregador a pagar uma indenização ao empregado ou à sua família em casos de acidente de trabalho. Posteriormente, o Decreto 24.637/34, regulamentou a contratação de seguros de acidente de trabalho por parte dos empregadores a seguradoras privadas, facultando, não obstante, que o valor dos riscos assumidos na atividade econômica fosse depositado nas Caixas Econômicas da União ou no Banco do Brasil [06].

Em 1944, implanta-se a tarifação coletiva por meio do caucionamento dos riscos na atividade econômica, que foi tornada obrigatória pelo Decreto – Lei nº 7.036/44 [07]. Em 1.967, o Seguro de Acidente de Trabalho começa a tomar a forma atual, com sua arrecadação e gestão transferida para o INSS, por meio da Lei nº 5.316/67. A Lei nº 6.367/76 estabeleceu o plano de custeio às empresas dividido pelos Riscos de Acidente de Trabalho (RAT), como o conhecemos hoje [08].

Vê-se, pois, que até a Constituição de 1.988, o Empregador foi obrigado a arcar com os riscos da infortunística da seguinte forma. Primeiro, a suas expensas. Depois, mediante contrato de seguros de acidentes. Depois, obrigatoriamente pagando uma contribuição previdenciária ao INSS a título de Seguro de Acidente de Trabalho.

No regime criado pela Constituição Federal de 1.988, não foi diferente. A Constituição de 1.988, agasalha os direitos do empregado em acidentes de trabalho, garantindo o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem prejuízo de eventual indenização, quando cabível [09].

É promulgada, então, a Lei nº 7.787/89, que introduz novidade no sistema do custeio do acidente de trabalho. Pelo art. 4º, cria-se uma tarifa móvel, variando de 0,9% a 1,8%, a ser aplicada à empresa cujo índice de acidente de trabalho seja superior à média do respectivo setor [10]. Começa a se desenhar o sistema bonus-malus na securitização da infortunística relativa aos acidentes de trabalho, no Brasil. A idéia é que o empresariado, por ser o responsável pelo risco da atividade econômica, investisse cada vez mais em prevenção aos riscos de sua atividade. Se a atividade empresarial causasse prejuízo ao INSS por meio de uma utilização constante, a alíquota do Seguro de Acidente do Trabalho sofreria uma majoração. Este sistema não chegou a ser posto em prática até 1.991, quando entrou em vigor a atual Lei nº 8.212/91.

Pela Lei nº 8.212/91 [11], a fim de custear as despesas originadas de incapacidade laborativa, a empresa deve para uma Contribuição destinada à Seguridade Social sobre o total de remunerações pagas ou creditadas em razão do risco de sua atividade, variando assim, sua alíquota: Se leve, a alíquota será de 1%; se médio, a alíquota será de 2%; se grave, a alíquota será de 3%.

Esta forma de custeio apresentaria o problema de ser oneroso e pouco eficiente. É oneroso porque pelo SAT ser calculado pelo RAT, as empresas que investem em medicina e segurança do trabalho acabam arcando o custo do risco da atividade empresarial das empresas que não investem.

É pouco eficiente porque não é capaz de informar ao Estado onde é necessário um maior investimento em prevenção do trabalho, tornando pouco eficiente qualquer política pública neste sentido.

Wagner Balera identifica neste sistema um problema ao princípio da isonomia. Para referido Autor [12],

"Se não resultasse fixada qualquer metodologia, apta a identificar e distinguir os contribuintes, nenhum enquadramento que se fizesse resistiria ao teste da legalidade.

O tratamento discriminatório a que ficariam sujeitos aqueles que não estivessem situados em determinado grupo de riscos, seria intolerável, na perspectiva constitucional.

Mais do que violação da regra da contrapartida, o tratamento discriminatório afrontaria um dos esteios do sistema de financiamento da seguridade social, que é o da equidade na forma de participação do custeio.

A equidade no custeio (art.194, parágrafo único, inciso V, da Constituição de outubro de 1988) é a dimensão específica da isonomia na seara previdenciária."

O Poder Executivo, por meio do Conselho Nacional da Previdência Social - CNPS está direcionando esforços para a tarifação individual mais equânime. Nos considerandos do Regulamento CNPS nº 1.308/2009, verificamos a seguinte afirmativa na delimitação do objetivo do FAP:

O objetivo do FAP é incentivar a melhoria das condições de trabalho e da saúde do trabalhador estimulando as empresas a implementarem políticas mais efetivas de saúde e segurança no trabalho para reduzir a acidentalidade.

Assim, o FAP, que será recalculado periodicamente, individualizará a alíquota de 1%, 2% ou 3% prevista no Anexo V do Regulamento da Previdência Social-RPS, majorando ou reduzindo o valor da alíquota conforme a quantidade, a gravidade e o custo das ocorrências acidentárias em cada empresa. Portanto, com o FAP, as empresas com mais acidentes e acidentes mais graves em uma subclasse CNAE passarão a contribuir com um valor maior, enquanto as empresas com menor acidentalidade terão uma redução no valor de contribuição.

Delimitado o histórico e os objetivos da nova securitização de Acidentes de Trabalho no Brasil, vejamos como sua implementação está sendo feita.


A implementação normativa do FAP. O art. 202-A, do Decreto 3.048/99 e O Regulamento CNPS nº 1.308/2009.

Com a edição da Lei nº 10.666/2003, o Decreto que institui o Regulamento da Previdência Social- RPS, foi alterado para contemplar a implementação do FAP. Assim, por meio do Decreto 6.957/2009, o RPS passou a vigorar com a nova redação do art. 202-A [13].

Conforme se verifica, o FAP deriva de vários índices: freqüência, gravidade e risco, aplicado a um nível de acidentalidade geral da empresa em relação as demais da mesma atividade econômica. A metodologia para o cálculo de referidos índices foi atribuída ao Conselho Nacional de Previdência Social – CNPS, que editou a Resolução nº 1.308/2009:

A geração do Índice de Freqüência, do Índice de Gravidade e do Índice de Custo para cada uma das empresas se faz do seguinte modo:

2.3.1 Índice de Freqüência

Indica a incidência da acidentalidade em cada empresa. Para esse índice são computadas as ocorrências acidentárias registradas por meio de CAT e os benefícios das espécies B91 e B93 sem registro de CAT, ou seja, aqueles que foram estabelecidos por nexos técnicos, inclusive por NTEP. Podem ocorrer casos de concessão de B92 e B94 sem a precedência de um B91 e sem a existência de CAT e nestes casos serão contabilizados como registros de acidentes ou doenças do trabalho.

O cálculo do índice de freqüência é obtido da seguinte maneira:

Índice de freqüência = número de acidentes registrados em cada empresa, mais os benefícios que entraram sem CAT vinculada, por nexo técnico/número médio de vínculos x 1.000 (mil).

2.3.2 Índice de gravidade

Indica a gravidade das ocorrências acidentárias em cada empresa. Para esse índice são computados todos os casos de afastamento acidentário por mais de 15 dias, os casos de invalidez e morte acidentárias, de auxílio-doença acidentário e de auxílio-acidente. É atribuído peso diferente para cada tipo de afastamento em função da gravidade da ocorrência. Para morte o peso atribuído é de 0,50, para invalidez é 0,30, para auxílio-doença o peso é de 0,10 e para auxílioacidente o peso é 0,10.

O cálculo do índice de gravidade é obtido da seguinte maneira:

Índice de gravidade = (número de benefícios auxílio doença por acidente (B91) x 0,1 + número de benefícios por invalidez (B92) x 0,3 + número de benefícios por morte (B93) x 0,5 + o número de benefícios auxílio-acidente (B94) x 0,1)/número médio de vínculos x 1.000 (mil).

2.3.3 Índice de custo

Representa o custo dos benefícios por afastamento cobertos pela Previdência. Para esse índice são computados os valores pagos pela Previdência em rendas mensais de benefícios. No caso do auxílio- doença (B91), o custo é calculado pelo tempo de afastamento, em meses e fração de mês, do trabalhador. Nos casos de invalidez, parcial ou total, e morte, os custos são calculados fazendo uma projeção da expectativa de sobrevida a partir da tábua completa de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, para toda a população brasileira, considerando- se a média nacional única para ambos os sexos.

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O cálculo do índice de custo é obtido da seguinte maneira:

Índice de custo = valor total de benefícios/valor total de remuneração paga pelo estabelecimento aos segurados x 1.000 (mil).

2.4 Geração do Fator Acidentário de Prevenção- FAP por Empresa

Após o cálculo dos índices de freqüência, de gravidade e de custo, são atribuídos os percentis de ordem para as empresas por setor (Subclasse da CNAE) para cada um desses índices.

Desse modo, a empresa com menor índice de freqüência de acidentes e doenças do trabalho no setor, por exemplo, recebe o menor percentual e o estabelecimento com maior freqüência acidentária recebe 100%. O percentil é calculado com os dados ordenados de forma ascendente.

O percentil de ordem para cada um desses índices para as empresas dessa Subclasse é dado pela fórmula abaixo:

Percentil = 100x(Nordem - 1)/(n - 1)

Onde: n = número de estabelecimentos na Subclasse;

Nordem=posição do índice no ordenamento da empresa na

Subclasse.

A partir dos percentis de ordem é criado um índice composto, atribuindo ponderações aos percentis de ordem de cada índice. O critério das ponderações para a criação do índice composto pretende dar o peso maior para a gravidade (0,50), de modo que os eventos morte e invalidez tenham maior influência no índice composto. A freqüência recebe o segundo maior peso (0,35) garantindo que a freqüência da acidentalidade também seja relevante para a definição do índice composto. Por último, o menor peso (0,15) é atribuído ao custo. Desse modo, o custo que a acidentalidade representa faz parte do índice composto, mas sem se sobrepor à freqüência e à gravidade. Entende-se que o elemento mais importante, preservado o equilíbrio atuarial, é dar peso ao custo social da acidentalidade. Assim, a morte ou a invalidez de um trabalhador que recebe um benefício menor não pesará muito menos que a morte ou a invalidez de um trabalhador que recebe um salário de benefício maior.

O índice composto calculado para cada empresa é multiplicado por 0,02 para a distribuição dos estabelecimentos dentro de um determinado CNAE-Subclasse variar de 0 a 2. Os valores inferiores a 0,5 receberão o valor de 0,5 que é o menor fator acidentário.

Então, a fórmula para o cálculo do índice composto (IC) é a seguinte:

IC = (0,50 x percentil de gravidade + 0,35 x percentil de freqüência + 0,15 x percentil de custo) x 0,02

Exemplo:

Desse modo, uma empresa que apresentar percentil de gravidade de 30, percentil de freqüência 80 e percentil de custo 44, dentro do respectivo CNAE-Subclasse, terá o índice composto calculado do seguinte modo:

IC = (0,50 x 30 + 0,35 x 80 + 0,15 x 44) x 0,02 = 0,9920

O resultado obtido é o valor do FAP atribuído a essa empresa. Supondo que essa CNAE-Subclasse apresente alíquota de contribuição de 2%, esta empresa teria a alíquota individualizada multiplicando- se o FAP pelo valor da alíquota, 2% x 0,9920, resultando uma alíquota de 1,984%.

Caso a empresa apresente casos de morte ou invalidez permanente, seu valor FAP não pode ser inferior a um, para que a alíquota da empresa não seja inferior à alíquota de contribuição da sua área econômica, prevista no Anexo V do Regulamento da Previdência Social, salvo, a hipótese de a empresa comprovar, de acordo com regras estabelecidas pelo INSS, investimentos em recursos materiais, humanos e tecnológicos em melhoria na segurança do trabalho, com o acompanhamento dos sindicados dos trabalhadores e dos empregadores.

Conforme se observa, o cálculo do FAP leva em consideração a situação da Empresa no particular (quando gera os índices de gravidade, freqüência e custo), e leva em consideração a situação da empresa em relação à sua posição na subclasse do ramo da atividade econômica, quando gera os percentis de ordem e o índice composto. Para o que interessa, chamamos a atenção para os seguintes detalhes.

A forma de cálculo dos índices de gravidade, freqüência e custo é relativamente simples, basta substituir as variáveis necessárias na fórmula, e se pode facilmente comprovar se o valor obtido pelo INSS segundo a fórmula informada está correta ou não.

No entanto, para a obtenção do percentil de ordem, o INSS se utiliza de uma fórmula a cujas variáveis as empresas não tem acesso. O percentil de ordem é calculado segundo o número de empresas na subclasse e a posição do índice no ordenamento da empresa na respectiva subclasse.

Este tipo de informação é obtido pelo INSS por meio das CATs emitidas pelas empresas, pelo número de NTEPs verificados, bem como pelos número de empresas na mesma subclasse de atividade econômica segundo dados do CNAE. Esta informação não é divulgada aos contribuintes [14]. Não há, pois, como se saber como a Receita do Brasil obteve o número relativo ao percentil de ordem. Por conseqüência, não há como saber se a aplicação da fórmula divulgada na Portaria CNPS nº 1.308/2009 está ou não correta, impossibilitando, inclusive, a interposição de Recurso Administrativo Cabível.


A inconstitucionalidade detectada na metodologia adotada

Não obstante renomadas opiniões em contrário [15], entendemos que o art. 10, da Lei nº 10.666/2003 incorreu em flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade. Ao determinar que o CNPS fixará a metodologia a ser aplicada no cálculo do FAP, a lei atribui a Órgão do Poder Executivo a competência para fixar a alíquota de contribuição social.

Por força dos arts. 3º [16] e 4º [17], do CTN, as Contribuições Sociais podem ser classificadas como Tributo, devendo obedecer as regras e limitações impostas ao Ente tributante na Constituição Federal e no próprio Código Tributário.

Alíquota é elemento essencial do Tributo. Para se descobrir quais os elementos do tributo, analisemos a estrutura da norma tributária. Conforme leciona o professor Sacha Calmon [18], a norma tributária, espécie do gênero norma, ontologicamente possui uma hipótese de incidência e uma conseqüência jurídica. A hipótese de incidência é o fato previsto como jurígeno e possui como elementos os aspectos material, temporal, espacial e pessoal. Já a conseqüência jurídica é o dever tributário decorrente, e possui como aspectos o sujeito ativo, o sujeito passivo, o quantum devido (a base de cálculo e alíquotas), como pagar, quando pagar e onde pagar.

Como se observa, o quantum devido é elemento essencial da norma tributária, pois não é possível cobrar algo de alguém se não se sabe o quanto o devedor tem de pagar. Não existe obrigação ilíquida. Assim, tudo o que influencia na caracterização do valor a ser pago, ontologicamente faz parte do "quantum debeatur", como a base de cálculo, a alíquota as adições ou subtrações legais incidentes nos valores devidos.

Por via de conseqüência, o FAP, por influenciar diretamente no valor da alíquota final, de forma independente da vontade do devedor, e por imposição do Ente Estatal, é elemento configurador do "quantum debeatur" e, pois, integra a estrutura da norma jurídica enquanto conseqüência – dever tributário decorrente.

Ocorre que, por imposição legal prevista no art. 97, IV, do CTN e imposição constitucional previsto no art. 150 I, da Constituição Federal, é vedado instituir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça [19], nem aumentar alíquota de tributo previamente existente senão por meio de lei. E aqui lei é entendida no sentido estrito. Fora as hipótese previstas no art. 153, §1º, da Constituição Federal, não pode o Estado utilizar-se de Decreto, Resolução, Portaria, Instrução Normativa, Regulamento ou qualquer outra espécie normativa para instituir tributo ou majorar alíquota. Referida vedação é conhecida na doutrina pelo princípio da legalidade estrita.

Sobre o referido princípio da legalidade, leciona Hugo de Brito Machado [20]:

"Pelo princípio da legalidade tem-se a garantia de que nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser através de lei.

(...)

Realmente, é induvidoso que, se somente a lei pode criar, somente a lei pode aumentar, a não ser nas hipóteses ressalvadas pela própria Constituição. Admitir, fora dessas hipóteses, que o tributo pode ser aumentado por norma inferior é admitir que essa norma inferior modifique o que em lei foi estabelecido, o que constitui evidente absurdo.

Sendo a lei a manifestação legítima da vontade do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser instituído em lei significa ser o tributo consentido. O povo consente que o Estado invada seu patrimônio para dele retirar os meios indispensáveis à satisfação das necessidades coletivas. Mas não é só isto. Mesmo não sendo a lei, em certos casos, uma expressão desse consentimento popular, presta-se o princípio da legalidade para garantir a segurança nas relações do particular (contribuinte) com o Estado (fisco), as quais devem ser inteiramente disciplinadas, em lei, que obriga tanto o sujeito passivo com o sujeito ativo da relação obrigacional tributária.

(...)

Criar um tributo é estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago. Assim, a lei instituidora do tributo há de conter: (a) a descrição do fato tributável; (b) a definição da base de cálculo e da alíquota, ou outro critério a ser utilizado para o estabelecimento do valor do tributo; (c) o critério para identificação do sujeito passivo da obrigação tributária; (d) o sujeito ativo da relação tributária, se for diverso da pessoa jurídica da qual a lei seja expressão de vontade."

Para Leandro Paulsen [21],

"a legalidade tributária absoluta exige que a instituição dos tributos se dê não apenas com base legal, mas pela própria lei, de modo que contenha o suficiente para que se tenha condições de determinar quais os diversos aspectos da norma tributária impositiva.

Vejamos, aliás, o antecedente e o conseqüente da norma com seus respectivos aspectos:

NORMA TRIBUTÁRIA IMPOSITIVA

Antecedente ou hipótese:

a)aspecto material (o quê – fato gerador)

b)aspecto espacial (onde – território onde a ocorrência do fato terá repercussão tributária)

c) aspecto temporal (quando – momento em que se deve considerar ocorrido o fato gerador)

Conseqüente ou prescrição:

d) aspecto pessoal (quem – sujeito ativo e passivo da relação jurídico tributária)

e) aspecto quantitativo (quanto – critérios para cálculo da prestação devida: base de cálculo e alíquota).

Conforme já salientado, não pode o legislador delegar ao Executivo competência normativa para estabelecer tais aspectos que são essenciais á imposição tributária.

Isso não significa, contudo, que todos os cinco aspectos da norma tributária impositiva (material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo) devam, necessariamente, constar da lei de modo expresso e claro. Em leis de boa técnica, isso se dá, mas tal não constitui requisito para que se a considere completa. Cabe ao intérprete e aplicador identificar os diversos aspectos, só concluindo pela incompletude na impossibilidade de levar a efeito tal identificação por absoluta falta de dados, referências ou elementos para tanto.

Além da completude, impende atentar para a exigência de que a lei apresente densidade normativa suficiente. Não há, propriamente, impedimento à utilização de tipos abertos e de conceitos jurídicos indeterminados, até porque todos os conceitos são mais ou menos indeterminados, mas tal não pode violar a exigência de determinabilidade quanto ao surgimento, sujeitos e conteúdo da relação jurídico-tributária, não se admitindo que a sua utilização implique delegação indevida de competência normativa ao Executivo. O mesmo vale para norma tributária em branco, admissível quando exija a consideração de simples dados fáticos ou técnicos necessários à sua aplicação, mas indamissível se exigir complementação mediante a incorporação de conteúdo deôntico."

O Supremo Tribunal Federal agasalha o princípio da legalidade estrita e considera inconstitucionais as majorações de alíquotas por meio de decretos. É grande a jurisprudência do STF neste sentido, principalmente quando o Tribunal apreciou a possibilidade de majoração de alíquotas referentes à contribuição do salário-educação e da Contribuição para o Instituto do Açúcar e do Álcool, após a edição da Constituição de 1.988 [22].

Também o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou a respeito, afirmando a impossibilidade de majoração de alíquota por meio de Decreto, não devendo ser confundida a atualização monetária com o aumento indevido do tributo em si. Observe-se a Ementa do julgamento do RMS 18670/MT [23]:

Processo RMS 18670 / MT

Relator(a) Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI

PRIMEIRA TURMA

DJ 31/08/2006 p. 196

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TAXA DE SERVIÇOS ESTADUAIS. DEFINIÇÃO DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS DO TRIBUTO. FATO GERADOR E ALÍQUOTA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. MATÉRIA RESERVADA À LEI. DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA AO PODER EXECUTIVO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Decorre do princípio da legalidade tributária a exigência de que, salvo as exceções estabelecidas na Constituição, todos os elementos determinantes da obrigação tributária devam estar delineados na lei, não podendo, portanto, qualquer outro instrumento normativo infralegal avocar a si essa atribuição.

2. Mesmo sob a égide da Constituição anterior, à luz do princípio da legalidade tributária, a Lei Estadual 4.547/82 não poderia carregar ao Poder Executivo a atribuição de definir os fatos geradores e as alíquotas da Taxa de Serviços Estaduais.

3. Assim, o Decreto Estadual 286, de 31 de julho de 1995, ao instituir a Taxa de Serviços Estaduais incidente sobre fornecimento e processamento de documentos fiscais, especificando fatos geradores. (grifamos)

Se a alíquota não pode ser fixada por Decreto, também não pode ser fixada por ato administrativo do Poder Executivo. Neste sentido, o FAP, por majorar ou diminuir as alíquotas, deve ser considerado como um elemento essencial destas, pois afeta diretamente o quantum tributário. Logo, deve ser regulamentado por lei, e não por ato administrativo. Tanto o art. 10, da Lei nº 10.666/2003, quanto o art. 202-A, do Decreto 3.018, na parte que regulamenta o FAP, transferem a regulamentação do cálculo do FAP para ato administrativo próprio do Poder Executivo, por meio do CNPS.

Ora, a contribuição previdenciária em questão não está entre o rol previsto no art. 153, § 1º, da Constituição Federal. Logo, o Poder Executivo não tem competência para majorar alíquota da Contribuição Social denominada SAT. Portanto, o art. 202-A, do Decreto 3.018 viola o art. 150, I, da Constituição Federal. Consequentemente, a Resolução CNPS nº 1.308/2009 é inconstitucional e não deve viger no ordenamento jurídico brasileiro.

O núcleo essencial do princípio da legalidade é uma das facetas do devido processo legal material e consiste em estabelecer a forma pela qual o tributo será instituído, como forma de proteger o contribuinte da tributação excessiva e sem limitação do Ente que detenha o poder de tributar. Isto porque a produção legislativa pressupõe a representatividade necessária para que os cidadãos aceitem em abrir mão de seu patrimônio em favor do Estado.

Se a privação do patrimônio decorrente por meio de tributação é feita sem a referida aceitação do cidadão ou seus representantes, o próprio tributo perde legitimidade e legalidade, afetando o direito líquido e certo do contribuinte de ver observada o devido processo legal material instituído na Constituição Federal.

À mesma conclusão chegou o ilustre Juiz Federal Cláudio Roberto da Silva, da Seção Judiciária de Florianópolis, quando do julgamento do Mandado de Segurança Nº 2009.72.00.014352-0/SC, afirmou:

"(...)

O estabelecimento exato do valor do tributo, na hipótese vertente, embora realmente encontre em lei formal apontamento de demarcação máxima e mínima quanto à alíquota, está afinal sujeita a manifestação do alvedrio do Executivo, ora materializado no caso concreto pelo art. 202-A do Decreto n. 3.048/99 e Resoluções n. 1.308 e 1.309/09 do CNPS, que aviam a metodologia de cálculo do FAP, conforme critérios que manifestam critérios que, a pretexto de técnicos, concentram na administração a eleição da própria base de cálculo.

Se no caso tais normas infralegais o fizeram com maior ou menor apuro, justiça tributária, vinculação a elementos objetivos, respeito ao equilíbrio atuarial etc., tais aspectos refogem à presente análise, conforme já advertido, eis que prejudicados por óbice precedente, qual seja, o impedimento de se relegar a regulamento expedido pela Administração, no caso em substituição ao legislador, a definição da metodologia de fixação da alíquota do tributo.

Não se cogita aqui de óbice fundado na exorbitância do poder regulamentar, visto que nada indica que as normas infralegais em exame atuaram em excesso aos padrões expressamente delegados pela Lei aludida, inovando na ordem jurídica.

Nem tampouco se diz que dita Lei, ao cometer atribuição a regulamento sob determinadas condições, haja infringido a vedação constitucional genérica à delegação pura do Legislativo ao Executivo.

Cuida-se aqui de coisa distinta: de se haver verificado que o exercício da delegação, mediante edição de norma hierarquicamente inferior à Lei em sentido estrito, ao atuar no estabelecimento da efetiva alíquota aplicável ao tributo em questão, invadiu o campo da reserva absoluta de Lei ordinária, incidente especificamente na seara tributária por força de regra constitucional. Ou seja, a Lei delegou, mesmo que não de forma pura e ainda que estipulando limites, o que não podia.

Efetivamente, o que caracteriza a legalidade tributária, distinguindo-a da legalidade geral, é exatamente seu caráter absoluto, de aversão a incompletudes e delegações quanto aos aspectos substanciais da geração da obrigação tributária.

O fato é que o montante do tributo, com a regulação ora objetada, não é apurável segundo critérios absolutamente fixados em Lei formal, não permitindo que o contribuinte identifique o quantum da exação meramente diante dos termos em que vazada a Lei ordinária instituidora, ficando na dependência da disciplina do regulamento para fazê-lo.

Trata-se de nítido desrespeito à "... necessária completitude da lei tributária impositiva e à imprescindibilidade do estabelecimento expresso do aspecto quantitativo." (Paulsen, op. cit. p. 195/197).

Também não há dúvida em que os termos do art. 10 da Lei n. 10.666/06, ao confiar a regulamento a elaboração de critérios que podem sujeitar o contribuinte ao recolhimento de tributo em valor até quatro vezes menor ou maior, outorga descabida margem de liberdade ao "administrador de plantão", incompatível com a ordem tributária constitucional.

De fato, bastaria composição de novo Executivo e constituição de novel Ministério para que a "metodologia" a ser aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, órgão evidentemente subordinado, passasse a, ao seu único alvedrio, alterada, passando a atribuir pesos distintos a mesmos fatores que compõem a FAP, evidenciando mais uma vez que a segurança jurídica que se busca com o princípio da legalidade estrita em favor do contribuinte mais uma vez se quebra.

A autoridade administrativa não pode ter o poder de decidir o quanto é devido, senão em absoluta vinculação - sem margem de discricionariedade - à terminante previsão em Lei, pois como tem proclamado o Supremo Tribunal Federal, é a este instrumento que, em matéria tributária, compete indicar, previamente, o an e o virtual quantum debeatur.

(...)

Assim verificado que o art. 10 da Lei n. 10.666/06, quando não esgota a fixação de alíquota, a remete à parametrização por atos emanados do Executivo, bem como o art. 202-A do Decreto n. 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto n. 6.957/09, e as Resoluções n. 1.308 e 1.309/09 do CNPS, quando invadem o campo da reserva absoluta de Lei ordinária, desatendem o art. 150, I, da Constituição Federal, reconheço sua inconstitucionalidade em controle difuso, e o faço aqui compreendendo que a interpretação conceitual ensaiada exige uma teoria jurídica de argumentação, que, segundo Humberto Ávila, op. cit., p. 209, só merece quanto atribui prevalência "... dentre as várias hipóteses conceituais, àquela que mais é suportada pelos princípios fundamentais do subsistema de Direito Tributário."

Esta a primeira e a mais grava das ilegalidades e inconstitucionalidades detectadas. Mas não é apenas isso.

Conforme observado acima, o cálculo dos índices de gravidade leva em consideração a acidentalidade na empresa. Por expressa disposição legal, os acidentes em percurso são considerados acidente de trabalho. Logo, estes acidentes também são levados em consideração no cálculo do FAP.

Ocorre que os tributos devem observar o princípio da pessoalidade inserto no art. 145, § 1º, da Constituição Federal. Por referido princípio, o tributo leva em consideração as características pessoais do devedor que deverá pagar o imposto. Na contribuição previdenciária ora debatida, o que se pretende é, além do custeio dos gastos com os acidentes, evitar a repetição dos acidentes de trabalho.

Uma vez que os acidentes de trajeto ocorrem fora do ambiente do trabalho, sem que o empregador consiga ter o mínimo de controle sobre o evento, ainda que em concausa, não há como referido dado fático compor a base de cálculo do imposto devido. Ocorre clara tributação por fato de terceiro ou por caso fortuito, violando flagrantemente o disposto no art. 145, § 1º, da Constituição Federal.

Também contraria o princípio da pessoalidade o fato de que o FAP é calculado levando em consideração as características personalíssimas de cada empresa do mesmo grupo econômico.

Com efeito, determina empresa A possui determinado índice de acidentalidade e investe de maneira particular em prevenção e medicina no trabalho. Na mesma atividade empresarial, a empresa B possui índice de acidentalidade distinta e outros padrões de prevenção e medicina no trabalho. Não há, pois, como conciliar a atividade gerencial da empresa A com a empresa B apenas pelo argumento de as duas exercerem a mesma atividade econômica. Cada uma tem sua particularidade.

Neste sentido, quando o cálculo do FAP utiliza o denominado percentil de ordem ou número de ordem, pretendendo tributar as empresas pela média que estas ocupam no rol de todas as empresas componentes da atividade econômica específica, termina por calcular o imposto de uma empresa específica pelas atividades gerencias das demais empresas do grupo. O princípio da pessoalidade é solenemente ignorado, acarretando, também, contrariedade ao princípio da isonomia e da própria justiça fiscal que se objetivou alcançar [24].

Por fim, mas não menos importante, o cálculo do FAP é feito pelo enquadramento do CNPJ raiz da empresa [25]. O fato de a Empresa possuir mais de um estabelecimento, com CNPJ diferentes e atividades diferentes e, consequentemente, acidentalidades diferentes, não é levado em consideração.

Logo, determinada atividade, que pode ser eminentemente administrativa, sem nenhum risco ou acidentalidade, pode ser enquadrada como de risco elevado, pelo simples fato de que outra atividade do mesmo grupo empresarial, completamente desvinculada, em determinado período, ter tido índice de gravidade incompatível com a média da atividade empresarial em geral.

Este procedimento, além de afetar, mais uma vez, as limitações do poder de tributar, contraria o entendimento cristalizado na Súmula 351/STJ [26], que determina que o cálculo do SAT deve ser individualizado por cada CNPJ registrado pela Empresa, e não pelo CNPJ raiz ou o CNPJ da matriz. Não levar em consideração referida peculiaridade configura apenas uma situação: ânsia do Estado em aumentar sua fonte de arrecadação, sem qualquer medida do justo e necessário.

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Sobre o autor
Sergio Lindoso Baumann Pietroluongo

Advogado. Especialista em Direito Público na UniDF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIETROLUONGO, Sergio Lindoso Baumann. FAP – Fator Acidentário de Prevenção.: Possíveis inconstitucionalidades verificadas no Regulamento CNAS nº 1.308/2009, que regulamenta a Lei nº 10.666/2003. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2392, 18 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14196. Acesso em: 22 dez. 2024.

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