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Ofensa reflexa ao texto constitucional?

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Sumário: Muito se emprega a expressão "ofensa reflexa" para designar a falta de objetividade dos recorrentes na utilização do Recurso Extraordinário, exigindo o Supremo Tribunal Federal que a lesão ao texto constitucional seja direta. As normas, de forma mais ou menos intensa, encontram fundamento no texto maior. Assim, é natural que essa "ofensa reflexa" venha a atingir a estrutura constitucional, ainda que em segundo plano. Todavia, se a Constituição é a norma hierárquica superior, encontrando limites apenas em seus princípios - norma hipotética fundamental situada no plano lógico e não jurídico - estaria correta a expressão "ofensa reflexa"? A resposta é, justamente, o objeto deste trabalho, que tentará demonstrar ao leitor o equívoco da referida expressão.

Palavras-chave: Ofensa reflexa. Expressão equívoca.


1. NÚCLEO CONSTITUCIONAL.

1.1. A Constituição é uma norma suposta e não posta, decorre daí a sua supremacia, amparada na necessidade de uma ordem normativa inquebrantável, vez que não editada por nenhum ato anterior, figurando no plano lógico-jurídico, sob influências sociais, políticas e econômicas.

1.2. Da sua rigidez emana, como principal consequência, as limitações temporais, circunstanciais, materiais expressas (art. 60, §4º da CF/88) e implícitas (as que impedem a alteração do titular do poder constituinte, o processo de elaboração de emenda e o o vício de iniciativa), bem como a permissão para a utilização da intervenção.

1.3. Esses instrumentos de proteção, sob os quais as normas constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível, propiciam o desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional, em virtude de sua mutação, para maior garantia e proteção ao cidadão contra o arbítrio desmedido e disforme do Estado.

1.4. A despeito dessa eficácia, destacam-se, ainda, três aspectos relativos às normas constitucionais:

a) as de eficácia plena – aptas a produzir todos os seus efeitos, não dependendo de norma integrativa infraconstitucional;

b) as de eficácia contida – aptas a produzir efeitos, que poderão ser modificados reduzindo a sua abrangência por norma posterior;

c) as que não têm força de produzir todos os seus efeitos, mas possuem o poder de vinculação, não podendo ser ignoradas pelo legislador, conforme decidido pela Suprema Corte em vários precedentes: MI 670/ES (DJE de 31.10.2008); MI 708/DF (DJE de 31.10.2008); MI 712/PA (DJE de 31.10.2008); MI 715/DF (DJU de 4.3.2005). MI 795/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 15.4.2009. (MI-795).


2. A NORMA INFRACONSTITUCIONAL E SUA FINALIDADE.

2.1. Nesse sentido, as normas infraconstitucionais possuem missões Magnas a serem cumpridas, ante a necessidade de cada ente federativo. Isso não quer dizer que não possuam individualidade e autonomia, mas, que todas as normas legais possuem um fim constitucional em sua consumação.


3. OS VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE COSTUMAM TRANSITAR NA ESTRUTURA DA LEI

3.1. Com espeque na antiga doutrina americana, segundo a qual "the inconstitutional statute is not law at all", grande parte da doutrina brasileira acenava em favor da equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade, situação que se inverteu, pois segundo Gilmar Ferreira Mendes [01] a inconstitucionalidade de uma lei pode levar, também, a diferentes variantes de declaração de nulidade:

a) declaração de nulidade total – a totalidade da lei ou do ato normativo é invalidada pelo Tribunal, porque possui, em sua gênese, defeitos formais insanáveis (invasão de competência e de iniciativa no processo legislativo). A declaração de nulidade, in casu, é a expressão de unidade técnolegislativa;

b) declaração de nulidade total em virtude da dependência ou interdependência entre as partes constitucionais e inconstitucionais da lei – se a disposição principal de uma lei for declarada inconstitucional, todo o resto (incisos, parágrafos e alíneas), também, será, salvo se algum dispositivo puder subsistir sem a parte considerada inconstitucional – é a situação de inconstitucionalidade em virtude de dependência unilateral.

3.2. Saliente-se que a dependência ou interdependência normativa entre os dispositivos de uma lei pode justificar a extensão da declaração de sua inconstitucionalidade, face aos dispositivos constitucionais, mesmo nos casos em que estes não estejam incluídos no pedido inicial da ação – a doutrina denomina declaração de inconstitucionalidade consequente ou por arrastamento (é o caso do decreto em relação à lei inconstitucional).

3.3. De outra parte, a doutrina e a jurisprudência brasileiras admitem plenamente a teoria da divisibilidade da lei, de modo que o Tribunal deve proferir a inconstitucionalidade daquelas normas viciadas, investigando a existência de relação de dependência, seja ela unilateral ou recíproca, a outras partes da lei.

3.4. Tal teoria corrobora o raciocínio desenvolvido, pois demonstra que a norma, sendo expressão ou instrumento constitucional, impõe a aferição do grau de dependência entre os dispositivos, isto é, a análise da relação de vinculação ao texto constitucional para a declaração direta de inconstitucionalidade, consoante ofensa deflagrada.


4. A DIFICULDADE NA INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO "OFENSA INDIRETA", PARA VIABILIZAR O RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

4.1. Toda estrutura normativa, quando seccionada, expõe o seu fundamento constitucional, que a seguirá, seja qual for a sua natureza. É justamente esse o ponto onde se encontra a dificuldade de aplicação da expressão referida, porquanto até os atos administrativos encontram esteio no corpo constitucional, por obedecerem aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

4.2. A névoa da indefinição, criada em torno do que é ou não ofensa constitucional indireta enseja dificuldade, até mesmo por aqueles que a aplicam, como se depreende do recurso extraordinário n° 567454 - BA – Bahia, cujo Ministro relator foi o Exmo. Sr. CARLOS BRITTO, em 28/02/2008:

a) em 17.06.2009, o Pleno, observando, inclusive, a repercussão geral, por maioria e nos termos do voto do Relator, conheceu parcialmente do recurso e, na parte conhecida, negou-lhe provimento, vencidos os Senhores Ministros Marco Aurélio e Eros Grau. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, licenciados, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Menezes Direito. Falaram, pela recorrente, o Dr. Leonardo Greco e, pelo interessado, INECON - Instituto de Educação para o Consumo "Olário de Oliveira França", o Dr. Roberto Soligo.

b) todavia, em 18.06.2009, o Tribunal resolvendo questão de ordem suscitada pelo Senhor Ministro Cezar Peluso, manifestou-se no sentido de adotar o regime da inexistência de repercussão geral aos processos que envolvam a questão de tarifa básica de telefonia fixa, por possuir caráter infraconstitucional, restando vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio. Destarte, decidiram modificar a decisão anterior. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Menezes Direito. Plenário, 18.6.2009.  


5. CORRIGINDO A EXPRESSÃO "OFENSA REFLEXA"

5.1. A etimologia da palavra lei vem do verbo latino ligare, que significa "aquilo que liga", ou legere, que significa "aquilo que se lê", é uma norma ou conjunto de normas jurídicas criadas através dos processos próprios do ato normativo e estabelecidas pelas autoridades competentes para consumar o seu fundamento constitucional.

5.2. Não há dúvida que toda norma infraconstitucional possui essa missão. Logo, é possível aferir a legalidade ou a sua inconstitucionalidade, aplicando a teoria da divisibilidade para rastrear, na estrutura nuclear normativa, além da essência constitucional, elementos que possam mitigar a autoridade da Lei Suprema.

5.3. Cabe ao intérprete verificar, no interior desse núcleo, a transição do vício da esfera legal para a constitucional ou vice versa. Essa análise deve ser efetivada, observando a preponderância da matéria infraconstitucional para solucionar a questão e, uma vez aplicada, se restará exaurida a controvérsia, ocasião em que será afastada a densidade constitucional.

5.4. Isto porque a essência que viceja na estrutura normativa não deve suscitar a aplicação de teorias constitucionais, como a unidade técnico-legislativa [02], tampouco a inconstitucionalidade em virtude de dependência unilateral [03] ou por arrastamento [04], possuindo, apenas, a função de atribuir legalidade e obrigatoriedade aos atos administrativos ou privados que lhe tomem por fundamento.

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5.5. Para comprovar o exposto, segue julgado do STJ que, analisando a transição entre o legal e o constitucional, assim se manifestou:

"...6. A violação dos princípios do devido processo legal e do contraditório (por afronta aos arts. 31 e 32 do Decreto-Lei nº 70/66), acerca da aferição da adjudicação do imóvel, é tema de cunho eminentemente constitucional, cuja competência escapa desta Corte Especial por força do art. 105, III, da Carta Magna de 1988, que reserva ao STJ a função de intérprete da legislação infra-constitucional (precedente: REsp 485.253 - RS, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJ de 18 de abril de 2005).

7. Financeiro da Habitação, e atuando as instituições elencadas no inciso II do art. 30, do Decreto-Lei 70/66, como mandatárias do Banco Nacional da Habitação, fica dispensada a escolha do agente fiduciário de comum acordo entre o credor e o devedor, ainda que haja expressa previsão contratual.

8. In casu, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF elegeu a APEMAT - Crédito Imobiliário S/A como agente fiduciário porquanto sucessora do extinto Banco Nacional da Habitação (fl. 110), não havendo se falar em maltrato à norma infra-constitucional..." [05]


6. CONCLUSÃO

6.1 A constituição tem por base a necessidade de uma ordem normativa inquebrantável, desenvolvida para efetivar e dar maior garantia ao tecido constitucional.

6.2 Quando o Poder Constituinte elencou as normas afetadas ao processo legislativo, visou garantir, de forma descentralizada, os objetivos fundamentais da República.

6.3 Nesse sentido, as normas infraconstitucionais, não obstante sua individualidade e autonomia, ostentam missões constitucionais a serem cumpridas.

6.4 Os aplicadores do direito, ante a abstração da expressão "ofensa reflexa", começaram a interpretá-la de acordo com suas necessidades, sem atentar à efetividade da norma constitucional e à sua autoridade, que não admitem mitigação, ainda que leve, por norma de hierarquia inferior.

6.5 Isto porque pode transitar, no interior do núcleo normativo, determinado vício legal ou constitucional, cuja pesquisa e detecção devem ser realizadas, observando-se, porém, se a matéria infraconstitucional é preponderante para solucionar a questão, e, uma vez aplicada, se restará exaurida a controvérsia.

6.6 Uma vez exaurida a questão na esfera infraconstitucional, haverá falta de densidade constitucional, obstando, assim, a via extrema, e não a "ofensa reflexa", que tanto se apregoa de forma equivocada.


BIBLIOGRAFIA

  • Constituição da República Federativa do Brasil – São Paulo: Saraiva, 2004. - Coleção Saraiva de Legislação;

    Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:
  • Lenza, Pedro – Direito constitucional esquematizado – 13. ed. Rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009;

  • Hesse, Konrad – A força normativa da constituição – Tradução de Gilmar Ferreira Mendes – Porto Alegre: ed. Sergio Antonio Fabris - 1991;

  • Mendes, Gilmar Ferreira e outros – Curso de Direito Constitucional – 4.ed rev e atual. - São Paulo: Saraiva – 2009.


Notas

  1. Mendes, Gilmar Ferreira e outros – Curso de Direito Constitucional – 4.ed rev e atual. - São Paulo, Saraiva – 2009.

  2. Vício de iniciativa da lei.

  3. Se a disposição principal da lei for considerada inconstitucional todo o resto também lhe seguirá, salvo se algum dispositivo puder subsistir.

  4. É a dependência ou interdependência normativa, à título de exemplo, poder-se-ia vislumbrar inconstitucional não só a lei, como, também, o seu decreto regulamentador

  5. REsp 867809 / MT - RECURSO ESPECIAL - 2006/0127449-6 Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 05/12/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 05/03/2007 p. 265.

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Sobre o autor
Éverton Luis Pinheiro da Silva

Supervisor de Gabinete do Sub-Procurador Geral da República Dr. Wagner Mathias, com atuação na PGR.Especialista em Direito Penal pela ESMP/SP.Graduando-se pela Uniasselvi, em Direito Constitucional. Aprovado nos Concursos de Delegado Civil - MT, Defensor Público do Estado de Pernambuco e Analista do MPU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Éverton Luis Pinheiro. Ofensa reflexa ao texto constitucional?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2405, 31 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14273. Acesso em: 4 nov. 2024.

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