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A taxa de saúde suplementar e sua compatibilidade com o Sistema Tributário Nacional

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01/03/2000 às 00:00
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1. Introdução

          A Lei nº 9.961 de 28/01/2000 (1), (resultado da conversão da MP nº 2.012-2 de 12/01/00), criou a Agência Nacional de Saúde, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, que, entre outras atribuições, fiscalizará a prestação de serviços pelas operadoras de planos de assistência a saúde. Em função do exercício desse poder de fiscalização, ficou instituída a Taxa de Saúde Suplementar, em duas modalidades: a primeira pela fiscalização geral exercida sobre os planos de saúde, cobrada das operadoras anualmente; a segunda devida cada vez que chancela por parte da ANS se fizer necessária (hipóteses definidas no art. 20, inciso II), como dispõem os artigos seguintes:

Art. 18. É instituída a Taxa de Saúde Suplementar, cujo fato gerador é o exercício pela ANS do poder de polícia que lhe é legalmente atribuído.

Art. 19. São sujeitos passivos da Taxa de Saúde Suplementar as pessoas jurídicas, condomínios ou consórcios constituídos sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa ou entidade de autogestão, que operem produto, serviço ou contrato com a finalidade de garantir a assistência à saúde visando a assistência médica, hospitalar ou odontológica.

Art. 20. A Taxa de Saúde Suplementar será devida:

I - por plano de assistência à saúde, e seu valor será o produto da multiplicação de R$ 2,00 (dois reais) pelo número médio de usuários de cada plano privado de assistência à saúde, deduzido o percentual total de descontos apurado em cada plano, de acordo com as Tabelas I e II do Anexo II desta Lei;

II - por registro de produto, registro de operadora, alteração de dados referente ao produto, alteração de dados referente à operadora, pedido de reajuste de contraprestação pecuniária, conforme os valores constantes da Tabela que constitui o Anexo III desta Lei.

§ 1º. Para fins do cálculo do número médio de usuários de cada plano privado de assistência à saúde, previsto no inciso I deste artigo, não serão incluídos os maiores de sessenta anos.

§ 2º. Para fins do inciso I deste artigo, a Taxa de Saúde Suplementar será devida anualmente e recolhida até o último dia útil do primeiro decêndio dos meses de março, junho, setembro e dezembro e de acordo com o disposto no regulamento da ANS.

§ 3º. Para fins do inciso II deste artigo, a Taxa de Saúde Suplementar será devida quando da protocolização do requerimento e de acordo com o regulamento da ANS.

A questão que se apresenta é sobre a validade da primeira modalidade da Taxa de Saúde Suplementar (art. 20, inciso I), frente à vedação constitucional à instituição de taxa com base de cálculo própria de imposto. A norma em pauta institui como critério de apuração o número médio de associados ao plano, taxados em R$ 2,00 por pessoa por ano. Ou seja, será paga uma determinada quantia para cada pessoa assistida por contrato de prestação de assistência à saúde.


2. Poder de Polícia da ANS e Fato Gerador da Taxa de Saúde Suplementar

A espécie tributária taxa caracteriza-se por ser tributo vinculado a uma atuação estatal (serviço público ou exercício de poder de polícia) que se faz necessária (compulsória para a administração) por fato da esfera do contribuinte. A taxa é a contrapartida devida pela atuação em favor do contribuinte. Possui forte fundamento de Justiça e Equidade, pois a norma tributária de taxa impõe que o particular que causou a despesa ao Estado seja chamado individualmente a arcar com aquele custo (ao invés de financiá-lo com recursos oriundos de impostos pagos pela coletividade) evitando que aquele indivíduo seja privilegiado em relação aos demais.

A taxa foi instituída sob o fundamento de financiar as atuações e diligências necessárias ao exercício do poder de polícia da agência. Destarte, para melhor análise da estrutura jurídica da referida taxa, devemos analisar que atribuições da ANS constituem, efetivamente, Poderes de Polícia. Dentre o longo rol de competências administrativas da autarquia, definidos no art. 4º da Lei, podemos qualificar como atividade de fiscalização sobre as operadoras de planos de assistência à saúde as seguintes:

  1. Autorizar o registro e o funcionamento das operadoras de planos e dos planos de saúde em si, e reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias (incisos XVII, XX e XXII);
  2. Fiscalizar as atividades das operadoras, zelar pelo cumprimento das normas atinentes ao seu funcionamento, zelar pela qualidade dos serviços prestados, e avaliar os mecanismos de regulação utilizados pelas operadoras (incisos XXIII, XXVIII, e XXXVII);
  3. Monitorar a evolução dos preços dos planos de saúde, seus prestadores de serviço e de seus insumos (inciso XXI);
  4. Exercer o controle e a avaliação dos aspectos concernentes à garantia de acesso, manutenção e qualidade dos serviços prestados; (inciso XXIV);
  5. Avaliar a capacidade técnico-operacional das operadoras, e fiscalizar a abrangência das coberturas de patologias e procedimentos; (inciso XXV);
  6. Fiscalizar as coberturas e o cumprimento da legislação referente aos aspectos sanitários e epidemiológicos; (inciso XXVII);
  7. Fiscalizar o cumprimento das disposições da Lei nº 9.656/98, e aplicar as penalidades nesta previstas. (incisos XXIX e XXX);
  8. Requisitar informações das operadoras, bem como de suas prestadoras de serviço. (inciso XXXI);

Comparando os dispositivos do artigo 4º com a redação do artigo 20, percebemos que os poderes fiscalizatórios listados no item 1, (que corresponde aos incisos XVII, XX e XXII), serão financiados pela modalidade da Taxa de Saúde Suplementar definida no inciso II do artigo 20, por especificamente citados naquele dispositivo. Por via de conseqüência, ao exercício dos demais poderes fiscalizatórios da ANS corresponde modalidade à taxa prevista no inciso I. Quanto ao inciso XXXI, procura este oferecer instrumento à disposição da Administração para que possibilitar o efetivo exercício da fiscalização. O dispositivo tem fundamento no mesmo Poder-Dever de Polícia, mas enquanto os demais dispositivos denotam atos específicos a serem praticados ou objetivos a serem perseguidos pela ANS, a prerrogativa de requerer documentos e informações representa simplesmente um meio utilizado pela agência para cumprir suas atribuições.

Para entender a mens legis no que tange à natureza dúplice da Taxa de Saúde Suplementar (constatada na instituição, no artigo 20, de dois fatos geradores distintos), é necessário ter em mente que os atos administrativos através dos quais o poder de polícia se expressa podem ter duas funções: atos de fiscalização, através dos quais verifica a observância individual à norma legal que estabeleça limitação à propriedade ou liberdade; ou atos de permissão ou concessão pelos quais a Administração remove tais limitações, exigidos para que determinada conduta dos particulares seja lícita. É atribuição precípua da ANS fiscalizar continuamente todas as operadoras de planos de saúde quanto à observância das normas relativas a atividade que desenvolvem. Além disso, toda vez que uma operadora desejar iniciar suas atividades, implantar novo plano de saúde ("produto") ou reajustar a contraprestação pecuniária cobrada dos associados, deverá requerê-lo à agência, que, em genuíno ato de polícia, aquiescerá ou não ao pedido. São, portanto, atividades de fiscalização correlatas, visto que perseguem os mesmos fins consagrados nas leis 9.656/98 e 9.961/00, porém distintas no que se refere à hipótese de incidência do tributo em pauta.

Geraldo Ataliba, em parecer sobre a validade de taxa municipal de licença de localização e funcionamento, descreve com exatidão as características do ato de polícia que dá ensejo à taxa:

"Na verdade, o exercício atual do poder de polícia supõe a competência constitucional da pessoa pública que o exerce - competência esta que é inicialmente desempenhada mediante a edição de uma lei fixando, em nível genérico e abstrato (vale dizer: normativo) a limitação. Supõe, portanto, uma lei. Em segundo lugar, traduz-se numa série de atos jurídicos e materiais. Ou seja: explicita-se em atos de agentes públicos."

"Estes desempenham exames, vistorias, perícias, verificações, averiguações, cálculos, estimativas, confrontos e outros trabalhos, como condição, ou preparo do ato propriamente de polícia, consistente em autorizar, licenciar, homologar, permitir, ou negar, denegar, proibir, etc."

"Entende-se que estas atividades se constituem na hipótese de incidência da taxa; elas é que justificam a sua exigência, da pessoa interessada nas conclusões ou resultados de tais atos (este resultado, ou conclusões, sim, eminentemente expressivos de poder de polícia)."

"Pensamos ter deixado claro que o fundamento das taxas de polícia está nas atividades que o poder público deve desempenhar como condição ou preparo de seus atos de polícia. (...) Justificam a taxa, pois, estas diligências e não o ato em si (mero despacho que se pode reduzir a um carimbo e assinatura: defiro, indefiro, conceda-se, autorizo, etc.)." (2)


3 - A Limitação ao Poder de Tributar do artigo 145, §2º, da Constituição Federal e a Base de Cálculo das Taxas de Polícia.

A hipótese de incidência tributária prevê um fato economicamente relevante, e estabelece a partir daí uma obrigação pecuniária em favor do Fisco. O princípio da Capacidade Contributiva, encarado em seu aspecto objetivo ou concreto, impõe que a base de cálculo de todo tributo deve ser retirada do próprio conceito de seu fato gerador, ou como expõe Paulo de Barros Carvalho:

"Podemos resumir o que dissemos em duas afirmações bem sintéticas: realizar o princípio pré-jurídico da capacidade contributiva absoluta ou objetiva retrata a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentam signos de riqueza; por outro lado, tornar efetivo o princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva, quer expressar a repartição do impacto tributário, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento. (...)"

"No terreno do Direito Tributário, a igualdade impositiva está irremedialvelmente ligada ao conteúdo econômico dos fatos escolhidos pela lei, que são comedidos por entidade que conhecemos como base de cálculo. A simples contingência no êxito do mundo físico não ter qualquer atributo para quantificá-lo já diz de sua imprestabilidade para fins impositivos, visto que o cânone da igualdade é imperativo constitucional, que ficará tolhido à míngua da possibilidade de seleção de um dado capaz de avaliá-lo de acordo com sua intensidade."(3) (grifos nossos)

Assim, só situação com conteúdo econômico pode ser tomada como hipótese de incidência tributária, para que seja possível quantificar a prestação tributária. Para os impostos, isso significa que o particular será chamado a entregar parte da riqueza exteriorizada no fato gerador. Identificar a face econômica para os tributos vinculados exige outro critério, pois provocar a intervenção estatal, que pode se dar de maneira direta (serviços públicos) ou indireta (Poder de Polícia) (4), não significa que haja uma riqueza pessoal do contribuinte a tributar. Para que seja mantido o cânone de Igualdade tributária para o tributo taxa, a situação econômica considerada em sua hipótese de incidência é a despesa causada pela atividade estatal em favor do contribuinte (prestação de serviço ou exercício de poder de polícia). Este preceito encontra primorosa análise na pena de Roque Antônio Carrazza, que diz:

"Como vimos, a base de cálculo mede o fato descrito na hipótese de incidência, de forma a permitir que a prestação tributária seja quantificada, isto é traduzida em uma expressão econômica."

"Mas ela não esgota nisso sua função. Pelo contrário, define a espécie de tributo criado, ou melhor, revela sua natureza jurídica. Por isso mesmo, há de levar em conta um atributo do fato descrito na hipótese de incidência. Os fatores adotados pela lei, como base de cálculo, devem, de alguma forma, "integrar" a hipótese de incidência do tributo, sob pena de desfigurá-lo."

"Esse raciocínio vale tanto para as taxas de polícia, como para as de serviço. Como a base de cálculo da taxa resultante do exercício do poder de polícia deve referir-se exclusivamente às diligências que levaram à prática do ato de polícia. Já, a base de cálculo da taxa de serviço precisa levar em conta o custo do serviço público." (5)

A profunda distinção ontológica entre taxas e impostos, e a impossibilidade de haver identidade de suas bases de cálculo são idéias que vem sofrendo evolução na doutrina e no direito positivo brasileiro ao longo do tempo. No Sistema Tributário vigente à Constituição de 1967 (ainda após as modificações da Emenda Constitucional nº 1 de 1969) o dispositivo constitucional (artigo 18, § 2º) dizia: "Para cobrança de taxas não se poderá tomar como base de cálculo a que tenha servido para a incidência de impostos", redação semelhante a do CTN. Como se vê, este dispositivo é menos restritivo do que a atual Constituição, que veda terminante taxas com base de cálculo própria de impostos, ao invés de simplesmente vedar taxa com base de cálculo idêntica a de imposto existente, como se confere na jurisprudência do STJ:

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"(...)Assim o que o texto constitucional proibia não era que se adotasse para a taxa a mesma base de cálculo adotada para impostos; a proibição era que tivessem ambos o mesmo fato gerador."

"(...) Diversa, porém é essa vedação no atual texto constitucional, que passou a proibir que as taxas tenham base de cálculo própria de impostos (art. 145, § 2º) o que significa dizer: não podem ter base de cálculo Adequada, Pertencente, Peculiar, Idêntica, Verdadeira, Específica de impostos. Este é o sentido do vocábulo própria, utilizado pelo legislador constituinte, segundo o vernáculo (cfe. Aurélio Buarque de Holanda)."

(Voto do Ministro José Delgado no Resp nº 82.390/ES, DJ 01/04/96)

Dos artigos 16 e 77 do Código Tributário Nacional depreende-se, respectivamente, que: os impostos são tributos não-vinculados à qualquer ação estatal, encontrando sua materialidade e base imponível em fato regido pelas normas do Direito Privado; e as taxas são tributados vinculados, que incidem sobre fato regido pelo Direito Público. Se o legislador visar parte da riqueza externada na atividade dos administrados que dá motivo à atuação estatal, ao invés de buscar apenas um critério de retributividade, estará descaracterizada a taxa, pois a finalidade meramente arrecadatória é característica dos impostos. A taxa não pode incluir, como base de cálculo, coisa do contribuinte, ação, ou situação jurídica estranha à atuação estatal que lhe dá origem.

Deve-se, portanto, analisar se a forma de cálculo do montante devido se coaduna com a atividade fiscalizadora da ANS. O contribuinte, alvo da fiscalização, é a operadora do plano de saúde suplementar, no entanto, a despesa decorrente da fiscalização está estimada pelo legislador como decorrente do número de associados da operadora, como se o custo das diligências de fiscalização estivesse diretamente ligado à quantidade de pessoas que a operadora atende.


4 - Atividade econômica das operadoras e a referência legal a produto.

É importante, ainda, notar que o texto da Lei refere-se, inúmeras vezes, a produto de assistência à saúde, como visto nos artigos 19 e 20 ("operar produto"; registrar produto"), e também no artigo 39 da Lei, transcrito abaixo:

          Art. 39. O disposto nesta Lei aplica-se, no que couber, aos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º. do art. 1º. da Lei nº 9.656, de 1998, bem assim às suas operadoras.

O produto então fica definido na referida lei, que regula o setor de Saúde Suplementar:

          Art. 1º. Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos ou seguros privados de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade.

§ 1º. Para os fins do disposto no caput deste artigo, consideram-se:

I - operadoras de planos privados de assistência à saúde: toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado, independente da forma jurídica de sua constituição, que ofereça tais planos mediante contraprestações pecuniárias, com atendimento em serviços próprios ou de terceiros;

Na verdade, o que a operadora oferece ao associado é um contrato, que permita a este usufruir serviços médicos, hospitalares, ou odontológicos, não necessariamente prestados pela operadora em si, mas também por terceiros (profissionais ou empresas da área de saúde) que mantém relação contratual com a primeira. O objeto do contrato são os serviços de assistência à saúde proporcionados, como se depreende da legislação do Imposto sobre Serviços de qualquer natureza, que inclui, nos itens 5 e 6 da lista anexa ao Decreto Lei 406/68, esta modalidade de negócio jurídico entre os serviços tributados.

Na linguagem comum, produto é a "coisa extraída de outra ou resultante de trabalho humano" (6). Na acepção que lhe dá o Direito Civil, produto "tem o sentido específico de utilidade que, extraída da coisa, lhe diminui a quantidade, tais como os metais extraídos das minas. Diferencia-se dos frutos que são extraídos periodicamente da coisa, sem redução de sua quantidade. Tanto os produtos quanto os frutos são bens acessórios (CC, art. 60)" (7).

Não estamos lidando, tampouco, com o conceito de produto do Imposto sobre Produtos Industrializados, mesmo porque a disciplina do IPI preocupa-se em discernir o que é "produto industrializado" e o que é "industrialização", sem preocupação maior com o termo produto, que é utilizado isoladamente com o sentido de bem móvel ou mercadoria (8).

O objetivo da Lei ao falar em produto, termo estranho à tributação de serviços, é não permitir divergência sobre quais condutas a lei 9.656/98 está regulando, e, para a interpretação da lei 9.961/00, sobre quais pessoas estão sujeitas à fiscalização da ANS, e portanto, obrigadas ao pagamento da Taxa de Saúde Suplementar. O Direito Tributário, quando utiliza conceitos pertencentes ao Direito Privado, fica adstrito a estes na interpretação de suas normas (arts. 109 e 110 do CTN), especialmente no que tange a definição de hipótese de incidência de tributo. Todo planejamento fiscal visa evitar a incidência da norma tributária, provocando uma situação jurídica diferente da definida como fato gerador do tributo, mas que mantenha os resultados econômicos desejados (elisão fiscal). Ao utilizar conceito pertencente à Ciência Econômica, o Estado, desejoso de aumentar suas receitas através de tributos, fica livre das limitações que se verificariam caso utilizasse conceito jurídico. Esta técnica legislativa, apesar de oferecer vantagem ao Fisco para arrecadar, cria dificuldades para os intérpretes e aplicadores do Direito, que terão de formular, a partir do conceito econômico, o conceito jurídico contido naquela norma.

Pelo conceito econômico, produto é o resultado da integração dos fatores agregados ao processo produtivo, abrangendo, além do bem ou serviço oferecido ao público, outras utilidades econômicas associadas ao bem ou serviço em si (facilidades para aquisição, assistência técnica, garantias). O produto, seja em seu sentido tradicional (mercadoria), ou no sentido que o legislador aqui imprimiu (serviço oferecido), tem a função idêntica de auferir receita para a pessoa que desenvolve aquela atividade econômica. É a receita proveniente da comercialização daquele "produto" ao público que permite a manutenção da empresa econômica e a consecução de seus fins (que pode ser o lucro ou não). De qualquer forma, a utilização deste termo, permite que seja traçado interessante paralelo com atividade de polícia (e a tributação daí decorrente) sobre outras atividades econômicas.

As operadoras, devido a necessidade de adequar sua atividade ao interesse comum, ficam submetidas a uma disciplina normativa específica, decorrente do Poder de Polícia latu sensu, definido por Celso A. Bandeira de Mello como "o complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e propriedade dos cidadãos" (9). Neste ponto, porém, não diferem de outros particulares, fiscalizados de maneira a garantir a adequação e qualidade de seus produtos.

Tomemos como exemplo uma indústria de produtos alimentícios: esta se submete à fiscalização não só de órgãos da administração pública direta (e.g. Ministério da Agricultura), como de diversos entes da administração indireta (e.g. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Conselhos fiscalizadores do exercício profissional nas áreas da Nutrição, Veterinária, Química) para verificar o cumprimento de normas relacionadas àquela atividade econômica específica. Por este exercício de poder de polícia uti singuli (específico e divisível) sobre a indústria, são cobradas taxas de fiscalização, de licença, de registro de produto, etc. Os órgãos competentes, então, fiscalizam as instalações, os métodos de produção e de comercialização dos produtos, mas não a cada produto individualmente. As taxas cobradas jamais poderão ter base de cálculo ligada ao número de unidades produzidas. Se assim fosse, a taxa, ao invés de corresponder ao custo da atividade estatal, estaria tributando a produção, o que só pode ser feito por imposto. Pelo paralelo traçado, percebe-se o alvo da taxa de saúde suplementar é, ainda que de maneira oblíqua, as receitas das operadoras de planos de assistência à saúde.

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Sobre o autor
Richard Karl Mattfeldt

advogado no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTFELDT, Richard Karl. A taxa de saúde suplementar e sua compatibilidade com o Sistema Tributário Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1430. Acesso em: 26 abr. 2024.

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