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Uma CPI para as CPIs.

Os limites constitucionais das comissões parlamentares de inquérito e a instrução probatória

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05/02/2010 às 00:00
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Sumário: Introdução. 1 O Poder Legislativo e os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito. Limites. 2 Instrução Probatória: uma CPI para as CPI’s. 2.1 Competência. 2.2 Incompetência. Conclusão.


RESUMO

Este artigo aborda as mais diversas características das Comissões Parlamentares de Inquérito, tais como sua natureza jurídica, os requisitos para implantação e, essencialmente, os limites constitucionais dos poderes de investigação. A partir disso, faz-se uma análise desses poderes e limites das CPI’s no âmbito da necessária instrução probatória para o deslinde de uma questão posta em determinada investigação, explicitando os parâmetros e meios para se evitar arbitrariedades e abuso da discricionariedade por parte da Comissão Parlamentar.

Palavras-chave: Comissão Parlamentar de Inquérito. Divisão dos Poderes. Regras Constitucionais. Instrução probatória nas CPI’s.


INTRODUÇÃO

Na realidade brasileira, vem-se reforçando, nesses últimos anos, a formação de diversas Comissões Parlamentares de Inquérito com o objetivo de investigar os escândalos perpetrados pela Administração Pública. Por exemplo, podemos citar as seguintes operações: CPI’s da Biopirataria, dos Combustíveis, dos Planos de Saúde, do Tráfico de Órgãos Humanos, dos Bancos, das ONG’s, do Sistema Financeiro, do Futebol, do Judiciário, dos Títulos Públicos, do Banestado, dos Correios, da Emigração Ilegal, da Exploração sexual, da "Compra de Votos" e "da Terra", dos Bingos, das Ambulâncias e, ultimamente, a CPI dos Grampos.

Não por menos, frente a essa atividade pujante de combate à corrupção, poderíamos imaginar que, se é para o bem de todos expurgar os malefícios da depravação institucional e regatar o valor da moral na Administração Pública, sejam deferidos quaisquer grau de poder às CPI’s, numa evidente denotação da idéia de que "os fins justificariam os meios". Porém, como se verá, os poderes de investigação da CPI, embora amplos, não são ilimitados: devem respeito às regras constitucionais e legais, bem como à atividade jurisdicional.

Deveras, não concedendo poder algum (entenda-se por meios compulsórios para desempenho de suas atribuições), temos que a CPI ficaria sem força o suficiente para levar a cabo as suas investigações, perdendo mesmo a sua função prática [01]. Por outro lado, todo poder à Comissão abriria espaço para (mais) abusos, em detrimento dos direitos e garantias individuais expostos na Carta Maior.

Por isso, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais são limites constitucionais na atividade propagada pelas Comissões Parlamentares de Inquérito. Ou seja, conforme diz Moacyr Lobo da Costa (1969, p. 115, apud OLIVEIRA, 2001, p. 73), as CPI’s "não podem ter mais poderes que o próprio Congresso dispõe, ou porque reservados aos poderes Executivo e Judiciário, ou porque se contrapõem aos direitos individuais", competindo, nessa seara, ao Supremo Tribunal Federal o controle constitucional sobre os atos ilegais e abusivos dos direitos do indivíduo (art. 102, I, i, CF/88) [02].

O próprio conceito de CPI, ressalte-se desde logo, traz essa idéia de que elas são prolongamentos do Poder Legislativo (Congresso Nacional). Afirma Hely Lopes Meirelles (1993, p. 472, apud SALGADO, 2001, p. 6):

[...] as comissões legislativas são um prolongamento da própria Câmara [leia-se Câmara e Senado], que as erige em órgãos técnicos, com a missão precípua de realizar estudos ou investigações e emitir pareceres especializados sobre as proposições que irão ser discutidas e votadas pelo plenário.

A partir dessa problemática, é proposto, ainda, neste trabalho, analisar a chamada cláusula de reserva de jurisdição, pela qual se afasta do espectro da CPI a produção de determinados atos na busca da construção das provas, posto que são monopolizados pelo Poder Judiciário (v.g. busca domiciliar, interceptação telefônica, decretação de prisão de qualquer pessoa, dentre outros).

Essas são as questões a serem debatidas, para as quais se utiliza da doutrina – na busca de amparo teórico – e jurisprudência – onde se revela o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria.


1 O PODER LEGISLATIVO E OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. LIMITES

Não surpreende que o objeto e as atividades da CPI devam respeitar os limites constitucionais e legais para que seja mantido, em seu âmbito, a legitimidade e o equilíbrio ético. Quais são esses limites? É o que passaremos a abordar.

Já se afirmou supra que a CPI não pode se tornar num bando de justiceiros que, com propósitos singulares, éticos, invadam a competência dos outros poderes e abusem os direitos individuais. Não. Elas, para andarem nos trilhos da legalidade, prendem-se a fato certo e a "questões relevantes, sem se transformar em instrumento de capricho, que antes cria demérito do que honra a [sic] função tão essencial do Poder Legislativo" (REALE JÚNIOR, 1994, p. 29, apud AZEVEDO, 2002, p. 43).

Como se sabe, a Constituição Federal de 1988, vislumbrando o princípio da separação dos poderes, deu a cada um deles (Legislativo, Executivo e Judiciário) determinadas funções típicas e, também, atípicas. É dizer, grosso modo: ao Poder Judiciário cabe a função jurisdicional; ao Executivo, a administração do Estado; e ao Legislativo compete tipicamente legislar (elaborar leis gerais e abstratas) e fiscalizar os atos da Administração Pública [03], nos termos dos arts. 70, 49, X, e 58 § 3º, todos da CF/88.

Assim, nessa estrutura organizacional, restou à instituição legislativa a fiscalização política e administrativa dos atos da Administração [04], cabendo à Comissão Parlamentar de Inquérito tal atividade estritamente investigatória, a fim de "apurar os fatos determinados que deram origem à sua formação" (art. 1º, caput, da Lei 1.579/52), que, para isso, pode, consoante o art. 2º da referida lei,

[...] determinar as diligências que reputarem necessárias e requerer a convocação de ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos, e transportar- se aos lugares onde se fizer mister a sua presença.

Quanto ao fundamento constitucional da CPI, o art. 58 da CF/88, em seu § 3º, traz, essencialmente, os três requisitos para a sua implantação, donde se extraem os limites à sua função investigatória, num processo de freios e contrapesos (checks and balances) com a finalidade de se evitar a sobreposição de competências, in verbis:

Art. 58, § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Como primeiro requisito, tem-se o requerimento de 1/3 dos membros do Congresso Nacional, ou, a depender da Casa onde será instalada a CPI, do Senado ou da Câmara dos Deputados. Ou seja, pode ser criada tanto pelas Casas em separado, quanto conjuntamente, sendo, chamada, neste caso, de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito.

O outro requisito é a individualização dos fatos a serem investigados. A amplitude da constituição dos fatos na CPI revela-se como tema polêmico. Isso porque há vários habeas corpus impetrados no STF contestando as Comissões por elas terem extravasado o determinado fato pelo qual deu a sua iniciação. Como a Constituição é clara quanto a essa impossibilidade, tem-se que a CPI, em suas investigações, realmente, não pode se afastar desse certo fato, sob pena de desvio de finalidade e a consequente nulidade de seus atos em sede de controle pelo Poder Judiciário.

Ainda quanto a esse ponto, não devemos entender como absolutamente impossível a ampliação do fato constitutivo da Comissão, permitido tão logo tenha uma dependência íntima com o fato motivador original e seja de interesse público [05]. De qualquer modo, vale a observação de Miguel Reale (1997, p. 105, apud AZEVEDO, 2002, p. 43):

[...] a investigação deve versar sobre fato determinado, [e] somente poderá ser juridicamente admissível se se reportar pelo menos a algo determinável ou certificável de maneira circunscrita e definida, e não de forma indiscriminada e ilimitada, dando lugar a atos abusivos, tanto mais graves quando estão em causa direitos fundamentais como aqueles supralembrados, relativos à liberdade, à vida privada e à imagem dos cidadãos.

A outra condição é o tempo certo de duração dessas CPI’s, pelo que se entende que, inobstante deva haver no início a delimitação do prazo, nada impede a sua prorrogação por quantas vezes necessárias forem às investigações, nos termos da Lei 1.579/52 [06]. Há apenas um limite maior para a conclusão dos trabalhos da Comissão, qual seja, o término do período da legislatura em que se iniciaram as atividades.

Completadas todas essas etapas, gera para os parlamentares que requereram a Comissão de Investigação o direito subjetivo à sua implementação, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal formado a partir do MS 24.831, Rel. Min. Celso de Mello, 22/06/2005, onde houve questionamento diante da recusa do Presidente do Congresso em dispor dos membros que formariam a CPI dos Bingos e a nossa Corte Suprema, baseada no princípio democrático e no direito de oposição, assentou que ele não poderia deixar de indicar os membros para compor a CPI.

Vistos os requisitos e suas peculiaridades para se ter uma CPI, devemos, neste momento, explicitar, genericamente, os limites constitucionais daí derivados, relegando para o tópico posterior as especificidades acerca das investigações dessas Comissões Parlamentares na busca incessante da verdade real.

Relembremos que as CPI’s servem, fundamentalmente, para angariar o máximo de informações possíveis, encerrando-se as suas atividades no relatório final da investigação, a ponto de fornecer, se for o caso [07], ao Ministério Público base o suficiente para este tomar as providências cabíveis para responsabilizar civilmente ou criminalmente o infrator. Mas, como bastante salientado, o poder de tais comissões se limita ao poder do próprio Legislativo, não podendo adentrar nos atos de natureza tipicamente jurisdicional, sob pena de se violar dispositivos constitucionais, a exemplo da separação dos poderes e os direitos individuais.

Sendo assim, qual o real alcance do § 3º, art. 58, CF, quando diz que as CPI’s terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas? Essa indagação se torna importante, afirma Alexandre de Moraes (2006), ao passo que as autoridades judiciais no direito brasileiro não possuem plenos poderes investigatórios.

É dizer: inexiste, em tese, a figura do juiz-investigador, em face de termos um processo acusatório, onde há separação clara entre o juiz e o órgão acusador/investigador (Polícia Federal e Civil e Ministério Público). Melhor seria, conforme o autor citado, nos referirmos a poderes instrutórios dos juízes, que bem delimita a questão. De qualquer forma, há que se fazer a comparação entre o integrante da CPI com aquele magistrado que conduz o processo penal.

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Disso se extraem dois polos, sendo um positivo e outro negativo: a) as medidas permitidas à CPI (competência), como a oitiva de testemunhas e indiciados, inclusive com a coerção de sua condução se necessária, e a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico; e b) as medidas não permitidas à CPI (incompetência), posto que incompetentes frente a certos limites ditados pela cláusula de reserva de jurisdição [08] (onde somente o Poder Judiciário é competente a tomar certas medidas), tais como não poder, a Comissão, determinar qualquer espécie de prisão, ressalvada a em flagrante, determinar medidas cautelares de ordem penal ou civil, determinar a busca e apreensão domiciliar de documentos, autorizar a interceptação das comunicações telefônicas (a popular "escuta") ou mesmo proibir a assistência jurídica àqueles chamados durante a investigação, sob pena de controle por parte do Poder Judiciário.

É o que passaremos abordar mais detidamente no tópico que se segue.


2 INSTRUÇÃO PROBATÓRIA: UMA CPI PARA AS CPI’s

A idéia (abstrata, diga-se) de uma CPI frente às outras CPI’s demonstra, com perfeição, que a investigação perpetrada por uma determinada Comissão deve-se pautar pelos limites consagrados na nossa Carta Maior (além da prudência, moderação e adequação), essencialmente o princípio da divisão dos poderes e direitos individuais, conforme já salientado, sob a máxima pena de todo procedimento abusivo ali formado ser, legitimamente, anulado em sede de controle jurisdicional [09].

Para se evitar uma constante "investigação" da Comissão Parlamentar, o Min. Sepúlveda Pertence, no MS 23.466-1, j. 01/07/1999, aponta a imprescindibilidade da exposição dos motivos determinantes que ensejaram a CPI, posto que "um de seus freios mais eficazes é precisamente o da motivação de suas decisões, as quais [...] não se reduzem aos julgamentos, mas se manifestam também no exercício do poder instrutório".

Mas, como por diversas vezes dito, a prática dos atos por essas Comissões adstringem-se à cláusula de reserva de jurisdição, que monopoliza certos atos no Poder Judiciário e que, por isso mesmo, revela-se incompetente a CPI requisitá-los. São atos que cabem ao Judiciário dizer a primeira e última palavra, excluindo-se todos os outros órgãos do Estado.

Elencaremos adiante alguns meios de provas permitidos à CPI (competência) e outros não permitidos (incompetência). Antes, porém, há que se ter em mente que, além da apreciação das provas levar em consideração o "conhecimento objetivo" (respeito aos ditames legais e técnico-procedimentais), tem-se o paradigma do "conhecimento tácito", que significa um "saber subjetivo" e "se refere: a) às teorias aceitas pelo parlamentar; b) às ideologias políticas e partidárias do grupo parlamentar ao qual pertença o deputado; c) às crenças desse parlamentar e às experiências por ele acumuladas" (CARVALHO, 2005, p. 12).

2.1 COMPETÊNCIA

Como a Constituição limitou-se a dizer que as CPI’s terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, coube à jurisprudência do STF delimitar esses poderes instrutórios da investigação parlamentar, frente aos seguintes casos concretos submetidos à sua apreciação.

A CPI pode convocar particulares e autoridades públicas [10] para depor, na condição de testemunhas ou investigados. Para tanto, pode-se valer da condução coercitiva caso o depoente, na condição de testemunha, se negue a comparecer.

Mister notar, como faz Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2007, p. 406), que tal coerção não se aplica ao convocado na condição de investigado, em virtude do princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere) [11]. De qualquer maneira, não se pode impedir que testemunha ou investigado esteja acompanhado de advogado, pois indispensável à administração da justiça (art. 133, CF/88).

Quanto aos direitos dos depoentes, eles podem ficar calados durante o interrogatório, invocando o direito ao silêncio (art. 5º, inc. LXIII), posto que ninguém é obrigado a depor contra si mesmo, independentemente de ser testemunha ou investigado [12], não se podendo falar, a princípio, em relação àquela, quando silente, em crime de falso testemunho [13]. Importante observar que aquele que tem direito ao sigilo profissional, apesar de ser obrigado a comparecer à CPI, pode sempre invocá-lo, quando for o caso, a fim de permanecer em silêncio.

Ademais, note-se que as atividades perpetradas pela Comissão Parlamentar têm caráter meramente inquisitório, para futura acusação a ser impulsionada pelo Ministério Público, razão pela qual os depoentes não possuem direito ao contraditório nessa fase investigatória (PAULO; ALEXANDRINO, 2007, p. 406).

A Comissão pode, também, determinar diligências, perícias e exames e requisitar documentos que entenda necessários, desde que, como ressalta Pontes de Miranda (1970, p. 60, apud KIMURA, 2001, p. 82), indispensáveis à investigação [14]. Aqui, temos que ter em mente que a busca e apreensão de documentos e informações outras que venham a dar subsídios à investigação parlamentar não pode ser de tal forma que implique violação ao domicílio da pessoa, já que é de competência exclusiva do Judiciário essa prerrogativa (art. 5º, inc. XI, CF/88).

Ademais, negar a entrega de documento requisitado caracteriza crime de desobediência (art. 330, CP), "salvo se: a) por lei o responsável pela guarda dos documentos estiver desobrigado ou; b) os documentos comprovarem seu envolvimento no fato ilícito investigado (garantia contra a auto-incriminação [sic])" (KIMURA, 2001, p. 52).

Há, ainda, a possibilidade de a CPI determinar a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico do investigado, desde que expostos os motivos que justifiquem a adoção da medida [15]. Primeiramente, devemos diferenciar quebra de sigilo telefônico (permitido) de interceptação das comunicações telefônicas, que é a popular "escuta" (não permitido).

Quebra de sigilo telefônico significa obter os dados constantes nos registros telefônicos da pessoa, tais como informações sobre a data da chamada telefônica, horário, número, valor, duração, ou seja, todos aqueles que constam nas contas telefônicas. Já a interceptação ou escuta se dá sobre o conteúdo da conversa, que fora gravada pela autoridade policial competente, e que não podem ser violadas pela CPI, em vista do art. 5º, inc. XII, CF/88 (cláusula de reserva de jurisdição).

Como em todos os atos perseguidos pela Comissão Parlamentar que deduza restrição de direito, a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico somente terão legitimidade caso sejam pertinentes e imprescindíveis à investigação, com a devida fundamentação e limitação temporal e qualitativa (maioria absoluta dos membros da CPI) [16].

No mais, valem as conclusões de Cássio Juvenal Faria e Luiz Flávio Gomes (2000, p. 12, apud KIMURA, 2001, p. 73/74):

O fundamental, nesse âmbito, é: a) jamais ultrapassar o instransponível limite da "reserva jurisdicional constitucional" [...]; b) impedir, em nome da tutela da privacidade constitucional (art. 5º, X), a publicidade do que é sigiloso [...] [cf. MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 16/09/1999]; c) [...] a CPI não pode adotar nenhuma medida assecuratória real ou restritiva do jus libertatis [...].

Cabe dizer, em complemento, que o STF, no ACO 730/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 22/09/2004, firmou precedente importante, tanto por entender que as CPI’s estaduais tem competência para determinar a quebra, naquele caso, de sigilo bancário, tanto por reforçar que o art. 58, § 3º, CF/88, é norma extensível a todos os entes federais (União, Estado, Distrito Federal e Município), o que levou Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2007, p. 408) a concluírem, de forma precisa, que

[...] na realidade, todas as orientações firmadas pelo Supremo Tribunal Federal acerca da atuação e poderes das comissões parlamentares de inquérito das Casas do Congresso Nacional são, também, aplicáveis às CPIs criadas no âmbito dos Legislativos dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

De mais a mais, são permitidas às Comissões de Inquérito, além de outras atividades que se reportem necessárias – sempre tendo como norte as delimitações apontadas supra (como a cláusula de reserva de jurisdição) –, exercerem o direito de interpelação, para que Ministros de Estado compareçam à CPI a fim de esclarecer assuntos governamentais que estejam em pauta, bem como qualquer outra autoridade federal, estadual ou municipal; efetuar inspeções, possibilitando que seus integrantes dirijam-se aos locais de investigação; realizar acareação, a fim de dissipar declarações divergentes; requerer ao Tribunal de Contas informações e auditorias, tudo conforme o art. 2º, da Lei 1.579/52 [17].

2.2 INCOMPETÊNCIA

Repita-se que todos os poderes dados às Comissões devem absoluto respeito à multicitada cláusula de reserva de jurisdição, pela qual o Judiciário tem a sua reserva de competência, como já visto. Sendo assim, vários são os atos os quais a Comissão Parlamentar de Inquérito é incompetente para levar adiante.

As CPI’s não podem determinar qualquer espécie de prisão, ressalvada a em flagrante. Ora, fácil perceber que a prisão temporária, preventiva ou qualquer outra (exceto a em flagrante) são prerrogativas exclusivas do Poder Judiciário, sendo que somente é permitida aquela em flagrante porque qualquer pessoa do povo pode fazê-la (art. 301, CPP). A respeito da prisão por falso testemunho, tem-se que é ilegítima tanto em face de investigado, quanto sobre qualquer depoente que silencie fatos que possam incriminá-lo (proteção contra a self-incrimination), a não ser que, como aponta Alexandre Issa Kimura (2001, p. 67), "[...] o depoimento não configure auto-incriminação [sic] e seja respeitada a diretriz contida no art. 307 do Código de Processo Penal" [18].

Além disso, não é permitido à Comissão Parlamentar determinar medidas cautelares de ordem penal ou civil, posto que dentro dos "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais" não está contido o "poder geral de cautela judicial", este exclusivo do Judiciário e somente a ele permitido, v.g., a apreensão, sequestro, arresto, prisão preventiva e temporária, hipoteca judiciária, indisponibilidade de bens, proibição de se afastar do país, liminares, antecipação de tutela, etc.

Também, como já visto, a CPI é incompetente para determinar a busca e apreensão domiciliar de documentos, haja vista a garantia constitucional de inviolabilidade de domicílio (art. 5º, inc. XI), e para autorizar a interceptação das comunicações telefônicas ("escuta"), pois esta determinação deve obediência ao do art. 5º, inc. XII, CF/88, cingida, portanto, pela cláusula de reserva de jurisdição.

Por fim, necessário dizer que, na busca da verdade real através das instruções probatórias das Comissões, acaso haja lesão ou ameaça a direito, decorrente da não observância pela CPI dos limites da sua competência, expostos acima, todo e qualquer desvio jurídico-constitucional-legal fica submetido à atividade de controle judicial, "sem que isso caracterize situação de ilegítima interferência na esfera orgânica de outro Poder da República", conforme se extrai do excelente voto do Min. Celso de Mello, no MS 24.831/DF, julgado em 22/06/2005.

E quem faz o papel de "CPI das CPI’s", ou seja, quem fiscaliza e exerce o controle jurisdicional dos atos das Comissões, é o Supremo Tribunal Federal, em sede de Mandado de Segurança e Habeas Corpus, consoante a exegese do art. 102, I, i, CF, tendo como norte a razoabilidade, proporcionalidade e análise da motivação expressada pela Comissão em suas elucubrações.

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Sobre o autor
Ricardo Diego Nunes Pereira

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós-graduado em Direito do Estado (Constitucional, Administrativo e Tributário). Foi secretário-geral da Comissão de Combate ao Aviltamento de Honorários Advocatícios da OAB/SE. Autor de artigos e livros de interesse jurídico. Autor do livro “Direito Judicial Criativo: ativismo constitucional e justiça instituinte”, com menção no Library of Congress, nos EUA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Uma CPI para as CPIs.: Os limites constitucionais das comissões parlamentares de inquérito e a instrução probatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2410, 5 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14302. Acesso em: 21 nov. 2024.

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