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A execução fiscal administrativa.

A nova sistemática executiva nos termos do Projeto de Lei nº 5.080/2009

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As alterações na sistemática da execução dos créditos públicos, em especial os créditos tributários, é assunto de grande relevo para a sociedade atual. Vivemos em um Estado de Bem-Estar Social e, para que este possa prestar os serviços de assistência à comunidade, é essencial que sejam recolhidos os tributos. Desse modo, a implantação de um modelo de cobrança célere e eficaz traria não só reflexos positivos para o bom funcionamento da máquina estatal, como também poderia contribuir para o melhoramento da qualidade de vida da população brasileira, ao passo que as verbas públicas para investimento restariam maiores. No entanto, se há um bom projeto para o melhoramento da sistemática das chamadas Execuções Fiscais, tal não é o constante do Projeto de Lei ("PL") nº 5.080, de 20.04.2009, como se passa a demonstrar.

Atualmente, a execução dos créditos públicos (fiscais ou não) é realizada por meio de um processo judicial, regulado pela Lei nº 6.830, 22.09.1980 (Lei de Execuções Fiscais – "LEF"). Tal rito, em virtude de sua elevada formalidade, apresenta-se como um sistema, consideravelmente, moroso e caro, o que levou a União Federal a não executar créditos inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Em incremento a isso, alguns estudos, como o divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2005 - "Justiça em Números" - mostram dados fáticos que revelam tal situação: (i) as execuções fiscais representam mais da metade dos processos judiciais em curso no Poder Judiciário; (ii) a taxa média de encerramento de tais litígios é inferior a 50%; (iii) no âmbito da PGFN, estima-se que o tempo médio do processo administrativo gira em torno de 4 (quatro) anos, enquanto a fase judicial leva em média 12 (doze) anos para ser concluída.

É nesse cenário e com esse "espírito" (dar celeridade a arrecadação) que tramita no Legislativo federal o PL nº 5.080/09.

No entanto, apesar da boa intenção (o aumento da arrecadação) tal proposta é extremamente perigosa e prejudicial aos contribuintes porque possibilita às fazendas federal, estaduais, distrital e municipais o bloqueio administrativo de valores existentes em contas bancárias e investimentos financeiros, bens móveis e imóveis e até os rendimentos de pessoas físicas ou jurídicas que tenham débitos inscritos em dívida ativa. Em resumo, a lei, se aprovada, permitirá a penhora administrativa de bens pelo ente tributante, sem a necessidade de processo judicial. Um verdadeiro descalabro, tendo em vista a conjuntura da atual Administração Pública brasileira, que, a todo momento, comete erros e protela a resolução dos mesmos.

Em seu Capítulo I, o PL nº 5.080/09 estabelece as disposições gerais do sistema proposto, expondo que após a inscrição do débito em dívida ativa da Fazenda Pública, pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do débito, será realizada a investigação patrimonial dos devedores (art. 4º). Para a realização dessa tarefa, o art. 5º institui a criação, pelo Poder Executivo, de um novo cadastro interligado com os órgãos de registro público, administrado pelo Ministério da Fazenda, chamado de Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes ("SNIPC"). Tal sistema dará à Administração acesso a informações dos contribuintes, como patrimônios, rendimentos, endereços e os resultados dessa investigação patrimonial serão disponibilizados ao órgão responsável pela cobrança da dívida, para que este possa promover a execução. Trata-se de violação patente ao direito à intimidade, com legitimação da quebra de sigilo, tão combatida durante a ditadura e, hoje, resgatada por nossos tribunais e legisladores constitucionais.

O Capítulo 2 trata dos modos pelos quais se darão os procedimentos administrativos para a execução. O devedor, notificado da dívida ativa (notificação que interrompe a prescrição), terá as opções de efetuar o pagamento, solicitar o parcelamento ou prestar garantia integral do crédito por meio de depósito administrativo ou fiança bancária (art. 5°). Aquele que não optar por uma dessas formas no prazo de 60 (sessenta) dias, por força dos parágrafos 4º e 6º do art. 5º, estará obrigado a relacionar ao órgão responsável seus bens e direitos, devendo a Fazenda Pública, então, iniciar os atos de constrição preparatória necessários à garantia da execução.

A autoridade administrativa ordenará a efetivação da constrição preparatória, com a necessária avaliação dos bens (art. 9º), sendo proibida a alienação e a constituição de ônus sobre esses bens (art. 9º, § 2º). A partir desse momento, a Fazenda Pública deverá, no prazo de 30 (trinta) dias, providenciar o ajuizamento da execução fiscal, conforme previsto no art. 13. O juiz competente, então, pronunciar-se-á a respeito da constrição preparatória, devendo o despacho que deferir a inicial promover a convolação daquela em penhora, a citação e o registro da penhora ou arresto (art. 13, § 7º).

O executado, caso se sinta lesado, poderá opor impugnação pedindo a sustação ou adequação da constrição preparatória, e embargos à execução após a citação, adotando-se o mesmo regime da execução de título extrajudicial. O devedor terá, ainda, a opção de questionar a legitimidade da dívida por ação autônoma, que será proposta ao juiz da execução, em uma nítida tentativa de conexão entre a ação executiva e a ação de conhecimento.

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Para os idealizadores do PL nº 5.080/09, a proposta oferecerá uma integração da fase administrativa da cobrança do crédito (uma fase conturbada, como bem sabem contribuintes e advogados, na medida que até a prática de atos prosaicos como acesso aos autos do processo e o simples protocolo de uma petição ou ciência de um despacho no órgão em que se encontram os autos dependem de agendamento, impedimento de acesso a pessoas com poder decisório) com a subseqüente fase judicial (alegada ser a mais morosa), evitando a duplicidade de atos e reservando ao exame e atuação do Poder Judiciário apenas as demandas que tenham alguma base patrimonial para a execução forçada, consoante consta do EM Interministerial nº 186/2008 – MP/AGU.

Deve-se considerar que a Fazenda Pública, que já apresenta um quadro de funcionários insuficiente, certamente ficará mais sobrecarregada com a possível mudança legislativa. Parte do trabalho que hoje se encontra sob os cuidados do Poder Judiciário passarão a ser competência da Administração. O projeto, então, peca ao deixar de considerar as possibilidades e conseqüências práticas das modificações previstas, como a necessidade de qualificação e incremento da mão-de-obra para fazer frente ao incremento de trabalho.

Para o contribuinte, a (im) possível alteração legislativa trará algumas restrições ao exercício do contraditório administrativo. Além de o projeto prever a absoluta presunção de validade da notificação entregue no endereço declarado ao Fisco, ela dificulta a defesa em caso de abusos e arbitrariedades. O valor objeto do débito será inserido diretamente na dívida ativa e, para contestar, o contribuinte terá que depositar a quantia administrativamente. Somado a isso, o contribuinte perderá a oportunidade de alegar a inconstitucionalidade de algum tributo cobrado, já que a esfera administrativa não tem competência para analisar a constitucionalidade de leis, nem mesmo em casos concretos.

Nesse diapasão, na nossa opinião, o próprio Projeto de Lei é inconstitucional porque é expresso em nossa Constituição Federal, no art. 5º, inciso XXXV, que: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", além de usurpar competências que deveriam ser tratadas por Leis Complementares, como é o caso da prescrição (bastando olhar o histórico da Súmula Vinculante nº 8, do egrégio Supremo Tribunal Federal). Sem sombra de dúvidas, permitir a constrição de bens por vias administrativas é abolir a avaliação do Judiciário, o que violaria a proposta constitucional vigente. Assim, é com olhar, no mínimo, de desconfiança que será observada a possibilidade de invasão de patrimônio pelo próprio credor.

Em suma, o PL nº 5.080/09, se aprovado, trará dificuldades práticas e violações à esfera de proteção do indivíduo que levaram séculos para serem conquistados. Do mesmo modo, é de se considerar que todos os benefícios pontuais que ele visa proporcionar (se é que há algum) podem ser implantados mesmo sem a adoção d e um novo sistema de cobrança. Fato é que, independentemente do modelo a ser implementado, as discussões a respeito da situação da cobrança fiscal pela Fazenda Pública mostrou alguns problemas que urgem serem solucionados, podendo ser citados o acesso à informação dos contribuintes, ausência de políticas públicas de estímulo ao pagamento espontâneo, duração excessiva dos processos, dificuldades para manutenção de um sistema garantidor de dupla instância de cobrança etc. Medidas como investimento em tecnologia de informação e capacitação do funcionalismo público, concorrendo com estudos diferenciados e pequenas alterações processuais, podem ser um ponto de partida mais eficiente para um modelo que supere as barreiras da ineficácia.

O projeto proposto dificilmente obterá sucesso em seu objetivo de implantação de um modelo que vença a morosidade e ineficácia do sistema de cobrança atual, pois a forma de execução, que mantém as mesmas insuficiências hoje já demonstradas não proporcionará mudanças substanciais. Muito pelo contrário, manterá, com uma roupagem diferente, sob uma nova competência, a mesma estrutura falha hoje apresentada, apenas inviabilizando o direito de defesa do contribuinte.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BRASIL. Projeto de Lei nº 5.080, de 20 de abril de 2009. Senado Federal/DF;

BRASIL. EM Interministerial nº 186/2008 - MF/AGU, de 10 de novembro de 2008;

CENOFISCO. Contribuintes Podem ter seus Bens Administrativos Penhorados. Disponível em: <http://www.cenofisco.com.br/destaque/contribuintes_penhora.asp>. Acesso em: 09 nov. 2009.

COUTO, José Roberto Marques. Nova lei de execução fiscal sobrecarregará PGFN. Disponível em: <http://blig.ig.com.br/datafanning/2009/08/04/nova-lei-de-execucao-fiscal-sobrecarregara-pgfn/>. Acesso em: 09 nov. 2009.

CRISTO, Alessandro. Projeto do Fisco permite execução administrativa. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2009-mai-09/projeto-fisco-permite-penhora-bens-acao-judicial>. Acesso em: 09 nov. 2009.

DCI. Empresa com débitos fiscais podem ter penhora sem aviso. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1112252/empresa-com-debitos-fiscais-podem-ter-penhora-sem-aviso>. Acesso em: 09 nov. 2009.

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Sobre os autores
Antônio Carlos da Cunha Gonçalves

Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, pós graduando em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho - UGF, advogado e consultor jurídico no Rio de Janeiro

Antonio Henrique Albani Siqueira

Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, estagiário de direito no Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Antônio Carlos Cunha ; SIQUEIRA, Antonio Henrique Albani. A execução fiscal administrativa.: A nova sistemática executiva nos termos do Projeto de Lei nº 5.080/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2447, 14 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14502. Acesso em: 23 dez. 2024.

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