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Assédio moral nas relações de trabalho e o sistema jurídico brasileiro

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13/03/2010 às 00:00
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CAPÍTULO III

A inobservância das normas de proteção do trabalho é, infelizmente, constante nas relações laborais, ensejando o surgimento de um infindável número de demandas ajuizadas na Justiça do Trabalho, todos os anos.

Dentre tais normas desrespeitadas pelo tomador dos serviços, estão as concernentes à vedação ao assédio moral no trabalho, restando, não raro, ao trabalhador recorrer à tutela jurisdicional para o reestabelecimento de seu direito violado.

Outrossim, constata-se a existência de uma falta de confiança em outros meios de solução de conflitos e, até mesmo, uma cultura, arraigada sobretudo entre o empresariado, de que uma demanda em juízo é menos onerosa do que a autocomposição ou ajustamento da conduta aos ditames legais. Isso gera uma intolerância a qualquer espécie de solução que não a imposta pelo Judiciário, por trazer vantagens ao empregador [80].

Essas vantagens, como ilustra José Cláudio Monteiro de Brito Filho [81], são as mais variadas, podendo ser citadas, exemplificativamente, a possibilidade de acordo que diminua o valor devido ao trabalhador, a possibilidade de não conseguir o obreiro provar o descumprimento das normas laborais e, quando se trata de lesão em massa aos direitos trabalhistas pelo empregador, a probabilidade de que muitos destes não ajuízem ação judicial reivindicando a reparação dos danos sofridos.

Assegura a Constituição da República a inafastabilidade da jurisdição, ao dispor, em seu art. 5º, inciso XXXV, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Todavia, no plano fático das relações de trabalho, o direito de ação assegurado individualmente ao trabalhador encontra alguns obstáculos. O primeiro reside no fato de que inexiste proteção contra a despedida arbitrária, e, como consequência, raramente o trabalhador promove ação na Justiça do Trabalho durante a vigência do pacto laboral. Ademais, outras barreiras existem à busca da tutela jurisdicional pelo obreiro, tais como o temor de formação de "listas negras" [82], a dificuldade na colheita de prova (notória nas hipóteses de "mobbing"), e a vulnerabilidade do trabalhador, desprovido, não raro, de condições de arcar não só com as dificuldades, incertezas e longa tramitação do processo, como com o próprio sustento. Todos esses obstáculos reduzem a efetividade do sistema de acesso à jurisdição garantido individualmente ao trabalhador.

Assim, exsurge a importância das ações coletivas na Justiça do Trabalho, que, tendo como legitimados entes coletivos, legalmente previstos, protege os interesses dos trabalhadores sem, no entanto, expô-los a retaliações dos empregadores, assegurando o efetivo acesso à justiça na seara trabalhista.

Neste ponto, cabe-nos analisar, de modo individualizado, as tutelas jurisdicionais, individual e coletiva, como instrumentos de proteção contra o assédio moral nas relações trabalhistas.

4.1.TUTELA JURISDICIONAL INDIVIDUAL

Na seara das relações laborais, a busca da tutela jurisdicional contra práticas de assédio moral dá-se em regra pelo sistema de acesso individual à Justiça do Trabalho, assim como ocorre na grande maioria das contendas trabalhistas levadas a juízo. É decorrência do entendimento que permeia o tradicional sistema de jurisdição individual de que aquele que teve seu direito lesado é que deve buscar sua reparação pela via judicial.

Além das dificuldades do trabalhador hipossuficiente na produção de provas, do risco de ser inserido em listas discriminatórias (as malfadadas "listas negras") e das inconveniências inerentes a qualquer processo judicial, podemos acrescentar outras desvantagens dessa via de acesso à jurisdição. Uma delas é que a tutela individual não protege efetivamente o direito. Como em quase todos os casos o trabalhador apenas busca a tutela jurisdicional quando o liame empregatício foi extinto, a proteção acaba servindo, na maioria das situações, apenas para reparar a lesão já ocorrida (tutela ressarcitória), não tendo o condão de evitar novos danos.

Outra inconveniência é que essa via não constitui um instrumento sistemático no combate ao assédio moral. Considerando que a tutela judicial é exercida de forma difusa, sendo analisado isoladamente cada caso de assédio moral no trabalho levado a juízo, não se conseguem combater de forma coordenada tais práticas. Desse modo, não são alcançados efeitos preventivos relevantes, mas apenas compensações isoladas pelos danos perpetrados.

Não obstante todos esses pontos negativos, a tutela jurisdicional pela via individual não pode ter sua importância olvidada, por constituir um meio constitucionalmente assegurado de reparo ao dano individualmente sofrido pelo trabalhador. Ademais, em tese, também pode ter escopo inibitório, evitando a continuação da prática do assédio moral em curso durante a relação de trabalho, pois, conquanto existentes graves empecilhos fáticos, juridicamente nada obsta o ajuizamento de reclamação trabalhista durante a vigência do pacto laboral.

4.2. TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA

No âmbito laboral, a tutela jurisdicional individual na qualidade de instrumento de combate ao assédio moral, como já estudado, tem efetividade mitigada.

Por essa razão, emerge a tutela jurisdicional coletiva ou metaindividual como instrumento hábil de defesa do grupo de trabalhadores contra prática de atos de assédio moral nas relações trabalhistas.

Considerando a hipossuficiência do trabalhador, que evidencia uma desigualdade fática nas relações entre capital e trabalho, e tendo em vista que vige no sistema constitucional pátrio a proteção da igualdade substancial, assinala Raimundo Simão de Melo [83] que, na jurisdição coletiva, "essa desigualdade diminui e, com isso, o direito passa a ser mais funcional e de fácil operacionalização, tendo, pois, maior eficácia".

Na esfera trabalhista, essa tutela pode ser buscada pelo Ministério Público do Trabalho e pelos sindicatos, sempre que houver assédio moral praticado contra grupo de trabalhadores ou que, de algum modo, possa ser enquadrado como lesão a direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos [84] no âmbito das relações laborais.

Por ser instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da Constituição da República), o Ministério Público do Trabalho tem fundamental atuação no combate às práticas discriminatórias no trabalho. Pode valer-se, para esse fim, do importante instrumento de acesso à tutela jurisdicional previsto no art. 129, inciso III, da Constituição: a ação civil pública. No âmbito infraconstitucional, esse instrumento é disciplinado pela Lei n. 7.347/85 (que dispõe sobre a ação civil pública) e arts. 81 usque 104 do Código de Defesa do Consumidor (aplicável subsidiariamente por força do art. 16 da Lei n. 7.347/85). Por fim, arremata o arcabouço normativo da ação civil pública a Lei Complementar n. 75/93, especificamente no que concerne à atuação do Ministério Público do Trabalho nessa seara.

Valendo-se desse instrumento, regulado pela Lei n. 7.347/85, o Ministério Público do Trabalho pode salvaguardar os direitos violados dos trabalhadores, sem expô-los, pois, como sublinha Sandra Lia Simón [85], a atuação do Ministério Público, mediante ação civil pública ou por qualquer outro meio processual, "não identifica o trabalhador atingido ou prestes a ser atingido por lesão, evitando que sofra consequências persecutórias típicas, tais como demissão e as ‘péssimas informações’ (fornecimento de informações a esse respeito para possíveis futuros empregadores)".

Impende, a título de exemplo, destacar alguns objetivos que podem ser perseguidos nessas ações coletivas, em situações específicas, com o intuito de coibir o assédio moral no trabalho:

a) a abstenção de determinado empregador realizar assédio moral de cunho discriminatório contra seus empregados, em razão de origem, cor, raça, sexo, estado civil, idade, aspecto físico, gravidez, orientação sexual, estado de saúde e aparência física;

b) a abstenção de empresas praticar mobbing contra empregados que detém estabilidade, com o intuito de desestabilizá-los emocionalmente e forçar um pedido de demissão;

c) a cessação da prática de assédio moral como sistema de gestão e de organização do trabalho [86];

d) O pagamento de indenização por danos morais coletivos em razão da prática de assédio moral pelos empregadores ou prepostos contra empregados, com escopo reparatório (reparar o dano moral sofrido pela coletividade de trabalhadores), pedagógico (com o intuito de coibir a reiteração das mesmas práticas repugnadas) e sancionatório (objetivando punir o infrator).

A defesa coletiva dos direitos dos trabalhadores também pode ser exercida em juízo pelas entidades sindicais, mas restritamente às categorias que representam, conforme autoriza o art. 8º, inciso III, da Constituição da República.

O art. 5º da Lei n. 7.347/85, por sua vez, confere legitimidade aos sindicatos para ajuizar ação civil pública, disponibilizando-lhes tão importante instrumento de efetivação de direitos, podendo ser usado, com eficácia, no combate ao assédio moral no trabalho.


CAPÍTULO IV

A prática de assédio moral tem sido, infelizmente, constante nas relações de trabalho, configurando manifesta violação aos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção ao trabalhador e, acima de tudo, de resguardo da dignidade da pessoa humana.

Em contrapartida, a denúncia desse tipo perverso de comportamento tem tomado fôlego, embora, deve-se reconhecer, em proporção muito aquém para ser capaz de motivar a supressão do mobbing no trabalho, sobretudo considerando a fragilidade hodierna das relações trabalhistas, ante a ameaça do desemprego e a instabilidade econômica do trabalhador. Daí a escassez de julgados envolvendo o assédio moral no trabalho.

Diante desse panorama, o trabalhador quando busca a tutela jurisdicional do Estado para reestabelecer o direito violado pela prática do assédio moral, normalmente o faz após a extinção do liame empregatício, com finalidade reparatória.

Conquanto a tutela jurisdicional inibitória seja a mais adequada ao combate desse comportamento nefasto contra o trabalhador, não deve ser olvidada a importância do deferimento de indenizações pelo Judiciário, pois estas não se restringem apenas à reparação do direito violado, mas também têm função preventivo-pedagógica, de cunho específico e geral, ou seja, a indenização imposta tem o fito de, cumulativamente com a reparação individualmente sofrida, prevenir novas práticas de assédio moral pelo empregador sancionado (função preventivo-pedagógica específica) e pelos demais empregadores, que temerão similar condenação caso pratiquem esses repudiados atos (função preventivo-pedagógica geral).

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A jurisprudência, antes mesmo da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, já sedimentara o entendimento de que cabe à Justiça do Trabalho, no exercício de sua competência constitucional, julgar e processar ação versando sobre o ressarcimento por dano moral ajuizada por trabalhador contra o seu empregador, por se tratar de uma controvérsia decorrente do liame empregatício estabelecido entre os litigantes.

A Emenda Constitucional n. 45, de 2004, por sua vez, pôs uma pá de cal em qualquer discussão acerca do tema, ao acrescentar o inciso VI ao art. 114 da Constituição da República, in verbis:

"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

(...)

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

(...)"

A Justiça do Trabalho tem reconhecido o dano causado ao trabalhador pelo assédio moral, considerando seus maléficos efeitos à saúde física e psíquica e à auto-estima profissional e pessoal do obreiro, inclusive com reflexos no seio familiar e social.

Os juízes e tribunais, para considerar caracterizado o mobbing no ambiente laboral, normalmente têm exigido que a conduta abusiva do empregador seja reiterada ou sistematizada, em ação desenvolvida estrategicamente para desestabilizar psicologicamente a(s) vítima(s).

Nesse sentido, é oportuno destacar o seguinte julgado da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em grau de recurso ordinário:

"DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. OCIOSIDADE IMPOSTA. ADESÃO A PDV.

Cabe reparação por danos morais, em razão de assédio moral no trabalho, a exposição humilhante e vexatória de empregado colocado em ociosidade, em local inadequado apelidado pejorativamente de "aquário" pelos colegas, além da alcunha de "javali" (já vali alguma coisa...) atribuída aos componentes da equipe dos "encostados", mesmo que isso decorra de processo de reestruturação do setor ferroviário. Mormente quando o propósito da inatividade é minar as resistências do trabalhador, a fim de obter adesão ao PDV proposto. Reforça essa idéia, o fato de que, não bastassem as circunstâncias do ócio impositivo, o empregador volta a carga, concedendo licença remunerada indefinidamente, até conseguir o intento demissional. Aflora patente o sentimento de desvalia, sobretudo em se tratando de empregada com mais de vinte anos de casa que sempre ocupou cargo de destaque na empresa. Afinal, o trabalho, afora sua concepção divina, é meio de conferir cidadania e dignidade à pessoa humana, inclusive é fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro (art. 1º, II, III, IV, CF/88). Sentença mantida [87]."

Trata o referido julgado de uma sequência de atos praticados pela empresa reclamada, com o objetivo de desestabilizar emocionalmente a reclamante, de modo a criar uma situação em que a mesma não mais suportasse e aderisse ao plano de demissão voluntária apresentado pela empresa, ou ocasionasse uma justa causa para ensejar a dispensa sem pagamento de indenização à reclamante, em evidente prática de assédio moral.

A situação apresentada pela reclamante foi a de que, "em face de reestruturação da reclamada, foi transferida para Campinas em maio de 1999, tendo sido designada para comparecer ao prédio da antiga Estação Ferroviária e, juntamente com outros colegas, ficar numa sala (mezanino), apelidado de "aquário", onde todos permaneciam ociosamente, durante todo o expediente, sem atividade alguma; situação que perdurou até novembro de 1999. Depois, foram remanejados para outro prédio antigo, conhecido como "porão", ambiente insalubre, permanecendo na mesma condição de ociosidade. Por isso, ganharam a alcunha de "javali" ("já vali alguma coisa" ou algo parecido...) [88]."

A prática desrespeitosa da empresa foi muito bem retratada por uma das testemunhas:

"... que no "aquário" havia mesa e cadeira, sendo que apenas as cadeiras eram individuais e as mesas, chegavam a ser divididas; que os funcionários tinham mobilidade e acesso a um corredor, de onde saíam as demais dependências da empresa, onde os funcionários da "ativa" estavam trabalhando; que no "aquário" não havia computadores, nem acesso à internet; que por algum tempo, ficaram inclusive, sem linha telefônica externa; que os colegas que não integram o "aquário" discriminavam os colegas que o compunham, uma vez que eram tachados de serem funcionários recebendo sem fazer nada enquanto os colegas da "ativa", estavam sobrecarregados; que referidos colegas nem mesmo dirigiam a palavra aos antigos colegas em razão de poderem ter tal atitude mal vista pela administração da reclamada; que os funcionários do "aquário" eram chamados de "javali" ("já vali alguma coisa"); que, os mesmos, até chegaram a duvidar se integravam ou não o quadro da reclamada porque estavam em situação de baixa auto-estima; que a situação do "aquário" perdurou por cerca de 4 meses; que, depois, foram para uma sala na plataforma do trem, permanecendo até aproximadamente novembro, sendo que depois foram para o porão; que o trabalho continuou inexistente e as instalações eram semelhantes às acima relatadas; que os dirigentes da reclamada não compareciam ao "aquário" para qualquer determinação;... que as mesmas situações relatadas pela depoente deram-se com a reclamante; que ambas trabalhavam no setor financeiro da reclamada; que durante o período em que permaneceram no "aquário", houve o oferecimento de desligamento da reclamada através de PDV;... à época em que se localizavam no porão, em decorrência de relatório elaborado pela CIPA, uma vez que havia rato, barata, não havia instalações para ligar ventiladores, o local apresentava muita poeira e sujeira, havia só uma escada de acesso; os fios elétricos eram expostos; que a partir de então, começaram a perceber que houve início de realocação de funcionários; que a reclamante, quando transferida para a área de informática, ficou por cerca de 5 meses sem atividade;... [89]"

Ao final, no dito acórdão, foi negado provimento ao recurso ordinário interposto pela empresa e manteve a sentença que reconheceu a existência do assédio moral, condenando-a ao pagamento de indenização no importe de R$ 53.731,45, como forma de reparar o dano moral, extrapatrimonial, sofrido pela reclamante no ambiente de labor, correspondente a um mês do salário por ano trabalhado (esta manteve vínculo empregatício com a reclamada por vinte e quatro anos e cinco meses).

Merece também destaque decisão prolatada pela 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região [90], que reconheceu a existência de mobbing no trabalho em razão de conduta do gerente da reclamada que, causando desconforto em sua subordinada, atuava de forma a constrangê-la, tanto fisicamente, forçando contatos indesejados, quanto socialmente, solicitando de modo desrespeitoso a regularização de pendências perante o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), mediante cobranças públicas de ajuste de sua situação financeira pessoal e dissociada da empresa.

Nessa decisão foi concedido à vítima o direito à indenização por danos morais, no importe de R$50.000,00 (cinquenta mil reais).

Constantemente têm sido levados a juízo casos de prática de assédio moral como instrumento para atingimento de metas fixadas pelo empregador, motivando a reprimenda do Judiciário.

A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região apreciou, em grau de recurso ordinário, demanda levada a juízo por trabalhadora que tinha contra si infligidos constrangimentos e vexações pelo empregador, como instrumento para atingir metas. Tal comportamento configurava uma "estratégia" adotada pela empresa, conclusão extraída dos depoimentos testemunhais transcritos no acórdão [91]:

"Veja-se o depoimento da primeira testemunha do autor (fl. 363): ‘(...) havia uma cobrança por e-mails no atingimento de metas e pelo gerente geral; no final do mês, havia o envio de e-mails com muita freqüência, a cada 15 min; a cobrança da gerente Silmara poderia ser feita na frente dos demais funcionários e clientes; todos podiam ouvir; os e-mails vinham em forma de ameaças; o funcionário se sentia constrangido; o banco nunca estava satisfeito, mesmo quando a meta era atingida; se não fossem atingidas, havia a ameaça de demissão; o próprio depoente sofreu esta ameaça; (...) em uma ocasião, o depoente foi cobrado por Silmara na frente de um cliente para atingir metas e então foi ao banheiro chorar e a reclamante solidarizou-se com o colega e lhe indicou um médico, Dr. João Paulo Brener, não sabendo a especialidade, dizendo-lhe que era paciente deste médico e tomava medicação contra stress; (...)’.

Veja-se o depoimento da segunda testemunha do autor (fl. 365): ‘(...) a cobrança por atingimento de metas era feita diariamente por e-mails ou telefone ou pelo gerente; as metas eram cobradas diariamente, mas o atingimento destas era a cada final do mês; é feito um ranking dos funcionários pela venda de produtos; todo o pessoal da agência tem conhecimento desse ranking; a cobrança era feita em separado e também em conjunto, na frente de colegas e clientes; quem não atingisse metas era ameaçado com demissão; os funcionários recebiam vários e-mails por dia para atingimento de metas; "o clima do trabalho era meio pesado"; trabalhavam sob pressão; havia 7 funcionários, incluindo um estagiário; presenciou uma crise de choro da reclamante; a reclamante tomava medicação contra o stress; sabe disso por conversas com a reclamante e porque via a caixinha do remédio; não sabe que remédio é este; havia e-mails de teor irônico; (...)’."

Concluiu-se, ao final, que a conduta da reclamada resultou assédio moral, ensejando o direito à indenização no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais) pelos danos morais causados à reclamante.

Ainda sobre o mobbing como método para atingimento de metas, ao apreciar recurso ordinário em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, reconheceu o Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região [92] a ocorrência de assédio moral em práticas do empregador consistentes em atos de constrangimento a seus empregados, submetendo-os a situações vexatórias, com intuito de pressioná-los a atingir as metas fixadas pela empresa.

A situação levada a juízo pelo Ministério Público do Trabalho, por meio da citada ação civil pública [93], é de uma empresa que estava procedendo a tratamento humilhante aos seus empregados vendedores que não atingissem as metas de vendas impostas por ela, forçando-os a utilizarem camisetas com apelidos desrespeitosos, a dançarem de modo constrangedor e a assistirem reunião em pé, dentre outras retaliações ultrajantes.

O Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, em seu acórdão, como já explicitado, reconheceu a existência do assédio moral, mantendo a condenação imposta em primeira instância, em sentença da Juíza do Trabalho Simone Medeiros Jalil Anchieta, a "indenização por danos morais coletivos, arbitrada em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a ser revertido ao Fundo de Amparo do Trabalhador — FAT, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da decisão, de imediato, independente do trânsito em julgado da decisão, cumprir as seguintes obrigações: a) não submeter seus empregados a situações vexatórias de uso de camisetas com apelidos ou qualquer outro tipo de constrangimento; b) não impedir o assento de seus empregados em reuniões; c) não obrigar seus empregados a danças vexatórias; d) não tolerar que sejam imputados apelidos a seus empregados; e) não tolerar ou praticar o assédio moral no ambiente de trabalho, sob pena de, em caso de descumprimento, pagar multa no valor de R$ 10.000,00 por empregado prejudicado (sem prejuízo da ação correspondente) a ser revertida ao FAT [94] ".

Por fim, é oportuno registrar a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, que enquadrou como assédio moral a prática de ato omissivo consistente em não fornecer trabalho ao empregado. Esclarece a ementa do acórdão, in verbis:

"ASSÉDIO MORAL - CONTRATO DE INAÇÃO – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por conseqüência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer trabalho, fonte de dignidade do empregado [95] ".

Portanto, é gratificante notar a positiva contribuição ofertada pelos tribunais brasileiros na coerção da prática de assédio moral que ocorrem nas relações laborais em todo o país. É forçoso reconhecer o empenho com que os magistrados têm se debruçado no combate a toda prática lesivas à dignidade e intimidade do trabalhador, seja inibindo, seja reprimindo condutas nefastas.

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Sobre a autora
Rosana Santos Pessoa

Procuradora da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Rosana Santos. Assédio moral nas relações de trabalho e o sistema jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2446, 13 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14520. Acesso em: 19 dez. 2024.

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