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Direito à adoção de crianças e adolescentes por pares homossexuais.

Uma realidade sócio-jurídica em construção no Brasil

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CAPÍTULO 3

Após a análise dos princípios constitucionais que asseguram a adoção por pares homossexuais, faz-se necessário o estudo dos dispositivos infraconstitucionais atinentes à matéria.

Em vigor desde julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) [127] nasceu após acirrados debates no Legislativo. De acordo com o Senador Ronan Tito, autor do projeto de lei que deu origem a tal regramento, o ECA se sustenta em dois pilares, quais sejam, "a concepção da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, e a afirmação de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento" [128], em contraponto ao antigo "Código de Menores" [129] no qual as crianças e adolescentes eram tidos como objetos da relação jurídica.

Neste sentido, buscando fazer prevalecer os interesses de seus principais destinatários, referido diploma adotou a Teoria da Proteção Integral, em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança [130] da qual o Brasil é signatário.

Em seus artigos 39 a 52, o ECA rege o instituto da adoção de crianças e adolescentes. Esta modalidade de colocação em família substituta, definida como "[...] o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim" [131], faz-se através de sentença judicial, de natureza constitutiva [132], sendo indispensável a presença do interessado perante o juiz já que a adoção por procuração não é admitida. Acrescente-se que é medida de caráter excepcional e irrevogável.

O adotando, que só pode ser adotado por indivíduo maior de idade e que seja, ao menos, 16 anos mais velho, passa a ter os mesmos direitos e deveres dos filhos biológicos. Desse modo, o vínculo se estende a todos os parentes, inclusive para efeitos sucessórios. [133]

Merece destaque o art. 42 do referido estatuto que informa que maiores de idade poderão adotar independentemente do estado civil. Tal dispositivo é um dos argumentos utilizados para fundamentar a adoção por pares homossexuais.

O Código Civil de 2002 [134], por sua vez, dispõe acerca do instituto da adoção de menores e maiores em seus artigos 1.618 a 1.629 e do mesmo modo que o ECA serve aos interesses dos adotados. Neste sentido, o CC/02 manteve a previsão de que a adoção somente será decretada quando constituir efetivo benefício para o adotando.

Uma das maiores inovações da nova regulamentação foi a permissão da adoção por pessoas maiores de 18 ao invés de 21 anos, harmonizando-se com a maioridade civil. [135]

Discorrendo acerca da compatibilidade entre o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Novo Código Civil, Paulo Afonso Garrido de Paula destaca que:

[...] sendo o novo Código uma codificação de caráter geral, permanece a lei especial - ECA, ainda que cronologicamente anterior, em vigor e com eficácia plena, em razão da importância do critério da especialidade sobre o cronológico, devendo prevalecer, inclusive, quando fizer referência a institutos próprios de direito civil no caso de evidente vantagem para a criança ou adolescente. [136]

Para Tânia da Silva Pereira, o Estatuto da Criança e do Adolescente veio para regulamentar definitivamente a adoção para menores de 18 anos, mantendo as disposições do Código Civil para os maiores de idade, deixando para o intérprete do Direito o desafio de suprir controversas lacunas. [137]

Destaque-se que em nenhum dos diplomas infraconstitucionais há proibição expressa da adoção por indivíduo homossexual isoladamente. Não se vislumbra qualquer menção quanto à orientação sexual do adotante dentre os requisitos necessários à adoção.

O que se veda, inclusive em sede constitucional, é justamente a discriminação contra as pessoas de orientação afetiva homossexual.

A questão torna-se mais controvertida quando se trata da adoção conjunta por casais homossexuais. Talvez o maior entrave para essa modalidade de adoção se encontre no artigo 1.622 do CC/02 [138], que defere a adoção conjunta às pessoas casadas ou que vivam em união estável. [139]

Neste rumo, Paulo Lôbo informa:

O Código Civil brasileiro proíbe que a mesma pessoa seja adotada por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher ou companheiros de união estável. A proibição é categórica e vem da regra equivalente do Código Civil anterior, que tinha como paradigma a família constituída pelo casamento. Certamente, não é a melhor opção legislativa, porque cria barreira legal a situações existenciais difundidas na sociedade brasileira, que não correspondem a esse modelo. [140]

E alerta que "[...] não há impedimento constitucional para que a adoção seja deferida a duas pessoas que não sejam casadas ou que vivam em união estável, o que torna problemática a proibição." [141]

Argumente-se, por oportuno, que a prevalência do ECA sob o CC/02, dado o critério da especialidade reportado acima, também serve de base para fundamentar a possibilidade da biparentalidade homossexual.

Apesar de se ter verificado um avanço com a inclusão dos companheiros da união estável como legitimados a adotar conjuntamente, permaneceu no Código Civil uma cláusula de barreira que tem como principal alvo as uniões homossexuais.

Enalteça-se, por fim, que em três de agosto deste ano foi sancionada pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva a Nova Lei de Adoção. Pelas novas regras, as crianças e os adolescentes não devem permanecer por mais de dois anos em abrigos e a cada seis meses devem os juízes analisar a permanência destes menores em referidas instituições. [142]

Inovou ao possibilitar que o juiz considere o conceito de "família extensa" para dar preferência a tios, primos e parentes próximos, mas não diretos, da criança e do adolescente sobre o cadastro nacional e estadual de adoção. As crianças maiores de 12 anos serão obrigatoriamente ouvidas pelos juízes e os irmãos deverão permanecer juntos e adotados por uma única família, exceto em casos excepcionais. [143]

A nova lei manteve a previsão do CC/02 permitindo a adoção por maiores de 18 anos desde que o adotante seja, no mínimo, 16 anos mais velho do que o adotado. Da mesma forma, conservou as disposições acerca da adoção conjunta, deferindo-a aos casados ou àqueles que vivam em união estável. [144]

No que tange à adoção por casais homossexuais, a nova lei foi silente. No entanto, tal silêncio, como se verá, não significa uma proibição.

3.2.Omissão legislativa

Não obstante a evolução na conceituação da homossexualidade, no Brasil, tanto em sede constitucional [145], quanto em sede infraconstitucional, o legislador foi omisso no que tange às uniões homossexuais. Trata-se, nos dizeres de Maria Berenice Dias, de uma omissão injustificável haja vista que, hodiernamente, os paradigmas da família mudaram:

Se a realidade social impôs o enlaçamento das relações afetivas pelo Direito de Família, se a moderna doutrina e a mais vanguardista jurisprudência definem a família pela só presença de um vínculo de afeto, mister reconhecer a existência de duas espécies de relacionamento interpessoal: as relações heteroafetivas e as relações homoafetivas. [146]

Não há como negar que a normatização da matéria seria bastante oportuna, pois esse tipo de adoção além de estar em conformidade com a Constituição Federal, coaduna-se com o.art. 29 do Estatuto da Criança e do Adolescente [147] bem como beneficia o menor, nos termos do art. 43 [148] do mesmo diploma. [149] Neste sentido, destaque-se os ensinamentos de Luiz Edson Fachin:

O pronunciamento legislativo tem importância à medida que preenche um espaço jurídico de definição de valores e vincula o próprio julgador. Com virtudes e defeitos, toda a manifestação legislativa pode ser um veículo situado no reconhecimento de uma mudança de padrões dentro e fora da família. [150]

No entanto, a ausência de subsunção da norma para esta situação específica não pode ser tida como empecilho para a adoção por pares homossexuais. A despeito da grande importância de um pronunciamento legislativo, o julgador tem o dever de suprir as lacunas.

Na análise dos casos concretos, os magistrados devem se amparar no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil que dispõe que as lacunas devem ser colmatadas pela analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Segundo Luís Roberto Barroso, o processo de preenchimento de vazios normativos, denominado de integração, não significa interpretar o sentido de uma norma existente e aplicável a determinada hipótese, mas "[...] pesquisar no ordenamento uma norma capaz de reger adequadamente uma hipótese que não foi especificamente disciplinada pelo legislador." [151]

Valendo-se da analogia [152] legal, Barroso sustenta que os elementos essenciais da união estável, quais sejam, convivência pacífica e duradoura com o intuito de constituir família, bem como os requisitos nucleares do conceito de entidade familiar (afetividade, comunhão de vida e assistência mútua, emocional e prática) estão presentes tanto nas uniões heterossexuais quanto nas homossexuais e, portanto, o regime jurídico de uma deve ser estendido à outra. [153]

Foi com esse desiderato que a Procuradora Geral da República Denise Duprat, ajuizou, dia 2 de julho de 2009, no Supremo Tribunal Federal, uma arguição de descumprimento de preceito fundamental – a ADPF 178 – para que o STF declare que as uniões homossexuais constituem entidades familiares equiparadas às uniões entre homens e mulheres. [154]

Duprat defende, em suma, que a Constituição Federal não vedou, expressamente, as uniões entre pessoas do mesmo sexo, mas apenas silenciou a respeito da referida matéria. Desta feita, a fim de evitar o vácuo na disciplina jurídica de tais relações, a analogia de tratamento dos pares homossexuais com as uniões entre pessoas de sexos diversos se torna necessária. [155]

Faz-se mister ressaltar que o legislador constitucional, ao normatizar as uniões estáveis, asseverou que estas são formadas por homem e mulher. Sendo assim, argumenta-se que as uniões homossexuais jamais poderiam ser equiparadas a tais entidades visto que seus componentes são do mesmo sexo.

Neste rumo, Belmiro Welter argumenta que a CF/88 restringiu este "jeito de ser-em-família" apenas entre homem e mulher. Para ele, a compreensão da família homossexual só seria possível através de uma emenda constitucional ao art. 226, §3º, que suprimisse a expressão "entre o homem e a mulher" já que o texto constitucional jamais poderá ser submetido à subjetividade do julgador pois "[...] não há uma Constituição do Legislativo, em nome do povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição do Brasil), e outra do Judiciário [...]". [156]

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Discorrendo sobre o tema, Maria Celina Bodin de Morais afasta referido entrave e explica:

O argumento de que à entidade familiar denominada união estável o legislador constitucional impôs o requisito da diversidade de sexo parece insuficiente para fazer concluir que onde vínculo semelhante se estabeleça, entre pessoas do mesmo sexo, deva ser então ignorado ou não possa ser protegido. Aqui tem valor jurídico superior, evidentemente, o princípio da não discriminação, previsto não somente no art. 3º, I, através do objetivo fundamental de construção de uma sociedade que se pretende ‘livre, justa e solidária’. [157]

No mesmo sentido discorre Taísa Ribeiro:

Tais parcerias representam, sim, uniões estáveis; só não são, é claro, as uniões estáveis entre homem e mulher de que trata a Constituição naquele dispositivo. Mas todo o regramento sobre as uniões estáveis heterossexuais pode ser estendido às parcerias homossexuais, dada a identidade das situações, ou seja, estão presentes, tanto em uma quanto em outra, os requisitos de uma vida em comum, como respeito, afeto, solidariedade, assistência mútua e tantos outros. E se num resíduo de excesso formalístico, estando convencido do pedido, o juiz não se sentir à vontade para proclamar que ali existe uma ‘união estável’, que declare, então, que a situação configura uma entidade familiar, uma relação inequívoca, uma união homossexual, em que os efeitos, praticamente, serão os mesmos, atendendo-se, sobretudo o fundamento constitucional que rejeita o preconceito em razão do sexo- ou orientação sexual, como preferimos (CF, art. 3º, IV). [158]

Importa, verdadeiramente, que a união entre pessoas do mesmo sexo seja enquadrada como entidade familiar e, consequentemente, que seus componentes estejam legitimados a adotar, independentemente de sua configuração como entidade familiar autônoma ou, por analogia, como união estável.

No que tange à colmatação das lacunas mediante a aplicação dos princípios gerais de Direito, Diogo de Calasans sustenta a impossibilidade de se fazer uma interpretação gramatical do rol das entidades familiares, disposto no art. 226 da CF/88. Para ele, tal dispositivo deve estar em conformidade com a realidade social e deve ser interpretado de acordo com os princípios constitucionais. [159] Tais princípios proíbem que o silêncio constitucional aparente seja interpretado como um vazio proibitivo.

No mesmo sentido segue Taísa Ribeiro. Esta acredita que sequer existiria lacuna normativa uma vez que os princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana dentre outros estabeleceriam a extensão do regime jurídico da união estável às relações homossexuais. Afirma, ainda, que ao se admitir que porventura exista omissão relativa a tal matéria, os mesmos princípios devem ser aplicados para saná-la. [160]

Destaque-se que, recentemente o legislador perdeu uma grande chance de admitir expressamente a biparentalidade homossexual. Como dito anteriormente, a Nova Lei da Adoção, sancionada em 03 de agosto deste ano, não faz menção a essa modalidade de adoção e segundo Marcos Duarte:

A omissão do legislador é imperdoável e vai de encontro aos princípios constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana em flagrante discriminação e preconceito proibidos pela Magna Carta. Deixa ao alvitre do aplicador da lei, conforme seu nível de civilidade e preconceitos, quando poderia aproveitar a chance e garantir direitos de grande parcela da população, que têm direito à felicidade, independente de opção sexual, e diminuir o contingente de 80.000 crianças institucionalizadas à espera de afeto e família. [161]

A inércia do legislativo em regular a matéria não pode obstar que o direito dos homossexuais de adotar crianças e adolescentes seja reconhecido - é isso que já vem fazendo a jurisprudência.

3.4.Avançada jurisprudência brasileira

Após o advento da Constituição de 1988, observam-se, na doutrina pátria, muitos escritos acerca da transformação da estrutura jurídica da família brasileira, o mesmo não se podendo dizer com relação ao tema da adoção por homossexuais. No entanto, o interesse acerca de tal matéria tem crescido, pois cada vez mais o número de homossexuais que ingressam no judiciário com pedido de adoção aumenta.

O Poder Judiciário brasileiro, de modo tímido, já conseguiu romper o silêncio que imperava até pouco tempo atrás. A princípio, observaram-se várias decisões versando sobre a adoção por um indivíduo homossexual, isoladamente. [162] Repise-se que quanto à adoção por apenas um indivíduo homossexual não há maiores controvérsias, pois inexiste no ordenamento jurídico brasileiro dispositivo que faça qualquer menção a orientação sexual como requisito para ser adotante.

A jurisprudência brasileira, inicialmente, equiparou as uniões homossexuais a um instituto tipicamente obrigacional, qual seja, a sociedade de fato. Entretanto, em fevereiro de 2006, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3300 MC/DF, afirmou que as uniões homossexuais deviam ser tidas como entidades familiares e não como mera sociedade de fato indicando que o Direito aplicável à matéria é o de Família e não o das Obrigações. [163] Referida manifestação foi pioneira no STF e de extrema relevância visto que muitos tribunais, especialmente o do Rio Grande do Sul, passaram a entender que o afeto faz parte da essência das uniões homossexuais e, portanto, tais entidades deviam ser tratadas sob a ótica do Direito de Família. [164]

Partindo do pressuposto de que as uniões entre pessoas do mesmo sexo constituem entidades familiares, proliferam decisões em vários estados brasileiros reconhecendo que a relação de tais casais configura uniões estáveis. Corroborando com o que ora se afirma, está o julgado do Quarto Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, senão vejamos:

ação declaratória. reconhecimento. união estável. casal homossexual. preenchimento dos requisitos. cabimento.

A ação declaratória é o instrumento jurídico adequado para reconhecimento da existência de união estável entre parceria homoerótica, desde que afirmados e provados os pressupostos próprios daquela entidade familiar. A sociedade moderna, mercê da evolução dos costumes e apanágio das decisões judiciais, sintoniza com a intenção dos casais homoafetivos em abandonar os nichos da segregação e repúdio, em busca da normalização de seu estado e igualdade às parelhas matrimoniadas. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA. [165]

Com relação à adoção homossexual especificamente, a primeira abertura significativa ocorreu na cidade de Catanduva/SP em 2004 quando foi permitido que dois homens entrassem para a fila de espera de pais adotivos. Tanto o juiz quanto o membro do Ministério Público fundamentaram suas decisões na já mencionada Resolução 1/99 [166] do Conselho Federal de Psicologia. [167] Em 30 de outubro de 2006, após a realização de avaliações dirigidas por psicólogos e assistentes sociais, o referido casal conquistou o direito de adotar, oficialmente, uma menina de cinco anos de idade, e de ter os seus nomes inseridos na certidão de nascimento da criança. [168]

Outra expressiva abertura judicial ocorreu na cidade de Bagé, no Rio Grande do Sul, onde o Juiz da Infância e da Juventude Dr. Marcos Danilo Edson Franco estendeu à companheira da mãe adotiva a constituição do vínculo legal de filiação de duas crianças, por meio da adoção. O casal já convivia há oito anos e os menores, na prática, já estavam sendo educados pelas duas mulheres. Não obstante a posição contrária do Ministério Público da comarca [169], a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, negou provimento, por unanimidade, à Apelação Cível interposta pelo MP. [170] Referida decisão, ocorrida em 05 de abril de 2006, tornou-se um marco jurisprudencial na luta pelo direito a adoção por pares homossexuais fazendo-se oportuno transcrevê-la:

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. Negaram provimento. Unânime. [171]

Em maio do mesmo ano, o magistrado titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio de Janeiro permitiu que um casal de mulheres que mantinha relação estável há três anos adotasse uma criança de dois anos e seis meses. [172] Em junho de 2009, foi a vez do magistrado da Infância e Juventude da cidade de Goiânia conceder a adoção de uma menina de 2 anos e 10 meses a um casal de mulheres. A criança já morava com as beneficiadas desde abril de 2008. [173]

A decisão mais recente [174] é de julho deste ano e ocorreu no município de Juruá no Mato Grosso, onde o juiz da Vara da Infância e da Juventude da respectiva Comarca concedeu a um casal de homens, que conviviam há cinco anos, a adoção de dois irmãos. A adoção dos menores foi aprovada pelo Ministério Público Estadual e concedida pela Justiça após a análise de psicólogos forenses e entrevistas com o casal e pessoas ligadas a eles. [175]

Como se percebe, não obstante a ausência de regramento expresso, os posicionamentos jurisprudenciais sobre a temática abordada já avançaram significativamente. Tal fato demonstra que a jurisprudência mostra-se sensível à realidade dos fatos.

Não enxergar fatos que estão diante dos olhos é manter a imagem da Justiça cega. Condenar à invisibilidade situações existentes é produzir irresponsabilidades, é olvidar que a Ética condiciona todo o Direito, principalmente, o Direito de Família. [176]

3.5.Direito à paternidade/maternidade x Melhor Interesse da Criança e do Adolescente

O exercício da paternidade/maternidade diz respeito à realização pessoal e à própria formação da identidade de cada ser humano e deve ser analisado sempre em consonância com os princípios constitucionais já abordados no capítulo anterior.

Assim como os casais heterossexuais, os pares homossexuais têm o direito de tornarem-se pais e mães e realizar o sonho de ter filhos como quaisquer outros cidadãos.

[...] um Estado que nega, em tese, o direito de paternidade/maternidade a uma parcela de seus cidadãos, impedindo sua realização pessoal, violando os seus direitos fundamentais de igualdade, liberdade e não-discriminação, inviabiliza o exercício da cidadania e põe em risco a própria vivência democrática, ao deixar de promover positivamente as liberdades fundamentais de todos os seus cidadãos. [177]

Um dos caminhos viáveis para a efetivação deste direito, como visto, é a adoção. Discorrendo acerca deste instituto Fernando Freire destaca que a adoção

[...] representa uma resposta às necessidades não satisfeitas pela ordem natural dos acontecimentos, uma resposta que oferece à criança órfã e abandonada, uma possibilidade de ter pais e ambiente familiar indispensáveis para seu desenvolvimento. A adoção não é mais um instrumento exclusivamente jurídico, mas um recurso de profundas manifestações éticas e sociais. De todos os sistemas alternativos de proteção às crianças e adolescentes abandonados, a adoção é o único que cumpre com todas as funções da relação filial. É o sentimento de auto-estima, chave para o processo de desenvolvimento de uma personalidade sadia e construtiva. [178]

Como já abordado, não há nada que evidencie que os homossexuais não possam exercer a paternidade/maternidade tão bem quanto os heterossexuais. São pessoas plenamente capazes de oferecer amor e afeto a outros seres humanos.

Grande parte da doutrina trata a temática da adoção homossexual pelo viés dos direitos dos homossexuais. [179] No entanto, é preciso destacar que o direito à paternidade/maternidade de qualquer indivíduo, homossexual ou não, jamais poderá se sobrepor ao melhor interesse da criança e do adolescente.

Ao avaliar referida temática sob a ótica da filiação, constata-se que o preconceito enfrentado pela minoria de orientação sexual diversa dos padrões sociais implica a exclusão jurídica dos menores envolvidos. Deste modo, as crianças e adolescentes estariam "[...] sofrendo uma desvantagem em relação às demais espécies de filiação, devido a algo que se pretende reputar contrário ao seu interesse – sendo que, com a justificativa de protegê-las, está-se contrariamente tratando-as de forma desigual, afastando-as de alguns direitos." [180]

Há crianças e adolescentes convivendo com homossexuais e o Direito não pode fechar os olhos para este fato. Não se deve excluir as possibilidades destes menores terem acesso à família substituta, pois os mesmos têm direito à igualdade de tratamento independentemente da orientação sexual dos seus pais.

Ana Carla Harmatiuk destaca que para muitos estudiosos o conceito jurídico do Melhor Interesse da Criança é indeterminado visto que institui espaços de adequação do Direito à realidade social. [181]

Valores éticos, como o de dar conteúdo ao critério consagrado no Direito comparado Norte- Americano, na expressão best interest of the child, têm a vantagem de possuírem alta carga valorativa; mas, baixa precisão de aplicabilidade. Aqui reside a melhor qualidade e a grande dificuldade desta forma de legislar, especialmente em questões como neste trabalho enfocadas, onde o preconceito predomina. [182]

Para preencher o conteúdo do superior interesse do menor, o jurista traz suas experiências pessoais, seus pontos de vista e pode, consequentemente, equiparar a homossexualidade a um qualificador negativo no momento da adoção. No entanto, o que deve ser reputado como relevante, como já destacado antes, são as características pessoais dos pais, seu equilíbrio nos âmbitos patrimonial e pessoal, sua capacitação bem como as demais questões exigidas para o sadio desenvolvimento da paternidade e maternidade.

Quando se analisa a adoção homossexual sob a ótica da filiação, verificar-se-á que, na verdade, há uma relação de complementaridade e não de oposição entre o direito à paternidade/maternidade dos homossexuais e o melhor interesse da criança e do adolescente.

Não se trata de um direito absoluto, mas relativo, já que os homossexuais poderão exercer o direito de ser pais ou mães desde que preencham os requisitos essenciais para que reste configurado o melhor interesse da criança e do adolescente.

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Sobre a autora
Danielli Gomes Lamenha e Silva

Advogada,Pós-graduanda em Direito Público pela Universidade Anhanguera- Uniderp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Danielli Gomes Lamenha. Direito à adoção de crianças e adolescentes por pares homossexuais.: Uma realidade sócio-jurídica em construção no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2461, 28 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14587. Acesso em: 24 dez. 2024.

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