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Medidas de segurança.

A impossibilidade de manutenção do instituto face à sua vinculação ao pressuposto da periculosidade

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07/04/2010 às 00:00
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6 CONTROLE SOCIAL: A Periculosidade COMO justificativa para a exclusão

O Direito Penal, tido como instrumento de controle social, possui como um de seus objetivos a manutenção da ordem e da segurança daqueles que vivem em sociedade. Assim, busca-se proteger determinados bens tidos como essenciais, sancionando condutas de todos aqueles que, lesando interesses ensejadores de tutela, descumpram as ordens impostas pelo sistema.

No entanto, o "castigo" despendido àqueles que cometem crime sem ter discernimento para entender o caráter ilícito de sua conduta, não se restringirá, quando em questão a aplicação das medidas de segurança, à culpa ou ao injusto típico efetivamente praticado pelo agente. Ao ser afetado pelo Direito Penal, o doente mental infrator será julgado por sua suposta periculosidade.

Ocorre, contudo, que além de não podermos aceitar a análise da periculosidade para fixarmos uma pena, como já delineado anteriormente, tal análise ainda é baseada em pressupostos subjetivos, em meras presunções. Abandonam-se, assim, critérios objetivos de julgamento para justificar, no risco, a reação penal.

O certo é que, por não se ajustar às regras sociais de comportamento, o louco infrator se apresenta como um indivíduo que carece de controle, sendo este realizado, de maneira ampla, através da aplicação de uma medida de segregação.

Por meio desses discursos estigmatizantes, o portador de sofrimento mental, pela condição de diferença que apresenta, passou a ser classificado como um indivíduo que não está apto a conviver com o restante da sociedade, não devendo esta, portanto, ter que se sujeitar a viver em constante medo em virtude dos "perigosos" que a aterrorizam e se apresentam como futuros descumpridores das normas de convivência.

Desse modo, o escopo para a aplicação da medida de segurança passa a ser o domínio daquele que pode colocar em risco a tranqüilidade social e servir, teoricamente, à prevenção especial de modo a buscar com sua aplicação atingir a ressocialização, a cura do doente mental infrator.

Ao se utilizar de um discurso jurídico baseado em presunções, em uma estigmatização que exclui, que segrega, que ostenta todo o preconceito existente, o Direito Penal passa a julgar o doente mental infrator com base apenas em sua enfermidade, segregando-o em instituições que, incumbidas de corrigir seus desvios, possibilitariam, em tese, o seu retorno ao meio social.

A ele, louco, inimigo, diferente, não é dada outra saída. Uma vez instaurado o incidente de insanidade mental e confirmada sua inimputabilidade, já possui destino certo. Será absolvido, por não ser considerado responsável por seu ato, mas, em contrapartida, por mais paradoxal que isso possa parecer, aplicar-se-lhe-á uma medida de segurança que, legitimada pelo parecer psiquiátrico em perícia previamente realizada, o submete a tratamento por prazo indeterminado, até que seja comprovada a cessação de sua periculosidade.

O discurso psiquiátrico, nesse sentido, irá se refletir diretamente no destino reservado ao louco infrator. Por meio dos exames realizados para a comprovação ou cessação de sua periculosidade, o saber psiquiátrico passa a conhecer o "paciente" e a exercer, em virtude disso, domínio sobre o caminho que deverá ser percorrido por ele durante o decorrer da duração de sua medida. Assim, quando da realização do exame, o inimputável é tomado como um estudo de caso e, portanto, passa a ser individualizado. A partir dessa individualização torna-se possível o conhecimento de sua anormalidade, de sua diferença, e em virtude dela o controle passa a ser exercido. [08] Isso porque:

O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados. [...] Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder e a forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade. (FOUCAULT, 2001, p.154)

Vale aqui ressaltar que embora toda a sociedade já esteja predisposta a excluir o louco infrator por preconceitos arraigados em seu cerne, contribuindo o próprio ordenamento jurídico para essa exclusão, a periculosidade, além de não ser uma conseqüência ínsita ao transtorno mental, não é algo passível de definição e comprovação científica. Seu conceito é sempre subjetivo, se baseando, na maior parte dos casos, apenas num preconceito criado em torno do doente mental infrator, que faz presumir um determinado comportamento futuro. Nesse diapasão, Isaías Paim enfatiza que:

Ao perito compete esclarecer se o indivíduo inimputável é portador de periculosidade, mas este esclarecimento está à mercê de impressões subjetivas. Grande parte da tradição psiquiátrico-forense imperante em nosso meio fundamenta-se no pressuposto de que o doente mental é um indivíduo perigoso. A alegação de periculosidade de um doente mental que tenha praticado um ato delituoso é uma conjectura, mas não uma afirmação científica. Não existem meios objetivos, critérios científicos para avaliar a periculosidade de alguém. (PAIM, 1997, p. 518)

Ocorre, contudo, que em razão do comportamento diferenciado trazido pelo transtorno mental, a idéia de loucura não tem sido dissociada da de periculosidade. Em virtude disso, o louco infrator, pelo estado que o acomete, é tido como perigoso e, portanto, deve ser afastado, tratado, mesmo que esse tratamento seja vislumbrado apenas como forma de segregação.

Torna-se significativo observar, porém, que nem sempre uma doença mental poderá levar aquele que dela se acomete a praticar um mal ou gerar uma predisposição para a reiteração em práticas criminosas, pois "[...] nem sempre é possível estabelecer um nexo sintomático entre crime e perturbação mental". (PAIM, 1997, p.518). Tal generalização causa para o louco infrator uma redução nítida de direitos e garantias, tendo em vista que uma vez considerado "perigoso", necessita ser controlado, e essa necessidade de controle, ao invés de proporcionar um tratamento efetivo, vem sendo utilizada apenas como forma de punição ou exclusão daqueles indivíduos tidos como indesejáveis.

Ressalta-se ainda que, ao vincular a idéia de transtorno mental à idéia de periculosidade, aberta estará a possibilidade de jamais ver-se desprendido deste tipo de sanção aquele indivíduo portador de determinado tipo de doença mental incurável. Tal vinculação, portanto, contribui apenas para reforçar o estigma já criado em torno do louco infrator, fazendo com que sejam desrespeitados todos os direitos inerentes à sua qualidade de cidadão, de pessoa humana. A aversão ao diferente faz com que o rótulo da periculosidade justifique a segregação, o preconceito, o medo, e o afastamento definitivo do doente mental infrator do meio social.


7 A falência E A INCONSTITUCIONALIDADE do instituto

Como já posto, a medida de segurança justifica sua aplicação no tratamento terapêutico direcionado ao louco infrator com vistas a possibilitar sua reinserção no meio social. Ocorre, contudo, que as instituições hoje existentes como locais teoricamente propícios à realização desse fim não são capazes de alcançá-lo, seja por seu caráter estritamente fechado, seja pelo tratamento muitas vezes cruel despendido aos seus internos.

Os Manicômios Judiciários ou, após a reforma penal ocorrida em 1984, Hospitais de Custódia e Tratamento, vêm apenas denunciar a realidade desumana e excludente a qual se encontra exposto o doente mental infrator. Este, por sua condição de diferença, não pode ser submetido ao regime prisional comum, mas, em contrapartida, lhe é reservado o destino de ser inserido em instituição que, encoberta por funções hospitalares e terapêuticas, guarda em sua essência apenas a necessidade de segregar aqueles que supostamente representariam perigo para a sociedade.

Assim, não raro pode ser observado nesses estabelecimentos a utilização de choques elétricos, torturas e espancamentos para conter comportamentos agressivos do doente mental infrator, bem como a falta de profissionais especializados para o seu atendimento, o que desvirtua por completo a finalidade terapêutica e de reintegração social atribuída às medidas de segurança.

Outrossim, em razão do baixo preço de determinados tipos de medicamentos, ainda pode ser constatado nestas instituições a falta de medicação adequada para cada tipo específico de sofrimento mental, fazendo com que muitas vezes tratamentos padronizados, sejam aplicados a indivíduos que apresentam transtornos e necessidades diversas em relação a seus quadros clínicos. [09] Tais situações, juntamente com o caráter estritamente fechado dessas instituições, contribuem apenas para o agravamento do transtorno daqueles que nelas encontram-se inseridos, podendo ocasionar até mesmo a cronificação do quadro clínico do paciente judiciário. A mera institucionalização, portanto, não pode ser capaz de propiciar a ressocialização e cura do doente mental infrator.

De acordo com Erving Goffman, os hospitais psiquiátricos, por se apresentarem como espécie de instituições totais [10], tendem a gerar um processo de mortificação em relação a seus pacientes, que, sendo totalmente afastados do mundo externo e submetidos às regras internas da instituição, perdem sua própria identidade. Assim, esclarece Goffman que:

No mundo externo, o indivíduo pode manter objetos que se ligam aos seus sentimentos do eu – por exemplo, seu corpo, suas ações imediatas, seus pensamentos e alguns de seus bens – fora de contato com coisas estranhas e contaminadoras. No entanto, nas instituições totais esses territórios do eu são violados; a fronteira que o indivíduo estabelece entre seu ser e o ambiente é invadida e as encarnações do eu são profanadas. (GOFFMAN, 2001, p. 31).

Sucede, desse modo, o que o autor denomina de "mutilação do eu", o que tornaria impraticável a possibilidade de reinserção desses indivíduos no meio social.

Ocorre, contudo, que apesar das autoridades públicas assistirem a todo esse processo excludente e desumano ao qual encontra-se exposto o doente mental infrator nenhuma atitude, ou quase nenhuma, tem sido tomada para que mudanças na forma do tratamento destinado a tal indivíduo sejam realizadas.

Isto posto, necessário se faz acenar para a visível contradição existente entre a justificativa apresentada pelo Direito Penal ao intervir na esfera de liberdade do doente mental infrator e a realidade apresentada pelos estabelecimentos destinados a seu tratamento. A mera institucionalização destes indivíduos, via medida de segurança, não pode jamais ser capaz de alcançar o fim proposto pelo instituto. Assim, evidenciado está o caráter aflitivo ocultado por todo esse discurso terapêutico que, com vistas a uma suposta defesa social, serve apenas como subterfúgio para legitimar o poder punitivo estatal.

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7.2 Falta de limites máximos para a aplicação da medida: prisão perpétua?

Neste contexto de vinculação da medida de segurança à periculosidade do doente mental infrator, imprescindível se torna trazer à baila acontecimento que não raro pôde ser observado no decorrer dos tempos: a utilização do instituto como meio de possibilitar a prisão perpétua.

O Código Penal brasileiro, em seu artigo 97, determina que a medida de segurança será aplicada por tempo indeterminado, devendo, após a fixação do seu prazo mínimo de duração estabelecido pelo juiz, ser realizada perícia médica para comprovação ou não da cessação da periculosidade do agente. Assim, uma vez internado, o louco infrator poderá nessa condição permanecer pelo resto de sua vida se não for comprovada a cessação do seu "estado perigoso".

Ocorre, contudo, que a Constituição Federal proíbe expressamente, em seu artigo 5º, XLVII, "b", a prisão perpétua. Por que justificar, então, sua utilização quando em questão o instituto em voga?

Há os que defendem que, pelo fato da medida de segurança possuir caráter estritamente preventivo, sendo dela afastada a idéia de castigo atribuída às penas para a realização de tratamento terapêutico, não caberia estabelecer prazo máximo para sua duração. Sua indeterminação se justificaria por seu próprio fim, ou seja, promover a defesa social em face daqueles que trazem em si uma perigosidade latente.

Com isso, fica elucidado que o estigma da periculosidade cria para o louco infrator uma condição de absoluta desvantagem em relação àqueles considerados imputáveis, na medida em que, para a proteção da sociedade permite-se até mesmo a desconsideração de direitos e garantias mínimas concedidas a todo e qualquer indivíduo em âmbito constitucional.

Desse modo, sob o pretexto do tratamento, legitima-se a aplicação de uma medida que por se diferenciar, em teoria, da pena provoca a exclusão eterna do doente mental infrator. Diz-se eterna porque até mesmo naqueles casos em que há a comprovação da cessação da periculosidade do paciente judiciário, fato que por si só deveria automaticamente impedir a continuação do suposto "tratamento", o indivíduo pode continuar tendo sua liberdade restringida.

Tal fato pode ser corroborado por Virgílio de Mattos (2006) que, ao abordar o assunto, demonstra não serem raros os casos em que a medida de segurança é mantida, apesar de comprovada por laudo psiquiátrico a cessação da periculosidade do doente mental infrator, simplesmente pelo fato do magistrado não estar convencido quanto a esta cessação. [11] Ora, se o saber psiquiátrico se manifesta no sentido de que o indivíduo está apto para o retorno ao convívio social, não há razões para que seja mantida a sua internação.

Neste instante, necessário se faz destacar que apesar da periculosidade ter se tornado o rótulo justificador de todo este processo de neutralização dos doentes mentais infratores, devemos considerar que a medida de segurança, por privar o indivíduo de sua liberdade, se apresenta como medida de caráter essencialmente aflitivo o que, portanto, não dá legitimidade ao Direito Penal para autorizar a custódia eterna daqueles que a este instituto encontram-se submetidos. Como acertadamente leciona Zaffaroni:

Não é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua, como coerção penal. Se a lei não estabelece o limite máximo, é o intérprete quem tem a obrigação de fazê-lo.

Pelo menos, é mister reconhecer-se para as medidas de segurança o limite máximo da pena correspondente ao crime cometido, ou a que foi substituída, em razão da culpabilidade diminuída. (ZAFFARONI, 2008, p.733)

Ademais, a própria ausência de critérios objetivos para a aplicação das medidas de segurança, se baseando esta na periculosidade do agente, ou seja, na probabilidade de delinqüir, deveria ser utilizada como pressuposto limitador da intervenção do Estado na esfera de liberdade individual de qualquer cidadão, e não como justificativa para a imposição de uma medida que atualmente, apesar de todos os argumentos contrários, nada mais consegue ser do que uma pena com nome diferenciado. Ninguém pode ser punido simplesmente em razão de uma presunção, em razão daquilo que é ou representa.

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Sobre a autora
Francine Machado de Paula

Pós-graduanda em Ciências Penais pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Francine Machado. Medidas de segurança.: A impossibilidade de manutenção do instituto face à sua vinculação ao pressuposto da periculosidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2471, 7 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14617. Acesso em: 25 nov. 2024.

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