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Provas ilícitas em matéria processual penal.

Da teoria geral da prova à juridicidade positiva brasileira

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Sumário: Primeiras colocações. Delimitação da temática em linhas introdutórias; 1. Direito à prova em matéria processual penal; 1.1. Considerações acerca do direito à prova na teoria geral da prova; 1.2. Fundamentação jurídico-positiva do direito à prova: o regime constitucional e seus desdobramentos no processo penal pátrio; 1.3. Restrições ao direito à prova; 2. Inadmissibilidade das provas ilícitas; 2.1. Prova lícita: noções fundamentais. Síntese conclusiva do pensamento de Melendo; 2.2. Prova ilícita: um possível conceito construído a partir da diferença entre a prova ilícita e a prova ilegítima; 2.3. Prova ilícita por derivação e a sistemática do CPP: breves considerações; 2.4. A questão da prova autônoma no processo penal pátrio: linhas gerais; 3. Viabilidade de aproveitamento das provas ilícitas no processo penal; 3.1. Os diversos entendimentos da doutrina; 3.2. Princípio da proporcionalidade em matéria de provas ilícitas: a posição de Gomes Filho; Considerações finais; Referências.


Primeiras colocações. Delimitação da temática em linhas introdutórias [01]

Este estudo é fruto de uma pesquisa realizada no I Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Processo Penal (Novas Perspectivas do Processo Penal) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), cujo objetivo inicial era a simples apresentação de um paper de conclusão do módulo de aulas ministrado pelo Prof. Dr. Teodomiro Noronha Cardozo e do Prof. Dr. Nilzardo Carneiro Leão. Entretanto, quando da realização de um levantamento bibliográfico preliminar, notou-se a magnitude da temática e logo foi percebido que era necessário algo mais. Diante dessa latente necessidade de aprofundamento jurídico-científico, ponderou-se ser mais viável que a pesquisa tomasse a forma de um artigo científico.

Percebeu-se, desde logo, a existência de uma enorme quantidade de material bibliográfico sobre provas ilícitas em matéria processual penal. Ora, isso foi, à primeira vista, muito positivo, visto que inúmeros autores abordavam o tema tanto em estudos específicos quanto nos tradicionais manuais universitários. Todavia, o que, em teoria, facilitaria a vida do pesquisador, na realidade, na prática poderia vir a complicar, pois quantidade não pode ser confundida com qualidade. Então, considerando os ensinamentos de Arthur Schopenhauer [02], que se corroboram perfeitamente com a afirmação do Prof. Dr. Teodomiro no sentido de que "é necessário buscar o conhecimento na fonte" [03], limitou-se o universo bibliográfico da pesquisa aos estudos mais relevantes aos objetivos pretendidos neste estudo, de modo a não perder o foco preestabelecido. Portanto, para a realização do presente trabalho foi utilizada de forma mais preponderante uma bibliografia mais específica, não se descartando, pois, o aproveitamento ainda que subsidiário, dos manuais quando estritamente necessário. Assim, foi visando à realização de um estudo sério e estritamente comprometido com a ciência jurídica e afastando-se ao máximo de considerações meramente "pareceristas" que se delineou o presente artigo.

A problemática das provas ilícitas no processo penal vem crescendo a cada dia. Acredita-se ser decorrência principalmente do enorme avanço tecnológico, que possui, como tudo na vida, pontos positivos e pontos negativos. Do ponto de vista positivo, o desenvolvimento das tecnologias tem contribuído em ritmo bastante acelerado à solução de problemas cotidianos da vida humana, tais como a cura de doenças antes tidas como incuráveis, a facilidade de acesso a informações das mais variadas e a consequente difusão do conhecimento em velocidade praticamente incalculável, além de outros inúmeros exemplos, bastando, portanto, olhar a nossa volta para comprová-los. Ocorre que esse avanço tecnológico não somente traz soluções, mas também gera inúmeros problemas. Incluído aí está o problema das provas ilícitas em matéria processual penal, uma vez que, em decorrência do aumento na criminalidade e da dificuldade na elucidação dos delitos, o uso de certas tecnologias como solução, quando não realizada na forma prescrita na lei e respeitando os direitos fundamentais do homem, pode gerar lesão a certos direitos subjetivos do cidadão. Tal fato impõe ao direito, enquanto mecanismo de normatização social, o encontro de um ponto de equilíbrio, a fim de evitar a lesão aos aludidos direitos fundamentais, garantindo-se a intimidade, a privacidade, a imagem etc.

Postas tais colocações, é possível tratar da delimitação da temática em linhas introdutórias.

Procurou-se, quando da elaboração do título, delimitar ao máximo as balizas do presente trabalho. Pretendeu-se, portanto, proceder a um estudo acerca das provas ilícitas em matéria processual penal, partindo da análise de alguns institutos essenciais ao desenvolvimento da pesquisa, definidos em sede de teoria geral da prova, a fim de, mediante a compreensão de destes, poder entender a sistemática jurídico-positiva brasileira sobre o tema. Desse modo, não integrou o objetivo o estabelecimento de uma teoria geral da prova, mas sim se perfez necessário a utilização de alguns de seus institutos para uma correta compreensão da problemática em questão. Ressalte-se, por oportuno, que o termo institutos foi empregado no sentido de abarcar tanto as definições quanto os conceitos compreendidos na acepção da aludida teoria geral. Essa observação se perfaz necessária, uma vez que foram considerados os conceitos como sendo fruto de um processo evolutivo de desenvolvimento jurídico-científico, portanto, mutáveis ao passo da evolução da ciência jurídica. Já quanto às definições, levou-se em conta que são fruto de entendimentos consolidados no meio da ciência do ditério.

E em relação à juridicidade positiva brasileira? Bem, esta denota o fim precípuo deste estudo, ao passo que delimita exatamente onde pretendeu se chegar com esta pesquisa, ou seja, almejou-se, com base nos limites lógico-jurídicos traçados pela teoria geral, analisar o que seria juridicamente possível e viável à luz da sistemática processual penal pátria (norma processual penal positiva).

O trabalho foi desenvolvido em três momentos distintos que se complementam entre si em uma relação de interdependência lógica.

Num primeiro momento, estabeleceram-se as principais balizas lógico-jurídicas que delimitaram as possibilidades de alcance do estudo. Tomou-se por base, para tanto, os institutos essenciais ao desenvolvimento deste, constantes na teoria geral da prova, acerca, primordialmente, do direito à prova e seus desdobramentos (conceito e natureza jurídica), e, a partir de então, procedeu-se a uma análise compreensiva do referido direito no ordenamento processual pátrio. Identificaram-se seus fundamentos constitucionais e legais e, por conseguinte, quais seriam as restrições ao seu exercício, dentre estas, a inadmissibilidade das provas ilícitas, a qual foi estudada mais aprofundadamente na segunda parte deste estudo.

Partindo-se de noções fundamentais em relação à prova lícita, à luz dos ensinamentos de Melendo, fez-se, num segundo momento, uma análise do atual conceito da prova ilícita, onde, a partir as diferenças entre esta e a prova ilegítima, delimitou-se o seu possível conceito. Logo após, foram tecidas algumas considerações quanto à prova ilícita por derivação e quanto à questão da prova autônoma (em sub-tópicos apartados respectivamente), dentro da sistemática jurídico-positiva pátria.

Na terceira parte do trabalho, foi ponderada a viabilidade de utilização das provas ilícitas no processo criminal, onde foram catalogados alguns entendimentos acerca dessa questão, e também analisou-se a questão da proporcionalidade em matéria de provas ilícitas, o que se deu com base na doutrina de Gomes Filho.

Utilizou-se do ponto de vista metodológico, para a realização deste artigo, pesquisa do tipo bibliográfica exploratória, procedida em livros de doutrina e artigos científicos a respeito do tema central e afins. Com realização a utilização de entendimentos jurisprudenciais, estes não fizeram parte do universo desta pesquisa, uma vez que possuem um caráter de mutabilidade muito aguçado e de cientificidade um tanto quanto duvidosa.

Por fim, acredita-se que, mediante o cumprimento dos objetivos desde estudo, foi dada uma humilde, todavia, séria e comprometida contribuição, calcada nos critérios jurídico-científicos especificados nestas primeiras colocações, ao desenvolvimento da problemática das provas ilícitas em sede de processo penal, postos nos termos seguintes.


1. Direito à prova em matéria processual penal

Primeiramente, cabe uma ressalva às possíveis acepções do termo prova, quando empregado de forma autônoma, porque este possui dois sentidos bem distintos, quer dizer, (a) ora é empregada com a conotação do que se pretende comprovar e (b) ora é posta denotando a idéia de meio utilizado para tanto. [04] Não é em nenhum desses sentidos que se encontra disposto o termo prova quando da expressão direito à prova. A prova enquanto direito está inserida nos quadros do devido processo legal, ou seja, trata-se de um dos possíveis desdobramentos deste. Nesse sentido, Fernandes afirma:

Liga-se o direito à prova estritamente aos direitos de ação e de defesa. De nada adiantaria a autor e réu o direito de trazer a juízo suas postulações se não lhes fosse proporcionada oportunidade no desenvolvimento da causa para demonstrar suas afirmações. Apresenta, em decorrência de tal ligação, a mesma natureza dos direitos de ação e de defesa, ou seja, um direito subjetivo público ou cívico. [05]

Dessa feita, direito à prova deve ser considerado como direito público subjetivo inerente ao exercício da ação penal para ambas as partes do processo: autor e réu. É, pois, o direito de convencer o julgador quando à veracidade de determinada alegação. Assim, direito à prova é direito de provar algo a alguém. Também corrobora com essa conclusão o entendimento de Gomes Filho, no sentido de que o direito à prova se caracteriza como "um verdadeiro direito subjetivo à introdução do material probatório no processo, bem como de participação em todas as fases do procedimento respectivo" [grifos do original] [06] e, mais adiante, arremata Gomes Filho:

O reconhecimento de um verdadeiro direito subjetivo à prova, cujos titulares são as partes no processo (penal, no nosso caso), supõe considerar que as mesmas devem estar em condições de influir ativamente em todas as operações desenvolvidas para constituição do material probatório que irá servir de base à decisão; nessa visão, a prova, antes de tudo, deve ser atividade aberta á iniciativa, participação e controle dos interessados no provimento jurisdicional.[grifos do original] [07]

Interessante frisar a subdivisão proposta por Fernandes no sentido de que o direito ora engloba os seguintes direitos: (a) direito de requerer a produção de prova; (b) direito a que o juiz decida sobre o pedido de produção da prova; (c) direito a que, deferida a prova, esta seja realizada, tomando-se todas as providências necessárias para a produção; (d) direito a participar da produção da prova; (e) direito a que a produção da prova seja feita em contraditório; (f) direito a que a prova seja produzida com a participação do juiz; (g) direito a que, realizada a prova, possa manifestar-se a seu respeito; (h) direito a que a prova seja objeto de avaliação pelo julgador. [08] Não se faz necessário o direcionamento deste estudo a um aprofundamento maior sobre tais desdobramentos do direito à prova para fins deste trabalho científico, sendo bastante, pois, a simples menção dessa classificação.

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Diante dessa primeira análise feita sobre o direito à prova à luz da teoria geral da prova, puderam-se delinear os contornos adotados neste estudo no que pese ao conceito, à natureza jurídica e à classificação do referido direito subjetivo em sede de processo penal. Portanto, tomando por base tais balizamentos teóricos, fundamentais ao cumprimento dos objetivos visados ao final do trabalho, é possível adentrar à disciplina de tal problemática no ordenamento processual penal pátrio, o que será procedido no sub-tópico seguinte.

1.2. Fundamentação jurídico-positiva do direito à prova: o regime constitucional e seus desdobramentos no processo penal pátrio

Duas serão as perspectivas debatidas neste momento, a saber: os embasamentos jurídico-positivos do ordenamento brasileiro: (a) constitucionais e (b) infraconstitucionais. O direito à prova no ordenamento constitucional pátrio, de acordo com Gomes Filho:

[...] além de consagrar as tradicionais cláusulas do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inc. LV), também assegura o devido processo legal (art. 5º, inc. LIV) e a presunção de inocência (art. 5º, LVII) dos quais também se extrai o direito de se defender-se provando, que não somente é pressuposto de um justo processo e equitativo, mas também condição indispensável para que se possa obter, validamente, a prova da culpabilidade.[grifos do original] [09]

Percebe-se, preliminarmente, que o direito à prova é um direito constitucionalmente positivado, decorrente regime do devido processo legal proposto na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Observe-se, por oportuno, assim como ressalva Dantas, que o devido processo legal "funciona muito mais como garantia do cidadão (no sentido que lhe dá a CF, art. 1º, inciso II), do que como direito" [10]. Pouco mais a frente o autor afirma que o devido processo legal se desdobra em outros 07 (sete) princípios: (a) princípio da isonomia (art. 5º, caput e I); (b) princípio do promotor e do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII); (c) princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e do direito de ação (art. 5º, XXXV); (d) princípio do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV); (e) princípio da obtenção da prova ilícita (art. 5º, LVI); (f) princípio da publicidade dos atos processuais (art. 5º, LX e 93, IX); (g) princípio da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX). [11]

Diante do exposto, nota-se desde então a possibilidade de classificar o direito a prova sob duas perspectivas. Uma primeira, conforme proposta por Gomes Filho, considerando o direito à prova como corolário tanto do devido processo legal quanto da presunção de inocência, das cláusulas do contraditório e da ampla defesa, bem como uma segunda que possibilita que o aludido direito integre o devido processo legal abarcando um de seus possíveis desdobramentos, de acordo com o entendimento de Dantas. Porém, tomar partido em prol de uma ou de outra teoria delongaria demasiadamente a discussão o que se afastaria consideravelmente dos objetivos desta pesquisa.

Todavia, pode-se certamente concluir que o direito à prova é um direito constitucionalmente assegurado e está incluído no rol de direitos fundamentais do homem, na acepção dada por Silva [12].

Já na atual sistemática processual penal brasileira, a iniciativa probatória é de incumbência das partes, podendo, inclusive, o juiz determiná-las de ofício. Desse modo, são três as possibilidades de exercício do direito à prova do ponto de vista infraconstitucional: (a) por parte do órgão acusador (Ministério Público ou querelante, conforme o caso); (b) por parte do acusado (Advogado – constituído ou dativo – ou Defensor Público); (c) por parte do Juiz. As três possibilidades elencadas serão aprofundadas nos parágrafos posteriores.

Em relação ao direito-dever de prova do órgão de acusação, ao proceder ao levantamento bibliográfico a respeito do tema, vislumbrou-se que era necessário iniciar a investigação a partir do encargo da prova e de sua rigorosidade em sede de processo penal. Nessa linha, Mittermaier afirma:

[...] todo o processo consiste em um combate singular entre os dois [referindo-se ao acusador e ao acusado]; de modo que, esforçando-se cada um para atrair a si as convicções do juiz, é também cada um forçado a dar a prova ou a contraprova, e a absolvição se torna conseqüência necessária da prova não produzida pelo acusador. [13]

Mais adiante o autor doutrina:

A prova de acusação adquire maior importância por dever ser inteira e completa, para que possa haver decretação de pana; e só é plena e inteira, quando os fatos que motivam essa decretação de pena se tornaram juridicamente certos. [14]- [15]

Malatesta, ao tratar do ônus da prova em matéria criminal, entende que em decorrência da presunção de inocência atinente ao acusado, "no juízo penal, a obrigação da prova cabe a acusação" [16]. Dentre os autores nacionais, Jardim, ao tratar do ônus da prova na ação penal condenatória, à luz da sistemática positiva brasileira, leciona no mesmo sentido. [17]

É de se perceber que ônus probatório em matéria processual penal é do órgão acusador, por isso afirmou-se em linhas anteriores que o direito à prova da acusação é, pois, um direito-dever, ou seja, é a este órgão que incumbe o ônus da prova. Não se trata, dessa feita, de uma faculdade processual, mas sim de um ônus na correta acepção do termo. Tal fato decorre logicamente do princípio constitucional da presunção de inocência, que põe o acusado em posição de inocente até seja transitada em julgado uma sentença condenatória. Assim, quem acusa deve provar suas alegações em todos os seus termos, sob pena de ter sua pretensão denegada. Essa é a regra geral do ordenamento brasileiro, entretanto, após as alterações procedidas pela Lei 11.690/08 ao art. 157, do Código de Processo Penal (CPP), a aludida regra foi excetuada, podendo o juiz, a partir de então, de forma facultativa ordenar de ofício a feitura de provas. Essa discussão será aprofundada logo depois de serem investigados alguns aspectos relevantes do direito à prova inerente à defesa.

Por parte do acusado, seja por meio de seu Advogado – constituído ou dativo – ou de Defensor Público, o direito à prova é propriamente uma faculdade processual, ou seja, um direito-faculdade. Portanto, o conteúdo do art. 156, do CPP, deve ser interpretado com esta ressalva. Isso se dá pelo mesmo motivo que ocorre em relação ao ministério público, quer dizer, a condição constitucional de inocência relativamente presumida do acusado faz com que o ônus da prova em relação à acusação seja considerado um direito-dever e em relação à defesa seja considerada uma simples faculdade processual, o que não impede o acusado de se defender com provas, mas lhe dá a possibilidade da deficiência probatória da acusação ser levada em seu favor.

Na contramão dessa regra vem a faculdade do juiz determinar a realização de provas de ofício. Essa possibilidade inerente ao juiz, de se convencer livre e motivadamente, quando da decisão, portanto, é um direito-faculdade, assim como o da defesa, mas com outro embasamento.

De acordo com Mittermaier, o modelo de processo acusatório moderno "admite um magistrado incumbido da instrução, procedendo a informação do mesmo modo que no processo inquisitório; preocupando-se, sobretudo, com a manifestação da verdade" [18]. Ora, a atual sistemática do art. 156, do CPP, parece ser calcada nessa perspectiva, porém, de forma um tanto quanto adaptada. Já se discute na doutrina, inclusive, a constitucionalidade desse poder faculdade do julgador. [19] Entretanto, não cabendo adentrar por este viés. Cabe apenas pontuar que, para fins jurídico-positivos, o ordenamento processual contemplou este direito-faculdade ao julgador em duas hipóteses estabelecidas nos incisos I e II do referido artigo: para (a) ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação, e proporcionalidade da medida; e para (b) determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

1.3. Restrições ao direito à prova

O direito à prova não é um direito irrestrito. Ao tratar especificamente a questão, Gomes Filho entende:

O direito das partes à introdução, no processo, das provas que entendam úteis e necessárias à demonstração dos fatos em que se assentam suas pretensões, embora de índole constitucional, não é, entretanto, absoluto. Ao contrário, como qualquer direito, também está sujeito a limitações decorrentes da tutela que o ordenamento confere a outros valores e interesses igualmente dignos de proteção. [20]

Essas regras de limitação são, no dizer do mencionado autor, de ordem lógica, psicológicas, éticas, jurídicas etc. [21] Sendo, pois, a "inobservância uma inevitável fratura entre o julgamento e a sociedade" [22]. Mais adiante, o autor leciona no sentido de que "a verdade judicial requer a obediência a certos parâmetros bem delineados no seu processo de construção, sem os quais confundir-se-ia com um intolerável arbítrio do juiz" [23].

A metodologia das provas impõe um conjunto de regramentos amplo, com a função de garantir os direitos das partes, legitimando a atividade jurisdicional. Assim, as restrições ao direito à prova implicam em limitação tanto em relação ao objeto quanto em relação aos meios de prova. Tais limites são fundamentados em elementos extraprocessuais, de ordem política, e em elementos processuais, de ordem lógica e epistemológica. [24]

Os critérios jurídico-positivos de admissibilidade são direitamente opostos aos de inadmissibilidade. Dessa feita, a conformidade da prova com a legislação processual habilita-a a produzir efeitos, o que não ocorre no caso de desconformidade. [25] Nessa perspectiva, Gomes filho compreende:

A admissibilidade da prova constitui, portanto, um conceito de direito processual e consiste numa valoração prévia feita pelo legislador, destinada a evitar que elementos provenientes de fontes espúrias, ou meios de prova reputados inidôneos, tenham ingresso no processo e sejam considerados pelo juiz na reconstrução dos fatos; daí sua habitual formulação em termos negativos: inadmissibilidade, proibição de prova, ‘exclusionary rules’ [26].[grifos do original] [27]

Não cabem mais delongas sobre a admissibilidade probatória em matéria processual penal, por que não compõe o objeto central da pesquisa, sendo suficiente sua menção contextualizada, conforme procedido nas linhas passadas. Diante disso, passa-se por ora a uma análise acerca das possibilidades de inadmissibilidade probatória.

Sobre tal questão, mencionou-se anteriormente que a inadmissibilidade poderia ocorrer por razões de ordem (a) processual e (b) extraprocessual. O primeiro caso, de acordo com Gomes Filho, destina-se "a evitar que o convencimento do juiz ou dos jurados possa ser conduzido a conclusões arriscadas, sob o prisma de uma correta reconstrução dos fatos" [28], citando como exemplo:

[...] a obrigatoriedade da prova pericial para a constatação da materialidade da infração penal, quando esta deixar vestígios, excluído peremptoriamente o recurso à confissão do acusado (art. 158 CPP), mas com a possibilidade de suprimento pela prova testemunhal, no caso de desaparecimento dos vestígios (art. 167 CPP). [29] - [30]

Outras são as regras constantes na legislação processual, todas, porém, focadas no mesmo fundamento: a busca pela verdade desvinculada de possíveis distorções. Constituindo, assim, uma importante cláusula de garantia voltada para obtenção da verdade. [31]

Dentre as possibilidades de inadmissibilidade probatória por razões extraprocessuais, encontra-se a questão da inadmissibilidade das provas ilícitas. [32] A exclusão da prova ilícita se dá por tais razões, pois, no entender de Gomes Filho:

Especialmente na área criminal, em que se cuida de restaurar a ordem violada pelo delito, seria inconcebível que o Estado, para impor a pena, se utilizasse de métodos que não levassem em conta a proteção dos mesmos valores tutelados pela norma material. Semelhante contradição comprometeria o próprio fundamento da sanção criminal e, em conseqüência, a legitimação de todo o sistema punitivo. [33]

Mais adiante o autor conclui:

[...] verifica-se, principalmente nas últimas décadas, uma tendência a um alargamento do campo das proibições de prova, com base na constatação de que o ordenamento é uno e, assim, a violação de qualquer das suas regras, com o propósito de obtenção de provas, deve conduzir ao reconhecimento da ilegalidade das mesmas e, em consequência, a sua inaptidão para formação do convencimento judicial. [34]

A vedação da admissibilidade das provas ilícitas encontra base na CF/88, que em seu art. 5º, LVI, estabelece: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". No mesmo diapasão, o CPP, em seu art. 157, com redação dada pela Lei 11.690/08, determina: "São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais".

Neste sub-tópico, não se perfaz a necessidade de um maior aprofundamento da investigação na ceara da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo criminal, pois, para tanto serão dedicados os pontos subsequentes, ao passo que aqui é suficiente apenas a sua identificação como um elemento restritivo de ordem extraprocessual, incluído no ordenamento jurídico brasileiro, com sede, inclusive, na Constituição Federal de 1988 e no Código de Processo Penal.

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Sobre o autor
Saulo Romero Cavalcante dos Santos

Advogado. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Caruaru (ASCES). Pesquisador na área de Direito Processual Penal, com ênfase na constitucionalização do processo penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Saulo Romero Cavalcante. Provas ilícitas em matéria processual penal.: Da teoria geral da prova à juridicidade positiva brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2483, 19 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14705. Acesso em: 24 abr. 2024.

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