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Os direitos autorais e a problemática da reprodução não autorizada de obras

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09/06/2010 às 00:00
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4. Reprodução não autorizada de obras nos meios de comunicação

Registrou-se, anteriormente, que a reprodução parcial ou integral da obra é um direito exclusivo do autor e se caracteriza como uma das modalidades de utilização da obra, nos termos do art. 29, inc. I, da LDA.

Realmente, é de interesse da sociedade que seja atribuído ao autor uma compensação financeira razoável em decorrência de sua contribuição intelectual para a cultura social, não se permitindo que terceiros se locupletem indevidamente dos produtos financeiros que uma obra tende a causar, pois, se assim não fosse, nenhum estímulo restaria à produção intelectual nacional.

Dessa maneira, há de se observar que a reprodução nos casos em que há lucro direto ou indireto merece repúdio e conseqüente penalização pelo ordenamento pátrio, de modo a cobrar os direitos autorais devidos. Típicos casos são pessoas que disponibilizam uma determinada obra na internet e obtêm, através de tal reprodução, lucro indireto.

Situação diversa é quando determinada pessoa disponibiliza uma certa obra, ou a reproduz, comunicando-a ao público, sem qualquer intuito de lucro, utilizando-se de suas prerrogativas constitucionais de acesso à cultura, liberdade de expressão e o direito de informação.

É o caso, por exemplo, da fã de Vinícius de Moraes, ou, então, das Bibliotecas Virtuais que estão espalhadas na Internet, onde disponibilizam centenas de obras de autores, sem autorização, com fim educacional ou cientifico.

Entretanto, vale deixar a ressalva que nossa legislação não concebe tais práticas, considerando-as violação ao direito autoral, ainda que a comunicação de dada obra se dê sem o intuito de lucro, e sem acarretar prejuízos morais e materiais ao autor.

O art. 68 da LDA, conforme já analisado, proíbe a representação ou execução pública de obras, sem autorização do autor. E o art. 46 da mesma lei, ao estabelecer as limitações do direito do autor, estipula no inc. II, por exemplo, que a reprodução só pode ser feita para uso exclusivo do copista, apenas em pequenos trechos da obra. No inc. III estabelece uma série de limitações para o direito de citação. Já no inc. VI, estabelece que as execuções públicas só podem ser realizadas em recinto familiar ou no âmbito dos estabelecimentos de ensino.

A partir de uma interpretação sistemática da legislação autoral, não restam indagações de que se trata de uma legislação mercenária e exclusivista, tomando o direito autoral como absoluto e olvidando a incidência de outros direitos fundamentais, a que o legislador não levou em consideração.

Um exemplo bastante interessante para reforçar os argumentos de que a lei autoral tem tendência patrimonialista e anti-social, é o trazido por Denis Barbosa, [23] quando menciona que os coros escolares só podem ser realizados no âmbito do próprio estabelecimento de ensino, [24] ainda que sem intuito de lucro. Mas se inexiste auditório na escola e é realizado um coro escolar em uma praça próxima ao estabelecimento de ensino, com objetivo educacional e sem intuito de lucro, existirá violação ao direito do autor? Para nossa lei autoral, sim!

Ora, o interesse da sociedade é que a produção cultural se dê da forma mais ampla possível, e uma legislação excessivamente protecionista para o titular dos direitos autorais, impedindo a divulgação e reprodução de certas obras, ainda que sem lucro direto ou indireto, representa um verdadeiro retrocesso ao estímulo cultural.

Qual o aproveitamento intelectual de determinada pessoa, se a lei autoral, por exemplo, permite apenas que a obra seja copiada em pequenos trechos, o que atualmente tem correspondido a apenas 10% (dez por cento) de sua totalidade? Praticamente, nenhum.

Registre-se, ainda, quanto à questão do uso privado, que a lei atual é bem mais mercenária e egoística que a anterior (lei 5988/73), eis que esta permitia a reprodução, em um só exemplar, de toda a obra, contanto que não se destinasse à utilização com intuito de lucro. [25]

Afirma, com propriedade, Vieira Manso que "desde que o uso privado não extravase o círculo privado e que não importe em utilização econômica da obra intelectual, deve ser livre e tolerado, visto que nenhum prejuízo acarreta ao autor". [26] (Grifo nosso).

De outro norte, está claro que a Internet representou uma saída para que certas pessoas tenham acesso às obras, já que o espaço cibernético é de difícil fiscalização. Atualmente, é muito caro o acesso às obras artísticas, literárias e científicas [27], fator preponderante para a estimulação do mundo pirata.

Se houvesse uma modificação nas leis autorais, muitos artistas, gravadoras e editoras poderiam argumentar que os titulares dos direitos patrimoniais sofreriam grandes prejuízos.

Entretanto, a prática não demonstra isso. A Folha de São Paulo, por exemplo, disponibiliza seus artigos, diariamente, na Internet, e nem por isso houve prejuízos notórios nas vendas dos jornais.

Não obstante, uma legislação que não corresponde aos anseios da sociedade acarreta, indubitavelmente, a sua não efetividade perante o meio social. Se o legislador optasse por um equilíbrio entre o interesse do autor e o da sociedade, dificilmente, estaríamos vivenciando essa realidade da pirataria.

Infelizmente, a jurisprudência brasileira é praticamente inexistente quanto à tese ora discutida, o que dificulta ainda mais a problemática da reprodução não autorizada de obras. Dentre as poucas jurisprudências existentes, há de se mencionar a decisão do Ministro Relator Moreira Alves, em sede de recurso extraordinário, no STF. Na destacada decisão, o Ministro entende que o direito de citação não pode ser restringido ao ponto de elidir o direito de liberdade de expressão. Pronunciou o Ministro, em seu voto, que "a sociedade tem grande interesse na circulação das idéias e informações sob todas as formas de comunicação, incentivando também o espírito crítico e a liberdade de opinião". [28]

No direito comparado, principalmente nos EUA, surgem novas doutrinas que coadunam com o entendimento ora esposado. Estas perspectivas surgem para atender aos anseios da sociedade, pois uma legislação protecionista excessiva estimula o lado oposto, qual seja, o combate à pirataria.

A título de elucidação, citem-se as doutrinas do fair use (Código Civil americano, no Título 17, Seção n° 107), que representa barrar os direitos autorais quando em confronto com o interesse público, [29] legitimando o uso e reprodução de obras, sem autorização, quando atender aos interesses da cultura, da democratização da informação, da tutela à educação e da liberdade de expressão.

Em decorrência desse caráter argentário da lei brasileira, imperioso se faz trazer a lume que a ABPI (Associação Brasileira da Propriedade Intelectual) aprovou em 20 de outubro de 2005 a resolução nº 67 [30], oriunda da Comissão de Direitos Autorais, para o fim de sugerir alterações legislativas, ao argumento de que as limitações ao direito autoral, constantes na LDA, não se enquadram dentro de um conceito justo e razoável.

Nas considerações iniciais da referida resolução, a CDA entendeu que as limitações ao Direito de Autor não são reguladas satisfatoriamente pelo artigo 46 da Lei 9.610/98; a necessidade premente de a Lei 9.610/98 buscar resolver os atuais conflitos entre os interesses dos autores e o interesse público de acesso à informação e à cultura;
e que a relação taxativa de limitações não favorece o cumprimento da função social do Direito de Autor.

Dentre as principais alterações sugeridas, merecem especial relevo:

a)a preocupação de adaptar as limitações do art. 46 aos meios de comunicação e divulgação atuais, como a Internet;

b)a possibilidade de uso privado de obra, sem limitá-lo a pequenos trechos, desde que não cause prejuízo ao autor e respeite os direitos morais, previstos no art; 24;

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c)a possibilidade de reprodução integral, por biblioteca de acesso ao público, para fins de consulta, de obra pertencente a seu acervo; e muitos outros.


Conclusão

Não se pretende com o presente trabalho estimular a pirataria. Não! Trata-se de uma conduta criminosa prevista no art. 184 do Digesto Penal e que merece repúdio social.

No entanto, deve haver uma interpretação mais branda da legislação autoral, para o fim, inclusive, de combater o plágio e a contrafação, e conseqüentemente, torná-la mais efetiva perante o seio social.

Nesse diapasão, em razão de direitos fundamentais como a cultura, liberdade de expressão e informação, a reprodução gratuita de obras, quando não acarrete prejuízos ao autor, deverá ser entendida como exceção aos direitos autorais, posto que, nesses casos, o interesse social deverá preponderar sobre o interesse individual.

O ideal seria uma profunda modificação da lei em vigor, como pretende a ABPI (Associação Brasileira de Propriedade Intelectual). Mas enquanto isso não acontece, cumpre às empresas adotar estratégias de mercado que facilitem o acesso às obras pela população, pois o enriquecimento cultural de um povo é uma das maiores virtudes de uma nação, assegurando a todos a dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito.


Referências

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ZISMAN, Célia Rosenthal. A liberdade de expressão na Constituição Federal e suas limitações: limites dos limites. São Paulo: Livraria Paulista, 2003.


Notas

  1. BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 2002, p. 8.
  2. COSTA NETTO, José Carlos. Direito autoral no Brasil. 1998, p. 49.
  3. MOUCHET, Carlos; RADAELLI, Sigfido. Derechos intelectuales sobre las obras literárias y artísticas. 1947, t. 2, p. 3
  4. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 1997, p. 157.
  5. BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 50.
  6. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 2006, p. 277.
  7. MIRANDA, Francisco Pontes de. Tratado de direito privado. 2002, p. 63.
  8. MANSO, Vieira. Direitos autorais: exceções impostas aos direitos autorais. 1980, p. 23.
  9. Art. 5°, inc. XXII.
  10. Ibidem, inc. XXIII.
  11. Art. 170, inc. III.
  12. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 2000, p. 192.
  13. BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2003, p. 20.
  14. MANSO, Vieira. Os fundamentos da exclusão da ilicitude em atos que contrariam direitos autorais. In: RT 557/255. SNT, p. 12.
  15. As limitações aos direitos autorais encontram-se nos arts. 46, 47 e 48 da lei 9.610/98.
  16. SILVA, José Afonso. Ordenação constitucional da cultura. 2001, p. 49.
  17. FREITAS, Denis de. apud ABRÃO, Elyane Y. Direitos de autor e direitos conexos. 2002, p. 40.
  18. SNT. Direitos autorais. Disponível em: <http://conjr.uol.com.br/view.cfm?id=17827&print= yes>.
  19. ZISMAN, Célia Rossenthal. A liberdade de expressão na Constiuição Federal e suas limitiações. 2003. p. 81.
  20. LIMA, Mônica Simas. Os direitos autorais na era da internet. 2002, p. 36.
  21. COELHO, Ricardo. O Direito à informação no espaço virtual. 2003, p. 136-150.
  22. ASCENSÃO, José de Oliveira. Op. cit., p. 19.
  23. BARBOSA, Denis Borges. Direito autoral: apresentações gratuitas. Disponível em: www.denisbarbosa.addr.com.br.
  24. Conforme dispõe o art. 46, inc. VI da LDA.
  25. Art. 49, inc. II, da lei 5988/73.
  26. MANSO, Vieira. Op. cit., p. 218.
  27. VIANNA, Túlio Lima. A ideologia da propriedade intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos patrimoniais de autor. Disponível em http://jus.com.br/artigos/8932
  28. In: RE 113.305-RJ, 1989, STF: Recte.: TV Globo Ltda. Recdo.: TV Studios Rio de Janeiro LTDA.
  29. Tessler, Leonardo Gonçalves. O direito autoral e a reprodução, distribuição e comunicação de obra ao público na internet. In: Propriedade intelectual & internet. 2002. p. 199.
  30. Disponível em http://www.abpi.org.br/bibliotecas.asp?idiomas=Português&secao=Resoluções%20da%20a BPI&codigo=3&resolucao=2.
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Sobre o autor
Gustavo Tenorio Accioly

Advogado. Pós-graduado em Direito Processual Civil e Civil pela Universidade Dom Bosco. Pós-graduado em Direito do Trabalho pela UNIDERP. Pós-graudando em Direito Constitucional pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ACCIOLY, Gustavo Tenorio. Os direitos autorais e a problemática da reprodução não autorizada de obras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2534, 9 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15001. Acesso em: 18 abr. 2024.

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