1.Considerações Iniciais. Sobre o sistema de proteção ao trabalho e ao trabalhador
O direito à saúde dos trabalhadores foi dos primeiros móveis da luta entre trabalhadores e empregadores. É que, como se sabe, durante a revolução industrial não havia uma maior preocupação do empresariado com a saúde e segurança, principalmente dos que se relacionavam às fábricas.
Isso, aliado à falta de higiene, jornadas excessivas, exploração de crianças e mulheres geravam acidentes, que, senão destruíam a força de trabalho (matando trabalhadores ou deixando-os inválidos), reduziam a sua capacidade de produzir, sensivelmente.
Por isso se faz referência ao surgimento da Medicina do Trabalho em 1830, quando um proprietário de industria têxtil, o Sr. Robert Dernham, buscou orientação médica para evitar acidentes com os seus empregados.
No Brasil, a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho prevê um título específico sobre o tema "Segurança e Medicina do Trabalho". A Constituição Federal, de outro lado, elevou a questão da segurança do trabalho, tutelando igualmente a saúde do trabalhador.
Além da questão humanitária, cumpre fazer algumas considerações sobre as perdas econômicas que tal fato gera. Pesquisas [01] estimam que se perca, apenas no Brasil, o equivalente a meio milhão de dias de trabalho, em razão de acidentes de trabalho.
Além desses custos, diluídos por toda economia nacional, há que se considerar, ainda, os riscos do próprio empregador de ser acionado para responder perante o Poder Judiciário, em diversos âmbitos, em razão dos aludidos acidentes de trabalho.
Isso porque o fenômeno do acidente de trabalho pode gerar conseqüências variadas, em diversos âmbitos: administrativa, previdenciária, penal, civil.
Apenas por exemplo, no que concerne à responsabilidade administrativa, a ocorrência de acidentes de trabalho pode ensejar na demonstração do descumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho, que pode ocasionar multas, embargos ou interdições, as mais flagrantes atuações das SRT´s – Superintendências Regionais do Trabalho.
Nesse sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região [02]:
AGRAVO DE PETIÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA IMPOSTA AO EMPREGADOR PELA DELEGACIA REGIONAL DO TRABALHO.
São devidas as multas impostas pela Delegacia Regional do Trabalho quando comprovada a prática reiterada pelo empregador de infrações às leis trabalhistas, relatadas minuciosamente pelo Fiscal do Trabalho nos respectivos Autos de Infração.(AG-PET nº 01114-2005-027-12-00-3 (089/2006), 2ª Turma do TRT da 12ª Região/SC, Rel. Edson Mendes de Oliveira. j. 05.07.2006).
No mesmo sentido, a ocorrência de acidentes do trabalho igualmente impõe responsabilidades de ordem previdenciária. Com efeito, o gozo de benefício previdenciário pelo trabalhador em razão do acidente pode ocasionar o aumento do índice de sinistralidade não apenas da empresa, mas de toda a categoria, o que repercute diretamente no Fator Acidentário de Prevenção – FAP, e no cálculo do valor do SAT – Seguro de Acidente do Trabalho.
O art. 202-A do dec. 3048/99 assim dispõe:
"Art. 202-A. As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202 serão reduzidas em até cinqüenta por cento ou aumentadas em até cem por cento, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção - FAP.
§ 1º O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois inteiros (2,0000), aplicado com quatro casas decimais, considerado o critério de arredondamento na quarta casa decimal, a ser aplicado à respectiva alíquota.
§ 2º Para fins da redução ou majoração a que se refere o caput, proceder-se-á à discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade econômica, a partir da criação de um índice composto pelos índices de gravidade, de frequência e de custo que pondera os respectivos percentis com pesos de cinquenta por cento, de trinta cinco por cento e de quinze por cento, respectivamente.
§ 4º Os índices de freqüência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta:
I - para o índice de freqüência, os registros de acidentes e doenças do trabalho informados ao INSS por meio de Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT e de benefícios acidentários estabelecidos por nexos técnicos pela perícia médica do INSS, ainda que sem CAT a eles vinculados; (...)"
Há ainda que se falar em repercussão penal dos acidentes do trabalho. De fato, é muito comum a ocorrência de mortes ou lesões corporais em acidentes de trabalho. A conduta dolosa ou culposa do agente que der causa a esses resultados é que determinará a tipificação penal da conduta. Também pode ocorrer o crime de exposição da vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente, previsto no artigo 132 do Código Penal. O simples descumprimento das regras de segurança e higiene no trabalho, independente da ocorrência de acidente, já caracteriza a contravenção penal, conforme previsto no artigo 19 § 2º da Lei nº. 8.213/1991.
Nesse mesmo sentido decidiu o Tribunal de Justiça de Rondônia [03]. Verbis:
Homicídio culposo. Acidente de trabalho. Não fornecimento de equipamentos necessários à segurança e à proteção do trabalho. Negligência configurada.Configura culpa na modalidade negligência a omissão dos réus quanto ao fornecimento de equipamentos de segurança para o desempenho de trabalho perigoso, sendo previsível o sinistro, já que se tratando de rede elétrica, lesionando e levando à morte os funcionários por violenta descarga elétrica. (TJRO - Apelação Criminal: APR 10000220010018184 RO 100.002.2001.001818-4. Relator(a): Juiz Oudivanil de Marins. Julgamento: 06/07/2006)
Há ainda que se falar acerca da responsabilidade civil. Com efeito, a responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho consiste em indenização por danos material, moral e estético, e são devidas independentemente daquelas outras já mencionadas. A responsabilidade civil implica na indenização não apenas do que o trabalhador perdeu, mas igualmente daquilo o que deixou/deixará de ter (danos materiais, como morais e estéticos).
2.Da estruturação da segurança do trabalho e da CIPA
Justamente em razão dos fortes impactos sociais que os denominados acidentes de trabalho ou descuidos com o meio ambiente de trabalho podem ocasionar é que o Direito Brasileiro instituiu uma série de mecanismos de proteção à saúde do trabalho.
Dentre estes está a tão conhecida CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, obrigatória para as empresas em que houver 50 ou mais empregados no estabelecimento, como prevê o art. 163 da CLT:
Art. 163. Será obrigatória a constituição de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes - CIPA -, de conformidade com instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho, nos estabelecimentos ou locais de obra nelas especificadas.
Seu objetivo é a prevenção de acidentes, atuando no sentido de eliminar os riscos, bem como requerendo providências da direção da empresa para adequar o ambiente de trabalho às normas de segurança, higiene e medicina do trabalho. Sua regulamentação encontra-se na NR-5, aprovada pela Portaria MTb 3.214/1978.
Às CIPAS cumprem o papel de proteção e fiscalização do direito à saúde e segurança no ambiente do trabalho, atuando junto aos sujeitos da relação de emprego, procurando soluções à prevenção ou eliminação dos riscos e agressões inerentes ao trabalho.
Podemos observar que suas atribuições não se restringem na realização das exigências legais de proteção ao trabalhador, mas, também, participam na produção de medidas de segurança e orientação aos empregados.
3.Breves considerações acerca da terceirização
Cumpre agora uma breve abordagem sobre o fenômeno da Terceirização. Tema que tem gerado diversas controvérsias no âmbito do Direito do Trabalho, material e processual, trata-se de conceito originário da Administração de empresas.
Percebeu-se que em face da especialização de determinada empresa, mesmo que dentro de um processo produtivo, seria possível o aumento da velocidade e qualidade dos serviços prestados.
Trata-se, como diz o Rodolfo Pamplona Filho [04], na transferência de segmento ou segmentos do processo de produção da empresa para outras de menor envergadura, porém de maior especialização na atividade transferida.
A idéia inicial, quando do advento das terceirizações era justamente o de aumentar a produtividade de um lado e reduzir a responsabilidade do outro. Isso porque, em regra, os ônus decorrentes da aludida terceirização ficariam à cargo não do tomador do serviço, que adquiriu ‘o serviço final, portanto’, mas do prestador.
Contudo, notou-se algumas incongruências nesse mecanismo, tendo os Tribunais Trabalhistas entendido que a possibilidade de exoneração completa de responsabilidade por parte do tomador seria injusta.
Daí o Tribunal Superior do Trabalho consagrou a regra da Súmula 331, que além de outras questões, impõe que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador do serviço quanto àquelas obrigações, desde que tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
Hoje, há quem pretenda, não apenas a responsabilidade subsidiária, mas igualmente que em caso de acidente do trabalho a responsabilidade do tomador seja solidária. Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO DA 2ª RECLAMADA. RECURSO ORDINÁRIO EM FAC-SÍMILE. PROTOCOLO DA VIA ORIGINAL APÓS O QUINQUÍDIO LEGAL. INTEMPESTIVIDADE.Tendo a via original do recurso ordinário sido protocolada após o prazo de cinco dias previsto na Lei n. 9.800/99, é intempestivo o apelo. Agravo de instrumento a que se nega provimento. RECURSO ORDINÁRIO DA 1ª RECLAMADA. ACIDENTE DE TRABALHO. CULPA DIRETA DA EMPREITEIRA E DA SUBEMPREITEIRA-EMPREGADORA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. Em tendo a empreiteira e a subempreiteira-empregadora do obreiro omitido-se cada uma por sua parte no cumprimento das normas imperativas de segurança e saúde no trabalho, incidiram em culpa direta. Cada uma cometeu ato ilícito previsto no art. 186 do Código Civil, atraindo a responsabilidade solidária na forma prevista no art. 942 do CC. (TRT-14 - RECURSO ORDINARIO: RO 31820081411400 RO 00318.2008.141.14.00. Relator(a): JUIZ FEDERAL DO TRABALHO CONVOCADO SHIKOU SADAHIRO. Julgamento: 05/08/2009. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Publicação: DETRT14 n.0148, de 12/08/2009)
Daí, note-se, que mesmo na hipótese de terceirizado o serviço, os ônus decorrentes desta terceirização não serão ‘desviados’ do tomador dos serviços. Pelo contrário, na hipótese de insolvente ou incapaz economicamente de assumir os encargos, assume o tomador pelos prejuízos advindos aos trabalhadores contratados pelos seus prestadores.
4.Relação CIPA e Terceirizados
Aqui é que se deve fazer uma reflexão sobre a área de influência da CIPA em relação aos trabalhadores. Ou seja, cumpre se perguntar se a CIPA teria condições de realizar a fiscalização das condições de trabalho, mesmo que nessas condições estejam laborando outros trabalhadores, no caso, terceirizados.
Para tanto, cumpre lembrar que as disposições que tratam das próprias atribuições da CIPA não se vinculam à pessoa do empregador, mas ao estabelecimento, a unidade propriamente. O item 5.2 da NR-5, já mencionada, determina que devem constituir CIPA, por estabelecimento, e mantê-la em regular funcionamento...
A omissão quanto à indicação expressa da atuação da CIPA apenas quanto à figura do empregador dá mostras de que a fiscalização deve envolver não apenas os empregados relacionados diretamente, ou seja, vinculados à pessoa jurídica do empregador (empregados), mas igualmente em relação aos terceirizados.
E tal sentido é bastante lógico, dada a própria redação da CLT e da NR-5, que regulamenta no que tange à CIPA. Perceba-se que, nesta, a vinculação, as atribuições da CIPA deixam de ser relacionadas à pessoa do empregador (deixando de lado o vínculo jurídico entre a empresa e os seus prestadores de serviços) e relacionam-se ao local em que o trabalho é desenvolvido.Daí parece que há relevantíssimo papel da CIPA em relação ao processo produtivo.
Além de gerar a necessária segurança, para a preservação da vida e saúde dos trabalhadores (geral), a atuação das CIPAS, inclusive no que tange à fiscalização do terceirizado, é capaz de auxiliar o empregador no que tange à responsabilidade que lhe pode ser imposta em razão da atuação dos terceirizados.
Em razão desse entendimento é que, ao nosso sentir, a CIPA serve não como a defensora de um interesse contraposto com o empregador, mas com interesses comuns. Ambos buscarão evitar acidentes, preservando, assim, a saúde do trabalhador, independente do seu vínculo de emprego com o empresário, bem como limitando a eventual responsabilidade da empresa.
Ocorre que tais fatos não ocorrem em uma oportunidade, apenas. O processo de preservação do meio ambiente do trabalho e igualmente de responsabilização do empregador é contínuo e deve estar relacionado ao próprio procedimento de contratação e execução de contratos.
Cumpre à CIPA, nesse contexto, auxiliar o empregador com as informações necessárias sobre os riscos do trabalho, permitindo, inclusive, que tais riscos possam figurar no contrato entre a prestadora e tomadora dos serviços, inclusive para que possa o empregador, agora sob a ótica contratual, exigir do contratado o efetivo cumprimento das regras de segurança do trabalho.
Cumpre ainda à CIPA, sem prejuízo da atuação direta do Tomador, a fiscalização do terceirizado, para identificar se as condições seguras de desenvolvimento do trabalho estão sendo cumpridas.
Por fim, cumpre ainda à CIPA, guarnecer o empregador/tomador de elementos fáticos e técnicos que autorizem concluir pelo descumprimento, por parte da prestadora de serviços, das regras de segurança, não apenas legalmente estipuladas, mas também as contratualmente postas.
5.Considerações Finais
Não há qualquer dúvida da relevância das questões relacionadas ao Trabalho, inclusive quanto à segurança e saúde do trabalhador. Da mesma forma, não há em relação à relevância do papel que as CIPAS desenvolvem nesse sistema.
Embora alguns entendam serem as CIPAS entraves ao desenvolvimento empresarial, tal visão não se sustenta modernamente. De outro lado, a terceirização, apontada como a ‘salvação da lavoura’ igualmente não se apresenta como o ‘melhor dos mundos’.
É preciso a mudança de visão. As funções da CIPA, como já mencionados, notadamente no que toca à fiscalização da terceirização, são mais aliadas do que contrárias aos interesses empresariais. Ambos, CIPA e empresário, têm interesse em preservar a saúde dos trabalhadores, inclusive dos prestadores de serviço.
Além de preservar o tomador, tal atitude encontra-se em sintonia com o próprio objetivo social da empresa, qual seja, a produção de riquezas de forma harmônica com os próprios interesses sociais.
Esta mudança precisa acontecer. Depende de cada um dos envolvidos nas questões de saúde e segurança do trabalho, dentre os quais se destacam os membros da CIPA, empresários, Auditores do Trabalho e técnicos. Dessa visão depende o próprio progresso. Como dizia Bernard Shaw "O progresso é impossível sem mudança. Aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar nada". É preciso mudar alguma coisa!
Notas
- Santana, Vilma Sousa et. al. In. Rev Saúde Pública 2006;40(6):1004-12.
- Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. AG-PET nº 01114-2005-027-12-00-3 Rel. Edson Mendes de Oliveira. j. 05.07.2006.
- Brasil. TJRO - Apelação Criminal: APR 10000220010018184 RO 100.002.2001.001818-4. Relator(a): Juiz Oudivanil de Marins. Julgamento: 06/07/2006.
- PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Terceirização e responsabilidade patrimonial da Administração Pública . Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2036>. Acesso em: 02 maio 201009 nov. 2009.