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Função social e recuperação de empresas.

Uma abordagem sobre o prisma da ordem econômica constitucional e da análise econômica do Direito

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16/06/2010 às 00:00
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1.Problematização e relevância socioeconômica da empresa

As sociedades empresárias são as grandes propulsoras da atividade econômica mundial. Essas instituições ocupam papel central na produção e circulação de bens e serviços e são importantes geradoras de emprego e fonte de receitas fiscais para os Estados.

Desde a Revolução Industrial em meados do século XIX até o advento da era global pós-moderna que hoje se vivencia, a sociedade empresária ganhou contornos de instituição central no cenário político-econômico. Determinadas corporações, ditas transnacionais, possuem atualmente maior influência política e econômica que vários Estados do mundo.

A atividade empresária cumpre relevante papel social e econômico, uma vez que produz bens e serviços importantes para o desenvolvimento humano, gera arrecadação tributária para os Estados além de empregos diretos e indiretos em prol dos trabalhadores. É também fundamental no equilíbrio das contas públicas e na balança comercial. As "empresas" [01] são, portanto, de grande relevância para a sociedade e economia brasileira, conforme ressalta Fábio Konder Comparato:

Se se quiser indicar uma instituição que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa. É dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da população ativa desse país, pela organização do trabalho assalariado. A massa salarial já equivale, no Brasil, a 60% da renda nacional [02].

No direito pátrio vigente, a atividade empresarial encontra positivação no Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira da Constituição Federal de 1988, especialmente no capítulo dos princípios gerais da atividade econômica, isto é, artigos 170 a 181.

A Carta Magna, sob inspiração do neoliberalismo, outorga à iniciativa privada a prioridade para a prática da atividade econômica, consoante o caput dos artigos 170 e 173. Ou seja, a ordem econômica baseia-se na propriedade privada e na livre iniciativa limitando-se o Estado à regulação econômica para corrigir distorções e condutas ilegais.

Desse modo, verifica-se que a Constituição confere à iniciativa empresarial importante papel na sociedade, condizente com seu poder econômico e político. A empresa, enquanto atividade de organização dos fatores de produção ocupa no meio social, um papel muito maior do que gerar e circular riquezas, ela atua como mecanismo de sustentação e transformação da ordem social.

Não obstante, a empresa não esta a salvo de problemas da conjuntura econômica e de governança em geral. Desse modo, cumpre ao direito regular a crise da empresa e prever mecanismos que possam salvaguardá-la enquanto tiver viabilidade econômica. Portanto, em atenção a sua relevância socioeconômica, a Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 consagrou o denominado princípio da preservação da empresa o qual é um postulado do princípio da função social da empresa.

Esses princípios orientaram a construção do instituto da Recuperação de Empresas, importante inovação do diploma concursal. A Recuperação consiste em um conjunto de mecanismos jurídicos que buscam dar sobrevida à empresa e franquear sua reestruturação. Nesse trabalho, pretende-se analisar a concreção dos princípios da Ordem Econômica Constitucional na nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, por intermédio do princípio da preservação e da função social da empresa tendo em vista a conjugação desses dispositivos na construção do instituto da recuperação de empresas.

Na observação específica do instituto da recuperação de empresas e sua efetividade, lança-se mão da análise econômica do direito, método por meio do qual se busca avaliar a aplicação efetiva da lei sob um prisma de eficiência e racionalidade econômica.


2.Princípios da ordem econômica constitucional e delimitação jurídica da função social da empresa

O princípio jurídico da função social da empresa encontra-se inserto no conjunto dos fundamentos, finalidades e princípios da ordem econômica da Constituição de 1988, regulados no art. 170, caput e seus incisos, bem como em outros dispositivos da Lei Maior (como no art. 1º que enuncia os fundamentos da República e no art.3º que versa sobre os objetivos fundamentais do Estado brasileiro).

A função social da empresa encontra regulamentação constitucional no princípio da função social da propriedade, positivado no art. 170, III, no art. 5º, XXIII, e no princípio da propriedade privada, disciplinado no art. 170, II, e art. 5º, XXII, da Lei Máxima. Ademais, esse cânone constitucional relaciona-se aos princípios da defesa do consumidor (art.170, V), da defesa do meio-ambiente (art.170, VI), da redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII) e à busca do pleno emprego (art.170, VIII).

Cumpre registrar a diferenciação que se faz em doutrina entre fundamentos e princípios na ordem econômica, à vista da lição de Washington Peluso Albino de Souza:

(...) tomaremos o fundamento como a causa da ‘ordem econômica’ instituída no texto constitucional, ligando-se, portanto, ao próprio objetivo por ela pretendido, enquanto que os princípios serão os elementos pelos quais aquela ordem se efetivará, ou seja, o ponto de partida para esta efetivação e que não pode ser relegado" [03].

Antes da análise dos princípios e fundamentos constitucionais conexos à atividade econômica, importa distinguir "Constituição Econômica" e "Ordem Econômica". Segundo Washington Peluso Albino de Souza:

A presença de temas econômicos, quer esparsos em artigos isolados por todo o texto das Constituições, quer localizados em um de seus "títulos" ou capítulos’, vem sendo denominada "Constituição Econômica". Significa, portanto, que o assunto econômico assume sentido jurídico, ou se "juridiciza", em grau constitucional. Decorre desse fato a sua institucionalização pela integração na "Ordem Jurídica", configurando a "Ordem Jurídico-Econômica". [04].

João Bosco Leopoldino da Fonseca assevera nesses termos:

A Constituição Econômica se corporifica no modo pelo qual o direito pretende relacionar-se com a economia, a forma pela qual o jurídico entra em interação com o econômico. Assim, "constituição política e constituição econômica se interrimplicam e se integram" [05].

A Constituição Econômica é, portanto, o conjunto de normas que disciplinam o fenômeno econômico no ordenamento jurídico-constitucional. Nesse sentido, pode ser material e formal. As normas que efetivamente regulam o fenômeno econômico e que não estejam contidas no texto constitucional compõem a Constituição Econômica material. De outra banda, as normas que integram a chamada ordem econômica da Constituição equivalem à Constituição Econômica formal.

A Constituição de 1988 reúne sob a denominação de ordem econômica as questões que se relacionam ao desempenho da atividade empresarial, seja pelo Estado, seja por particulares, conferindo a estes a prioridade no exercício.

A valorização do trabalho humano constitui fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV) e da ordem econômica constitucional (art. 170, caput). Desse modo, pretende-se valorizar a dita "sociedade do trabalho" e garantir proteção jurídica aos trabalhadores. Ademais, os artigos 7º a 11 da Lei Maior estabelecem um amplo rol de direitos sociais dos trabalhadores, os quais constituem direitos e garantias fundamentais que convergem no princípio maior da dignidade da pessoa humana.

Outro fundamento da Constituição Econômica formal expresso no caput do art.170 é a livre iniciativa, previsto ainda no art. 1º, IV, da Constituição Federal. O parágrafo único do art.170 dispõe, in verbis: "É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei".

Esses dispositivos regulam a atuação das "empresas" públicas e privadas na órbita econômica, sob o fundamento da livre iniciativa, consubstanciado no "direito de livre empresa". Essa expressão abrange a livre escolha da atividade econômica a ser exercida, a livre estruturação ou sistematização dessa atividade e a livre escolha de terceiros como colaboradores.

No sistema pátrio, portanto, a iniciativa da atividade empresarial é outorgada aos particulares, limitando-se o Estado à sua regulação e fiscalização, atuando como empresário apenas em setores considerados estratégicos. Desse dispositivo, emerge, no cenário socioeconômico, a importância da "empresa" e, consequentemente, de sua função social para o desenvolvimento nacional.

A dignidade da pessoa humana é apontada como escopo da ordem econômica constitucional, consoante se depreende do trecho do art. 170, caput e é prevista no art. 1º, III, como fundamento da República Federativa do Brasil. Trata-se de diretriz suprema da Carta Magna, parâmetro de interpretação das demais normas, o qual, independentemente do epíteto que se use para qualificá-lo (princípio ou fundamento), assume relevância no contexto socioeconômico nacional.

Desse cânone, extrai-se fundamentação constitucional para a função social da empresa, porquanto a atividade empresarial, acima de seus fins individuais e financeiros, deve zelar pelos direitos dos indivíduos que ela afeta direta ou indiretamente, como os trabalhadores, os consumidores e a comunidade.

Como predicado da dignidade da pessoa humana, encontra-se a justiça social, cuja previsão é expressa no art. 170, caput, da Constituição: "A ordem econômica (...) tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...)". Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins definem a expressão, nesses termos: "A justiça social consiste na possibilidade de todos contarem com o mínimo para satisfazerem as suas necessidades fundamentais, tanto físicas quanto espirituais, morais e artísticas" [06].

A Constituição da República prevê também como princípios da ordem econômica a propriedade privada e sua função social, disciplinando-os no art. 170, II e III, respectivamente e, ainda como direitos fundamentais individuais, no art. 5º, XXII e XXIII, na mesma sequência. Esses princípios relacionam-se intrinsecamente, uma vez que a propriedade privada é pressuposto da função social da propriedade. A propriedade que deve exercer função social é a particular ou individual, uma vez que os bens públicos já exercem precípua função coletiva.

Tratando a Carta Magna da propriedade, quer se referir a todas as formas possíveis, seja móvel ou imóvel, propriedade industrial, literária ou artística, propriedade do solo e do subsolo, dos bens de consumo e dos bens de produção, enfim, reporta-se às várias modalidades de propriedades privadas, as quais integram a noção de "propriedade empresarial". Dessa banda, a exegese dos princípios da Constituição Econômica em comento deve ser ampliativa.

Esses dispositivos constitucionais são a fonte normativa direta do princípio da função social da empresa. A principal propriedade privada a que se refere a ordem econômica é, indubitavelmente, a propriedade dos bens de produção e do capital produtivo em sentido genérico, os quais compõem a noção jurídica de empresa.

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Sob o prisma jurídico, a empresa é uma abstração, pois não se trata, propriamente, nem de sujeito, pois é uma atividade econômica, nem de objeto, já que não possui personalidade jurídica.

Assim, por se tratar de uma atividade, a empresa deve ser exercida por um ente material, pessoa natural ou jurídica, com personalidade jurídica própria, o empresário. Não se deve confundir a empresa com a sociedade empresária, uma vez que a primeira é a atividade, e a segunda o sujeito de direito que a exerce.

As "empresas" em virtude de sua relevante posição no cenário social e pelo poder econômico que detêm, figuram, a par do Estado, como promovedoras do interesse social, na busca da transformação do estado de subdesenvolvimento. Vislumbra-se, dessa forma, que o princípio da função social da empresa encontra-se inserto na Constituição, principalmente na ordem econômica, seja de forma material, depreendido do princípio da propriedade privada e função social da propriedade, seja pela interpretação teleológica de outros princípios, de fundamentos e dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Para a delimitação jurídica de função social da empresa deve-se ampliar a interpretação do conceito jurídico de propriedade, Isso porque o objeto da função social não é a empresa em si, uma vez que esta é uma abstração jurídica e uma atividade econômica, mas a riqueza que essa produz (bens de consumo e bens de produção), seu fundo de comércio (bens móveis e imóveis, marcas, patentes, know how) e seu valor de posição no mercado e na sociedade.

O princípio da função social da empresa depreende-se da cláusula geral de função social da propriedade. A sociedade empresária é uma propriedade privada organizada, por intermédio de fatores produtivos para a obtenção de lucros a partir da circulação de capital. Dessa sorte, o princípio da função social da propriedade aplica-se à empresa, porque deve ser concebido em sentido lato. Importa, pois, nesse ponto, invocar a lição de Eros Roberto Grau:

A propriedade não constitui uma instituição única, mas o conjunto de várias instituições, relacionadas a diversos tipos de bens. Não podemos manter a ilusão de que à unicidade do termo – aplicado à referência a situações diversas – corresponde a real unidade de um compacto e integro instituto. A propriedade, em verdade, examinada em seus distintos perfis – subjetivo, objetivo, estático e dinâmico – compreende uma conjunto de vários institutos. Temo-la, assim, em inúmeras formas, subjetivas e objetivas, conteúdos normativos diversos sendo desenhados para a aplicação a cada uma delas, o que importa no reconhecimento, pelo direito positivo, da multiplicidade da propriedade [07].

Assim, sob a ótica jurídica, falar da função social da empresa é falar da propriedade privada dos meios de produção e de uma gama cada vez maior de bens corpóreos e incorpóreos (bens de capital) que excedem a mera destinação e fruição individual do bem.

A função social da empresa é, portanto, princípio jurídico de conteúdo complexo. Conferir função social à empresa significa, em linhas gerais, orientar a atividade empresarial para fins sociais, para objetivos coerentes com o interesse da coletividade. Implica, ademais, a observância de deveres jurídicos positivos.

A função social desponta da atuação lídima da sociedade empresária, ou seja, do cumprimento do conjunto de seus deveres jurídicos, tais como, observância dos direitos do consumidor, das normas ambientais, dos direitos trabalhistas, das normas tributárias, das obrigações contratuais, entre outros.

A função social da empresa não significa a condenação da obtenção de lucros, mas o condicionamento deste ao prévio adimplemento das obrigações jurídicas assumidas. Nesse sentido é a manifestação de Gabriela Mezzanotti: "o lucro não se legitima por ser mera decorrência da propriedade dos bens de produção, mas como prêmio ou incentivo ao regular desenvolvimento da atividade empresária, segundo as finalidades sociais estabelecidas em lei" [08].

A atribuição de função social à empresa é necessidade cada vez mais atual no contexto do capitalismo. Isso porque esse modelo caracteriza-se pela dinamização na circulação do capital, amparado no incremento tecnológico. A valorização dos "bens de raiz", consubstanciados na propriedade imóvel, o qual perdurou nos últimos séculos, é hoje mitigada por bens incorpóreos como as propriedades intelectuais e científicas (patentes, direitos autorais), as ações ou os títulos creditícios, que podem agregar ainda mais valor e são facilmente comercializados.

A atividade empresária assume papel principal nesse processo. São as "empresas" que produzem riquezas utilizadas para o consumo social ou para o incremento da produção (bens de consumo e bens de produção). São elas que respondem pela circulação de capitais no mercado globalizado por meio de mecanismos cada vez mais digitalizados. Assim, não seria forçoso dizer que a função social da empresa é tão ou mais importante que de outras propriedades, ante o papel empresarial de organização da produção.

Para melhor ilustrar esse fenômeno, transcreve-se a lição de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:

A alteração de paradigmas é acentuada na moderna noção de empresa. Ela é a propriedade tecnicamente organizada para produção de lucro que não guarda qualquer relação com a propriedade tradicional dos Códigos Civis. Acionistas e sócios não controlam bens materiais, porém capital – valores mobiliários- na forma de títulos, dividendos e ações de grande liquidez e conversíveis em recursos, sem que em qualquer instante se discuta sobre a posse de bens móveis ou imóveis, pois o objeto da propriedade é a fração do capital e não os bens que a compõem. Com o processo de globalização, a empresa assume papel ainda mais decisivo na ordem jurídica contemporânea. Se dela provém a grande maioria dos bens e serviços consumidos, urge, em contrapartida, que a sua função social deva resultar de uma ampliação de sua responsabilidade social, redefinindo e valorizando sua missão perante a coletividade. Essa contribuição social não importa em diminuição de lucros, tampouco em desoneração do Estado sobre as funções que lhe são inerentes. A empresa não pode renunciar à sua finalidade lucrativa, mas é tão responsável quanto o Poder Público em assegurar direitos fundamentais ao indivíduo, por meio de políticas ambientais e culturais e oferta de benefícios diretos e indiretos à sociedade [09].

A função social da empresa é, portanto, princípio de conteúdo jurídico delimitado, apto a orientar o legislador na elaboração de leis e, concomitantente, norteador a atuação do aplicador do direito. Trata-se de princípio que favorece a consecução de valores constitucionais e sociais relevantes como a dignidade da pessoa humana, a justiça social, a defesa do consumidor e do meio-ambiente, a redução das desigualdades sociais e regionais e a busca do pleno emprego.


3.Função social e recuperação de empresas na Lei 11.101/05: uma abordagem sob o prisma da análise econômica do direito

A Nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas, Lei n.º 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, introduz, no ordenamento pátrio, marco normativo inspirado no contexto socioeconômico vigente no Brasil e no mundo de preservação da atividade empresarial, garantia de segurança jurídica e de estabilidade econômica.

O instituto da recuperação de empresas disciplinado, pela Lei n.º 11.101/05, tem o objetivo primordial de potencializar a continuidade dos negócios da firma individual ou sociedade empresária, enquanto unidade produtiva organizada. Consequentemente, permite-se a manutenção das relações de trabalho, o adimplemento dos contratos e débitos tributários, enfim, garante-se segurança aos empregados, aos credores, à Fazenda Pública e a todo o ambiente econômico e social.

O esforço do legislador da novel lei falimentar, em consonância com o Diploma Civil e com a Constituição de 1988, foi potencializar a atividade produtiva e toda sua estrutura organizacional consoante o paradigma axiológico vigente no direito pátrio de empreender a função social como meio de realização da justiça social.

A nova Lei cria dispositivos que estimulam a negociação entre devedor e credores, de forma a encontrar soluções de mercado para empresas em dificuldades financeiras. O objetivo central é viabilizar a continuidade dos negócios da empresa enquanto unidade produtiva, mantendo assim a sua capacidade de produção e de geração de empregos, oferecendo condições para que as empresas com viabilidade econômica encontrem os meios necessários para a sua recuperação, a partir da negociação com seus credores. Caso os credores entendam que a reabilitação da empresa não é possível, a Lei estimula a sua venda num rito expresso, de modo a permitir que, sob uma nova administração, a empresa continue a exercer a sua função social de gerar empregos e renda. Em última instância, se o negócio não mais for viável, a Lei cria condições factíveis para que haja uma liquidação eficiente dos ativos, permitindo assim que se maximizem os valores realizados e, conseqüentemente, se minimizem as perdas gerais. [10].

O revogado Decreto-Lei n.º 7.661, de 21 de junho de 1945, foi ineficiente na missão de preservar a atividade empresarial fazendo com que, durante sua vigência, importantes empresas não tivessem possibilidade de soerguimento em virtude de um longo e oneroso trâmite processual.

A Lei de 1945 foi incapaz de preservar importantes empresas, muitas delas tradicionais e com marcas enraizadas na cultura nacional, fazendo com que importante ativos, principalmente intangíveis, se perdessem. Mesmo no que concerne aos ativos tangíveis, o arcabouço falimentar até então em vigor também não foi capaz, na maior parte dos casos, de preservá-los cumprindo sua função social, mesmo que de forma isolada. Perderam os empresários, os trabalhadores, os credores e o Poder Público; enfim, perdeu toda a sociedade brasileira [11].

O princípio da preservação da empresa que orienta a Lei de Falências e Recuperações encontra-se normatizado no artigo 47 cuja letra se transcreve:

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

A Lei n.º 11.101/05 disciplina a recuperação de "empresas" pela via judicial e pela via extrajudicial. No primeiro caso, a recuperação processa-se perante o Judiciário, sendo regida por um procedimento próprio, mais sumário que o feito da falência, e gozando de prioridade em face de outras matérias. A recuperação extrajudicial, por sua vez, é precedida de uma fase negocial, entre credor e devedor, os quais, depois de avençarem um acordo, devem levá-lo à homologação judicial.

A necessidade de favorecer o restabelecimento da empresa vislumbrado na nova legislação concursal adequa-se ao princípio da socialidade o qual é orientador da hermenêutica e dogmática jurídica pós-positivista. No Brasil, essa vertente socializadora do direito tem seu marco na Constituição de 1988, que normatizou os princípios da dignidade da pessoa humana e da função social, consagrando a busca por um Estado Democrático de Direito. No plano econômico, a livre iniciativa deve ser temperada pela observância da função social da empresa.

Ademais aplicação do instituto da recuperação de empresas deve ser analisada sob uma ótica de racionalidade sendo, nesse ponto, pertinente a adoção do método denominado Análise Econômica do Direito.

No campo do direito empresarial, é intrínseca a ligação com a ciência econômica. Quando se refere à crise empresarial, a conjuntura macro e microeconômica não pode ser relegada. Os fatores que determinam o insucesso de um empreendimento podem ser os mais diversos como obsolescência tecnológica, comprometimento do fluxo financeiro, queda nas vendas e na clientela em geral, retração da produção, contração de dívidas, sendo a maioria deles relacionados com a matéria econômica.

Não obstante, quando se reporta a Análise Econômica do Direito nesse estudo refere-se à corrente metodológica sistematizada pela Escola de Direito de Chicago, a partir da década de 1950 com Ronald Coase e Guido Calabresi e consolidada a partir dos Anos de 1960 e 1970 com Richard Posner. Trata-se de uma corrente cientifica que busca no diálogo epistemológico com a economia produzir, interpretar e aplicar normas jurídicas de acordo com conceitos econômicos.

Entre os objetos de análise pela Escola da Law and Econmics estão os conceitos de eficiência e racionalidade econômica que podem ser traduzidos na tendência de maximização do bem-estar, dos lucros e das vantagens, seja pelas pessoas (consumidores), seja pelas instituições (empresas). Ou seja, como os recursos naturais são escassos os entes tendem a maximizar seu aproveitamento. Esses aspectos devem, portanto, ser levados em consideração na produção, interpretação e aplicação das leis. Vicenzo Florenzano elucida esses conceitos econômicos:

Tendo por base esse princípio da escassez e os postulados de racionalidade das condutas dos agentes, segundo os quais o homem busca o máximo de satisfação com o mínimo de dispêndio, o problema a ser solucionado é o de determinar a alocação mais eficiente possível desses recursos escassos (fatores de produção), de modo a maximizar a riqueza [12].

São as ideias de maior eficiência econômica e de maior produção de riquezas em geral que os teóricos da Análise Econômica do Direito buscam trazer para a hermenêutica jurídica. Defende-se por essa escola que o direito deve ser interpretado e aplicado a partir de premissas econômicas como a racionalidade e o custo-benefício. Esses aspectos podem ser assim sistematizados:

A idéia é que o Direito, como ideal de justiça distributiva que busca dar a cada um o que é seu, pode e deve pautar-se por esses mesmos critérios de eficiência, pois aqui também se trata da distribuição e da alocação de bens escassos. Ao maximizar benefícios e minimizar custos (eficiência), consegue-se a maximização da riqueza que, por sua vez, pode ajudar na maximização do bem estar social que é o fim para o qual a Economia está voltada como é também o fim para o qual o Direito está voltado [13].

Nesse diapasão, verifica-se que o estabelecimento do marco jurídico falencial deve se pautar pela Análise Econômica do Direito. O sistema legal concursal deve favorecer o equilíbrio do setor empresarial e financeiro, seja dos credores seja dos devedores, o interesse do mercado consumidor, dos empregados, do Estado arrecadador e da sociedade como um todo de modo eficiente e racional.

Sob essa ótica, constata-se que o objetivo da Nova Lei de Falências foi buscar a preservação da empresa, mas até o ponto em que isso seja economicamente viável. Dependendo do estágio de crise econômica, financeira ou patrimonial da sociedade empresária é adequada à realização de seu ativo e a liquidação do passivo como modo de empreender maiores benefícios sociais.

Deve-se pautar, nesse caso, pelo princípio da operacionalidade vigente no hodierno direito privado brasileiro. Assim, para determinadas atividades empresariais, a denominada "solução de mercado" poderá revelar-se mais inteligente e proceder, com maior eficiência, à função social empresa. A "solução de mercado" consiste na aquisição ou qualquer outra forma de transferência da sociedade empresária em crise econômico-financeira, por outra sociedade que nela verifique possibilidades de soerguimento e se disponha a fazer os investimentos necessários para tanto.

Portanto, resta claro que a escolha acerca do processamento da recuperação ou falência de uma empresa deve envolver um conjunto de interpretações que abragem não apenas os requisitos legais, mas a necessidade de dar eficiência à norma e minimizar perda de recursos econômicos em geral. Sobre essa questão, apresenta-se a seguinte ponderação:

A rigor, empresas cujo valor presente do fluxo de caixa é positivo apresentam perspectivas de pagamento de suas dívidas no futuro e têm, portanto, condições efetivas de recuperação. Enquanto outras, com valor presente negativo, mas cujo negócio tem viabilidade econômica, devem dispor de alternativas que permitam a continuidade da atividade, preservando o valor de ativos tangíveis e intangíveis, sob gestão mais eficiente. Já as empresas inviáveis, com valor presente negativo, não têm razão econômica para continuar funcionando. Neste caso, o encerramento de suas atividades representa uma depuração do sistema econômico [14].

A legislação falimentar deve estabelecer um equilíbrio entre interesses de devedor e credor. A ponderação sobre qual dos interesses deve predominar no caso concreto depende uma leitura de qual decisão irá produzir os maiores benefícios econômicos gerais. Paradoxalmente, por vezes, a falência de uma empresa pode ser mais favorável aos seus sócios e desfavorável aos demais stakeholders, dependendo dos valores que podem estar agregados ao seu fundo de comércio.

O marco jurídico concursal não deve incentivar a liquidação de empresas que, por meio de uma nova política de governança poderiam voltar a se tornar lucrativas. Uma Lei Falimentar pró-credores, que não contempla hipóteses de recuperação de empresas viáveis, gera uma perda econômica social e não promove o fim social da empresa e sim interesses individuais de investidores.

Por outro lado, devem ser tutelados os direitos de credores a fim de garantir a proteção dos direitos contratuais e de propriedade, bem como, permitindo maior acesso ao mercado de crédito e o interesse econômico da atuação empresarial no país.

Dessa forma, a Nova Lei de Falência, ao disciplinar institutos como a recuperação e a falência de empresas tem grande relevância para a atividade econômica na medida em que favorece a preservação das empresas economicamente viáveis e permite a liquidação das que não encontram soluções no mercado sem comprometer os ganhos de eficiência e a maximização de riquezas para os stakeholders.

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Sobre a autora
Larissa Silva Gomes

Advogada. Pós-graduada em Direito Público pela Puc Minas. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa-MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Larissa Silva. Função social e recuperação de empresas.: Uma abordagem sobre o prisma da ordem econômica constitucional e da análise econômica do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2541, 16 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15040. Acesso em: 22 dez. 2024.

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