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O cumprimento de sentença e o poder do juiz de primeiro grau.

Breve crítica à efetividade e concretização da execução

06/07/2010 às 13:00
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INTRODUÇÃO

         O Direito Processual Civil atual tem enfrentado diversas transformações, em busca exclusão da denominada morosidade. A Carta Magna inseriu o princípio da razoável duração do processo, em vista do clamor popular em ter a solução dos conflitos atribuídos à Justiça de forma rápida. Se não rápida, que pelo menos o próprio autor da ação, se vencedor, em receber o bem da vida objeto do litígio, e não os seus descendestes, pelo decurso exagerado do prazo para o fim do processo.

         Aí se apresentam à população, estampados no princípio da efetividade, mecanismos de combate à lentidão jurisdicional e aos meios de defesa de que dispõem as partes para postergar a solução do litígio em juízo.

         O poder do juiz de fazer valer sua decisão primeva tem sido alvo de muitas discussões, não meramente acadêmicas, mas sobretudo processuais.

         Assim, diante de uma decisão trânsita em julgado, o exeqüente se vê numa situação em que seu direito não fora ainda concretizado. Ou seja, o bem jurídico disputado ainda não lhe foi entregue. Daí surgem mecanismos de combate à inefetividade do procedimento dito de conhecimento na fase executiva, no desenrolar do sincretismo processual.

         É notório o acúmulo do Poder Judiciário com demandas que não possuem um fim, arrastando-se durante anos nos balcões de varas, juntando-se a demandas novas, sem extinção das antigas lides. É o que denominamos cumulação operacional de lides.

         Logo, o exacerbado número de lides levadas a Juízo, cumulada com a carência de pessoal do Poder Judiciário para a sua resolução dos conflitos a ele levados, em tempo razoável, faz com que seja necessário, principalmente estando já o processo de conhecimento encerrado, que em sede de execução seja o feito agilizado em busca da satisfação do credor, já tão prejudicado pelo tempo.


2 O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

         2.1 Solução do Conflito e Satisfação do Credor, na Execução

         O direito ao processo sem dilações indevidas, como corolário do devido processo legal, vinha expressamente assegurado ao membro da comunhão social por norma de aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF). Decorreria esse direito fundamental, ainda, dos princípios da inafastabilidade e da proteção à dignidade da pessoa humana.

         A EC 45/2004, que reformou constitucionalmente o Poder Judiciário, incluiu o inciso LXXVIII no art. 5º da CF/88: "A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". A mesma emenda constitucional acrescentou a alínea "e" ao inciso II do art. 93 do mesmo diploma, estabelecendo que "não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver os autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão".

         Processo devido é processo com razoável duração.

         Não existe, porém, um princípio da celeridade. O processo não tem de ser rápido/célere; o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional.

         Por tal razão, bem pensadas as coisas, conquistou-se ao longo do tempo e da história um direito à demora na solução dos conflitos, ao mesmo tempo em que se reconhece a existência de um direito fundamental ao devido processo cuja duração seja razoável.

         A exigência do contraditório, o direito à produção de provas e aos recursos certamente atravanca a celeridade, mas são garantias as quais o julgador não pode menosprezar. Tampouco serem minimizadas. Devem ser garantidas.

         A nova sistemática da execução consiste na etapa do processo (e não mais um processo autônomo, como doravante era inserido na dogmática processual) em que, para a satisfação do direito do credor, já proclamado por sentença em processo de conhecimento (ou mediante um título executivo extrajudicial), há a invasão no patrimônio do devedor, com o intuito único e exclusivo de satisfazer o comando concreto fruto do direito objetivo, sendo realizada sempre através de atos de soberania estatal.

         A execução caracteriza-se, portanto, como a possibilidade prática de que dispõe o Estado, por força de lei, para adentrar nos bens do devedor que não satisfaz espontaneamente os débitos que deveria arcar.

         É de se destacar que há dois interesses subjacentes para a satisfação do credor: o do próprio credor, que se vê sem possibilidade de ter seu crédito já constituído satisfeito, e o do Estado-Juiz, que precisa se firmar e corresponder às expectativas de quem a ele postula. Assim, o Poder Judiciário detém o poder-dever de efetivar o comando sentencial para ver garantido em favor do credor, o "bem da vida" que lhe é devido.

         Conceituando execução, o professor Alexandre Freitas Câmara (2006, p. 98) afirma:

         A execução forçada tem por fim permitir a realização prática do comando concreto derivado do direito objetivo. Esta realização se dá, com ou sem a vontade do devedor (e, mesmo, contra tal vontade), através da invasão de seu patrimônio. Assim sendo, poderíamos definir a execução forçada como a atividade jurisdicional que tem por fim a satisfação concreta de um direito de crédito, através da invasão do patrimônio do executado (...).

         O Código de Processo Civil brasileiro, inicialmente, adotou a teoria majoritária, considerando a execução como um processo autônomo com relação ao processo de conhecimento.

         Com o advento da Lei nº 10.444/2002, rompeu-se a idéia de processo autônomo para as execuções de fazer, não fazer ou entrega de coisa diversa de dinheiro. Referida lei passou a considerar a execução como um prolongamento do processo, criando a figura do processo sincrético (misto, composto de fases ou módulos processuais) e expurgando a idéia de processos autônomos para cognição e cumprimento do julgado.

         Diante disso, podemos afirmar, em comunhão com o entendimento de Theodoro Júnior (2007), que com a nova lei a sentença não tem mais o condão de exaurir o processo, tanto que se alterou sua conceituação normativa, tendo em vista que nele ainda se desenvolverá a fase executiva, sem necessidade de nova citação e, portanto, de formação de nova relação jurídico-processual, o que sem dúvidas torna mais célere e efetiva a realização da tutela jurisdicional.

         Após tal inovação, as sentenças que condenavam ao pagamento em dinheiro não se encontravam sob o manto do novo processo sincrético ou misto. Para elas ainda havia a necessidade do processo autônomo de execução após a sentença, no processo de conhecimento.

         Com o advento da Lei nº 11.232/05, a modificação realizada pela Lei nº 10.444/02 foi estendida também à execução das sentenças que determinam o pagamento de soma. Com isso, o antigo modelo de processo de execução autônomo foi completamente abandonado pelo Código de Processo Civil, mantendo-se com relação à execução contra a Fazenda Pública.


3 A EXECUÇÃO E O PODER DO JUIZ DE FAZER VALER SUA DECISÃO COM FIXAÇÃO DE ASTREINTES X CASSAÇÃO PELO TRIBUNAL – REFORMA OU ESTÍMULO À INADIMPLÊNCIA

         Na órbita jurisdicional a competência do magistrado, autêntico representante do Estado, na aplicação da lei, deve ser, buscando a reposição da "paz social", sumamente respeitada, sob pena de abalar as estruturas do Poder Judiciário, na sua base primária, fonte raiz de toda a decisão posterior.

         Ao ser titular da execução ou árbitro nos pactos ou deliberação capazes de atender aos ditames de decisões jurídicas, o juiz monocrático deve se sentir inteiramente seguro de seu mandamus. Exceção feita ao extrapolamento abusivo, todo o corpo judiciário, como devia ocorrer, presta ou deveria prestar total respeito à decisão que visa o cumprimento da sentença exeqüenda.

         Insatisfeita, a parte obrigada busca na esfera superior redução de percentual ou valor que lhe foi aplicado, em razão, exempli gratia, de astreintes ou cláusula penal, fundamentando seu recurso no "excessivo percentual aplicado no caso de inadimplemento".

         Ora, mesmo sob a ótica laical, tem-se que cláusula penal só imprime temor a quem não irá cumprir a sua obrigação. Por mais excessiva que seja tal multa, ao bom pagador nenhum temor produz.

         O juiz, no seu mister, é o único que tem à sua frente as partes que dentro do litígio buscam prevalecer o seu direito. É ele, também, que colhe comentários e reações físicas, verbais e psicológicas ante o problema em dissídio. Ninguém melhor para conhecer quem se obriga ou qual poderá ser a sua reação.

         Em sede de recurso, permissa venia, acolher pedido de redução de astreintes na instância superior, é, no mínimo, ridicularizar a decisão judicial que se vê, uma censura à ordem judicial e um aplauso ao socorro do inadimplente, ora atendido.

         No §4º do art. 461 do Estatuto Buzaid, o legislador determinou que se deve, ao talante do juiz, impor multa diária ao réu, independentemente do pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

         Omisso é qualquer acréscimo que autoriza a instância ad quem a minorar ou corrigir aquilo que às vistas do relator lhe pareceu incompatível, gerando reforma e determinações.

         Poder-se-ia imaginar, lato sensu, que o próprio Tribunal, através do exercício do desembargador corregedor, emitisse documento próprio privativo aos juízes, dando-lhe conhecimento do que razoavelmente seria ou poderia ser o valor ideal da multa diária ou qualquer cláusula penal, como indício de formação do magistrado, que, frente às partes, tem a tutela integral.

         Ousa-se acrescentar que além de humilhante é degradante à condição judicante, o juiz vir a se reunir em audiência com as mesmas partes, depois do prejuízo moral que lhe foi imposto, respirando o temor de tomar uma iniciativa necessária e ver sua reforma.

         O próprio Código de Processo Civil deixa claro que é o livre convencimento do juiz que deve nortear a trilha do processo e, em situações interlocutórias, principalmente, deve o juiz, exceções à parte, ser soberano.

         Ao reformar a decisão judicial, tendo como principal objetivo um remédio jurídico que visa reduzir a determinação de aplicação de multa para cumprimento do mandamus, a autoridade ad quem motiva e incentiva o mau pagador às práticas condenáveis. Sabe-se, por experiência que o mau devedor só é implementado a cumprir sua obrigação se o seu inadimplemento atrair o verdadeiro temor.

         Valores irrisórios só incentivam os que buscam fazer da justiça seus esconderijos e a protelação sob o pálio de uma reforma que eiva a autoridade judicial, humilhando-o em seu próprio território de decisão.

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         Quando se busca a tutela jurisdicional, tem-se como foco a dissidência entre as partes que, em litígio expõe seus direitos revelando as obrigações que não foram observadas ou cumpridas. Cabe ao juiz, analisando as provas e colhendo depoimentos (e nestes, o juiz absorve também as reações naturais de quem propõe e depõe), proclamar que o Estado tem obrigação de tutelar determinando que o infrator pague, faça ou deixe de fazer tudo aquilo que nos autos ficou saturadamente provado e que se torna, a partir do trânsito em julgado, lei para o devedor.

         Em sede superior, a reforma é legítima quando, sem desgastar a autoridade do juiz, corrige o que, por fator humano, não correspondeu à realidade contida nos autos. Porém, entre uma reforma sentencial e a de astreintes, há um grande labirinto a se percorrer, com perigosas armadilhas que muitas vezes favorecem indevidamente quem está a ser promovido. É de se perguntar: Quem merece mais crédito? As razões do recorrente inadimplente ou a diligência do juiz que tem como único fim o inteiro cumprimento do que foi determinado.


CONCLUSÃO

         A legislação processual se amolda aos tempos e às necessidades sociais. Conquanto seja necessária a cognição exauriente para que se entregue uma prestação jurisdicional acertada, é fácil concluir que a reforma processual, no que tange à unificação procedimental da cognição, liquidação e execução, serviu-se, nitidamente, para uma melhor eficácia e eficiência da resposta do Judiciário aos ditames das partes litigantes.

         A preocupação com o cumprimento voluntário da sentença deu azo à criação de mecanismos para que este se opere sem que seja necessária a instauração de novo processo, mas simplesmente a instauração de um módulo executivo (fase do processo cognitivo).

         Com efeito, posta a natureza de sentença executiva, o julgador, já na fase executiva, ao impor mecanismos processualmente previstos para a concretização do direito do credor, ou seja, para a satisfação do seu direito já proclamado na fase cognitiva, lança mão das astreintes, entre os mecanismos possíveis para forçar o cumprimento da obrigação pelo devedor.

         Ocorre que, como visto, plúrimas ocasiões existem em que o juiz, amparado pela legislação, decide coibir a má fé processual do executado, fixando multas diárias para o descumprimento da obrigação.

         Sem qualquer temor, hoje o executado é ciente de que a sua obrigação levará anos, e ainda conta com a segunda instância capaz de desfazer a fixação de astreintes.

         O executado, na maior parte das vezes, não se inibe em protelar a obrigação de cumprir a decisão judicial. Não teme as conseqüências, por que elas serão tão ínfimas que valem a pena serem suportadas, pelo lapso temporal que levará para realmente ter que cumprir a decisão.

         O juiz fica tolhido. Processualmente desprestigiado. A sua decisão é silenciada pela instância ad quem. Daí se indaga de que valem tantas alterações processuais, tantos estudos para agilizar o processo ou torná-lo efetivo, se os mecanismos de que dispõe o julgador são tolhidos pelo Tribunal a que é subordinado o magistrado.


REFERÊNCIAS

         ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

         CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. v. II.

         CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. v. I.

         MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

         NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

         THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Processo Civil. Processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

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Sobre a autora
Kátia Daniela de Araújo

Servidora efetiva do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, curso na escola Superior de magistratura do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, especialista em Direito Processual Civil pela UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Kátia Daniela. O cumprimento de sentença e o poder do juiz de primeiro grau.: Breve crítica à efetividade e concretização da execução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2561, 6 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16926. Acesso em: 24 abr. 2024.

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