RESUMO
O presente trabalho propõe uma análise sobre o alcance material e temporal da Súmula Vinculante nº 04 do STF, que vedou a vinculação do salário mínimo para o cálculo de qualquer vantagem conferida a servidor público ou empregado, sob o argumento de que entendimento contrário encontra óbice no determinado pelo art. 7º, inciso IV da Constituição Federal. Dessa forma, em um primeiro momento, fez-se uma análise descritiva do histórico legislativo da força vinculativa das decisões judiciais, bem como o propósito dessa característica. Em seguida, fez-se uma análise sobre a técnica de controle de constitucionalidade utilizada pelo Supremo Tribunal Federal que resultou na edição da Súmula Vinculante nº 04, bem como sua repercussão no tema central da pesquisa. Posteriormente, tendo como fundamento a técnica de controle utilizada, foi realizado um estudo analítico-descritivo sobre os efeitos da Súmula Vinculante em questão, onde se levou em consideração o instituto da coisa julgada, a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória com base em lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e, ainda, qual a base de cálculo do adicional de insalubridade a ser utilizada em face do disposto no verbete sumular. Por fim, analisou-se a repercussão dos entendimentos consubstanciados pela Súmula Vinculante nº 04 do STF na esfera trabalhista, pelo que se fez uma interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que regulamentam a matéria com o propósito de resguardar, ao máximo, o núcleo essencial dos direitos e garantias fundamentais em aparente conflito.
PALAVRAS-CHAVE: súmula vinculante; controle de constitucionalidade; adicional de insalubridade; base de cálculo; coisa julgada; ação rescisória; esfera trabalhista.
INTRODUÇÃO
A presente dissertação visa estudar a problemática surgida em face da edição da Súmula Vinculante nº 04 do STF, após a análise do Recurso Extraordinário de nº 565.714-1-SP, já que o disposto no verbete sumular tem reflexos no cálculo do adicional de insalubridade, direito garantido aos trabalhadores em geral, em face do artigo 7º, inciso XXIII da Constituição Federal, quando submetidos a situações consideradas de risco para sua integridade física ou psíquica.
A questão da base de cálculo do adicional de insalubridade sempre foi assunto polêmico, principalmente após a promulgação da Constituição Federal que, ao vedar a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, no seu art. 7º, inciso IV, foi de encontro com o estabelecido pelo art. 192 da CLT, que determina como base de cálculo para o adicional de insalubridade o salário mínimo e, ainda, pelo consubstanciado na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho em face da redação originária da Súmula 228 que, no mesmo sentido do dispositivo legal supracitado, determinava que o percentual de insalubridade incidisse sobre o salário mínimo, salvo se o empregado recebesse salário profissional, pois, nesse caso, este seria a base de cálculo.
Nesse contexto, parte da doutrina entende que o dispositivo constitucional veda a vinculação do salário mínimo como base de cálculo para o adicional de insalubridade e, portanto, o art. 192 da CLT não teria sido recepcionado pela Carta Magna.
Por outro lado, outros argumentam que a Constituição Federal apenas obsta a utilização do salário mínimo como indexador de índices da economia, e não para cálculo de parcelas trabalhistas, pelo que, para esta parcela da doutrina, o art. 192 da CLT não é incompatível com o disposto no art. 7º, inciso IV da Constituição Federal.
Em face desse cenário de divergências jurisprudenciais envolvendo dispositivo constitucional, fez-se necessário submeter o debate ao crivo do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, nos termos de seu art. 102.
Não obstante, a celeuma quanto à recepção, ou não, do art. 192 da CLT, chegou ao órgão jurisdicional máximo por meio de controle de constitucionalidade difuso, já que discutida em sede de repercussão geral de recurso extraordinário em que o Tribunal de São Paulo discutia a constitucionalidade do art. 3º da Lei Complementar n. 432/1985 do Estado de São Paulo.
Nesses termos, por se tratar de um controle difuso de constitucionalidade, os seus efeitos somente incidiriam inter partes, pelo menos até que o Senado editasse resolução suspendendo a execução do dispositivo que teve sua constitucionalidade questionada, nos termos do disposto no art. 52, inciso X da Constituição Federal.
Entretanto, este não caracterizou o intento do STF que, diante da repercussão geral da matéria, decidiu editar a Súmula Vinculante nº 04 e determinar que "Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de vantagem de servidor público ou de empregado, nem substituído por decisão judicial."
Ocorre que, nos termos da referida súmula, não houve declaração expressa da inconstitucionalidade do art. 192 da CLT, pelo que se concluiu que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 565-714-1-SP, utilizou-se da técnica do direito alemão que declara a inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal sem pronúncia de nulidade, ou seja, embora inconstitucional, o dispositivo continua vigente até que norma constitucional regulamentando a mesma matéria seja editada.
Trata-se, na verdade, de técnica de controle de constitucionalidade com o propósito de evitar o vazio legislativo e, ainda, o retrocesso social diante da negativa de direitos já incorporados ao patrimônio do jurisdicionado.
Entretanto, a problemática quanto à base de cálculo para o adicional de insalubridade não findou com a edição da Súmula Vinculante supramencionada, pois surgiram questões relacionadas à possibilidade de rescindir as sentenças prolatadas anteriormente à edição da súmula e, que, de acordo com o art. 192 da CLT, utilizaram o salário mínimo como base de cálculo para o adicional de insalubridade.
Trata-se, em suma, da possibilidade de se relativizar a coisa julgada em face de o Supremo Tribunal Federal ter declarado, em momento posterior a prolatação da sentença a ser rescindida, a inconstitucionalidade da norma que a embasou.
Diante do contextualizado, ressalta-se a importância do atual ensaio, em face de procurar delimitar, nessas breves considerações, o alcance material e temporal da Súmula Vinculante nº 04 do STF, bem como sua repercussão na esfera trabalhista, diante da possibilidade de se rescindir, ou não, o julgado prolatado com base em dispositivo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, resta agora saber: Qual o alcance material e temporal da Súmula Vinculante nº 04 do STF?
A partir da contextualização apresentada define-se como objetivo geral do trabalho: verificar e delimitar o alcance material e temporal da Súmula Vinculante nº 04 do Supremo Tribunal Federal, e, consequentemente, sua repercussão em processos findos ou em andamento, levando-se em consideração o instituto da coisa julgada diante da técnica de controle de constitucionalidade que declara a inconstitucionalidade da norma sem pronunciar sua nulidade e, consequentemente, a possibilidade, ou não, de se manejar ação rescisória.
Como objetivos específicos têm-se: apresentar uma análise histórica a respeito da força vinculativa das decisões judiciais; discorrer a respeito da técnica de controle de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade utilizada quando do julgamento do RE 565.714-1-SP, bem como seus efeitos no que se refere à base de cálculo do adicional de insalubridade; apresentar a interpretação dada ao disposto pela Súmula Vinculante nº 04, assim como seus efeitos nas decisões já prolatadas com base no art. 192 da CLT, mediante a análise do instituto da coisa julgada e da possibilidade de manejo da ação rescisória; e, por fim, a repercussão da Súmula Vinculante nº 04 do STF na esfera trabalhista, levando em consideração a técnica de ponderação dos direitos e garantias em aparente conflito em face da base de cálculo a ser utilizada.
Da análise desses objetivos, para uma melhor estruturação e compreensão da problemática, o artigo científico é dividido em quatro capítulos quais sejam: A Força Vinculativa das Decisões Judiciais, Da Técnica de Controle de Constitucionalidade Utilizada Quando da Edição da Súmula Vinculante nº 04 do STF, Os Efeitos da Súmula Vinculante nº 04 do STF e A Repercussão da Súmula Vinculante nº 04 do STF na Esfera Trabalhista em face da Base de Cálculo do Adicional de Insalubridade.
No primeiro capítulo será feito um estudo sobre a força vinculativa das decisões judiciais, a possibilidade, ou não, das mesmas engessarem o Judiciário como um todo e, ainda, uma análise sobre os propósitos que almejam as decisões vinculativas, dentre os quais se destacam a celeridade e a segurança jurídica.
Logo após, no segundo capítulo, realizar-se-á uma análise da técnica de controle de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade que, uma vez adotada no âmbito do ordenamento pátrio, não restringe a declaração de inconstitucionalidade da lei à sua retirada do sistema legal.
No terceiro capítulo, serão analisados os efeitos da Súmula Vinculante nº 04 do Supremo Tribunal Federal, principalmente seu alcance frente às decisões já transitadas em julgado que utilizaram o salário mínimo como base de cálculo para o adicional de insalubridade.
Por fim, no quarto capítulo serão apontadas as repercussões da Súmula Vinculante nº 04 do STF na esfera trabalhista, levando em consideração a técnica de controle de inconstitucionalidade exercido pelo STF no que se refere ao art. 192 da CLT, bem como a repercussão no passivo trabalhista das Fazendas Públicas, em particular, em face da atual divergência quanto a base que deve ser calculado o adicional de insalubridade.
Quanto à metodologia aplicada a pesquisa destaca-se por dois aspectos, quanto aos fins e aos meios. Quanto aos fins, a pesquisa será descritiva e explicativa.
A pesquisa descritiva se caracteriza à medida que as mudanças são apresentadas, ante a evolução legislativa no que se refere à força vinculativa das decisões judiciais e as técnicas de controle de constitucionalidade. Será ainda explicativa porque analisará a legislação aplicável, bem como os efeitos e repercussão da Súmula Vinculante nº 04 do STF no que se refere à base de cálculo do adicional de insalubridade.
Quanto aos meios, a pesquisa será bibliográfica, visto que será desenvolvida com base em fundamentação teórico-metodológica, investigando os seguintes assuntos: a força vinculativa das decisões judiciais; a técnica de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade; os efeitos do disposto pela Súmula Vinculante nº 04 do STF nas decisões que, utilizando o salário mínimo com base de cálculo para adicional de insalubridade, já transitaram em julgado; a repercussão do verbete sumular com força vinculativa na esfera trabalhista.
Enfim, após as considerações iniciais sobre a matéria do presente artigo científico, sua atualidade e importância, a divisão do conteúdo a ser desenvolvido e a exposição da metodologia de pesquisa utilizada, passa-se a adentrar na problemática trazida, não com o propósito de esgotar o tema em debate, mas sim trazer para discussão a questão do alcance material e temporal da Súmula Vinculante nº 04 do STF, ou seja, qual sua repercussão sobre as ações já decididas que utilizaram o salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, bem como qual a base de cálculo que deve ser utilizada em face do entendimento do STF consubstanciado na súmula em análise e, ainda, a possível repercussão no passivo trabalhista.
1. DA FORÇA VINCULATIVA DAS DECISÕES JUDICIAIS
Em um primeiro momento, para adentrarmos na questão sobre o alcance material e temporal da Súmula Vinculante nº 04 do STF, faz-se necessária uma análise sobre a evolução legislativa das decisões vinculativas no âmbito do ordenamento pátrio, bem como as divergências jurisprudenciais e doutrinárias a respeito do tema.
A força vinculativa das decisões judiciais sobre atos e instâncias superiores, embora aparente ter sido inserida quando da promulgação da EC 45/2004, não configura novidade no ordenamento pátrio, pois a primeira tendência para se conferir força vinculativa às decisões judiciais deu-se com base em antecedentes portugueses, ou seja, com o instituto dos ‘assentos’ que eram firmados pela Casa de Suplicação, nos termos das Ordenações Manuelinas, com a finalidade de extinguir dúvidas jurídicas nas demandas levadas a julgamento.
Posteriormente, em 1828, foi instituído o Supremo Tribunal de Justiça que, dentre outras funções, influenciava na elaboração das leis pelo Legislativo à medida que enviava ao governo uma relação de causas que necessitavam ser revistas em face de vícios, lacunas, incoerência e ineficiência da legislação vigente.
Nesse contexto, a República extinguiu a prática dos assentos e instituiu o Prejulgado, com força vinculante no âmbito de cada Tribunal, à época da edição da CLT, ou seja, no Estado Novo.
E, na década de 60, instituiu-se a súmula de jurisprudência predominante do Supremo Tribunal, sem caráter vinculante, com o propósito de desafogar a máquina judiciária e proporcionar uma maior estabilidade nas relações jurídicas trazidas ao Judiciário, o que, consequentemente, é condizente com os princípios da isonomia e segurança jurídica.
Nesse diapasão, os Tribunais Superiores passaram a editar súmulas que serviam apenas como orientação predominante, ou seja, traduziam o entendimento do referido Tribunal acerca de determinada matéria.
Com a Emenda Constitucional 45/2004, foi consagrada a Súmula Vinculante no ordenamento pátrio, em face da inserção do art. 103-A na Constituição Federal, com o propósito de reforçar a idéia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, assegurando o princípio da igualdade e a segurança jurídica ao conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária.
Nesse contexto, as lições de Gilmar Mendes que afirma:
A súmula vinculante, como o próprio nome indica, terá o condão de vincular diretamente os órgãos judiciais e os órgãos da Administração Pública, abrindo a possibilidade de que qualquer interessado faça valer a orientação do Supremo, não mediante simples interposição de recurso, mas por meio de uma reclamação por descumprimento de decisão judicial (CF, art. 103-A). [01]
Não obstante, alguns doutrinadores manifestaram-se de forma contrária à edição de Súmulas Vinculantes, posto que entendem que o instituto engessaria o Poder Judiciário, entendimento este não condizente com a realidade, já que, a EC 45/2004 previu a possibilidade de revisão ou cancelamento do enunciado com força vinculativa.
Ademais, para a edição de Súmula Vinculante, faz-se necessário o preenchimento de determinados requisitos, posto que a norma constitucional exige que, para a aprovação de súmula com força vinculativa, haja uma controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública que acarrete grave insegurança jurídica, bem como uma relevante multiplicação de processos sobre questões idênticas.
Nessa linha de raciocínio, observa-se que as Súmulas Vinculantes podem ser editadas após decisão Plenária do Supremo Tribunal Federal ou de repetidas decisões das Turmas a partir de questões processuais com certa homogeneidade que não se restrinjam à esfera particular de cada indivíduo.
E, foi nesse cenário que, diante da repercussão geral no âmbito do Recurso Extraordinário de nº 565.714-1-SP editou-se a Súmula Vinculante nº 04 que traz em seu enunciado a vedação para se utilizar o salário mínimo como base de cálculo de vantagem para servidor público ou empregado, bem como a substituição da mesma por decisão judicial.
Traduz, na verdade, uma evolução jurisprudencial no sentido de proporcionar a máxima eficácia à norma constitucional insculpida no inciso IV do art. 7º da CF, que veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim.
Nesse contexto, passa-se à análise da técnica de controle de constitucionalidade utilizada quando da edição da Súmula Vinculante nº 04, qual seja, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade para, posteriormente, adentrarmos nos limites objetivos e subjetivos da súmula em questão.
2. DA TÉCNICA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE UTILIZADA QUANDO DA EDIÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE nº 04 DO STF
Como já sobredito, a decisão que ocasionou a promulgação da Súmula Vinculante nº 04 do STF é originária de Recurso Extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao qual foi negado provimento, onde se discutia a constitucionalidade do art. 3º da Lei Complementar n. 432/85 do Estado de São Paulo, e do §1º do mesmo dispositivo legal, que dispunham:
Art. 3º - O adicional de insalubridade será pago ao funcionário ou servidor e acordo com a classificação nos graus máximo, médio e mínimo, em percentuais e, respectivamente, 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento), que incidirão sobre o valor correspondente a 2 (dois) salários mínimos.
(...)
§1º - O valor do adicional de que trata este artigo será reajustado sempre que ocorrer a alteração no valor do salário mínimo. [02]
Nesse cenário, o Supremo Tribunal Federal declarou a não-recepção da expressão "salários mínimos" pelo fato de estar em confronto com o estabelecido pelo art. 7º, inciso IV da Constituição Federal.
Não obstante, não se determinou, em face do princípio da separação dos poderes e, consequentemente, da impossibilidade do Judiciário atuar como legislador positivo, qual a base de cálculo a ser utilizada para o cálculo do adicional de insalubridade, pelo que, sob os mesmos argumentos, proibiu-se a substituição da base de cálculo legal por decisão judicial.
Nesse sentido, negando provimento ao recurso, e vedando a substituição da base de cálculo por decisão judicial, o Supremo Tribunal Federal manteve a base de cálculo do adicional de insalubridade como sendo o salário mínimo, em manifesta adoção da técnica de controle de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, do direito alemão, e consubstanciado, principalmente, na possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade de uma norma que, em face de se evitar o vazio legislativo, não é retirada, de imediato, do ordenamento jurídico, ou seja, embora inconstitucional, mantém-se dotada de eficácia e efetividade.
Trata-se, em suma, da evolução legislativa no que se refere às técnicas de controle de constitucionalidade, pois não mais prepondera, no direito pátrio, a teoria da nulidade absoluta ao se declarar a inconstitucionalidade das leis, já que se verificam situações práticas que inviabilizariam sua adoção, como a do caso da Súmula Vinculante nº 04 do STF, pois, sendo o adicional de insalubridade um direito essencial dos trabalhadores em geral, não se pode admitir sua supressão em face da declaração de inconstitucionalidade do art. 192 da CLT, que, ressalta-se, por oportuno, não se trata especificamente de inconstitucionalidade, mas de não recepção pela Carta Magna.
E, como fundamento legal da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, com o propósito de resguardar a segurança jurídica, o direito adquirido, a boa-fé das partes envolvidas, bem como evitar o retrocesso social, tem-se o disposto no art. 27 da Lei 9.868/99, in verbis, que em casos específicos, vem sendo aplicada no âmbito do controle difuso:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços e seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou outro momento que venha a ser fixado. [03]
A técnica utilizada, ao mitigar os efeitos das decisões prolatadas em sede de controle de constitucionalidade, traduz uma ponderação de valores realizada pelo Supremo Tribunal Federal no intento de preservar, em detrimento da adoção irrestrita da teoria da nulidade, o princípio da segurança jurídica, da confiança, da ética jurídica e da boa-fé, já que também constitucionalizados.
Nesse contexto, a Excelsa Corte, embora tenha declarado a inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal, preservou situações pretéritas com base na lei objeto de controle, pelo que, no caso em análise, o momento oportuno para que a declaração de inconstitucionalidade retire a norma legal do ordenamento pátrio coincide com o da edição de norma que substitua a declarada inconstitucional.
A justificativa dessa posição, segundo o ensinamento de Zeno Veloso, citado por Tiago Gonçalves, repousa no argumento de que a retirada da norma inconstitucional do ordenamento pátrio pode trazer maiores prejuízos do que sua manutenção, pois preconiza, nos seguintes termos:
Conferir, sem restrições e atenuações, eficácia ex tunc à declaração de inconstitucionalidade, retroagindo a sentença ab initio, determinando-se a nulidade da lei desde o seu nascimento e, portanto, considerando írritos e sem eficácia todos os atos praticados sob a égide da norma invalidada, pode causar, em muitas situações, verdadeiros caos, uma comoção social. [04]
Levando em consideração o decidido no âmbito do RE 565.714-SP, restou atingido o disposto no art. 192 da CLT, à medida que determina que "o exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção do adicional respectivamente de quarenta por cento, vinte por cento e dez por cento do salário mínimo da região segundo se classifique em grau máximo, médio e mínimo." [05]
Também ficou prejudicado o entendimento consubstanciado por meio da Súmula 228 do TST, em sua redação originária, pelo que o TST, mediante alteração do entendimento anterior, passou a prever o salário básico como base de cálculo para o adicional de insalubridade nos seguintes termos: "A partir de 9 de maio de 2008, data de publicação da Súmula Vinculante n. 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo." [06]
Não obstante, em face de uma liminar concedida na Reclamação Constitucional n. 6266, apresentada pela Confederação Nacional da Indústria, a aplicação da Súmula 228 do TST encontra-se suspensa, pois, ao determinar o salário básico como base de cálculo para o adicional de insalubridade, o TST violou parte final do contido na Súmula Vinculante n.04 do STF.
Assim, diante do apresentado no que se refere à técnica de controle de constitucionalidade utilizada quando da edição da Súmula Vinculante n. 04 do STF, passa-se à análise dos efeitos do referido verbete sumular, levando-se em consideração os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários a respeito do tema.