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A laicidade estatal face à presença de símbolos religiosos em órgãos públicos

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6. SÍMBOLOS BRASILEIROS

Desde a Idade Primitiva a fé acompanha o ser humano. Do mesmo modo, tem-se a presença dos símbolos nesta Idade. Era através do uso dos símbolos, ou seja, da inscrição rupestre, que os homens primatas demonstravam o modo em que viviam, bem como o início da fé, do credo em algo superior, como quando desenhavam estrelas e luas.

A palavra Símbolo é de origem grega (GALDINO, 2006, p. 31). Os símbolos têm como finalidade representar, caracterizar, identificar e, ao mesmo tempo, diferenciar algo ou alguém, pois sugerem ou substituem, como consta nos dicionários. Conceitualmente, no dicionário de Houaiss:

Aquilo que por um princípio de analogia forma ou de outra natureza, substitui ou sugere algo. Aquilo que, num contexto cultural, possui valor evocativo, mágico ou místico. Aquilo que, por pura convenção, representa ou substitui outra coisa. Representação convencional de algo, emblema, insígnia. (2002, apud, GALDINO, 2006, p. 32).

Dados o conceito e a finalidade, há de se observar os símbolos nacionais legalizados, pois, como afirmado anteriormente, a presença destes símbolos, principalmente em uma Nação, irão configurar, caracterizar o Estado.

O artigo 13, em seu §1º, da Constituição Federal apresenta os símbolos da República Federativa do Brasil, assim dispõe:

Art. 13. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil.

§ 1º - São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais. (BRASIL, 1988).

Estes símbolos somente poderão ser modificados através de uma Emenda Constitucional, tamanha importância em nosso País.

6.1 A RELIGIÃO E OS SÍMBOLOS

Em destaque nas religiões está a presença dos símbolos, os chamados símbolos religiosos, os quais irão diferenciar uma instituição religiosa de outra. Através destes símbolos, é possível identificar seu semelhante no âmbito religioso com uma simples apreciação da figura do mesmo, pois os símbolos estão presentes em colares, camisas, pulseiras e demais utensílios utilizados.

No Cristianismo-católico o símbolo mais conhecido e de maior relevância é a cruz. Na cruz, Jesus Cristo foi morto. Representa o local onde houve a crucifixão. Foi com a crucifixão que surgiu outro símbolo do Cristianismo, o Crucifixo.

O símbolo religioso denominado crucifixo apresenta uma cruz, e, no meio desta, a imagem de Jesus Cristo, como quando ocorrera a crucifixão deste. De acordo com GALDINO (2006, p.39, grifo do autor), "[...] se origina do latim, de cruz (crux, crucis), de onde cruciar (cruciare), pregar na cruz, atormentar, torturar."

O Cristianismo tem enorme força no Brasil, porém, como já foi apresentado no presente trabalho, devido à pluralidade religiosa existente em nosso Estado, não é a única a ser seguida pela nação brasileira. Diversas outras Igrejas não cultuam os símbolos religiosos proveniente da Igreja Católica, como a ascendente massa de fiéis evangélicos, onde não há a idolatria na imagem da cruz, tampouco na imagem de Santos.

Os Católicos e evangélicos têm visões diferentes da representatividade da Cruz. Para os evangélicos, a cruz representa a dor, o sofrimento vivido por Jesus Cristo, enquanto que para os Católicos representa a vitória, a ressurreição. No mesmo sentido, observamos o pensamento de Lopes (2008, p. 13):

A vergonha dessa cruz é diferente de todas as formas de indignidade que se podem enumerar. Nada pode ser considerado mais infame que a condenação, [...] que consistia em morrer seminu pendurado num madeiro tosco, de braços abertos e nele cravados com grandes pregos, formando a sombria imagem da cruz, que era levantada em local público por desumanos carrascos.

Todas as religiões têm seus símbolos, em decorrência da laicidade do Estado, com a consequente Liberdade religiosa, têm o direito de cultuá-los e crer nos mesmos.


7. OS ESTABELECIMENTOS ESTATAIS E A PRESENÇA DE SÍMBOLOS RELIGIOSOS

O Brasil, como já fora afirmado no presente trabalho, é um Estado Laico. Tal característica o faz ser um local onde todas as crenças e cultos são respeitados, onde qualquer aliança ou dependência, via de regra, com instituições religiosas são vedadas, e o poder é legitimado pelo povo e não pela vontade divina.

A partir de então, há de se presumir que os estabelecimentos estatais, como escolas públicas, salas de audiência, Tribunais, etc., não possuem símbolos diversos daqueles apresentados na Constituição Federal, em seu artigo 13º, par. 1º. Contudo, a realidade demonstra a presença de símbolos religiosos, em evidência a cruz e o crucifixo, nos locais citados. A Cruz e o crucifixo são os símbolos religiosos de maior destaque do catolicismo, porém, não representam a fé de todos os cidadãos, apenas daqueles seguidores daquela.

O Estado não pode e não deve exteriorizar qualquer tipo de fé, pois, ao agir de tal maneira, descaracteriza a Laicidade garantida constitucionalmente, sob pena de tornar-se um Estado Confessional, além de interferir na liberdade de crença do cidadão. Sobre a interferência na liberdade religiosa, Sarmento (2008, p. 191) dispõe que

[...] a promiscuidade entre os poderes públicos e qualquer credo religioso, por ela interditada, ao sinalizar endosso estatal de doutrinas de fé, pode representar uma coerção, ainda que de caráter psicológico, sobre os que não professam aquela religião.

A retirada de símbolos religiosos de estabelecimentos estatais não configura o laicismo. Pelo contrário, a retirada dos referidos símbolos estaria preservando a liberdade de religião do indivíduo e ratificando o caráter Laico do Estado.

7.1. OS ADMINISTRADORES E OS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IMPESSOALIDADE

Os estabelecimentos estatais são locais públicos, pertencentes ao Estado. Como tais, devem estar em consonância com os princípios, implícitos e explícitos, que regem a Administração Pública, dentre estes o da Legalidade e da Impessoalidade, dispostos no artigo 37 da Constituição Federal brasileira.

De acordo com o princípio da Legalidade, ao administrador, qual seja o representante do Estado, só caberá fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei. Este aspecto o diferencia do particular, pois "[...] ao particular é permitido fazer tudo o que não estiver proibido por lei Já para a administração pública só é permitido fazer aquilo que estiver previsto em lei." (NADAL; SANTOS, 2009, p. 32).

Enquanto o princípio da impessoalidade da Administração Pública está relacionado ao princípio constitucional da Isonomia, visto que os atos praticados pelos administradores deverão servir a todos, dada a igualdade existente entre todos os cidadãos, sem distinção em razão das convicções filosóficas, políticas e/ou religiosas. A Administração Pública tem por fim o interesse público, por tal motivo, os administradores agem em nome do Estado e não em nome próprio.

Assim, observa-se uma total afronta aos princípios da legalidade e da impessoalidade, pelos administradores públicos ao colocarem em estabelecimentos estatais símbolos religiosos, uma vez que o Brasil, em dispositivos Constitucionais, como os artigos 19, I e art. 5º, VI, assegura a Laicidade e as liberdade de culto e de crença.

O administrador público exerce função de modo a representar a figura do Estado, não podendo, então, utilizar-se de estabelecimentos públicos para exteriorizar sua fé, pois ao Estado Brasileiro cabe respeitar sua Constituição, no sentido de obedecer aos preceitos de um Estado Laico. Blancarte (2008, p. 27) corrobora o mesmo entendimento, onde afirma que:

[...] legisladores e funcionários públicos não estão em seus cargos a título pessoal e devem, mesmo que ainda tenham direito a ter suas próprias convicções, primar pelo interesse público em suas funções e responsabilidades.

7.2 DECISÕES JUDICIAIS ACERCA DO TEMA

A presença de símbolos religiosos em estabelecimentos estatais é constantemente tema de debate na justiça brasileira.

No ano de 1991, houve o julgamento de um Mandado de Segurança impetrado pelo Sr. Antonio Carlos de Campos Machado, visando combater a atitude do Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, o qual determinou a retirada dos símbolos religiosos da Assembléia Legislativa. Segue a decisão, a qual se encontra em Vecchiatti (2008):

MANDADO DE SEGURANÇA – Autoridade Coatora – Presidente da Assembléia Legislativa do Estado – Retirada de crucifixo da sala da Presidência da Assembléia, sem aquiescência dos deputados – Alegação de violação ao disposto no artigo 5º, inciso VI da Constituição Federal, eis que a aludida sala não é local de culto religioso – Carência decretada. Na hipótese não ficou demonstrado que a presença ou não de crucifixo na parede seja condição para o exercício de mandato dos deputados ou restrição de qualquer prerrogativa. Ademais, a colocação de enfeite, quadro e outros objetos nas paredes é atribuição da Mesa da Assembléia (Artigo 14, inciso II, Regulamento Interno), ou seja, de âmbito estritamente administrativo, não ensejando violência a garantia constitucional do artigo 5º, VI da Constituição da República. (TJ/SP, Mandado de Segurança nº 13.405-0, Relator Desembargador Rebouças de Carvalho, julgado em 02.10.1991 -0).

O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu pela não retirada do crucifixo da sala da presidência da Assembléia. Para tanto, argumentou que a sala da presidência da Assembléia não é local de culto, bem como atribui ao símbolo religioso o caráter de enfeite.

Evidentemente, a sala da presidência da Assembléia não é local de culto, todavia, o crucifixo é o símbolo religioso de maior destaque no cristianismo, "[...] ele é portador de um forte sentido religioso, associado ao cristianismo e à sua figura sagrada – Jesus Cristo." (SARMENTO, 2008, p. 196).

Ao observarmos um símbolo religioso, qualquer que seja, em um prédio público, o Estado não transmite a imagem de um local Laico, onde se respeita todos os credos e a ausência destes, mas de um local onde, apesar da pluralidade religiosa, não respeita as demais crenças existentes, bem como a posição daqueles que não as têm, os ateus

Ao retirar tais símbolos, o Estado não estará desrespeitando a religião dos cristãos. Individualmente, todo cidadão tem a sua liberdade de crença assegurada, contudo, o Estado deverá manter-se neutro, em observância ao princípio do Estado Laico.

No dia 17 de janeiro de 2007, a Organização não Governamental Brasil para todos, enviou representações ao Ministério Público e ao Conselho Nacional de Justiça acerca da presença de símbolos religiosos em tribunais e assembléias legislativas. 6

O Conselho Nacional de Justiça julgou as 4 representações propostas pela ONG Brasil para todos sobre a presença de símbolos religiosos nos Tribunais de Justiça do Ceará, Minas Gerais, Santa Catarina e no Tribunal Regional Federal 4º região. Ao julgá-las, o CNJ não procedeu à retirada dos símbolos existentes, mas posicionou-se no sentido de mantê-los, pois afirmou que os crucifixos são mais símbolos culturais e tradicionais do que religiosos.

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Contudo, o Crucifixo representa a imagem de Jesus Cristo no momento em que fora crucificado, estando intrinsecamente ligado à religião. Não se apresentando como um símbolo de caráter não religioso.

Em fevereiro de 2009, o novo presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Zveiter, tomou posse. Ao tomar posse, o novo presidente determinou a retirada do crucifixo na sala do Órgão especial e desativou a capela confessional existente. Para se evitar uma intolerância religiosa, afinal o Brasil não é um Estado ateu, o Presidente do Tribunal de Justiça promoveu a criação de um local ecumênico, onde todos os cidadãos, independentemente de suas crenças, poderão cultivar as mesmas, cuja capacidade seria para 97 pessoas. 7

No mês de julho de 2009, o Ministério Público Federal atendeu a uma representação feita pelo cidadão Daniel Sottomaior Pereira. Este teria se sentido ofendido com a presença de símbolo religioso, mais precisamente um crucifixo, dentro do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

Assim, o Ministério Público ingressou uma Ação Civil Pública, visando à retirada de símbolos religiosos das repartições públicas, pois a presença dos mesmos afronta o princípio do Estado Laico, a liberdade de crença e a Isonomia. Acertadamente, o Ministério Público sustentou a idéia de que:

Embora a maioria populacional professe religiões de origem cristã (católicos e evangélicos), o Brasil optou por ser um Estado Laico, em que não existe vinculação entre o Poder Público e uma determinada igreja ou religião, sendo a todos assegurada a liberdade de consciência e crença religiosa. 8

O ingresso da Ação Civil Pública pelo Ministério Público Federal repercutiu, de modo que o Ministro Gilmar Mendes, então presidente do Supremo Tribunal Federal, criticou o ingresso da demanda, ao considerar um exagero por parte do Ministério Público Federal.

Dada a polêmica, fora realizada uma pesquisa eletrônica no site Último Segundo, a qual visava questionar a posição dos cidadãos acerca do tema. Como resultado, 79% dos internautas, ao responderem a enquete, foram a favor da retirada dos símbolos religiosos de prédio públicos. 9

Liminarmente, a Juíza Federal Maria Lucia Lencastre Ursaia, da 3º vara cível federal de São Paulo, negou o pedido do Ministério Público em retirar os símbolos religiosos das repartições públicas. A juíza federal "considerou natural, em um país de formação histórico-cultural cristã como o Brasil, a presença de símbolos religiosos em órgãos públicos." 10

Em contrapartida, observa-se a posição de Sarmento (2008, p. 199), onde comenta a presença de crucifixos em órgãos públicos: "O caráter tradicional da prática não infirma a sua contrariedade à Constituição Federal, ou aos valores emancipatórios e democráticos que a fundamentam."

Sim, não se pode negar a influência, não somente no Estado Brasileiro, mas em todo o mundo, da religião, em destaque a religião católica. Destarte, como preceitua o artigo 19, I da Constituição Federal, o Brasil é um País onde não há uma religião oficial, posicionando-se como Laico, neutro. Da mesma maneira, assegura a liberdade de crença e de culto como Direitos Fundamentais, imutáveis, até a promulgação de uma nova Constituição.

Assim, deve-se respeitar a maioria, contudo, a minoria não deve ser esquecida ou discriminada. Os operadores do direito devem lembrar-se

[...] que o seu papel não é o de impor políticas públicas a partir de suas crenças pessoais, senão o de levar a cabo as suas funções de acordo com o interesse público, definido pela vontade popular da maioria, sem excluir os direitos das minorias. (BLANCARTE, 2008, p. 27).

Ao serem administradores públicos, quando nesta condição, deverão respeitar princípios básicos da Administração, como a legalidade e a impessoalidade, não possibilitando que crenças pessoais possam vir a provocar qualquer dúvida quanto à condição de Estado Laico do Brasil.

Aos administradores públicos, enquanto cidadãos, é possível a exposição de suas crenças, em observância ao artigo 5º, VI da Constituição Federal, o mesmo não pode ocorrer enquanto agirem em nome do Estado, pois a este cabe respeitar e promover o princípio do Estado Laico.

Deste modo, ao adentrar em um prédio público, o cidadão não observará a presença de símbolos religiosos, os quais poderão mitigar sua liberdade religiosa, bem como fazê-lo associar o Estado Democrático Brasileiro à fé cristã.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALADO, Maria Amélia Giovannini. A laicidade estatal face à presença de símbolos religiosos em órgãos públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2565, 10 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16962. Acesso em: 27 abr. 2024.

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