Palavras-chave: Processo administrativo disciplinar. Membro do Ministério Público da União. Prescrição do direito de punir e prescrição da pretensão punitiva. Disciplina na Lei Complementar federal n. 75/1993.
Resumo: O artigo procura estudar a disciplina da prescrição e suas modalidades no processo administrativo disciplinar instaurado contra membro do Ministério Público da União, na disciplina da Lei Complementar federal n. 75/1993.
1. Introdução
O processo administrativo disciplinar instaurado contra membro do Ministério Público da União, inclusive as regras sobre o instituto da prescrição das faltas funcionais, é disciplinado pelas disposições da Lei Complementar federal n. 75/1993.
Compõem o Ministério Público da União os integrantes dos Ministérios Públicos Federal, do Trabalho, da Justiça Militar e do Distrito Federal e Territórios.
2. Prescrição disciplinar na Lei Complementar federal n. 75/1993.
Estatui a Lei Complementar federal n. 75/1993:
Art. 244. Prescreverá:
I - em um ano, a falta punível com advertência ou censura;
II - em dois anos, a falta punível com suspensão;
III - em quatro anos, a falta punível com demissão e cassação de aposentadoria ou de disponibilidade.
Parágrafo único. A falta, prevista na lei penal como crime, prescreverá juntamente com este.
Art. 245. A prescrição começa a correr:
I - do dia em que a falta for cometida; ou
II - do dia em que tenha cessado a continuação ou permanência, nas faltas continuadas ou permanentes.
Parágrafo único. Interrompem a prescrição a instauração de processo administrativo e a citação para a ação de perda do cargo.
3. Distinção entra a prescrição do direito de punir e a prescrição da pretensão punitiva e o problema da anotação nos assentamentos funcionais do servidor ou membro do Ministério Público da extinção do prazo prescricional
Primeiro ponto que merece abordagem consiste na distinção entre prescrição do direito de punir e prescrição da pretensão punitiva, sob a ótica do registro do óbice prescricional nos assentamentos funcionais do membro do Ministério Público.
Questão interessante concerne à interpretação do capitulado no art. 170, da Lei federal n. 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Públicos Federais): "Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor." O dispositivo legal se aplica aos membros do Ministério Público da União?
É que, no silêncio da Lei Complementar federal n. 75/1993, tem aplicação subsidiária (art. 287, caput, LC 75/1993), referentemente aos membros do Ministério Público da União - MPU, o capitulado na Lei federal n. 8.112/1990, cujo art.170 finca que, em caso de extinção da punibilidade por força da prescrição, o surgimento do óbice jurídico deveria ser anotado nos assentamentos funcionais do integrante do Parquet
A pergunta que se formula é: o dispositivo se aplica mesmo em caso da prescrição consumada antes da própria instauração de inquérito ou de processo administrativo disciplinar? Isto é, mesmo que o fato não tenha sido sequer apurado e não mais o possa ser, ainda assim deve-se anotar nos assentamentos funcionais o cometimento de um ilícito que não se saber sequer se efetivamente ocorreu, sem conhecer pelo menos a voluntariedade do membro do Ministério Público da União e sua culpabilidade?
Primeira ponderação que se impõe concerne à distinção entre prescrição do direito de punir e prescrição da pretensão punitiva.
A prescrição do direito de punir é aquela consumada antes mesmo da instauração do processo administrativo disciplinar ou do inquérito administrativo, desde que decorrido lapso temporal superior àquele deferido legalmente para o exercício do poder disciplinar estatal.
Como a prescrição somente é interrompida em seu fluxo temporal, iniciado na data do cometimento da infração administrativa (art. 245, I, Lei Complementar federal n. 75/1993) ou com a cessação da permanência ou continuidade nas infrações continuadas ou permanentes (art. 245, II), pela instauração do processo administrativo disciplinar (a mera abertura de sindicância investigativa ou de inquérito não tem o condão de interromper o fluxo do prazo prescricional), segue que a demora em proceder à abertura de feito sancionador processual pode representar a perda do direito de punir a infração disciplinar, excluindo a própria falta. É o que se chama prescrição do direito de punir.
A seu turno, a prescrição da pretensão punitiva é aquela que sucede após a tempestiva instauração de processo administrativo disciplinar, em virtude da retomada do prazo prescricional, outrora interrompido com a abertura do feito (art. 245, parágrafo único, Lei Complementar federal n. 75/1993).
Nesse particular, cabe minuciar que o prazo para conclusão da etapa instrutória e apresentação de relatório final pela comissão processante é de 90 (noventa) dias, prorrogáveis por mais 30 (trinta) dias, num total de 120 (cento e vinte) dias (art. 253, Lei Complementar federal n. 75/1993), contados do primeiro dia útil subseqüente à publicação do ato instaurador do processo administrativo disciplinar, por aplicação subsidiária da regra do art. 238, da Lei federal n. 8.112/1990, na medida em que não se inclui o dia do começo do prazo na contagem dos parâmetros temporais em apreço.
A despeito do silêncio do texto da Lei Complementar federal n. 75/1993 sobre a duração do efeito interruptivo da prescrição, verificado com a instauração do processo administrativo disciplinar, não se deve supor que a Administração Pública Ministerial possa manejar a tese da interrupção sine die do prazo prescricional até a publicação da pena disciplinar ao membro do Ministério Público da União, inclusive por reflexo do princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, Constituição Federal de 1988).
Cabe aplicar o mesmo entendimento pelo qual, interpretando com razoabilidade o disposto no art. 142, § 3º, fine, da Lei federal n. 8.112/1990, no que se refere à locução "até decisão final da autoridade competente", o Supremo Tribunal [01][02] e o Superior Tribunal de Justiça [03][04] pontificaram que a interrupção do prazo prescricional, ocorrida com a instauração do processo administrativo disciplinar, somente perdura até que consumado o prazo máximo para conclusão e julgamento do feito, que é de 140 dias, após cujo decurso torna a fluir a contagem da prescrição, a partir do zero.
Esse entendimento foi assentado pelo colendo Supremo Tribunal Federal [05], que firmou a tese de que a contagem do prazo prescricional das infrações disciplinares não poderia ficar ao alvedrio e inércia da Administração ou da autoridade administrativa, de sorte que, grife-se, a interrupção do prazo cessaria com o decurso objetivo do prazo de 140 dias no regime da Lei federal n. 8.112/1990, de modo que a prescrição retomaria seu fluxo a partir do primeiro dia seguinte à interrupção, isto é, do 141º dia da instauração do processo, como segue de trechos do voto do eminente relator Ministro Moreira Alves:
Em se tratando de inquérito, instaurado este a prescrição é interrompida, voltando esse prazo a correr novamente por inteiro a partir do momento em que a decisão definitiva não se der no prazo máximo de conclusão do inquérito, que é de 140 dias (artigos 152, caput, combinado com o artigo 169, § 2º, todos da Lei n. 8.112/1990).
Também relevante trecho do voto do Ministro Sepúlveda Pertence no mesmo julgamento:
Sr. Presidente, já me causava certa perplexidade o problema da interpretação dos §§ 3º e 4º do art. 142 da LEI FEDERAL N. 8.112/90, dado que uma exegese literal levaria ao absurdo de fazer a prescrição depender exclusivamente da vontade da autoridade se se entende, como é letra do dispositivo, que a interrupção prossegue da abertura do processo disciplinar até a decisão final e só então recomeça a correr. O eminente relator, fazendo de certo modo, ao que entendi, um raciocínio similar ao da Súmula 147, relativo aos crimes falimentares, dá significado razoável ao dispositivo: a prescrição segue interrompida durante o prazo legal para o encerramento do inquérito, mas qual começa a correr daí, haja ou não decisão final. Esse era o ponto que me causava certa inquietação. Mas fiquei convencido da solução proposta pelo relator, que acompanho.
Nem mesmo a sucessiva designação de várias comissões processantes poderia ter o condão de interromper "ad eternum" o prazo prescricional após o decurso de 140 dias da instauração do processo administrativo disciplinar, de sorte que, a partir do 141º dia, retoma seu curso a contagem para fins da prescrição da pretensão punitiva, sem mais possibilidade de interrupção, no regime da Lei federal n. 8.112/1990.
Embora possa ser decidido após o prazo legal para sua conclusão sem disso advir nulidade, o poder disciplinar da Administração Pública poderá restar obstado pela superveniência da prescrição do direito de punir.
É o que doutrina Palhares Moreira Reis [06]: "A redesignação da comissão, ou a constituição de uma outra, para a conclusão apuratória dos mesmos fatos, não interrompe, novamente, a fluência do prazo prescricional".
Consagrou o DASP: "A redesignação da comissão de inquérito, ou a designação de outra, para prosseguir na apuração dos mesmos fatos, não interrompe, de novo, o curso da prescrição" (Formulação n. 279). No mesmo sentido a lição de Sebastião José Lessa. [07]
Portanto, Isto é, da mesma forma que já se pacificou no tocante ao regime geral dos servidores públicos federais, o prazo prescricional somente permanece interrompido durante o prazo máximo para conclusão (instrução e julgamento) do processo administrativo disciplinar instaurado contra membro do Ministério Público da União.
Segue questionamento importante: no caso da Lei Complementar federal n. 75/1993, ao que consta, não foi estipulado prazo específico para julgamento do processo administrativo disciplinar instaurado contra membro do Ministério Público da União. Quid juris?
Parece que, no caso, a própria Lei Complementar federal n. 75/1993 soluciona o impasse:
Art. 287. Aplicam-se subsidiariamente aos membros do Ministério Público da União as disposições gerais referentes aos servidores públicos, respeitadas, quando for o caso, as normas especiais contidas nesta lei complementar.
Nada mais razoável e legítimo que, na lacuna da Lei Complementar federal n. 75/1993, tenha aplicação subsidiária o regramento do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (art. 167, caput), que reza: "No prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão".
Sendo assim, soma-se ao prazo legal de conclusão da instrução do processo administrativo disciplinar, que é de 120 dias (art. 253, Lei Complementar federal n. 75/1993), o tempo máximo para julgamento do feito, de 20 dias (art. 167, caput, Lei federal n. 8.112/1990), chegando-se, destarte, ao limite temporal da interrupção da prescrição da pretensão punitiva: 140 (cento e quarenta) dias, contados do primeiro dia útil seguinte à publicação do ato de instauração do processo acusatório.
Após decorrido o prazo legal de 140 (cento e quarenta) dias para conclusão da fase instrutória e julgamento do processo administrativo disciplinar, retoma seu fluxo a prescrição da pretensão punitiva, a partir do zero, sem mais possibilidade de interrupção, nem que sejam designadas novas comissões processantes.
Está-se, no caso, a falar da prescrição da pretensão punitiva, isto é, daquele verificada após a instauração a tempo do processo administrativo disciplinar.
José Armando da Costa intitulava a prescrição do direito de punir de "mais favorável" e a da pretensão punitiva de "menos favorável", ainda nos idos de 1981:
A que ocorre antes da instauração do processo, chamaremos de prescrição mais favorável, a que ocorre depois, prescrição menos favorável. A prescrição mais favorável funciona, na realidade, como uma excludente de falta, posto que o funcionário com ela se beneficia nem é punido e nem irá a falta para o registro de seus assentamentos funcionais. Só difere da excludente pelo lado moral. A menos favorável elimina a imposição da punição. Essa doutrina está de acordo com o entendimento do DASP, senão vejamos o enunciado de sua formulação de nº 36: ´Se a prescrição foi posterior à instauração do inquérito, deve-se registrar nos assentamentos do funcionário a prática da infração apurada (COLEPE, proc. n.º 1.087/69; CGR, par. H-458/67, DO de 20.2.67). [08]
Retomando ao tema, não se pode deixar de pontuar a perplexidade que decorre da exegese do art. 170, da Lei federal n. 8.112/1990, quando estatui que "extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor", se porventura aplicada nos casos de prescrição do direito de punir.
Até se compreende o registro nos assentamentos funcionais na hipótese em que, verificado efetivamente o cometimento de ilícito administrativo, a respectiva pena não pôde, entretanto, ser aplicada pela circunstância de a Administração Pública (depois de processar o servidor, colher provas, ouvir-lhe a defesa e também a tese acusatória) decidir que a conduta do acusado é, de fato, típica e culpável (além de não estar agasalhada por excludente de ilicitude), mas se ver, genuflexa, impossibilitada de impor a sanção disciplinar, por causa da prescrição da pretensão punitiva.
O que assentada doutrina firma é que a prescrição consumada após a instauração tempestiva do processo disciplinar (prescrição da pretensão punitiva) deveria ser registrada, enquanto aquela consumada antes mesmo da abertura de processo administrativo disciplinar (prescrição do direito de punir) - o feito é aberto muito tardiamente, não poderia render ensejo a anotações funcionais.
Com efeito, apesar de a lei não distinguir ( e seria, numa primeira e mais apressada assertiva supostamente o caso de fazer incidir o brocardo: "onde a lei não distingue ao intérprete não é dado fazê-lo") quanto ao registro nos assentamentos funcionais, parece que reside certa coerência, à luz do princípio da razoabilidade, na tese de que, se o fato não pode sequer ser apurado, por força da prescrição do próprio direito de punir, afigura-se de alguma forma compreensível a linha de entendimento que, nesse caso, rechaça a anotação da prescrição, se o fato não pode sequer ser averiguado, por força do óbice prescricional, sem que ao menos se defira ao acusado, portanto, pelo menos a chance de se defender e comprovar a improcedência do juízo por sua culpabilidade, visto que à Administração resta vedado proceder ao apuratório, por força da prescrição, mesmo motivo pelo qual parece igualmente razoável que esse mesmo fato não possa ser registrado nos assentamentos funcionais, pois não houve nem haverá ao menos a abertura do devido processo legal e da concessão do direito de defesa.
Consigna-se, pois, que, consumada a prescrição do direito de punir, não cabe mais a instauração de processo administrativo disciplinar, na medida em que o fato não mais pode ser apurado.
Mas como se compreender, à luz dos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, fora a presunção da inocência, que um fato que não foi sequer apurado, porque a Administração Pública nem ao menos deflagrou uma sindicância investigativa ou inquérito, deva merecer registro (negativo, no mínimo implicitamente ao tachar o funcionário de transgressor) nos assentamentos funcionais do membro do Ministério Público da União, sem que se possa aferir, na via do "due process of law", a sua culpabilidade e as circunstâncias que se relacionam com o pretenso ilícito supostamente cometido.
Será que o membro do Ministério Público da União, referentemente ao pretenso ilícito, agiu abrigado por uma excludente de ilicitude (legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal, estado de necessidade, exercício regular de direito)? Será que foi plena sua voluntariedade, ou agiu sem dolo nem culpa, em circunstância de força maior, sob coação irresistível ou em obediência hierárquica de ordem não manifestamente ilegal? O fato era realmente punível de acordo com o princípio da insignifcância ou da proporcionalidade? Será que terceiros não são os verdadeiros autores do alegado ilícito administrativo, em vez do Procurador ou Promotor cujo nome se pretende negativar? Todas essas perguntas não podem ser simplesmente engavetadas com o juízo apriorístico de que o agente público cometera um ilicito – e ponto final, em meio, quanto menos, a dúvidas da reprovação da sua conduta.
Enfim, quem não fica atônito diante de que o pretenso cometimento de uma infração funcional será escriturado contra determinado membro do Ministério Público da União, sem que pelo menos se saiba se ele era realmente culpado ou atuou ao abrigo de excludentes de ilicitude ou culpabilidade ou outras eximentes?
Por que o fato deve ser registrado contra alguém, pesando negativamente em seus assentamentos funcionais, embora não possa servir de antecedente (pois maus antecedentes pressupõem punições anteriores efetivamente impostas), se nem sequer direito ao devido processo legal o agente público teve nem poderá ter, pois a prescrição do direito de punir serve como óbice insuperável à apuração do fato e à eventual comprovação, pela defesa, de que não teria havido infração administrativa na hipótese?
Diferentemente sucede na hipótese de prescrição da pretensão punitiva, em que o feito foi instaurado a tempo, mas a demora na tramitação e decisão final impede a punição do fato. No caso, ocorre a produção de provas, a apresentação de razões, mas, no julgamento, a autoridade competente se vê privada do direito de aplicar pena, julgada cabível e devida, ao membro do Ministério Público da União, por força da prescrição da pretensão punitiva, mas houve a abertura do devido processo legal, o acusado foi ouvido, enfim, aproximou-se mais na apuração da verdade, com o respeito ao contraditório e ampla defesa.
Parece que, por esses fundamentos, ocorre a distinção, que parece acertada, à luz dos motivos supra, que ora se ventila, à luz do princípio da razoabilidade da administração pública: quem não foi sequer ouvido, deve suportar no mínimo uma suspeita (senão uma autêntica sentença condenatória indireta), uma mácula contra seu nome, com o registro negativo de alguma suposta irregularidade que nem sequer pôde ou poderá ser apurada, quando não se sabe se o membro do Ministério Público da União era inocente ou atuara sob a tutela de excludente de ilicitude ou de culpabilidade?
Pergunte-se de novo: afina-se com o bom-senso, com a idéia de padrões aceitáveis de comportamento, julgar que alguém é culpado e, por isso, deve ter seu nome inscrito no rol dos transgressores das normas administrativas (medida efetivada indiretamente, por meio da anotação na pasta funcional), quando se cuida de fato que não foi sequer alvo de alguma apuração, quanto menos de uma sindicância inquisitorial?
Parece que essa situação faz incidir os proclamos do princípio da razoabilidade, o qual enuncia, segundo Suzana de Toledo Barros, que as medidas administrativas devem passar pela averiguação de sua "adequação, idoneidade, aceitabilidade, logicidade, eqüidade", traduzindo o que não pareça absurdo ou ao menos seja admissível. [09] José Roberto Pimenta Oliveira observa que o princípio da razoabilidade "objetiva impedir a consumação de decisões socialmente inaceitáveis, arbitrárias ou iníquas." [10]
Não é justo que a um membro do Ministério Público da União a quem não foi - nem o será jamais - deferida a oportunidade de refutar uma premissa ou presunção reprobatória de sua conduta, seja increpada sentença condenatória indireta pela negativação de seu nome na sua ficha funcional.
Nem se diga que a medida registral não gera prejuízos ao servidor negativado em sua folha funcional, haja vista que é comum, na fase de investigação social de concursos públicos, proceder-se à consulta sobre os antecedentes administrativos do agente público, contra quem pesará o registro de uma pretensa falta cujo efetivo cometimento e reprovação não pode sequer ser ao certo confirmada.
Por isso que se advoga que nem sequer seria possível anotar a prescrição nos assentamentos funcionais do servidor, se ocorrida antes da instauração do processo administrativo disciplinar, a despeito, data maxima venia, do previsto no art. 170, da redação original da Lei n. 8.112/1990, o qual somente tem aplicação no caso de consumação da prescrição da pretensão punitiva (a ocorrida depois de aberto tempestivamente o processo administrativo disciplinar), não no caso da prescrição do direito de punir (o feito sancionar é instaurado muito tarde, quando o fato não mais podia ser investigado).
O egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios sufragou o entendimento de que a prescrição do direito de punir não deve ser anotada na folha funcional do servidor, conforme inteiro teor de acórdão de seu Conselho Especial [11]:
E M E N T A
CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR PÚBLICO – SINDICÂNCIA PARA APURAR INFRAÇÃO – PRESCRIÇÃO CONSUMADA ANTES DA INSTAURAÇÃO – REGISTRO NOS ASSENTAMENTOS FUNCIONAIS COM APOIO NO ART. 170 DA LEI 8.112/90 – IMPOSSIBILIDADE – SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. Se, na data da constituição da Comissão de Sindicância destinada a apurar os fatos constitutivos da infração cometida pelo servidor já estava consumada a prescrição, não é lícito à Administração registrá-la nos seus assentamentos funcionais.
2. Segurança concedida. Unânime.
A C Ó R D Ã O
Acordam os Senhores Desembargadores do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ESTEVAM MAIA - Relator, ROMÃO C. OLIVEIRA - Vogal, GETULIO PINHEIRO - Vogal, EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Vogal, CRUZ MACEDO - Vogal, MARIO MACHADO - Vogal, SÉRGIO BITTENCOURT - Vogal, HAYDEVALDA SAMPAIO - Vogal, CARMELITA BRASIL - Vogal, NÍDIA CORRÊA LIMA - Vogal, NATANAEL CAETANO - Vogal, LÉCIO RESENDE - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador NÍVIO GERALDO GONÇALVES em proferir a seguinte decisão: Preliminar rejeitada, no mérito, concedeu-se a segurança nos termos do voto do Relator. Unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 27 de maio de 2008
Certificado nº: 44355738
02/06/2008 - 15:29
Desembargador ESTEVAM MAIA
Relator
R E L A T Ó R I O
O relatório é, em parte, o do parecer ministerial de fls. 86/94, que transcrevo, literalmente:
"Trata-se de mandado de segurança impetrado por Paulo Santana Júnior em face de ato que considera ilegal e que atribui ao Secretário de Estado de Fazenda do Distrito Federal.
Assevera que é auditor tributário e que teve anotada em seus assentos funcionais, por ordem do Impetrado, penalidade de advertência, a despeito da ação disciplinar já estar prescrita (fl. 64).
Aduz o Impetrante que o fato objeto da ação disciplinar contra si instaurada se tornou conhecido da Administração Pública em 27 de março de 1996 e que a sindicância deveria ter sido aberta no prazo de 180 dias, o que não foi feito. Sustenta, portanto, que ocorreu a prescrição disciplinar direta, acarretando a perda, por parte da Administração, do direito de punir disciplinarmente o servidor faltoso.
Alega que, a despeito da ação disciplinar já estar prescrita, em 02 de agosto de 2006, foi instaurada uma Comissão de Sindicância contra si, da qual resultou a pena de advertência a si imposta.
Argumenta que, uma vez caracterizada a prescrição disciplinar direta, não poderia a Administração Pública ter mandado registrar nos assentamentos funcionais do Impetrante a advertência a ele imposta, eis que prescrita a pretensão punitiva da Administração.
Por fim, alega ser o artigo 170, da Lei nº 8.112/90, inconstitucional, na medida em que o referido dispositivo permite sejam feitas anotações de fato prescrito em assentamento funcional do servidor como penalidade, o que se contrapõe à prescrição que milita em seu favor.
Assim, requer seja reconhecida a prescrição disciplinar direta e concedida a segurança para determinar que, dos assentamentos funcionais do impetrante, não conste qualquer anotação ou menção em relação ao fato ou à penalidade dele decorrente.
Requer, caso não reconhecida a prescrição disciplinar direta, alternativamente, o reconhecimento da prescrição disciplinar, em qualquer de suas modalidades, com a decretação incidental da inconstitucionalidade do artigo 170, da Lei nº 8.112/90. Ao final, o Impetrante requer seja determinada retirada de seus assentamentos funcionais de qualquer anotação ou menção em relação ao fato ou dele decorrente.
O processo foi instruído com os documentos de fls. 15/69.
O Secretário de Estado de Fazenda do Distrito Federal prestou informações às fls. 76/83. Preliminarmente, observou a inadequação da via eleita pelo Impetrante, asseverando que este discute lei em tese, o que é inadmissível em Mandado de Segurança, conforme enunciado da Súmula nº 266, do Supremo Tribunal Federa.
Quanto ao mérito, sustentou que o instituto da prescrição aplicado no caso em comento é o da ação disciplinar, não tendo o Estado perdido o direito de apurar os fatos, já que a data desses não superou o prazo qüinqüenal.
Asseverou que, conforme o preceituado no § 2º, do artigo 142, da Lei nº 8.112/90, as infrações disciplinares capituladas também como crime obedecem ao artigo 107, do Código Penal, o qual se refere à extinção da punibilidade, ou seja, o que ficaria obstado em decorrência da prescrição seria a execução da pena, mutatis mutandi, a execução da sanção administrativa.
Nesse passo, aduziu que somente após a instauração do Processo Administrativo e definição da penalidade a ser imposta, é que seria possível verificar o alcance ou não da prescrição.
Por fim, no que toca ao pedido de declaração incidental da inconstitucionalidade da norma inserta no artigo 172, da Lei nº 8.112/90, argumentou que tal dispositivo encontra-se em pleno vigor, não havendo notícias de quaisquer medidas judiciais ou legislativas determinando a suspensão de sua eficácia."
Acrescento que o Ministério Público oficiou pela extinção do processo, sem resolução do mérito.
É o relatório.
V O T O S
O Senhor Desembargador ESTEVAM MAIA - Relator
Sustenta o impetrante que, por estar prescrito o direito da Administração em puni-lo pela falta funcional que lhe é atribuída, não se justifica qualquer anotação em seus assentamentos funcionais, acrescentando que o art. 170 da Lei 8.112/90 é inconstitucional e, como tal, deve ser declarado neste processo.
Examine-se, pois, se procede a objeção do impetrante ao ato impugnado.
Para compreensão da controvérsia, impõe-se rememorar os fatos.
O impetrante, Auditor Fiscal, procedeu a levantamento fiscal de determinada empresa, que solicitara baixa de sua inscrição, concluindo não haver débito a recolher. Esse resultado foi comunicado ao seu supervisor hierárquico em 26.03.96 (f. 28), arquivando-se o pedido de baixa.
Em 10.08.05, a Gerência de Auditoria Tributária solicitou o desarquivamento do citado processo, por verificar pendência do respectivo registro e suposta incoerência entre os demonstrativos e a conclusão.
Em 15.09.05, foi o impetrante instado a manifestar-se, o que fez asseverando que a dívida estava prescrita, o que deu ensejo à constituição de Comissão de Inquérito para apuração dos fatos, o que ocorreu por intermédio da OS n. 90, de 02.08.06. Sem conclusão desse procedimento, nova Comissão de Sindicância foi constituída em 26.02.07 para apuração dos mesmos fatos.
O Chefe da Corregedoria Fazendária, pela OS 48, de 03.05.07, desinstalou a Comissão constituída pela OS 09, de 26.02.07, e, ato contínuo, pela OS 49, da mesma data, reinstaurou a Comissão que concluiu seu trabalho sugerindo fosse aplicada ao impetrante a pena de advertência e, porque prescrita essa pena, se procedesse como disposto no art. 170 da Lei 8.112/90.
Como se vê, a Administração tomou ciência do levantamento fiscal realizado pelo impetrante em 26.03.96 e somente em 15.09.05 foi ele instado a manifestar-se sobre a questão, constituindo-se Comissão de Sindicância para apurar os fatos em 03.05.07, por intermédio da OS 49.
Concluiu a Comissão de Sindicância que o impetrante violara o disposto no art. 116, inc. III, da Lei 8.112/90, estando sujeito à pena de advertência, que prescreve em 180 dias (L. cit., arts. 129 e 142, III) e, por isso, o fato deveria ser anotado em seus assentamentos funcionais, sugestão acolhida pela autoridade coatora.
Tem razão o impetrante. Isto porque a Administração tomou conhecimento dos fatos em 26.03.96 e somente em 03.05.07 veio a constituir Comissão de Sindicância para apurar as irregularidades que detectara no levantamento fiscal por ele efetuado. E, como entendeu que a infração é punida com a pena de advertência, que prescreve em 180 dias, contados da ciência dos fatos, dúvida inexiste de que, naquela data (03.05.07), já não poderia deflagrar o processo para puni-lo.
Outra seria a solução se o prazo prescricional houvesse expirado no curso da Sindicância, oportunamente instaurada.
Esse sempre foi o entendimento vigorante na esfera federal, estratificado na formulação n. 36 do extinto DASP, do enunciado seguinte:
Formulação n. 36: "Se a prescrição for posterior à instauração do inquérito, deve-se registrar nos assentamentos do funcionário a prática da infração apenada" (GRIFOU-SE).
Doutra parte e, de conseqüência, não se faz necessário o exame da alegada inconstitucionalidade do art. 170 da Lei 8.112/90. A questão pode, e deve, ser solucionada com a interpretação desse dispositivo legal.
Com esses fundamentos, CONCEDO a segurança para determinar a autoridade coatora que proceda à retirada do registro do fato dos assentamentos funcionais do impetrante.
Custas na forma da lei.
Sem honorários.
É como voto.
O Senhor Desembargador ROMÃO C. OLIVEIRA - Vogal
Com o Relator
O Senhor Desembargador GETULIO PINHEIRO - Vogal
Com o Relator
O Senhor Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Vogal
Com o Relator
O Senhor Desembargador CRUZ MACEDO - Vogal
Com o Relator
O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Vogal
Com o Relator
O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT - Vogal
Com o Relator
A Senhora Desembargadora HAYDEVALDA SAMPAIO - Vogal
Com o Relator
A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL - Vogal
Com o Relator
A Senhora Desembargadora NÍDIA CORRÊA LIMA - Vogal
Com o Relator
O Senhor Desembargador NATANAEL CAETANO - Vogal
Com o Relator
O Senhor Desembargador LÉCIO RESENDE - Vogal
Com o Relator
D E C I S Ã O
Preliminar rejeitada, no mérito, concedeu-se a segurança nos termos do voto do Relator. Unânime.
A doutrina segue a mesma trilha. Comentando sobre o art. 170, da Lei federal n. 8.112/1990, Ivan Barbosa Rigolin enuncia, de forma aguda:
Parece estranho o dispositivo, uma vez que menciona ´extinção da punibilidade´ e não se poderia referir a lei a algo assim senão para significar que algum servidor era passível de ser punido, e contra ele havia a possibilidade de punição. Se existia, alguma falta grave deve ter cometido, mas esta falta, que afinal não ensejou sequer instauração de sindicância, enquanto não devidamente apurada pela Administração, jamais pode ser registrada no assentamento do servidor supostamente irregular, por de fato inexistente sob o aspecto formal. Como, então, anotar que foi extinta a punibilidade por prescrição de suposta falta cometida pelo servidor, se essa falta não foi nem mesmo objeto de sindicância? Como presumir culpa contra servidor, deixar de apurá-la e anotar em seu assentamento que em dado momento ´extinguiu-se a punibilidade´ daquele mesmo servidor por prescrição? A L. 8.112 traça aqui mais um grave descaminho até mesmo de ordem lógica, suscetível de reparação caso efetivamente praticado, inclusive, segundo parece, pela via do mandado de segurança: violação do direito líquido e certo de não ter assentamento funcional anotado por falta apenas suposta. [12]
Em obra mais recente, José Armando da Costa confirma o entendimento, enaltecendo o valor e a ainda persistente eficácia do teor da Formulação n. 36, do antigo DASP, já na vigência da Constituição Federal de 1988 [13]:
Daí haver o então DASP, ainda sob o regime da Lei n 1.711/52 (que vigorou até o advento do atual estatuto de 1990), pacificado o entendimento de que somente se deve fazer tal registro quando a prescrição for reconhecida depois de haver sido apurada a falta no respectivo procedimento. Transcreva-se, pois, o inteiro teor da Formulação 36, que assim dispõe: Se a prescrição foi posterior à instauração do inquérito, deve-se registrar nos assentamentos do funcionário a prática da infração apurada.
Destaque-se que essa fomulação do velho DASP encontra-se atualmente em pleno vigor, haja vista que o seu teor – democraticamente avançado para a época – foi devidamente recepcionado pelo ordenamento jurídico inspirado pela democrática Carta Política de 1988. Não apenas recepcionado, como também harmonicamente absorvido pelas normas modernas do Direito Disciplinar.
De efeito, pode-se inferir que, nesses casos, o aspecto de ordem pública do instituto da prescrição disciplinar (querendo significar que a prescrição disciplinar, por ser indisponível, não comporta tal dilação processual apuratória) ajoelha-se diante dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Por encontrar-se em absoluta consonância com a garantia constitucional do devido processo legal, pode-se afirmar, sem dúvida e de modo sobranceiro, que o disposto no art. 170 da Lei n. 8.112/1990 (´extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor´) é que deve adequar-se à doutrina consubstanciada na formulação daspiana referida (´Se a prescrição foi posterior à instauração do inquérito, deve-se registrar nos assentamentos do funcionário a prática da infração apurada´). E não o contrário.
De efeito, pode-se inferir que a punição alcançada pela prescrição somente poderá ser registrada nos assentamentos individuais do servidor quando restar provado, no devido procedimento disciplinar, que ele seja culpado.
Antes desse reconhecimento legal, não poderá o fato tisnar ao assentamentos individuais do servidor imputado.
Mesmo porque, como afirma o então assistente jurídico do DASP, Arnaldo Noleto Rodrigues, parecerista do processo administrativo disciplinar que serviu de esteio à Formulação nº 36, transcrita anteriormente:
´O entendimento de que deverá ser anotado nos assentamentos do funcionário o cometimento de transgressão disciplinar não punida em virtude de prescrição, só deve aplicar-se às hipóteses de prescrição superveniente à instauração de inquérito, dado que, se anterior a prescrição, vedada estava a própria apuração do ilícito.´
Daí se entender que a interpretação mais escorreita do previsto no art. 170, da Lei federal n. 8.112/1990, deve ser a restritiva, à luz dos princípios incidentes da razoabilidade, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, com o efeito de somente se autorizar que seja anotada a prescrição, nos assentamentos funcionais do membro do Ministério Público da União, quando se cuidar de óbice prescricional da pretensão punitiva, não do direito de punir, hipótese segunda na qual não deveria ser escriturado qualquer registro negativo administrativamente.
De todo o exposto, conclui-se que o art. 170, da Lei federal n. 8.112/1990, deve receber interpretação restritiva, com o efeito de que somente se procederá à anotação nos assentamentos funcionais do membro do Ministério Público da União quando se tratar de prescrição da pretensão punitiva, não quando se tratar de embargo prescricional do direito de punir, ou seja, quando o processo ministrativo disciplinar foi instaurado depois de exaurido o prazo prescricional legal para apuração do pretenso ilícito, ou mais justificamente ainda, quando o fato nem sequer foi alvo de ao menos inquérito.