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A disciplina da prescrição no processo administrativo disciplinar contra membro do Ministério Público da União

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4. Do início da contagem da prescrição

O Estatuto do Ministério Público da União, ao fazer a prescrição do direito de punir iniciar a partir da ocorrência do fato ou da prática do ilícito funcional (art. 245, I), estatuiu sistema de disciplina da prescrição mais favorável ao agente público do que aquele regulado na Lei federal n. 8.112/1990 (art. 142, § 1º), a qual estabelece como marco inicial o dia em que a Administração Pública toma conhecimento do fato.

A contagem da prescrição do direito de punir falta funcional que se diz cometida por membro do Ministério Público da União começa a correr, portanto, ou da data em que a infração foi praticada ou do dia em que cessar a permanência ou continuidade, no caso de faltas permanentes ou continuadas (art. 245, I e II, Lei Complementar federal n. 75/1993).

Portanto, se o fato é passível de pena de advertência ou censura, a prescrição do direito de punir ocorrerá um ano após o fato; se a conduta se sujeita a hipótese de suspensão, o prazo prescricional respectivo será de dois anos.

Decorrido o prazo prescricional aplicável, a Administração Pública não poderá mais instaurar processo administrativo disciplinar para apurar o fato, assim como estará obstada de proceder à anotação respectiva nos assentamentos funcionais do membro do Ministério Público da União.

Em se cuidando de falta passível de demissão, é a citação na ação judicial para perda do cargo que interromperá a prescrição, nos termos do art. 245, par. único, da Lei Complementar federal n. 75/1993, a qual deverá ser ajuizada antes do decurso do prazo de quatro anos da prática do ilícito funcional, nos termos do art. 244, III, do Estatuto do Ministério Público da União.


5. Prescrição no caso do abandono de cargo

Em relação às faltas permanentes, cumpre ponderar que o abandono de cargo, na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é classificado como infração instantânea de efeitos permanentes, como se pede vênia para apontar nas notas de nosso Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública [14]:

12 Prescrição no caso de abandono de cargo público

Prescreve a Lei federal n. 8.112/1990 que "configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos" (art. 138) e que "a ação disciplinar prescreverá em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão" (art. 142, I), além de que "os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime" (art. 142, § 2º).

O estatuto do funcionalismo federal ainda prevê que a demissão será aplicada em caso de abandono de cargo (art. 132, II, Lei federal n. 8.112/1990).

Já o Código Penal estipula:

Art. 323 – Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. § 1º – Se do fato resulta prejuízo público: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. § 2º – Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira: Pena – detenção, de um a três anos, e multa.

12.1 Incidência dos prazos da lei penal na contagem da prescrição no caso de abandono de cargo público

De antemão, impõe-se pontuar que, conquanto cominado com a pena de demissão, a contagem da prescrição do direito de punir o abandono de cargo não obedece ao prazo qüinqüenal, genericamente previsto no inciso I do art. 142 da Lei n. 8.112/1990 para as infrações disciplinares passíveis de demissão, se houver ação penal em curso contra o servidor acusado.

É que incide, nesse caso, a regra especial de que as infrações disciplinares também capituladas como crime seguirão os prazos prescricionais da lei penal (art. 142, § 2º, Lei n. 8.112/1990), o que ocorre na hipótese de abandono de cargo público, fato previsto como ilícito penal nos termos do art. 323, do Estatuto Criminal (abandono de função), em três modalidades: a singela, passível de pena de detenção de 15 dias a um mês; a cominada com detenção de 3 meses a um ano, se do fato resulta perigo público (art. 323, § 1º, CP), e aquela sujeita a um a três anos de detenção, se o fato ocorre em faixa de fronteira (art. 323, § 2º, CP), de sorte que a contagem do prazo de prescrição da falta disciplinar em comento segue as regras do art. 109, caput, IV a VI, do Diploma Criminal, que consagra o parâmetro prescricional em: dois anos quando o fato é apenado com pena máxima inferior a um ano (hipótese da modalidade singela do caput do art. 323, do CP); quatro anos, quando a pena máxima é igual a um e inferior a dois anos (na hipótese em que do crime resultar perigo público – art. 323, § 1º, CP); oito anos, quando a pena máxima é superior a dois e inferior a quatro anos (na hipótese de ser praticado em faixa de fronteira – art. 323, § 2º, CP).

A regra do art. 142, § 2º, do Estatuto dos Servidores Públicos (os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares tipificadas também como crime), justifica-se na razão de que o legislador não pode convir que um fato que não mais pudesse ensejar a imposição de sanção penal, a mais grave e censurável, ainda permitisse fosse infligida penalidade administrativa disciplinar, mais branda dentro do ordenamento jurídico.

Daí o entendimento doutrinário unânime a esse respeito. Leciona Palhares Moreira Reis:

Se o fato administrativamente sancionável é, igualmente, punível como crime, então os prazos de prescrição são os estabelecidos na lei penal. § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. Neste sentido, igualmente, já era a orientação dos Tribunais: ‘Aplicam-se às penas disciplinares as normas de prescrição do Direito Penal’. 3 ‘A falta disciplinar, também prevista na lei penal como crime, prescreve juntamente com este’. Por isso, é dever do Administrador levar em conta o disposto na legislação penal, pois em muitos casos o prazo para a prescrição de determinados crimes contra a Administração Pública é mais curto do que os 5 anos previstos para a penalidade demissória. [15]

Também é a cátedra de Edmir Netto de Araújo: "Sendo falta-crime, a prescrição regular-se-á (art. 142, § 2º) pela lei penal, e portanto iniciar-se-á na data do fato ilícito, podendo mesmo a Administração auto-aplicar esta regra, independentemente do pronunciamento judicial" [16].

Confirma Eduardo Pinto Pessoa Sobrinho:

Coincidindo a prescrição da pena disciplinar com a da sanção penal, a matéria deslocou-se para o âmbito do Código Penal, regulando-se pelas normas que ali disciplinam a espécie [...] todas as interrupções que a legislação penal estabelece incidem, por via de conseqüência, na ação disciplinar, pois que esta só prescreve quando prescreve aquela. [17]

O Superior Tribunal de Justiça corroborou esse entendimento em vários julgados: "Em se tratando de infrações disciplinares administrativas também capituladas como crime, o prazo a ser observado é o previsto na Lei Penal, a teor do que dispõe o art. 142, § 2º, da Lei n. 8.112/1990" [18]; "o prazo de prescrição previsto na lei penal aplica-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. Para isto é preciso, no entanto, que o ato de demissão invoque fato definido, em tese, como crime" [19]; "a prescrição da pena de demissão regula-se pelas disposições do Código Penal quando as faltas administrativas constituem crime ou contravenção." [20]

12.2 Dos prazos prescricionais diversos para o abandono de cargo público consoante a modalidade cometida dentre aquelas previstas no art. 323, do Código Penal

Cumpre trazer a lume os prazos prescricionais diversos em tese aplicáveis ao ilícito administrativo de abandono de cargo, o qual, por ser tipificado como crime (art. 323, CP), segue o capitulado na lei penal (art. 142, § 2º, Lei n. 8.112/1990), se houver processo-crime em curso contra o servidor.

Em virtude de razões geográficas, poderá incidir a modalidade mais grave de abandono de função em área de fronteira ( art. 323, § 2º, CP), cuja prescrição se dá em oito anos (art. 109, IV, c.c. art. 323, § 2º, CP), por ser crime cominado com pena máxima de três anos de detenção. Ainda poderão ocorrer as modalidades singela (art. 323, caput, CP) ou a agravada com o perigo público decorrente do fato (art. 323, § 1º, CP), respectivamente com prescrição em dois e quatro anos, porque com penas máximas aplicáveis inferior e igual a um ano, em cada caso.

Portanto, em não se tratando de posto público exercido em área de fronteira, para se falar da contagem do prazo prescricional, cumpre primeiro aferir se houve, ou não, perigo público em razão do apontado abandono de cargo. Em caso positivo, a prescrição dar-se-á em quatro anos; em caso negativo, em dois anos.

Comentando sobre a modalidade simples do abandono de cargo público, José Cretella Júnior admoesta que, tomando conhecimento do fato mais de dois anos após o abandono de cargo público, a Administração Pública não poderá punir o servidor em virtude do óbice prescricional surgido, porquanto na infração-crime a prescrição é contada da data do fato, tenha a autoridade administrativa tido conhecimento ou não, conclusão aplicável a todas as transgressões funcionais que configurem também crime contra a Administração Pública, em razão da previsão do estatuto funcional dos servidores ao prever que o dies a quo seria aquela capitulada na lei penal. O doutrinador lembra que a Administração Pública pode, independentemente de prévio pronunciamento judicial sobre a matéria, reconhecer o advento da prescrição do direito de punir a falta funcional constitutiva de crime. [21]

Note-se, contudo, que há margem para se estender o princípio de que, em não havendo acusação na sede criminal, o prazo para punição do abandono de cargo, como todos os demais ilícitos funcionais passíveis de demissão, seria de cinco anos.

Nessa direção recentemente se pronunciou a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça [22]:

"3. O prazo prescricional a ser observado, na hipótese, relativamente ao delito de abandono de cargo, o qual configura também ilícito penal, segue a regra da prescrição das infrações administrativas, equivalente a 5 (cinco) anos, tendo em vista que o crime sequer chegou a ser apurado na instância penal, conforme reconhecido pelo próprio Recorrente, daí a inaplicabilidade da prescrição penal. Precedentes."

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12.3 Da consumação do abandono de cargo público e o dia inicial da contagem do prazo prescricional

A contagem da prescrição dos ilícitos disciplinares também classificados como crime, desde que exista ação penal em curso, por seguir as prescrições da lei penal (art. 142, § 2º, Lei federal n. 8.112/1990), dá-se a partir da consumação do fato criminoso (art. 111, I, Código Penal), e não do conhecimento dele pela Administração Pública (como regula o Estatuto dos Servidores Públicos quanto às infrações funcionais estritamente administrativas: art. 142, § 1º, Lei federal n. 8.112/1990).

A. A. Contreiras de Carvalho ensina: "A prescrição deve correr, portanto, do dia em que se integra para a lei o conceito de abandono." [23]

E Quando se consuma o delito disciplinar de abandono de cargo público? Segue da leitura do dispositivo do art. 138, da Lei federal n. 8.112/1990, que a consumação desse ilícito administrativo, por força de sua definição legal, dá-se com 30 dias consecutivos de faltas injustificadas intencionais do servidor ao serviço, de maneira que a contagem do prazo prescricional principia do primeiro dia subseqüente ao fato, isto é, no 31º dia das ausências.

É como sustenta José Armando da Costa:

Caracterizando-se o abandono de cargo na ausência do serviço, sem motivo justo, por mais de 30 (trinta) dias consecutivos, a sua consumação ocorre logo após esse somatório de faltas, que poderá ser o trigésimo dia de falta, desde que já tenha encerrado o expediente do dia. É, portanto, o marco inicial da prescrição o 31º dia de faltas consecutivas ao serviço. [24]

Enunciava o extinto DASP: "Em relação ao abandono de cargo, a prescrição começa a correr no 31º dia de faltas consecutivas ao serviço" (Formulação n. 31). No mesmo sentido dita Palhares Moreira Reis. [25]

Desse modo, por exemplo, o primeiro dia em que o servidor afastado por motivo de saúde deveria ter retornado ao serviço (a partir da data em que a junta médica oficial deixou de abonar o atestado médico particular), mas deixou de fazê-lo injustificadamente e com consciência do fato (voluntariedade), é o marco inicial da contagem da prescrição da pretensão punitiva disciplinar da Administração Pública referentemente ao abandono de cargo público.

12.4 Da exoneração de ofício no caso de abandono de cargo público prescrito

Como, em vários casos de prática de infração disciplinar de abandono de cargo, a inércia da Administração Pública ocasionava a prescrição da pretensão punitiva administrativa, o antigo DASP procurou erigir construção jurídica que, a despeito de reconhecer a perda do direito de punir estatal em virtude da superveniência do óbice prescricional, indiretamente possibilitasse a exclusão do servidor faltoso do serviço público, mediante o uso da figura anômala da exoneração de ofício, outrora respaldada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que nada mais era que meio de exercício do jus puniendi depois de sua prescrição, como estabelecia o antigo órgão administrativo federal: "Será exonerado ex officio o funcionário que, em face do abandono do cargo, extinta a punibilidade pela prescrição, não manifestara expressamente vontade de exonerar-se" (Formulação-DASP n. 3).

José Armando da Costa, que outrora aderia à legalidade da tese da exoneração de ofício [26] no regime da Lei federal n. 8.112/1990, reviu seu anterior posicionamento para consignar o repúdio ao expediente:

Ao desprivilegiar o servidor beneficiário de uma possível prescrição em favor de uma Administração comprovadamente omissa e inerte, essa posição oficial – sobre ser odiosa, injusta, esdrúxula, abusiva e incoerente – afronta de modo vergonhoso e desbragado os princípios da certeza e segurança do direito, uma vez que, admitindo tamanha distorção, inverte totalmente, e de modo por demais estrábico e arbitrário, os valores jurídicos consagrados por todas as nações civilizadas [...] Com esteio em presunção absoluta incabível, e de modo por demais antijurídico e arbitrário, expulsa coercitivamente (e sem o mínimo direito de defesa) o servidor havido, aprioristicamente, como infrator da transgressão disciplinar do abandono de cargo, empregando, para tanto, o eufemismo exoneração de ofício tão-somente para não falar em demissão (pena disciplinar capital), procurando, assim (e debalde, como segredo de polichinelo), tergiversar a verdadeira dimensão da agressão desferida contra a ordem jurídica. Esse estúpido pensar oficial afronta o próprio regime jurídico que só admite a pena de demissão com base em processo disciplinar [...] E mais arrosta, vergonhosamente os princípios constitucionais do devido processo legal (due process of law), da ampla defesa e da presunção de inocência dos acusados em geral. [27]

O colendo Superior Tribunal de Justiça – STJ [28] também consagrou seu juízo contrário à legalidade da exoneração de ofício por dois motivos: primeiro, porque as hipóteses em que ela é cabível foram expressamente capituladas na Lei federal n. 8.112/1990, sem menção ao caso de abandono de cargo público, o que veda a adoção do instituto como sucedâneo da demissão por prática de infração disciplinar; segundo, porque o STJ reconheceu a impossibilidade do exercício do direito de a Administração Pública punir servidor pelo ilícito administrativo, depois de consumada a prescrição da falta funcional.

É o quanto segue do julgamento unânime proferido pelo STJ [29]:

A Lei n. 8.112⁄90 prevê expressamente, no parágrafo único de seu art. 34, as duas hipóteses de cabimento da figura de exoneração ex officio. A primeira se dá ‘quando não satisfeitas as condições do estágio probatório’, e, a segunda, ‘quando, tomado posse, o servidor não entrar em exercício no prazo estabelecido’. No caso de infração disciplinar de abandono de cargo, punível com pena de demissão, a teor do art. 132, inciso II, da Lei n. 8.112⁄90, não pode a Administração Pública, ao seu próprio alvedrio, exonerar ex officio servidora pública estável, ocupante de cargo efetivo do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, quando já reconhecida a prescrição da pretensão punitiva pela Administração, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Imperioso se torna o reconhecimento da nulidade da Portaria n. 576⁄2000, que exonerou de ofício a servidora do cargo de Agente de Portaria dos quadros do INSS, com a conseqüente reintegração da mesma no cargo de origem.

Oportuna a transcrição de parte do voto do Ministro relator:

[...] Não há qualquer controvérsia por parte da Administração acerca da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva [...] foi nitidamente reconhecida a extinção da punibilidade pela prescrição, tanto é que se deixou de aplicar à impetrante a pena de demissão, penalidade prevista no caso de abandono de cargo (art. 132, inciso II, da Lei n. 8.112/90) [...] o ponto fulcral da discussão reside em saber se, prescrita a pretensão punitiva da Administração, relativamente à infração disciplinar de abandono de emprego, poderia ela ter-se utilizado da figura da exoneração ex officio para declarar a vacância do cargo ocupado pela impetrante. A Lei n. 8.112⁄90 prevê, em seu artigo 34, parágrafo único, as hipóteses em que cabível a exoneração ex officio. Verifica-se que, no presente caso, não se aplica qualquer dos incisos supramencionados, tendo em vista que a impetrante era servidora estável do quadro efetivo do Instituto Nacional do Seguro Social. Por outro lado, não há na Lei n. 8.112⁄90 qualquer previsão legal que ampare a aplicação pela Administração da figura da exoneração ex officio no caso em questão. Com efeito, os fatos controvertidos retratam, na realidade, a intenção da Administração – diante da inércia verificada na punição de infração cometida pela impetrante e, por conseqüência, do esgotamento do prazo prescricional previsto em lei para a aplicação da penalidade legalmente prevista (demissão) –, em minorar os efeitos de sua própria incúria, utilizando-se de uma modalidade (exoneração ex officio) que, in casu, não tem qualquer previsão no ordenamento jurídico brasileiro, em flagrante ofensa ao princípio da legalidade. Ressalte-se, por oportuno, que os precedentes do Supremo Tribunal Federal citados pela autoridade impetrada analisaram a controvérsia sob a ótica de ordem constitucional pretérita, bem como da antiga Lei n. 1711/52, não podendo servir, agora, como subsídio respaldador à prática de ato desamparado pela norma legal vigente. Assim, imperioso se torna o reconhecimento da nulidade do ato impugnado [...] Ante todo o exposto, concedo parcialmente a segurança a fim de, reconhecida a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva da Administração, relativamente à infração disciplinar de abandono de cargo pela impetrante, declarar a nulidade da Portaria n. 576, de 26.01.2000 (DOU de 28.01.2000), determinando a reintegração da mesma no cargo de Agente de Portaria do Quadro de Pessoal do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

O STJ ratificou esse juízo em acórdão do qual se transcreve trecho da ementa [30]:

I – A exoneração ex officio (art. 34 da Lei 8.112⁄90), não se destina a resolver os casos em que não se pode aplicar a demissão. II – Cometida a infração disciplinar, o direito abstrato de punir do ente administrativo convola-se em concreto. Todavia, o jus puniendi só pode ser exercido dentro do prazo prescrito em lei. Na hipótese dos autos, foi apurado que a servidora abandonou o Cargo de Professora Universitária na Universidade Federal do Ceará. Todavia, a Administração somente instaurou o processo administrativo disciplinar quando já havia expirado o prazo prescrional. Desta forma, inviável a declaração de sua exoneração ex officio, especialmente por se tratar de servidora efetiva e estável, não incidindo nenhuma das hipóteses do art. 34 da Lei 8.112⁄90. III – O princípio da legalidade preconiza a completa submissão da Administração às leis. In casu, o ato atacado denotou postura ilegal por parte da própria Administração, já que a solução encontrada objetivou, apenas, minorar os efeitos da sua própria inércia ao não exercer um poder-dever. Neste aspecto, a adoção da tese defendida implica em verdadeira violação ao ordenamento jurídico.

Vejam-se trechos do voto do ministro Relator:

[...] Verifica-se que toda a controvérsia resume-se em saber se a Administração pode punir servidor estável com a exoneração ex officio, em caso de abandono de emprego, caso o prazo prescricional tenha expirado [...] a sanção administrativa de abandono de cargo é igualmente punível no âmbito penal. Desta forma, a teor da própria Lei n. 8.112/1990, o seu prazo prescricional segue o definido no art. 109, VI, do CPB. No caso específico, o prazo é de 2 (dois) anos [...] Ainda sobre a incidência da prescrição, verifica-se que a ausência injustificada do servidor teve início em 20 de maio de 1994. Completados os 30 (trinta) dias faltantes, conforme prevê o art. 138 da Lei 8.112⁄90, deu-se início à contagem para aferição da prescrição punitiva no 31º dia (21.06.1994). Desta forma, o prazo capital ocorreu aos 21 de junho de 1996, sendo certo que a Universidade Federal do Ceará somente instaurou o processo administrativo disciplinar em 9 de setembro de 1997, ou seja, a punibilidade já se encontrava prescrita [...] O ponto fulcral reside justamente na falha administrativa de não ter dado curso ao processo quando lhe competia. Cometida a infração, o direito abstrato de punir do ente administrativo convola-se em concreto. Fica instituída uma relação jurídico-punitiva. Todavia, o jus puniendi só pode ser exercido dentro do prazo prescrito em lei. Na hipótese dos autos, deixou-se escapar a possibilidade de demitir o servidor. Neste quadro, reconhecida a prescrição pela própria Administração, não restou outro caminho que não fosse a reprovável exoneração ex officio. Sobre as hipóteses legais que autorizam a exoneração do cargo, a Lei 8.112⁄90 contempla dois artigos. O primeiro (art. 34), trata do servidor efetivo. O segundo (art. 35), diz respeito aos ocupantes de cargo em comissão ou função comissionada [...] No caso dos autos, a impetrante era servidora efetiva e estável. Daí, inviável a aplicação dos dois artigos retromencionados. Ademais, não existe na Lei 8.112⁄90 nenhuma outra norma autorizativa para a imposição da sanção adotada pela Administração. Houve, assim, latente ofensa ao princípio da legalidade [...] A síntese da controvérsia retrata a adoção de postura ilegal por parte da própria Administração, a fim de minorar os efeitos de sua própria desídia ao não exercer um poder-dever.

Idêntico é o recente entendimento do egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região. [31]

Dos arestos citados, depreende-se, mais, que o entendimento jurisprudencial se firmou no sentido da prescrição ordinária em dois anos do ilícito disciplinar de abandono de cargo público (se não houver perigo público decorrente ou se o delito não foi cometido em zona de fronteira – havendo ação penal em curso – complementa-se), cuja contagem para fins de prescrição deve principiar do 31º dia de faltas injustificadas intencionais ao serviço, o que é o acolhimento jurisprudencial da tese de que se cuida de delito instantâneo de efeitos permanentes. Isso se houver ação penal em curso contra o servidor, pois do contrário o prazo é quinquenal.

Ainda em torno da prescrição do ilícito administrativo de abandono de cargo, não se endossa, com todo o respeito, a tese de José Armando da Costa quando advoga que seria hipótese de infração permanente, e não instantânea de efeitos permanentes, por supostamente permitir que o servidor faltoso, em princípio, retome suas atividades e faça cessar a transgressão, traço típico dos delitos permanentes. [32]

Foi a construção do doutrinador para contornar o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, após decorrido o prazo bienal estabelecido na lei penal, porquanto o administrativista defende que, por ser de consumação permanente o abandono de cargo, esta só cessaria quando o servidor faltoso retornasse às suas funções e, logo, o prazo prescricional ficaria suspenso enquanto isso, o que, na prática, significaria que a prescrição praticamente nunca seria reconhecida contra a Administração Pública, entendimento todavia colidente com o abraçado nos acórdãos do colendo Superior Tribunal de Justiça retrocitados, nos quais se reconheceu prescrito o direito de punir administrativo em dois anos depois do 31º dia de faltas injustificadas ao serviço, marco temporal consagrado como dia inicial da contagem da prescrição.

Daí que o Superior Tribunal de Justiça se filiou à linha majoritária que entende ser o delito disciplinar de abandono de cargo instantâneo de efeitos permanentes, juízo consagrado desde os pareceres do antigo DASP [33].

O abandono de cargo se consuma na data em que a lei consagra: depois de 30 dias de faltas injustificadas e intencionais ao serviço (art. 138, Lei federal n. 8.112/1990), de maneira que a prescrição começa a correr do primeiro dia seguinte a esse fato consumativo, o 31º dia de faltas. É o entendimento jurisprudencial do STJ.

Com efeito, não procede a tese oposta minoritária porque a consumação não se protai além dos 30 dias. Embora o agente possa pretender retornar às suas funções depois, por exemplo, de 120 dias de faltas injustificadas, a consumação do abandono de cargo público, ex lege, já se verificou desde o 30º dia de faltas voluntárias injustificadas ao serviço, na forma como conceituada na lei (art. 138, Lei federal n. 8.112/1990), autorizando-se, conseqüentemente, a demissão do funcionário com fundamento no art. 132, II, do Estatuto dos Servidores Públicos.

Por isso que se conceitua o abandono como delito instantâneo, cujos efeitos perduram a partir do 31º dia de faltas.

A consumação do ilícito funcional, porém, não cessará com a tentativa de retorno do agente após os exemplificados 120 dias; no 30º dia estará consumado definitivamente, apenas seus efeitos se podem delongar mais tempo. A função estará abandonada desde o 31º dia de faltas.

Damásio de Jesus anota: "O crime permanente se caracteriza pela circunstância de a consumação poder cessar por vontade do agente. A situação antijurídica perdura até quando queira o sujeito." [34]

O abandono de cargo, diferentemente, consuma-se, ex vi legis (art. 138, Lei federal n. 8.112/1990), nos 30 dias de faltas injustificadas voluntárias ao serviço. Ainda que houvesse a pretensão de retorno às funções depois de um ano das ausências, essa iniciativa do servidor infrator não elide a legalidade da imposição da sanção administrativa demissória (art. 132, II, Lei n. 8.112/1990) pela já consumada trangressão disciplinar. Daí que instantânea a consumação na data prevista na lei.

Como observa Luiz Regis Prado: "O delito está formalmente consumado quando o tipo de injusto objetivo se encontra também plenamente realizado." [35]

Ora, se o art. 138, da Lei federal n. 8.112/1990, tem como consumado o ilícito administrativo de abandono de cargo no dia em que completos 30 dias de faltas voluntárias injustificadas ao serviço, é indubitável que, no 30º dia de ausências, a infração estará consumada e, portanto, o delito é instantâneo, ainda que seus efeitos possam perdurar além dessa data.

Tanto que a doutrina [36] classifica o crime de abandono de função como consumado no tempo juridicamente relevante para configurar a conduta em destaque, o que é ainda mais claro no que concerne ao delito disciplinar, que tem prazo certo, no 30º dia de faltas.

Por isso que o STJ sufragou a tese do reconhecimento da prescrição, inequivocamente, depois do decurso do prazo bienal da consumação do ilícito disciplinar de abandono de cargo (caracterizado, segundo a Corte, no 30º dia de faltas injustificadas ao serviço), na hipótese de haver ação penal em curso contra o servidor, repelindo, pois, a tese de delito permanente e de suposta suspensão da prescrição enquanto o funcionário infrator não retorna às suas funções, mesmo porque esse postulado representaria incompatível agressão ao princípio da segurança jurídica, insculpido na Lei Geral de Processo Administrativo (art. 2º, caput, Lei Federal 9.784/99), à regra do reconhecimento da prescrição enquanto norma de ordem pública que a Administração não pode ignorar (art. 112, Lei n. 8.112/1990) e à existência de prazos fatais para o exercício da pretensão punitiva disciplinar contra os servidores públicos (arts. 115 e 142, Lei n. 8.112/1990).

A disciplina da prescrição, no particular, na Lei Complementar Federal n. 75/1993 (art. 240, § 3º) é idêntica à da Lei federal n. 8.112/1990, pois o Estatuto do Ministério Público da União configura como abandono de cargo, passível de demissão, a ausência do membro do Ministério Público ao exercício de suas funções, sem causa justificada, por mais de trinta dias consecutivos, com a distinção de que a falta de inassiduidade habitual é prevista como equiparada a abandono de cargo no Estatuto do Parquet, conquanto também se consume com 60 dias de faltas intercaladas ao longo de doze meses, igual à prescrição do art. 139, do Estatuto dos Servidores Públicos Federais.

Como pontificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a contagem do prazo prescricional do abandono de cargo pelos prazos da lei penal somente ocorre quando houver ação penal em curso contra o membro do Ministério Público da União, computando-se a prescrição, em caso contrário, pelo prazo ordinário de 4 anos, estipulado no art. 244, III, c.c. art. 240, § 3º, da Lei Complementar Federal n. 75/1993.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. A disciplina da prescrição no processo administrativo disciplinar contra membro do Ministério Público da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2573, 18 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16967. Acesso em: 24 abr. 2024.

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