No último dia 14 de junho, foi publicada a Resolução nº. 1.316/2010 pelo Conselho Nacional da Previdência Social que alterou parcialmente o anexo da Resolução nº. 1.308/2009, que estabelece a metodologia de cálculo do Fator Acidentário de Prevenção – FAP.
Conforme divulgado pelo Ministério da Previdência Social, a nova Resolução teria o objetivo de sanar controvérsias existentes no cálculo do FAP e, supostamente, aperfeiçoar a metodologia adotada pelo Conselho.
No entanto, observa-se que, de fato, pouco mudou na situação vigente. Ao contrário, foram estabelecidas regras ainda mais complexas e confusas, que dificultarão ainda mais o exercício da ampla defesa e do contraditório pelas empresas contribuintes, como se pode aferir, por exemplo, no critério estabelecido para o caso de empate.
Além disso, observa-se que o Ministério da Previdência Social e seu Conselho Nacional permanecem alheios à inflamada discussão sobre a (in)constitucionalidade do FAP.
I. Da inconstitucionalidade do FAP
Importante relembrar que o Fator Acidentário de Prevenção foi instituído pelo art. 10 da Lei nº. 10.666/2003 que prevê que "a alíquota de contribuição de 1, 2 ou 3%, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social" (grifou-se).
Assim, o FAP é um fator por empresa, compreendido entre 0,5 e 2, que multiplica as alíquotas de 1%, 2% e 3% do RAT (antigo SAT) com base em indicador de desempenho obtido a partir das dimensões: freqüência, gravidade e custo, que são calculadas conforme metodologia aprovada pelo CNPS.
Na situação atual, a Administração tem o poder e a total liberalidade para alterar os a regulamentação dos critérios que compõe o FAP, índice que pode majorar em até 100% a alíquota do tributo, a qualquer momento e como bem entender, podendo modificar o valor do tributo a ser pago pelos contribuintes, por meio de mero ato administrativo, sujeitando o contribuinte à aplicação de diferentes alíquotas, na quantificação da obrigação tributária, o que ocorreu novamente quando da publicação da Resolução nº. 1.316/2010.
A conduta do CNPS comprova a enorme insegurança jurídica a qual estão submetidos os contribuintes, tendo em vista que as regras para apuração de sua alíquota do RAT podem (e são) alteradas a qualquer momento por meio de simples ato administrativo, que não segue os rigores do regime jurídico tributário brasileiro.
Exemplificativamente, ressalta-se que a nova Resolução prevê que as empresas que não tiveram registro de acidente ou doença ocupacional no período base utilizado no cálculo do FAP 2009 (abril de 2007 a dezembro de 2008) terão seu FAP definido em 0,5 a partir de 1º de setembro de 2010. Ou seja, as referidas empresas, a partir de 1º de setembro de 2010 terão sua alíquota do RAT reduzidas pela metade.
Muito bem, e o período entre 1º de janeiro de 2010 e 31 de agosto de 2010 no qual as empresas tiveram suas alíquotas do RAT majoradas? Elas poderão pleitear a repetição dos valores pagos a maior durante esse período?
Além disso, referido benefício dificilmente alcançará empresas que possuem um médio ou grande número de empregados, pois mesmo que estas invistam maciçamente em segurança e saúde do trabalho, a probabilidade de ocorrência de eventuais acidentes ou doenças ocupacionais em razão do alto número de trabalhadores é bastante alta.
Os grandes empregadores do país permanecem sendo penalizados pelo simples fato de serem empregadores, já que a metodologia não analisa a realidade individual de cada empresa, mas faz comparações com todas as empresas da mesma subclasse do CNAE, que muitas vezes têm características e condições muito diferentes entre si.
Com isso, relativamente à alíquota do RAT instaura-se uma situação de insegurança, absolutamente incompatível com o princípio constitucional da estrita legalidade tributária, em direta afronta ao inciso I, do art. 150, da CF e ao art. 97 do CTN.
A fixação de limites mínimo e máximo da alíquota do RAT pelo art. 10 da Lei nº. 10.666/2003 não pode ser considerado suficiente para o cumprimento do princípio da estrita legalidade tributária, eis que deixa uma grande margem de discricionariedade para a Administração Pública.
Assim, não há que se negar que a regulamentação do Fator Acidentário de Prevenção, nos termos atuais, é flagrantemente, inconstitucional. Nesse sentido, importante ressaltar que já há diversas decisões judiciais reconhecendo a inconstitucionalidade do FAP e determinando a suspensão de sua aplicação. Contudo, há um longo caminho a ser percorrido pela frente, já que as ações ainda devem ser analisadas pelas instâncias superiores.
II. Critério de Desempate
Com relação às inovações trazidas pela Resolução nº. 1.316/2010, importante destacar a complexa regulamentação dos casos de empate disposto no item 2.4. De acordo com a Resolução, quando ocorrer o fato de empresas ocuparem posições idênticas, ao serem ordenadas para formação dos róis (de freqüência, gravidade ou custo) e cálculo dos percentis de ordem, o Nordem de cada empresa neste empate será calculado como a posição média dentro deste grupo mediante aplicação da fórmula:
Nordem no empate = posição inicial do grupo de empate + [(("número de empresas empatadas" + 1) / 2) - 1].
Assim, por exemplo, se houver uma empresa na posição 199; 7 empresas empatadas na posição 200 e a próxima empresa na posição 207, o Nordem de cada uma das empresas no grupo de empate será: posição no empate + [(("número de empresas empatadas" + 1) / 2) - 1] = 200 + [((7 + 1)/2) - 1] = 200 + [4-1] = 203.
Ressalta-se que essa fórmula de desempate já havia sido utilizada pela Previdência Social quando do processamento do FAP 2009 (vigência a partir de 1º de janeiro de 2010), conforme explicitado no questionamento nº. 67 do link de Perguntas Freqüentes, disponibilizado no site do Ministério, sem que houvesse qualquer previsão normativa.
No entanto, como muitas empresas se insurgiram contra a adoção do referido critério de desempate nos seus recursos administrativos e ações judiciais, por meio da nova Resolução o Governo tentou "regularizar" a situação. Procedimento que vem sendo utilizado com freqüência no tocante à regulamentação do FAP.
Há que considerar que o critério adotado pela Previdência Social é, no mínimo, injusto, pois penaliza as empresas em razão destas terem "empatado" no número de ordem com outras empresas. Mesmo que as empresas não tenham acidentes de trabalho, ou tenham um número mínimos, sofrerão uma "penalização" no cálculo do seu FAP em razão de outras empresas possuírem a mesma colocação.
Ademais, pertinente ressaltar que a Previdência Social no cálculo do FAP 2009 arredondou drasticamente os índices de freqüência, custo e gravidade, para números inteiros. Assim, exemplificativamente, tanto uma empresa que teve o índice calculado em 4,5001 quando uma que teve o índice em 5,4999, terão como resultado o índice 5!!!
Importante ressaltar que, de acordo com o § 1º do art. 202-A do Decreto nº. 3.048/1999, o valor do resultado do Fator Acidentário de Prevenção será calculado com até 4 (quatro) casas decimais. Assim, não é aceitável a realização de arredondamento pela Previdência Social dos índices de freqüência, custo e gravidade!
Ademais, os referidos índices são utilizados para o cálculo do número de ordem, razão pela qual é de fundamental importância que sejam apurados de forma minuciosa para evitar erros e injustiças na classificação de quaisquer empresas nos seus números de ordem.
III. Processamento do FAP
Pertinente destacar também que a nova Resolução estabelece que o FAP será calculado anualmente a partir das informações e cadastros lidos em data específica, afirmando que "todos os acertos de informações e cadastro ocorridos após o processamento serão considerados, exclusivamente, no processamento seguinte".
Desta forma, poder-se-ia entender que benefícios computados como acidentários pela aplicação do NTEP – Nexo Técnico Previdenciário e que fossem descaracterizados, posteriormente, por meio de processo administrativo, não seriam retirados do cálculo do FAP. E eventuais erros verificados pelas empresas quando da divulgação do resultado do FAP? Estes não poderão ser corrigidos?
Referido dispositivo mostra-se bastante perigoso e poderá resultar num pagamento indevido do tributo, em razão de erros contidos na base de cálculo, que, a princípio não serão corrigidos pela Previdência Social.
IV. Acidentes de Trajeto
Destaca-se ainda que a Resolução permanece computando no cálculo do FAP os acidentes de trajeto, ocorrências que se dão de forma alheia ao controle da empresa e não podem ser evitados ou prevenidos por ela. A partir de então, os acidentes de trajeto só não serão computados para a chamada "trava de mortalidade", que impede que a empresa seja bonificada em caso de morte ou aposentadoria por invalidez, e para a não concessão do desconto de 25% sobre o montante do FAP superior a 1,0000.
Sobre a questão, ressalta-se que a NBR 14280 da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) – que fixa critérios para o registro, comunicação, estatística e análise de acidentes do trabalho, suas causas e conseqüências, aplicando-se a quaisquer atividades laborativas para o estudo do acidentes do trabalho, suas causas e conseqüências – prevê que os acidentes de trajeto devem ser tratados à parte, não sendo incluídos no cálculo usual das taxas de freqüência e de gravidade.
V. Da ausência de divulgação dos dados. Afronta aos princípios da publicidade, da ampla defesa e do contraditório
Outrossim, há que se ressaltar que a metodologia estabelecida pelo Conselho Nacional da Previdência Social para o cálculo do FAP desrespeita também o princípio da publicidade, já que utiliza comparativamente os dados de todas as empresas da mesma subclasse do CNAE, mas não possibilita que os contribuintes tenham acesso a essas informações, para que possam exercer seu direito de ampla defesa e do contraditório.
Os dados apresentados pela Previdência Social são insuficientes para que as empresas possam verificar se as informações que compuseram o cálculo estão corretas, bem como, conferir se o seu desempenho dentro da sua CNAE-subclasse foi acertadamente classificado.
Ora, para que a empresa possa verificar se o cálculo do seu FAP está correto, em conformidade com a metodologia aprovada pelo Conselho Nacional da Previdência Social, é indispensável que as empresas tenham acesso a todos os dados que compuseram o cálculo do seu FAP!
Ressalta-se ainda que a Previdência alterou por duas vezes os dados utilizados para o cálculo do FAP de cada empresa, contudo, afirma que os elementos de cálculo e o próprio valor do FAP permaneceram os mesmos apurados no processamento divulgado desde o dia 30 de setembro.
Mas se todos os indicadores das empresas foram bastante alterados com a inclusão dos dados de 2007 nas informações divulgadas, bem como, houve drástica alteração dos índices de freqüência, gravidade e custo, como foram mantidos os mesmos percentis e o próprio FAP?
A ausência de disponibilização das informações utilizadas para o cálculo do FAP denota a desorganização da Previdência Social e o desrespeito ao contribuinte, motivados pela ânsia arrecadatória do governo federal, preocupado com a reforma da legislação, a fim de permitir o aumento da receita, sem, contudo, visualizar os efeitos e repercussões do novo sistema de alíquotas progressivas da contribuição Social para o INSS oriunda da instituição do FAP.
Entende-se que as Resoluções CNPS nº 1.308/09, 1.309/09 e 1.316/2010 ferem os princípios tributários da tipicidade, da legalidade e da publicidade por terem criado um índice cujo cálculo leva em consideração a situação das demais empresas da mesma Sub-Classe do CNAE.
O FAP de determinada empresa será maior ou menor conforme for o desempenho das demais empresas do mesmo setor, ou seja, conforme a colocação do contribuinte entre seus pares. Se todas as empresas estiverem muito bem em desempenho, o bom desempenho de determinado contribuinte não será considerado. Do mesmo modo, se todas apresentarem números exorbitantes em acidentes do trabalho, nenhuma será onerada. A redução da alíquota ou o seu aumento dependerá da situação peculiar em que se encontrar determinada empresa em comparação com seus pares.
Ocorre que os números da empresa vizinha ao nosso hipotético contribuinte não são conhecidos da empresa. A definição da alíquota do SAT depende de números de acidentes de trabalho (e outros) de empresas do mesmo ramo, que são sigilosos! Não se pode admitir que a utilização de números desconhecidos para a fixação da alíquota de determinado tributo possa ser admitida como válida ante os princípios tributários da legalidade, publicidade, ampla defesa e do contraditório.
VI. Considerações Finais
Sabe-se que o objetivo da implementação do FAP seria de incentivar a melhoria das condições de trabalho e da saúde do trabalhador estimulando as empresas a implementarem políticas mais efetivas de saúde e segurança no trabalho para reduzir a acidentalidade. Contudo, a forma de aplicação empreendida pela Previdência Social se deu de forma arbitrária, ilegal e inconstitucional, gerando uma verdadeira confusão entre as empresas brasileiras, que tiveram seu montante de contribuição previdenciária majorado sem qualquer possibilidade de verificação do acerto dos cálculos apresentados pela Previdência e de apresentação de defesa ou recurso.
Ademais, ressalta-se que a metodologia implementada pelo Conselho Nacional de Previdência Social é bastante injusta e cruel, pois se baseia na comparação do desempenho entre todas as empresas da mesma atividade econômica. Assim, para que uma empresa tenha seu RAT reduzido, obrigatoriamente outra empresa sofrerá com seu aumento. Mesmo que todas as empresas reduzam seu índice de acidentalidade, sempre haverá empresas que aumentarão sua alíquota do RAT. Essa situação não foi alterada pela nova Resolução.
Outrossim, pertinente reafirmar que os valores recolhidos pelas empresas a título de RAT são significativamente superiores aos valores gastos pela Previdência Social com benefícios originários de acidentes de trabalho. Assim, sequer haveria justificativa para penalizar as empresas com aumento da carga tributária.
Desta forma, observa-se que as modificações perpetradas pela Resolução CNPS nº. 1.316/2010 longe de aperfeiçoar a metodologia do FAP e diminuir a insatisfação das empresas, manteve os equívocos existentes e estabeleceu novos critérios que dificultarão ainda mais às empresas o exercício da ampla defesa e do contraditório, tendo em vista que estas não têm acesso a todos os dados que compõem o cálculo do FAP.
Por fim, pertinente destacar que a nova Resolução do Conselho Nacional da Previdência Social em nada modificou a situação de inconstitucionalidade do Fator Acidentário de Prevenção, tendo em vista que desrespeita o princípio da estrita legalidade tributária ao delegar para órgão da Administração Pública a fixação de alíquota do RAT.