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A controvertida questão do poder de investigação do Ministério Público

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27/08/2010 às 16:03
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2 INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Insta salientar que, em que pese a discussão sobre a legitimidade da investigação presidida diretamente pelo Ministério Público, certo é que na prática ela acontece, mas não é a regra, ocorrendo apenas em situações específicas. Para os fins a que se destina esse trabalho, classifica-se, desde logo, as situações excepcionais em três grupos, de acordo com o estágio da apuração dos fatos.

A investigação direta originária se dá quando o Ministério Público inicia uma apuração de um crime por sua responsabilidade, sem que para isso haja envolvimento policial, ainda que, em algum momento da investigação venha a requisitar o auxílio desta.

Em vista das garantias constitucionais e independência funcional, o Ministério Público utiliza-se da investigação direta quando, por exemplo, o autor do fato é alguém capaz de exercer pressões contra a apuração policial, a qual não possui todas as prerrogativas e garantidas conferidas ao Ministério Público.

Não se olvide que a polícia goze de importância e seriedade, contudo é a instituição mais próxima do mundo do crime, e que, ao contrário do que seria o ideal, mais sujeita à pressões de toda a ordem, vez que vinculada ao Poder Executivo e sem as garantias concedidas a promotores e juízes, que lhes confere autonomia funcional.

Cumpre asseverar que ao Ministério Público e à Magistratura tais garantias foram conferidas exatamente para assegurar à sociedade e ao próprio ocupante do cargo a independência que tais funções devem ter.

Por este motivo o Ministério Público utiliza-se de suas garantias para assegurar que a investigação criminal vá até seu deslinde sem ingerências indevidas.

A fim de aclarar tal idéia foi amplamente divulgado na imprensa nacional, o caso envolvendo Duda Mendonça, pessoa que cuidava do marketing do Presidente Lula. Após sua prisão por promover e participar de uma rinha de galo, dois policiais federais que participaram da ação foram ameaçados de transferência e o Delegado responsável foi afastado de sua chefia. Mais recentemente, o Delegado Federal Antônio Rayol, autor do flagrante, foi indiciado pela Polícia Federal, acusado de "concorrer para escândalo público" e "arranhar publicamente a reputação da Polícia Federal". [23] Assim, o investigador passou a ser o investigado.

Ademais, comum é o caso em que a notícia do crime chega diretamente ao promotor por uma testemunha ou vítima, que através de promotorias especializadas e hábeis a atender ao público em geral, se dirigem as pessoas que precisam de uma orientação jurídica do caso, cujo auxílio depende o início das investigações.

Não se pode esquecer também que há delitos, especialmente na esfera federal, em que o aparato necessário para desvendar o delito, só é conseguido pelo Ministério Público, pela verba deveras maior que a destinada à polícia. Nesses casos, entende-se que busca o Ministério Público, auxiliando os demais órgãos públicos, por ter mais condições operacionais para o deslinde do fato.

Por fim, como no caso do Inquérito 1.968-DF, levado ao Supremo Tribunal Federal, a investigação já chega finalizada ao Ministério Público, que apenas busca confirmar os dados recebidos.

Na intitulada investigação direta derivada a iniciativa também é pelo próprio Ministério Público, contudo este tem conhecimento de um determinado delito através de outro tipo de procedimento decorrente de sua atuação, seja de natureza cível, trabalhista, fiscal ou criminal.

Na atuação do Ministério Público em outros âmbitos do direito, pode ocorrer do promotor de justiça, se deparar com uma situação que se configura crime. Neste caso, pode o Ministério Público determinar a abertura de inquérito policial ou denunciar diretamente, se já possuir provas suficientes de materialidade e autoria. Pode ser, por outro lado, que o promotor do caso entenda ser aconselhável a apuração do crime de maneira direta.

Finalizando, a investigação direta revisora ocorre quando o Ministério Público procura confirmar as informações e conclusões fornecidas pela polícia, fazendo uma análise se o procedimento investigatório já esta hábil a ensejar uma denúncia.

Nesta suposição, o inquérito policial é concluído e relatado, sendo em seguida encaminhado ao Ministério Público. Neste momento, o promotor tem três alternativas, a escolher uma: a) oferecer denúncia; b) promover o arquivamento; ou, c) requisitar outras diligências.

Há que se observar que pode ocorrer em algum caso específico que reste dúvida quanto a uma prova ou testemunho, ou até mesmo da conduta da polícia durante a investigação. Assim, na investigação revisora, o Ministério Público vai requisitar informações, ouvir testemunhas e realizar diretamente todas as diligências que entender necessárias para formar sua opinio delicti, como destinatário da prova colhida e, eventualmente, como fiscal externo da atividade policial.

Deve-se ressaltar, entretanto, que esta classificação atende apenas aos casos de investigação pré-processual, sendo que, por vezes, o Ministério Público tem acesso a um documento ou testemunho durante o processo penal.

2.1 A Primeira Investigação Criminal pelo Ministério Público no Brasil

Segundo Paulo RANGEL, [24] na época do regime militar, o Delegado de Polícia Sérgio Fernando Paranhos Fleury, homem forte no sistema de segurança pública do Estado de São Paulo, liderava o chamado "Esquadrão da Morte", grupo armado ligado ao tráfico de drogas e a execuções sumárias.

O Ministério Público à época não tinha independência funcional, o que lhe permitia ser pressionado pelos donos do poder. Ademais, Fleury era tinha muita influência no cenário político, sendo inclusive muito ligado ao Presidente Médici, com o qual havia feito uma aliança para combater a subversão.

Enquanto o Esquadrão da Morte atuava nenhuma medida coercitiva estatal era tomada, até que com a pressão internacional, e a insistência do Procurador de Justiça Hélio Bicudo iniciou-se uma investigação do caso.

Designado para realizar, pessoal e diretamente, as investigações criminais sobre as atividades do grupo, Hélio Bicudo instaurou vários processos contra Fleury. Entretanto, em vista do grande poder exercido por Fleury, o Procurador foi afastado das investigações e foi aprovada a Lei 5941/73, que ficou conhecida como Lei Fleury, a qual foi encomendada para garantir a liberdade provisória do Delegado caso o processo realmente tivesse seguimento. O Delegado conseguiu com sua influência política encerrar a investigação criminal.

Este caso, à propósito do tema, permite observar que o Ministério Público realizou investigação criminal direta em 1973, durante o regime militar e quando ainda não possuía a maioria de suas modernas atribuições, bem como não tinha garantias constitucionais, como a inamovibilidade, o que facilitou o encerramento das investigações criminais, conforme os interesses do governo, mas foi o marco inicial da atividade investigativa do Ministério Público no Brasil.


3. A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO PODER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

3.1 ARGUMENTOS PARA A INCONSTITUCIONALIDADE

A posição daqueles que se opõem à investigação pelo Ministério Público é composta de um conjunto de argumentos que podem ser ordenados em três tópicos principais.

O primeiro trata da interpretação das disposições constitucionais e infraconstitucionais pertinentes. O segundo concentra-se na análise dos elementos históricos de interpretação, e o terceiro é ligado a compreensão prática do problema.

3.1.1 Ilegitimidade constitucional e infraconstitucional

O artigo 144, § 1º, I e IV, e § 4º, da Constituição atribui de forma expressa às Polícias Federal e Civil a apuração de infrações penais. A Polícia, portanto, é a autoridade competente para proceder a investigações criminais, como exigido pela garantia constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIII, da Constituição da República). A Constituição atribui ao Ministério Público a função de exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII) e não o de substituí-la. A Constituição de 1988 não permite a figura do promotor investigador. [25]

Para o doutrinador Luís Guilherme VIEIRA o escopo do inciso VI do art. 129 da Constituição da República (que atribui ao Ministério Público poderes para expedir notificações nos procedimentos administrativosde sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los) está restrito aos inquéritos civis públicos e outros também de natureza administrativa, como os preparatórios de ação de inconstitucionalidade ou de representação por intervenção. O inquérito criminal é disciplinado em inciso diverso (VIII) e quanto a ele a atuação do Parquet se limita à requisição de instauração do próprio inquérito e de diligências investigatórias. [26]

Assevera Jacinto de Miranda COUTINHO: [27]

A competência para promover a ação penal (artigo 129, I) não engloba a investigação criminal – esta competência não é um minus em relação àquela. Trata-se, na verdade, de uma competência diversa e que foi atribuída de forma expressa pelo constituinte a outro órgão. Não se aplica aqui, portanto, a lógica dos poderes implícitos, pela qual o órgão a quem compete o mais, compete igualmente o menos.

Nesse sentido, também é o posicionamento de Luiz Antonio ZAVATARO: [28]

Um outro argumento (não menos infundado) tem sido apresentado pelos Promotores de Justiça, é o de que "quem pode o mais, pode o menos". Querem com isto dizer que se podem denunciar alguém na qualidade de titulares da ação penal, também podem investigar, produzir e coletar provas. Não é assim. O sistema jurídico nacional exige que quem apura, não acuse, e que quem acusa, não julgue. Seria lícito, por acaso, que o juiz oferecesse denúncia, já que "pode o mais", que é julgar?

Em decorrência dos argumentos expostos acima, entende-se que a atribuição de competência investigatória ao Ministério Público depende de prévia emenda constitucional. Uma vez que, a legislação infraconstitucional atualmente em vigor, em especialmente a Lei Complementar nº 75/93 e a Lei nº 8.625/93 não atribuiu ao Ministério Públicoessa competência e ela simplesmente não pode ser extraída diretamente do texto constitucional.

3.1.2 Elementos históricos

No Brasil, historicamente, a competência para realizar as investigações preparatórias da ação penal sempre foi da Polícia.

Em várias ocasiões tentou-se modificar esse regime, mas as propostas foram rejeitadas. Isso foi o que aconteceu quando, em 1935, se procurou instituir juizados de instrução, proposta apresentada pelo então Ministro da Justiça, Vicente Ráo. O mesmo se passou, em várias ocasiões, quando se tentou conferir atribuições investigatórias ao Parquet; propostas nessa linha foram rejeitadas na elaboração da Constituição de 1988, nas discussões que deram origem à Lei Complementar relativa ao Ministério Público, em 1993, e também nos debates que envolveram as propostas de emendas constitucionais discutidas em 1995 e 1999. Especificamente nas discussões da assembléia constituinte, o texto aprovado pretendia exatamente manter as investigações criminais como atribuição exclusiva da polícia judiciária. [29]

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Encontra-se hoje no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 197, proposta em setembro de 2003, cujo objetivo é "dar nova redação ao inciso VIII do artigo 129 da Constituição da República que dispõe sobre as funções institucionais do Ministério Público", o qual passaria a dispor: "[Cabe ao MP] promover investigações, requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais."

Assim, mais uma vez vê-se que caso entenda-se interessante que o Ministério Público passe a atuar na fase preliminar da persecução penal, certo é que uma mudança legislativa deve ser articulada, o que leva a conclusão por outro lado que atualmente não se tem legitimidade em tal atuação Ministerial.

3.1.3 A Concentração de Poder ao Ministério Público

Há toda uma questão prática, em se entendendo que prevaleça o entendimento de ser possível a investigação criminal pelo Ministério Público, vez que se perderia a prerrogativa de impessoalidade do referido Órgão, além do risco deste ficar acima de qualquer controle Estatal, contribuindo para o abuso de poder.

Assim, aduzem os doutrinadores que concentrar no Ministério Público atribuições investigatórias, além da competência para promover a ação penal, é de todo indesejável. Estar-se-ia conferindo excessivo poder a uma única instituição, que praticamente não sofre controle por parte de qualquer outra instância, favorecendo assim condutas abusivas. [30]

Nesta esteira, acrescenta Miranda COUTINHO:

A concentração de atribuições prejudica a impessoalidade e o distanciamento crítico que o membro do Ministério Público deve manter no momento de decidir pelo oferecimento ou não da denúncia. É apenas natural que quem conduz a investigação acabe por ficar comprometido com o seu resultado.

Também há que se considerar que os promotores/investigadores são suscetíveis do cometimento de erros, por ação ou omissão, já que a falibilidade é inerente ao ser humano. [31]

Para Roberto BARROSO a ausência de qualquer balizamento legal para esse tipo de atuação por parte do Ministério Público, para além de impedir a própria atuação em si, sujeita os envolvidos ao império dos voluntarismos e caprichos pessoais. [32]

Concluindo assim, que o Ministério Público já dispõe de instrumentos suficientes para suprir deficiências e coibir desvios da atuação policial, não necessitando, nem sendo conveniente, ele diretamente, exercer essa função.

3.2 ARGUMENTOS PARA A CONSTITUCIONALIDADE

Aqueles doutrinadores que entender haver legitimidade do Ministério Público em investigar balizam suas teses, inicialmente, no fato de não se pretender que o Órgão passe a presidir o inquérito policial. Mas, de outro lado, que realize suas próprias investigações criminais. Volta-se, nesse ponto, ao fato que investigação criminal é "qualquer conjunto de atos de natureza processual instrumentalizadores ou preparatórios de eventual futura ação penal." [33] E o inquérito policial "é uma espécie do gênero investigação criminal, sendo apenas aquele procedimento de atribuição exclusiva da Polícia." [34]

Como aduzem os doutrinadores Lênio STRECK e Luciano FELDENS, a explicitação acerca do sentido corrente (e razoável) da expressão investigar tem o condão de inserir o debate definitivamente no âmbito da linguagem (e, portanto, no linguistic turn ocorrido na filosofia no decorrer do século XX). Parece evidente que as palavras não carregam um sentido em si mesmas. As palavras não refletem a essência das coisas. [35]

Parte-se, portanto, da premissa de que cada entendimento utilizará as palavras dispostas nos textos legais de acordo com sua hermenêutica, a fim de dar o significado pretendido.

Isso posto, passa-se ao exame dos fundamentos que legitimam o exercício do poder investigatório criminal pelo Ministério Público.

Por esse lado colacionam-se os principais argumentos de alguns doutrinadores que se filiam a esta corrente.

3.2.1 Legitimidade constitucional, orgânica e legal da função investigatória

O inciso I do artigo 129 da Constituição da República atribuiu ao Ministério Público a titularidade privativa da ação penal pública e o inciso II lhe conferiu o dever de promover as medidas necessárias para garantia do efetivo respeito aos Poderes Públicos e aos direitos assegurados na Carta Magna.

Atividade fim do Ministério Público na esfera criminal, a promoção da ação penal também está prevista no inciso III do artigo 25 da Lei n° 8.625/93 e no inciso V do artigo 6° da LC n° 75/93. Para propô-la, há necessidade de determinados subsídios, e a colheita destes é o núcleo da controvérsia.

Entende-se, por este lado, que a Constituição fornece, ao Ministério Público, plena autonomia para apurar os fatos necessários ao oferecimento da denúncia.

Com efeito, o inciso VI do artigo 129 da Magna Carta autoriza expressamente a expedição de notificações "nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva", e o inciso VIII, a requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, "indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais".

Para FELDENS: [36]

O instrumento da requisição consubstancia, para além de uma simples solicitação, uma exigência legal ao seu destinatário, conquanto não se faça dotado do atributo da coercibilidade, próprio das decisões judiciais. E não poderia ser diferente. A prestação de informações e documentos respeitantes ao próprio objeto da investigação não poderia situar-se na esfera de maior ou menor inoponobilidade – ou ‘boa vontade’ – do destinatário da requisição, sob pena de ver-se frustrada a lógica e sistemática estrutura – repita-se, de densidade constitucional – na qual foi concebido o poder requisitório.

Na mesma esteira está a disposição do artigo 47 do Código de Processo Penal, ao afirmar que: se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, a quaisquer autoridades ou funcionáriosque devam ou possam fornecê-los.

Neste ponto, pertinente a indagação de Rômulo Andrade MOREIRA: [37]

Pergunta-se: para que serviriam essas notificações ou as informações e os documentos requisitados senão para instruir procedimento administrativo investigatório? "É evidente que nenhuma lei traz palavras ou disposições inúteis (é regra de hermenêutica), muito menos a Lei Maior."

Outra atribuição do Ministério Público a ser evidenciada é o controle externo da atividade policial – "verdadeira função-princípio (ou guardiã de princípios), pois visa resguardar preceitos fundamentais elencados na Carta Magna", [38] previsto no inciso VII do artigo 129 da Constituição da República e pelos artigos 3° e 9° da Lei Complementar n. 75/93.

Nessa atividade, fica eminente que somente o Ministério Público poderia colher provas em face da atividade policial fiscalizada, vez que se deixada a cargo da própria polícia, possivelmente nada, ou pouca informação seria trazida à baila, ficando-se a margem dos interesses próprios da corporação.

A Magna Carta ainda trouxe o inciso IX do artigo 129 "como uma cláusula de abertura – legalmente concretizável – ao exercício, pelo Ministério Público, de ‘outras funções’, submetidas a três condicionantes: "a) proveniência legal da função (limitação formal); b) compatibilidade da função legalmente conferida com a finalidade institucional do Ministério Público (limitação material afirmativa); c) vedação de qualquer função que implique a representação judicial ou a consultoria jurídica de entidades públicas (limitação material negativa)." [39]

Verificada a existência de previsão legal da atividade através dos dispositivos supracitados, e, revelando-se a compatibilidade da atuação direta do Ministério Público na atividade investigatória com as finalidades da instituição (defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses da sociedade), poder-se-ia com base neste artigo constitucional entender, desde logo, legitimado o Órgão Ministerial a proceder a investigações criminais.

Para encerrar as argumentações neste ponto, tem-se que mesmo em se admitindo que as Leis Orgânicas do Ministério Público Estadual (Lei Federal e a Lei Complementar Estadual) não permitissem as investigações criminais, ainda assim, por força do artigo 80, da Lei Federal n. 8.625/93 poderíamos utilizar, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar Federal nº. 75/93), que "não deixa margem de dúvidas quanto a operacionalização das investigações criminais diretas no âmbito do Ministério Público", [40] referindo-se, aos artigos 7º, inciso I e 8º, inciso VII, da referida Lei.

Não obstante, deve-se sempre proceder a uma análise aprofundada de todos os argumentos relevantes, para ao fim concluir por esta ou aquela corrente.

3.2.2 A inexistência do monopólio da investigação pela Polícia Judiciária

Para a formação da opinio delicti e oferecimento da denúncia pelo Ministério Público é necessário prévio trabalho de investigação para configuração de autoria e materialidade delitiva.

O inquérito policial é o instrumento de investigação por excelência e grande auxiliar Ministerial no exercício da ação penal; contudo, "para a propositura da ação penal, poderá até mesmo inexistir quaisquer atos procedimentais, bastando a notícia-crime ou peças de informação (art. 39, § 5°, do Código de Processo Penal)." [41]

Nesse sentido, o Código de Processual Penal, após atribuir, no caput do artigo 4º, a competência para apuração de infrações penais à Polícia Judiciária, assegurou idêntica atribuição, no parágrafo único do mesmo artigo, a outras autoridades administrativas, quando autorizadas legalmente.

Outrossim, entende FONTES [42] que:

A Constituição Federal não traz qualquer dispositivo que autorize o entendimento de que a Polícia Judiciária detenha o monopólio estatal da investigação criminal. E, conquanto limite-se o inciso IV do § 1º do seu artigo 144 a definir que, nos crimes ditos federais, quando a investigação criminal demandar a intervenção de Polícia Judiciária, esta será a Polícia Federal, isso não atribui, de forma alguma, àquela polícia, o monopólio da investigação criminal. O art. 144 da Carta Magna estabelece tão somente a repartição de atribuições entre os diversos órgãos de polícia, incumbindo à Polícia Federal a apuração de crimes federais, com exclusão das polícias civis, com o escopo de evitar conflito de atribuições.

MIRABETE pensa da mesma forma: [43]

Os atos de investigação destinados à elucidação dos crimes, entretanto, não são exclusivos da polícia judiciária, ressalvando expressamente a lei a atribuição concedida legalmente a outras autoridades administrativas (art. 4º., do CPP). Não ficou estabelecido na Constituição, aliás, a exclusividade de investigação e de funções da Polícia Judiciária em relação às polícias civis estaduais. Tem o Ministério Público legitimidade para proceder investigações e diligências, conforme determinarem as leis orgânicas estaduais.

Espínola FILHO, por sua vez, já advertia que: [44]

O inquérito não é atribuição exclusiva da autoridade policial, é ponto assente, muito comuns sendo os inquéritos administrativos. O Código de processo penal, no art. 4º., parágrafo único, ressalva, do modo mais claro, a pertinência desses inquéritos extrapoliciais, acentuando que a competência dada no inquérito à polícia judiciária, exercida por autoridades policiais, não exclui a de autoridades administrativas, para promoverem inquéritos, quando a isso legalmente autorizadas. (cfr. CPP Anotado, Borsoi, 1960, p. 248).

Ademais, cabe enumerar algumas das investigações realizadas em outros campos, cuja legitimação não se questiona, as quais embora não tenham o escopo de investigação penal, igualmente se habilitam a subsidiar ulterior atuação do Ministério Público.

No âmbito do Poder Legislativo, observa-se as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), que conforme o § 3º do artigo 58 da Constituição da República, possuem "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais".

O Conselho de Coordenação de Atividades Financeiras, de igual forma, realiza sua atividade investigatória própria, atuando como "órgão do Governo, responsável pela coordenação de ações voltadas ao combate à ‘lavagem’ de dinheiro." [45]

Ademais, ressalta-se a disposição do artigo 69 da Lei n° 9.099/95 que atribuiu aos crimes de menor potencial ofensivo, a lavratura do Termo Circunstanciado, a ser lavrado pela autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência, a qual também pode ser entendida como a polícia administrativa, e não a instauração do comum inquérito policial.

Nesse sentido, também merece relevo a investigação praticada pelo próprio Ministério Público, através do inquérito civil (Lei 7.347/85, artigo 8º, §1º), para o ajuizamento da ação civil pública. [46] Desta forma, é a própria lei quem traça a diretriz da atuação ministerial nas ações penais públicas.

Outrossim, a Constituição da República, ao se referir à exclusividade da Polícia Federal para exercer funções de polícia judiciária da União, tão-somente delimitou as atribuições entre as diversas polícias (federal, rodoviária, ferroviária, civil e militar), razão pela qual reservou, para cada uma delas, um parágrafo dentro do mesmo artigo 144, com o fim de sistematizar e organizar a forma de atuação policial.

Por outro lado, se concluísse distintamente, ou seja, no sentido do monopólio investigativo da Polícia, poderiam ser consideradas ilegais todas as diligências investigatórias realizadas pelos demais órgãos da Administração (Poder Executivo), os quais, embora não tenham finalidade de persecução penal, possuem interesse e acabam por influir nela. Da mesma forma, nas investigações criminais no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário.

3.2.3 A inexistência de incompatibilidade entre a investigação e o oferecimento da ação penal

Cabe também demonstrar a inexistência de qualquer incompatibilidade entre a realização de diligências investigatórias pelo Ministério Público e posterior oferecimento da ação penal.

É a própria lei quem traça a diretriz da atuação ministerial nas ações penais públicas. Com efeito, o artigo 257 do Código de Processo Penal dispõe que "o Ministério Público promoverá e fiscalizará a execução da lei."

Assim, sendo esta parte da sua função, e "como parte na ação penal pública, não está obrigado a promovê-la, única e exclusivamente, para obter a condenação do réu, mas antes sua atuação, nesta qualidade, é a de velar, usando de todos os meios possíveis, pela correta aplicação da lei, tanto processual como material, que no processo se resume na obtenção de uma sentença legal e justa." [47]

Isso porque o direito de punir que promove o Ministério Público não é dele, mas do Estado soberano. Portanto, o fato de ser parte na ação penal pública não lhe retira o ônus de ser, também, fiscal da lei, dado que, em ambas as hipóteses, representam o Estado. [48]

Nesse aspecto, por fim, apoiar- se nas lições de Hely Lopes MEIRELLES, que: [49]

Não resta dúvida que, estando o Ministério Público regido por lei orgânica própria, detendo funções privativas constitucionalmente e possuindo seus agentes independência funcional, além de preencher os demais requisitos elencados pela doutrina, os seus membros são agentes políticos, e como tal exercem parcela de autoridade. Portanto, indubitavelmente, exerce o MP parcela de autoridade e, administrativamente, pode proceder às investigações penais diretas na forma da legislação em vigor.

E, no dizer de CARNELUTTI, "a garantia do interesse público, em lugar de um direito para o Ministério Público, é um dever." [50]

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Sobre a autora
Cristiane Pereira Machado

Assessora jurídica do juiz de Direito junto ao Tribunal de Justiça do Paraná, Especialista em Direito penal e processual penal pela academia Brasileira de Direito Constitucinal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Cristiane Pereira. A controvertida questão do poder de investigação do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2613, 27 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17275. Acesso em: 23 dez. 2024.

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