4. DIREITO COMPARADO
O tema do presente trabalho é debatido mundialmente, questionando a comunidade jurídica se as investigações preliminares à ação penal devem ser de responsabilidade da Polícia, do Ministério Público ou do Juizado de Instrução.
Com a paulatina prevalência de um sistema penal acusatório, em que o magistrado tem uma postura passiva, inativo na apuração dos fatos, cada vez mais vai sendo rejeitada a figura do Juiz de Instrução na sua forma pura.
No Direito comparado observamos a existência de dois sistemas principais: o inglês, no qual a Polícia detém o poder de conduzir as investigações preliminares; e o continental, em que o Ministério Público conduz a investigação criminal, e dispõe diretamente da polícia judiciária.
Neste segundo sistema, encontramos, por exemplo, países como a Itália, Alemanha, França e Portugal.
Na Alemanha, lê-se no Código de Processo Penal:
StPO § 160: (1) (omissis) "(2). A Promotoria de Justiça deverá averiguar não só as circunstâncias que sirvam de incriminamento, como também as que sirvam de inocentamento, e cuidar de colher as provas cuja perda seja temível."(3). As averiguações da Promotoria deverão estender-se às circunstâncias que sejam de importância para a determinação das conseqüências jurídicas do fato.
StPO § 161: Para a finalidade descrita no parágrafo precedente, poderá a Promotoria de Justiça exigir informação de todas as autoridades públicas e realizar averiguações de qualquer classe, por si mesma ou através das autoridades e funcionários da Polícia. As autoridades e funcionários da Polícia estarão obrigados a atender a petição ou solicitação da Promotoria.
Desde logo, percebe-se o avançado meio de investigação alemão, primeiramente, pela primazia da busca pela justiça, tendo o Ministério Público dever de colher provas tanto para acusar um cidadão de autoria de um fato delituoso, bem como, se encontrando evidências que o inocentem estas também devem ser apuradas.
Em segundo lugar, não há uma divisão inócua de órgãos estatais e de serviços, vez que Ministério Público e polícia trabalham juntas, evitando-se assim burocracia desnecessária e conflitos entre os agentes públicos.
Na Alemanha, portanto, a investigação criminal fica sob a reserva de competência do Ministério Público. Neste sentido, preleciona Juan-Luis Gomez COLOMER: [51]
A doutrina alemã considera como ajudantes do Ministério Público, na realização dos atos próprios do procedimento de averiguação o preparatório, a das seguintes autoridades e funcionários: a Polícia, o juiz Investigador, e as autoridades que prestam ajuda judicial. 1. A POLICÍA: é o órgão ajudante de mais importância (...) Como obrigações gerais, a Polícia tem as seguintes: 1) Praticar de oficio todas as ordens, com o fim de prevenir o ocultamento dos assuntos (...), enviando imediatamente os resultados para o Ministério Público; 2) Deve praticar todas as investigações que ordene Ministério Público (...).
O ordenamento jurídico italiano não é diferente, no seu "Codice di Procedura Penale ":
Art. 326 – O Ministério Público e a Polícia Judiciária realizarão, no âmbito de suas respectivas atribuições, a investigação necessária para o termo inerente ao exercício da ação penal.
Art. 327 – O Ministério Público dirige a investigação e dispõe diretamente da Polícia Judiciária."
Na Itália, as investigações preliminares são conduzidas pela polícia e pelo Ministério Público, sob o controle direto de um juiz específico para esta fase, conhecido como juiz de instrução, que não atuará na fase processual penal.
A polícia oferece notícia crime, com todas as informações disponíveis, ao Ministério Público, em até 48 horas. A partir deste momento, toda investigação se canaliza através do Ministério Público, que dispõe totalmente da polícia judiciária. [52]
Em Portugal os órgãos de polícia criminal coadjuvam com o Ministério Público no exercício das suas funções processuais, nomeadamente na investigação criminal que é levada a cabo no inquérito, e fazem-no sob a direta orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional. [53]
Os membros do Ministério Público são denominados magistrados do Ministério Público, e possuem a função de praticar todos os atos e meios de prova necessários à comprovação da existência do crime, à identificação dos agentes e à delimitação das responsabilidades.
Já a função do juiz de instrução é tipicamente garantista, passando por ele todas as decisões da investigação.
À polícia judiciária, cabe realiza todas as diligências determinadas pelo Ministério Público. Este, por sua vez, pode realizar diretamente determinadas diligências autorizadas expressamente por lei.
O Código de Processo Penal Português assevera que:
Art. 267º – Actos do Ministério Público - O Ministério Público pratica os actos e assegura os meios de prova necessários à realização das finalidades referidas no artigo 262º, nº 1, nos termos e com as restrições constantes dos artigos seguintes;
Art. 262º - Finalidade e âmbito do inquérito - 1 - O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação;
Art. 263° - Direcção do inquérito - 1 - A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, os órgãos de polícia criminal actuam sob a directa orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional.
Ainda em Portugal, a Lei Orgânica do Ministério Público, no seu artigo 3º, diz que compete ao Ministério Público "dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades" e "fiscalizar a atividade processual dos órgãos de polícia criminal."
Na França utiliza-se do mesmo sistema investigatório. Veja-se o artigo 41 do respectivo Código de Processo Penal:
O Procurador da República procede ou faz proceder a todos os atos necessários à investigação e ao processamento das infrações da lei penal. Para esse fim, ele dirige as atividades dos oficiais e agentes da polícia Judiciária dentro das atribuições do seu tribunal.
O Ministério Público francês é o titular da ação penal pública e fiscal da lei, assim como no Brasil, entretanto, os seus membros não possuem a estabilidade conferida aos juízes e estão hierarquicamente subordinados ao Ministro da Justiça. A polícia judiciária é subordinada ao Ministério Público, sendo este responsável pelo acompanhamento da investigação e, excepcionalmente, responsável pela sua condução.
O Ministério Público da Espanha é denominado Ministerio Fiscal e atua sempre na defesa da legalidade, como promotor da ação penal, como fiscal da lei (custos legis).
O artigo 283 da Lei de Enrijecimento Criminal expõe que:
Constituirão a Polícia judicial e serão auxiliares dos Juízes e Tribunais competentes na matéria penal e do Ministerio fiscal, ficando obrigados a seguir as instruções que daquelas autoridades recebam a efeitos da investigação dos delitos e persecução dos delinqüentes.
É papel do Ministério Fiscal zelar pelas garantias processuais do acusado e pela proteção dos direitos da vítima e outros prejudicados pelo delito.
Mais próximo do que se vê diuturnamente no Brasil, a investigação criminal fica a cargo da polícia, que é órgão auxiliar do Ministério Fiscal e do Judiciário, mas obrigada a seguir suas determinações, entretanto, existe crescente corrente doutrinária posicionando-se pela investigação ministerial direta.
Concluindo, observa-se que nos países onde uma versão do juizado de instrução é adotada, o que ocorre é uma divisão de funções. Há um magistrado incumbido de gerenciar a colheita de provas, decidindo quaisquer questões legais que surjam na fase investigatória, além de decidir pela existência de lastro probatório mínimo para o início da ação penal. O juiz, neste caso, não procede diretamente à coleta de provas, nesse sentido há eminentemente a vertente garantista do juiz inerte, que apenas fiscaliza a investigação. Recebida a denúncia, o processo é encaminhado para outro magistrado, que julgará o caso.
Já nos Estados Unidos, a função Ministerial é bem diversa, funcionado através de escritórios particulares responsáveis pela acusação criminal, além disso é possível haver negociação entre acusado e acusação, para o fim de melhorar as condições penais daquele, em troca de algum interesse deste, cuja origem se remonta à necessidade de combate à alta criminalidade, tornam o Ministério Público possuidor da conveniência e oportunidade da propositura e exercício da ação penal.
Nesse perspectiva, cabe ao Ministério Público (District Attorney) proceder a negociações com os acusados, celebrar acordos e manter em sigilo o nome de testemunhas, diante de tais atribuições, revela-se sua ampla competência investigatória.
Ela Wiecko V. de CASTILHO [54] lembra que, no VIII Congresso das Nações Unidas sobre o Delito, realizado em Havana em 1990, aprovou-se a seguinte diretriz:
Os membros do MP desempenharão um papel ativo no procedimento penal, incluída a iniciativa do procedimento e, nos termos da lei ou da prática local, nas investigações dos crimes, na supervisão da legalidade dessas investigações, na supervisão da execução das decisões judiciais e no exercício de outras funções como representantes do interesse público.
As peculiaridades da persecução criminal em cada um destes países tornam tormentosa a formação de parâmetros de comparação válidos, entretanto, parece seguro dizer que, para a eficiência da persecução criminal, são indispensáveis um Ministério Público e uma Polícia Judiciária fortes e independentes, com elevada qualificação e mentalidade garantista. Além disto, evidente está a tendência mundial no sentido de uma participação cada vez maior do Ministério Público na fase investigatória. [55]
É certo, por outro lado, que a investigação criminal deve ser neutra, sob pena de macular todo o processo subseqüente. Seja qual for o órgão que colha as provas necessárias para embasar a acusação criminal, deve ser um órgão técnico, objetivo e imparcial.
5. A POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
5.1 A Posição do Superior Tribunal de Justiça
A jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de ser possível a investigação direita pelo Ministério Público. Não se olvide que há o interesse da legitimação de tais procedimentos, que embora estejam sob grande discussão são praticados corriqueiramente no Brasil, pois, caso contrário, ensejaria a nulidade do todas as investigações já realizadas.
O entendimento pacífico no Superior Tribunal de Justiça está nesse sentido, tendo inclusive editado, em 13 de dezembro de 1999, a Súmula nº 234, decidindo que a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.
Anteriormente o referido Tribunal assim se manifestou:
Como procedimento meramente informativo que é, o inquérito policial pode ser dispensado se o titular da ação penal dispuser de elementos suficientes para o oferecimento da denúncia. (DJU, 08/06/92, p. 8.594).
Exemplos desta orientação jurisprudencial são abundantes, sendo possível selecionar trechos das decisões mais contundentes:
a) "Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória. A simples participação na fase investigatória, coletando elementos para o oferecimento da denúncia, não incompatibiliza o Representante do Parquet para a proposição da ação penal. A atuação do Órgão Ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial – o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da acusação" (RHC 8106/DF).
b) "Na esteira de precedentes desta Corte, malgrado seja defeso ao Ministério Público presidir o inquérito policial propriamente dito, não lhe é vedado, como titular da ação penal, proceder investigações. A ordem jurídica, aliás, confere explicitamente poderes de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar n 75/1993" (RHC 15469/PR).
c) "A questão acerca da possibilidade do Ministério Público desenvolver atividade investigatória objetivando colher elementos de prova que subsidiem a instauração de futura ação penal, é tema incontroverso perante esta eg. Turma. Como se sabe, a Constituição Federal, em seu artigo 129, I, atribui, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública. Cabe, portanto, a este, o exame da necessidade ou não de novas colheitas de provas, uma vez que, tratando-se o inquérito de peça meramente informativa, pode o MP entendê-la dispensável na medida em que detenha informações suficientes para a propositura da ação penal. Recurso desprovido" (RHC 14543/MG).
d) "Não é, portanto, da índole do direito penal a feudalização da investigação criminal na Polícia e a sua exclusão do Ministério Público. Tal poder investigatório, independentemente de regra expressa específica, é manifestação da própria natureza do direito penal. Diversamente do que se tem procurado sustentar, como resulta da letra do seu artigo 144, a Constituição da República não fez da investigação criminal uma função exclusiva da Polícia, restringindo-se, como se restringiu, tão-somente a fazer exclusivo, sim, da Polícia Federal o exercício da função de polícia judiciária da União (parágrafo 1º, inciso IV). Tal norma constitucional, por fim, define, é certo, as funções das polícias civis, mas sem estabelecer qualquer cláusula de exclusividade." (RHC 13728/SP).
Desta forma, verifica-se que unânime o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em permitir a investigação criminal pelo Parquet.
5.2 A Posição do Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal também já decidiu:
A inexistência de inquérito policial não impede a denúncia, se a Promotoria dispõe de elementos suficientes para a formulação da demanda penal – Existência, no caso, de indícios suficientes para afastar a alegação de falta de justa causa para a denúncia. Habeas Corpus indeferido. (STF, Habeas Corpus n.º 70.991- 5, Rel. Min. Moreira Alves).
E especificamente sobre o poder investigatório do Ministério Público, veja-se:
O MP tem legitimidade para proceder a investigações ou prestar tal assessoramento à Fazenda Pública para colher elementos de prova que possam servir de base a denúncia ou ação penal. A CF/88, no art. 144, § 4º., não estabeleceu com relação às Polícias Civis a exclusividade que confere no § 1º., IV, à Polícia Federal para exercer as funções de Polícia Judiciária. (RT, 651/313).
Entretanto, a questão em debate perante o Pretório Excelso, ao contrário do que ocorre no Superior Tribunal de Justiça, em que o reconhecimento Ministerial do poder investigatório do Ministério Público em matéria criminal é pacífico, no Supremo Tribunal Federal a questão ainda não assumiu contornos definitivos. Alguns dos posicionamentos mais relevantes são:
a) No julgamento do Habeas Corpus 75.769/MG, relatado pelo Ministro Octávio Gallotti, a Primeira Turma do STF entendeu que a prática de atos de investigação pelo Promotor de Justiça não o impede de oferecer denúncia. Consta da ementa: "Regular participação do órgão do Ministério Público em fase investigatória e falta de oportuna argüição de suposta suspeição. Pedido indeferido".
b) No Habeas Corpus 77.371/SP, relatado pelo Ministro Nelson Jobim e que tratava justamente da oitiva de testemunha diretamente pelo Ministério Público, ficou consignada a possibilidade da realização da diligência: "Quanto à aceitação, como prova, de depoimento testemunhal colhido pelo Ministério Público, não assiste razão ao paciente, a Lei Orgânica do Ministério Público faculta a seus membros a prática de atos administrativos de caráter preparatório tendentes a embasar a denúncia."
c) O Recurso Extraordinário 205.473-9/AL, relatado pelo Ministro Carlos Mário Velloso teve neste caso, um Procurador da República em Alagoas que requisitou ao Delegado da Receita Federal no Estado a realização de algumas diligências investigatórias em uma empresa, para a apuração de ilícitos fiscais. O Delegado informou que a matéria envolvia o "caso PC Farias", cujas investigações estavam centralizadas na Coordenação Geral em Brasília. Diante da recusa, o Procurador da República requisitou a instauração de inquérito contra o Delegado da Receita. Suscitada a questão de o Ministério Público dirigir-se diretamente à autoridade administrativa, sem recorrer à autoridade policial, pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal contrariamente aos entendimentos anteriores: "Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial competente para tal (CF, art. 144, §§ 1° e 4°)".
d) No julgamento do Recurso Extraordinário 233.072-4/RJ, foi determinado pelo Procurador da República, acreditando na ocorrência de irregularidades em procedimento licitatório de órgão do Ministério da Fazenda, requisitou o respectivo processo administrativo e convocou pessoas para serem ouvidas diretamente. Com base em tais elementos, ofereceu denúncia contra os envolvidos. Os Ministros Néri da Silveira e Maurício Corrêa conheceram e deram provimento ao recurso, para que se desse prosseguimento à ação penal. Os Ministros Nelson Jobim e Marco Aurélio não conheceram do recurso, por entenderem que o Ministério Público não tinha competência para promover inquérito administrativo para apurar conduta criminosa de servidor público. Ficando a ementa desta forma: "O Ministério Público não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Recurso não conhecido."
E mais recentemente a Segunda Turma, reconheceu por unanimidade que existe previsão constitucional de que o Ministério Público tem poder investigatório no Habeas Corpus 91661/PE, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, referente a uma ação penal instaurada a pedido do Ministério Público, na qual os réus são policiais acusados de imputar a outra pessoa crime mesmo sabendo que a acusação era falsa, que gerou grande repercussão por praticamente sacramentar a questão no âmbito do STF.
Para Ministra Ellen Gracie, é perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a coleta de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e materialidade de determinado delito.
Essa conclusão não significa retirar da polícia judiciária as atribuições previstas constitucionalmente. Não há óbice [empecilho] a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente à obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, no presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que também justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo MP. [56]
Entendeu ainda que tal conduta não significaria retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (artigos 129 e 144), de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos, mas também a formação da opinio delicti, e que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. Aduziu-se que é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos poderes implícitos. [57]
Ressalte-se que a impetração desse Habeas Corpus foi decorrente justamente de decisão anterior do Superior Tribunal de Justiça, que entre outros pontos aduziu que há possibilidade de investigação pelo Ministério Público, conforme se verifica da ementa do Acórdão:
EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – CONHECIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL – PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – POSSIBILIDADE – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE – DENÚNCIA QUE DESCREVE CRIME EM TESE E CONTÉM OS ELEMENTOS INDISPENSÁVEIS À AMPLA DEFESA – PROVA DA EXISTÊNCIA DO CRIME E INDÍCIOS DA AUTORIA – RECURSO CONHECIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL, SENDO-LHE NEGADO PROVIMENTO, RESSALVANDO-SE POSICIONAMENTO CONTRÁRIO DA RELATORA.
Novas críticas já estão surgindo no âmbito doutrinário, levantando e aquecendo o debate mais uma vez, mais atual do que nunca.
Nesse ponto, MOREIRA afirma que fundada na teoria dos poderes implícitos tal atribuição transparece, desde que a investigação se enquadre nas atribuições ministeriais. [58]
Já para a Associação dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro adverte que além da matéria não ser pacífica, ainda está pendente de julgamento pelo pleno e, portanto, não há vinculação da posição da Ministra aos demais membros do Supremo Tribunal Federal, nem mesmo eficácia erga omnis do julgado. [59]
Com exceção da referida Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1571-1-DF, todas estas decisões foram das Turmas do Supremo Tribunal Federal, inexistindo, portanto, decisão plenária sobre o tema com a atual composição da Suprema Corte.
Atualmente, encontra-se pendente de decisão o Inquérito 1.968-DF, onde se espera uma decisão que cristalize o entendimento da Corte Suprema sobre o tema.