De acordo com o Código Civil brasileiro, capacidade é o atributo da personalidade que confere às pessoas a possibilidade de contrair direitos e assumir obrigações na ordem jurídica. A capacidade genérica divide-se em capacidade de direito ou de gozo e capacidade de fato ou de exercício. A capacidade de direito ou de gozo é ínsita à condição humana, estando presente desde o início da personalidade da pessoa natural, isto é, desde o seu nascimento com vida. E até mesmo antes disso, sendo que a lei protege o nascituro desde a concepção (art. 2.º, CC). Já a capacidade de fato ou de exercício é a aptidão de exercer por si só os atos da vida civil. O Código Civil trata da incapacidade das pessoas naturais, ou seja, impõe algumas restrições para a prática de certos atos jurídicos, limitando a capacidade de fato ou de exercício.
Após elencar a incapacidade absoluta (art. 3.º) e relativa (art. 4.º), o Código Civil assinala que "a capacidade dos índios será regulada por lei especial" (art. 4.º, parágrafo único). O Código Civil anterior tratava do assunto de maneira semelhante referindo-se aos "silvícolas" (art. 6.º, parágrafo único, CC 1916). A lei especial referida pelo Código Civil é o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973) que define índio ou silvícola como "todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional" (art. 3.º, inc. I).
A legislação especial dispõe que os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam sujeitos ao regime tutelar da União que será exercido por meio da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, fundação pública vinculada ao Ministério da Justiça, criada pela Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, em substituição ao antigo Serviço de Proteção ao Índio que datava de 1910. Nos termos do Estatuto do Índio, "são considerados nulos os atos praticados entre índios não integrados e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente" (art. 7.º, §8.º, da Lei nº 6.001/73).
Nos termos do Estatuto, para que o índio seja considerado capaz de praticar normalmente os atos da vida civil, poderá requerer ao Juízo competente a sua liberação do regime tutelar após preenchidos os requisitos legais, quais sejam: ter idade mínima de 21 anos; conhecimento da língua portuguesa; habilitação para o exercício de atividade útil, na comunhão nacional; e razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional (art. 9.º, Lei nº 6.001/73).
Entretanto, a relativa incapacidade civil dos índios e o regime tutelar a que estão sujeitos devem ser entendidos e interpretados à luz da Constituição Federal de 1988. Com o surgimento da nova ordem constitucional houve o rompimento definitivo com a ideologia integracionista dos povos indígenas, assegurando-se a estes o direito de manterem seus costumes e identidade cultural, conforme previsto no artigo 231 da Constituição, verbis:
"Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens."
Dessa forma, é necessário redefinir também os conceitos acerca da incapacidade relativa dos índios no sentido de conferir a estes uma especial proteção jurídica e não uma restrição puramente discriminatória. Nesse sentido, dispõe a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais que o direito dos povos indígenas de conservarem seus costumes e instituições próprias "não deverá impedir que os membros desses povos exerçam os direitos reconhecidos para todos os cidadãos do país e assumam as obrigações correspondentes".
Face aos preceitos da Constituição Federal e da Convenção nº 169 da OIT, não é possível imaginar o regime tutelar como uma prática restritiva que se limita a tolher os índios de sua capacidade plena sem qualquer motivo relevante que justifique. Assim, ao contrário do que prevê o Estatuto do Índio, forçoso reconhecer que os atos jurídicos celebrados entre índios e terceiros só perderão a sua eficácia jurídica quando demonstrado que os primeiros não tiveram consciência das conseqüências jurídicas de seus atos em face das normas vigentes em nossa sociedade. Do contrário, nenhuma limitação poderá ser suscitada.
Inclusive, a antropologia atual considera totalmente superada a classificação dos índios em relação ao seu grau de integração à comunhão nacional, ratificando a interpretação hodierna das normas previstas no Estatuto com os ditames da Constituição Federal de 1988 e da Convenção nº. 169. da OIT.
A propósito, a Constituição Federal expressamente conferiu legitimação processual plena aos índios em defesa de seus direitos e interesses, consoante o disposto no art. 232:
"Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo."
Portanto, uma vez reconhecida pela Constituição Federal a capacidade processual das comunidades indígenas, claro está o reconhecimento, de forma geral, à capacidade civil plena dos índios. Sem dúvida, essa é a melhor interpretação que pode se conferir à questão em face dos preceitos constitucionais vistos anteriormente.
Pelo exposto, conclui-se que a questão da capacidade civil dos índios atualmente deve ser entendida à luz da Constituição Federal que facilmente se sobrepõe aos dispositivos do Estatuto do Índio. De outro lado, a citada Convenção nº 169 da OIT não diz de outra forma. Portanto, seria recomendável que o Congresso Nacional atualizasse a Lei nº 6.001/73 em vários aspectos de modo que possa ficar em completa harmonia com a atual ordem constitucional brasileira vigente.