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Limites de atuação da Guarda Municipal

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13/09/2010 às 10:16
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4 LIMITES DE ATUAÇÃO DA GUARDA MUNICIPAL

Ao se falar em Estado Social e Democrático de Direito é insdipensável a idéia de polícia. E ao se tratar do limites de atuação da Guarda Municipal é imperioso destacar os limites dos órgãos policiais tendo em vista que a observância dos limites de competência dos órgãos policiais também devem ser observados pela Guarda Municipal.

Desta forma, numa sociedade moderna, devem-se ter em mente que há de estar garantida a convivência pacífica de todos os cidadãos, de modo que o exercício dos direitos de cada um não se transforme em abuso e não ofenda nem impeça o exercício dos direitos alheios, visando-se assim ao bem comum. Deste modo, o Estado deve atuar adequadamente por maio de leis, de instituições e de serviços capazes de se observar tal mister, e o instrumento utilizado é o poder de polícia.

O estudo deste instrumento é importante para que tanto a Administração quanto o administrado saibam demarcar seus limites, no sentido de que aquela saberá até em que ponto poderá exercer este poder administrativo e este até que ponto deverá respeitar um ato de polícia sem estar sofrendo uma ilegalidade. Neste sentido, Álvaro Lazzarini (1994, p. 70) aponta que o poder de polícia tem limites por ser discricionário e não arbitrário.

Neste ponto, é interessante frisar que a noção de ordem pública é ampla e por isso só pode ser admitida como sendo nacional e portanto preponderante em relação ao interesse local, fato este que impede a atuação do Município.

José Cretella Júnior, citado por Álvaro Lazzarini (1994, p. 71), corrobora esta tese ao afirmar que:

A noção de ordem pública é extremamente vaga e ampla, não se tratando apenas da manutenção material da ordem na rua, mas também da manutenção de uma certa ordem moral, o que é básico em direito administrativo, porque, como sustentou com rigor científico, a ordem pública é constituída por um mínimo de condições essenciais a uma vida social conveniente, formando-lhe o fundamento à segurança dos bens e das pessoas, à salubridade e à tranqüilidade, revestindo, finalmente, aspectos econômicos ... e, ainda, estéticos ...

Desta feita, a ordem pública, situação de fato oposta à de desordem, é efeito da causa segurança pública, e por ser esta dever do Estado, direito e responsabilidade de todos gera graves conseqüências em relação aos limites da competência de seus órgãos policiais.

Isto porque quem assegura a segurança pública é órgão policial de acordo com a Carta Política e para se aprofundar o tema deve-se diferenciar o poder de policia do poder da polícia. Polícia é o conjunto de instituições, fundadas pelo Estado, segundo prescrições legais regularmente estabelecidas enquanto que poder de polícia é algo abstrato que legitima a ação da polícia, sendo poder administrativo, tendo como características legitimar a existência e o exercício de suas funções, logicamente que quando respeitado seus limites.

Já se viu também que o poder de polícia pode legitimar tanto a polícia administrativa quanto também a polícia judiciária. Álvaro Lazzarini (1994, p. 74) observa muito bem que esta dicotomia tem gerado confusões no legislador e disputas entre órgãos policiais, que por vezes não respeitam estes limites legais de competência institucionais e conseqüentemente os limites do poder de polícia em detrimento do administrado que quase sempre acaba aceitando estes abusos de autoridade, seja por excesso, seja por desvio de poder.

Assim, como vimos que a repressão administrativa a ilícitos não penais não cabe à polícia judiciária e não pode ser exercida por órgão que detenha exclusivamente esta atribuição e que a competência sempre será elemento vinculado do ato de polícia, a não observância gera uma violação a este limite. Ressalva-se que não se pode confundir esta polícia com polícia de segurança pública, pois esta visa prevenir a criminalidade, sendo, portanto uma parte da polícia administrativa.

Está bastante claro que o poder de polícia não é ilimitado e muito menos uma espécie de carta branca para quem exerce atividade da administração pública. Ao examinar o conceito legal desse poder, verifica-se que o legislador traça limites que protegem os administrados contra os abusos das autoridades em três aspectos – os direitos do cidadão, as prerrogativas individuais e as liberdades públicas dadas pela Constituição.

A atuação não só da polícia, mas também de toda administração está traçada pelas normas jurídicas, bem como os princípios pelos quais a administração está adstrita, em especial a legalidade e a moralidade administrativa. Assim é o que entende a abalizada doutrina, nos dizeres de Álvaro Lazzarini (1994, p. 79):

A própria liberdade de ação do órgão policial, hoje, está adstrita à sua competência legal, isto é, cada órgão policial tem o exercício do Poder de Polícia limitado à sua esfera de competência, porque "A primeira condição de legalidade é a competência do agente. Não há, em direito administrativo, competência geral ou universal: a lei preceitua, a cada função pública, a forma e o momento do exercício das atribuições do cargo. Não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito. A competência é, sempre, um elemento vinculado, objetivamente traçado pelo legislador’ no dizer sempre lembrado de Caio Tácito.

Os limites do poder de polícia administrativa também são traçados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo garantidos pela Constituição Federal. Disto, tem-se o equilíbrio a ser observado pela Administração entre a fruição dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, favorecendo assim o bem comum.

Assim, Álvaro Lazzarini (1994, p. 70) conclui ser correto este raciocínio invocando José Cretella Júnior ao ensinar que o poder de polícia é relativo, assim como são os direitos individuais, pois está longe de ser onipotente e incontrolável, mas sim um poder circunscrito, não podendo colocar em risco a propriedade e a liberdade.

Outrossim, gerando em regra restrições a direitos individuais, a Administração somente deve lançar mão deste expediente se esta utilização não for excessiva ou desnecessária, para que não reste configurado o abuso de poder. Isto porque, as liberdades individuais devem coexistir harmonicamente com o poder público na exata proporção entre a necessidade de se respeitar essa liberdade e a de assegurar a ordem social, devendo haver uma proporção entre ambos.

De grande valia e pertinente é o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 739) ao tratar de polícia administrativa e o princípio da proporcionalidade contra abusos da Administração:

A utilização de meios coativos por parte da Administração, conforme o indicado, é uma necessidade imposta em nome da defesa dos interesses públicos. Tem, portanto, na área de polícia, como em qualquer outro setor de atuação da Administração, um limite conatural ao seu exercício. Este limite é o atingimento da finalidade legal em vista da qual foi instruída a medida de polícia.

Mormente no caso da utilização de meios coativos, que, bem por isso, interferem energicamente com a liberdade individual, é preciso que a Administração se comporte com extrema cautela, nunca se servido de meios mais enérgicos que os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de vício jurídico que acarretará responsabilidade da Administração. Importa que haja proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal a ser atingida.

Nesta linha de raciocínio, Álvaro Lazzarini (1994, p. 80) muito bem se remonta à esclarecedora doutrina de Diogo de Figueiredo Moreira Neto que defende a existência de três sistemas de limites ao exercício da discricionariedade no poder de polícia, especialmente quando se fala de segurança pública: a legalidade, a realidade e a razoabilidade.

A legalidade é o mais importante desses sistemas de limites e é a moldura normativa a qual a Administração deve respeitar. A realidade é o segundo sistema, uma vez que não basta que estejam sendo observados os parâmetros legais, sendo necessário também a presença dos pressupostos reais, além de viáveis as suas conseqüências, detectados pelo mediano bom senso. Como último sistema, tem-se a razoabilidade, que de forma ampla quer dizer que também deve estar presente uma relação de coerência entre a manifestação de vontade do poder público e a finalidade específica da Lei.

Destarte, conclui-se que se deve observar também o princípio da realidade e o princípio da razoabilidade além da observância do princípio da legalidade, com contornos mais amplos do que em tempos anteriores visto que não mais se trata apenas de limites meramente formais.

Está claro que o poder de polícia tem barreiras que caso sejam ultrapassadas tornam anormal o seu exercício, configurando uma arbitrariedade e sujeitando o agente público responsável às sanções legais, administrativas, cíveis ou até mesmo penais, independente do Poder Político ou até mesmo do nível hierárquico.

A autoridade pública é prerrogativa de função pública e não privilégio pessoal, conforme sua investidura legal e sua esfera de atribuição. Tal assertiva está consubstanciado no princípio da impessoalidade a ser respeitado por toda a Administração, nos termos do caput do artigo 37 da Constituição.

Desta forma, trazem-se também à baila os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, citado por Álvaro Lazzarini (1996, p. 27):

O uso do poder é prerrogativa da autoridade. Mas o poder há de ser usado normalmente, sem abuso. Usar normalmente do poder é empregá-lo segundo as normas legais, a moral da instituição, a finalidade do ato e as exigências do interesse público. Abusar do poder é emprega-lo fora da lei, sem utilidade pública. O poder é confiado ao administrador público para ser usado em benefício da coletividade administrativa, mas usado nos justos limites que o bem-estar social exigir. A utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, da violência contra o administrado constituem formas abusivas do uso do poder estatal, não toleradas pelo Direito e nulificadoras dos atos que as encerram. O uso do poder é lícito; o abuso, sempre ilícito. Daí por que todo ato abusivo é nulo, por excesso ou desvio de poder.

Interessante registrar que tanto excesso de poder quanto desvio de poder são formas de abuso de poder, sendo que naquele o agente público exercendo uma prerrogativa recebida atua fora do limite de sua atribuição sendo, portanto, incompetente para tal ato enquanto que neste o agente público atua dentro do limite de sua atribuição mas sem estar presente qualquer interesse público ou até mesmo sem visar à finalidade específica que a Lei prevê para tal atribuição. Registro também que abuso de poder pode advir tanto de uma ação quanto de uma omissão.

Neste sentido, Hely Lopes Meirelles (2003, p. 108) nos leciona que:

O excesso de poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, vai além do permitido e exorbita no uso de suas faculdades administrativas. Excede, portanto, sua competência legal e, com isso, invalida o ato, porque ninguém pode agir em nome da Administrção fora do que a lei lhe permite. O excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo. É uma forma de abuso de poder que retira a legitimidade da conduta do administrador público, colocando-o na ilegalidade e até mesmo no crime de abuso de autoridade...

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Em relação aos órgãos que exercem atribuição de outro órgão, Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2005, p. 201) classifica este vício de competência de forma específica, tratando-o como invasão de competência.

O ornamento jurídico brasileiro prevê duas formas de controle em face do abuso de poder. O artigo 5º da CRFB em seu inciso XXXIV garante a todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, e no inciso XXXV deste mesmo artigo garante que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, sendo que neste caso o termo "lei" engloba qualquer ato administrativo.

Em relação ao controle judicial cumpre registrar que nos termos do inciso LXIX do artigo 5º da CRFB se concederá mandado de segurança para proteger direito líquido e certo (não amparado por habeas-corpus ou habeas-data) quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

A Constituição vai além ao estabelecer que em qualquer caso de dano causado por qualquer agente da administração, esta é responsável objetivamente, ou seja, independente de culpa (CRFB, artigo 37, § 6º).

Registro, neste pormenor, a existência da Lei n.º 4.898 de 9 de dezembro de 1965 que regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal nos casos de abuso de autoridade.

Agora também não há impedimento, mas há um dever isto sim, que a própria Administração utilizando-se de seu poder hierárquico e embasado no princípio da auto-tutela, proceda ao controle preventivo ou sucessivo do ato de seu subordinado e verifique sua legalidade. Apenas não havendo o controle administrativo é que deverá ser buscado o controle jurisdicional [04].

É cediço que inúmeras vezes o controle administrativo não resolve os casos de abuso de poder e tais fatos são levados ao judiciário. Neste sentido, José Cretella Junior, citado por Álvaro Lazzarini (1994, p. 82) destaca que:

Julgando embora casos concretos, o Poder Judiciário tem assinalado, de modo genérico, os limites do poder de polícia, sob a forma de regra ou princípio, decidindo que as barreiras ao exercício desse poder se encontram na sua própria finalidade, que é a promoção do bem público.

Não há farta jurisprudência sobre a Guarda Municipal mas dentre as existentes merece destaque decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que veda a possibilidade de se atribuir a este órgão funções de segurança pública, a saber:

Agravo de Instrumento - Ação Civil Pública - Atribuição de função de segurança pública à Guarda Municipal de Porto Alegre e a criação de atribuições ao cargo de guarda municipal (porte de armamento) por ordem de serviço - Concessão pelo Estado do Rio Grande do Sul de mera autorização para o porte de arma - Desatendimento aos requisitos legais ao conceder o porte a vigias - Impossibilidade de a Guarda Municipal exercer funções de segurança pública ostentando-se inconstitucionais dispositivos legais nesse sentido, conforme precedentes desta corte - Risco à vida dos munícipes que se configura ao se permitir o manuseio de arma de fogo por pessoa inabilitada técnica e psicologicamente.

Agravo provido.

Neste sentido, Álvaro Lazzarini (1994, p. 80) é conclusivo ao afirmar que sobre a competência constitucional das guardas municipais, o entendimento dos juristas pátrios é cristalino, não pairando dúvidas de que elas não podem ser consideradas polícia municipal, não sendo, desta forma, destinadas a proteção das pessoas, nem se confundindo com a competência estadual no que tange à segurança com a Polícia Militar.

Cabe anotar, por derradeiro, a brilhante ilação de Carlos Ari Sundfeld (1999, p. 118) ao aduzir que:

Assim, e em síntese, a relação jurídica de direito público entre o Estado e os particulares é uma relação equilibrada por dois fatores:

a) De um lado, o fator autoridade, que confere prerrogativas ao Estado, entre as quais a de impor, unilateralmente, obrigações aos particulares. Com isto, realiza-se a supremacia do interesse público sobre o privado.

b) De outro lado, o fator limites de autoridade, a saber: a competência (definida pela finalidade a ser atingida pelo ato estatal) e o respeito dos direitos dos particulares. Assim, garante-se a efetiva realização do interesse público (visto a competência não poder ser utilizada senão para o fim previsto pelo Direito), ao mesmo tempo em que se preserva a liberdade.

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Sobre o autor
Gustavo Cabral Vieira

Procurador Federal, lotado na PF/ES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Gustavo Cabral. Limites de atuação da Guarda Municipal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2630, 13 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17395. Acesso em: 5 nov. 2024.

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