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A destruição da penhora pelo Supremo Tribunal Federal

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O Supremo Tribunal Federal, nos RE nº 349703-RS e nº 466343-SP, concluiu pela impossibilidade de prisão civil do infiel depositário de bem penhorado, já que esta sanção deve ser aplicada apenas em face de inadimplemento inescusável (e voluntário) de obrigação alimentícia.

O RE nº 349703-RS vedou a equiparação, pelo Decreto-Lei nº 911/69, do devedor-fiduciante, no contrato da alienação fiduciária de bens móveis, ao infiel depositário (art. 5º, LXVII, da CF/88), obstando, portanto, a sua prisão civil, com escopo no art. 7º, item 7, do Pacto de San José da Costa Rica de 1992.

Na ementa do RE nº 466343-SP, ficou exposto o posicionamento do STF: "É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.".

Tal entendimento foi cristalizado na Súmula Vinculante nº 25, que adotou o mesmo enunciado: "É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.".

O Superior Tribunal de Justiça já havia, antes mesmo da edição desta última, com base na decisão proferida pelo STF no RE nº 466343-SP, também fixado seu entendimento sobre o tema, por meio da sua Súmula nº 419, em março de 2009: "Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel".

Tal jurisprudência é catastrófica, pois quebra o alicerce da prestação jurisdicional, o já combalido processo de execução.

A execução baseia-se na possibilidade de o Estado-Juiz, pelos poderes (por exemplo, o art. 660. CPC) que lhe são conferidos - em caso de recusa, ou inércia, do devedor em satisfazer espontaneamente a sua obrigação (art. 580. CPC) –, invadir o patrimônio do sujeito passivo (art. 591. CPC, responsabilização patrimonial), para assegurar a satisfação da pretensão postulada em juízo.

Esta invasão patrimonial, regra geral, se faz pela penhora (art. 652. CPC), pela qual parte do patrimônio do devedor (art. 659. CPC) é utilizada, por meio de procedimento legal, como garantia para futura satisfação do crédito objeto da execução.

Como afirmado, a penhora obedece a uma forma (art. 664. CPC), e ela só está aperfeiçoada com a "a apreensão e o depósito dos bens" constritos, ou seja, no auto de penhora deverá constar a designação do depositário (art. 665, IV, CPC).

A idéia é simples: quando se realiza uma penhora, sobre o bem constrito recai um gravame criado por ato judicial, razão pela qual deverá ser indicado um depositário responsável pela sua guarda e manutenção. O depositário, na prática, será o próprio devedor, apesar de assim não estabelecer a lei (art. 666, III, CPC), tendo em vista as dificuldades operacionais para remoção e entrega dos bens móveis ao depositário público.

Em caso de descumprimento, pelo depositário, do dever de guarda do bem, o Juiz, poderá decretar a sua prisão civil (art. 666, §3º, CPC). Tal dispositivo se encontrava em perfeita consonância com o art. 5º, LXVII da CF/88.

Na prática, a dinâmica se efetuava da seguinte forma: concomitantemente à penhora (e avaliação, art. 681, CPC), o Oficial de Justiça lavrava um auto de depósito do bem constrito, nomeando geralmente o próprio executado (que, em regra, assumia este encargo, sob pena de remoção do seu bem). Antes da realização de hasta pública (art. 686. CPC), em que se tentaria a alienação judicial deste bem, por ordem do juiz, deveria o oficial de justiça realizar uma nova avaliação e, quando, tal bem se encontrasse perdido, destruído, alienado etc., deveria se lavrar uma certidão. Após requerimento do executado, o fiel depositário era intimado para, em determinado prazo, apresentar o bem penhorado, no estado de conservação descrito no auto de penhora, ou o seu respectivo valor. Não observado este comando judicial, era decretada a prisão civil do então infiel depositário, que, geralmente, cessava com o depósito da coisa ou do valor constante no auto de penhora (valor da avaliação).

Ou seja, a prisão civil também servia como meio dissuatório de tentativa de prática de atos fraudulentos à execução (art. 600, I c/c art. 593, II e III, CPC).

A nova jurisprudência do Supremo Tribunal Federal destruiu toda esta estrutura. Resta a pergunta, para que serve a penhora atualmente?

Deve-se observar que, se sobre o infiel depositário não recai mais a ameaça da prisão civil, ele poderá, portanto, se sentir à vontade para, inclusive, alienar o bem penhorado.

Alguns dirão, então, que, como alternativa, seria possível a declaração de prática de ato atentatório à dignidade da justiça (art. 593. e art. 600, I, do CPC), com aplicação, no máximo, de multa de 20% (art. 601, do CPC).

Ora, se o devedor (que geralmente é o próprio depositário do bem penhorado) não se intimidou com a cobrança da dívida principal, expondo-se à execução, por que se atormentaria com a aplicação de uma pequena sanção pecuniária? De fato, não existe mais nenhuma preocupação para o depositário infiel. A penhora, como meio de garantia do juízo, sem dúvidas descansa em paz.

Uma alternativa, talvez, para compelir o executado a guardar o bem penhorado, seria obrigar o devedor a exibir o bem constrito (art. 358, I, CPC), em determinado prazo, sob pena de prática de crime de desobediência (art. 330. do Código Penal), quando então lavrado termo circunstanciado, aquele seria encaminhado ao juizado criminal, sendo exigido o seu comparecimento (art. 69, da Lei nº 9.099/95). Entretanto, o perecimento da coisa não importaria na prisão do infiel depositário, por força dos mencionados acórdãos do STF.

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Pelo que se observa, o Supremo Tribunal Federal, além de proferir uma decisão absolutamente desconexa com o substrato social brasileiro, em que impera, como notório, uma cultura do inadimplemento (como diz o clássico bordão, "vá buscar seus direitos na Justiça"), não observou que, na prática, destruiu um dos principais instrumentos para constrição do devedor, a penhora, atacando a eficácia da própria prestação jurisdicional.

Além disto, sem dúvidas, restringir a possibilidade da prisão do infiel depositário por aplicação do Pacto de San José da Costa Rica é, no mínimo, uma limitação da nossa Constituição baseada em uma norma infraconstitucional.

O Pacto de San José da Costa Rica ingressou no ordenamento jurídico brasileiro com a edição do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, após sua ratificação pelo Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo nº 27/1992. Portanto, consoante a própria jurisprudência do STF (RE nº 80.004-SE), tal tratado de direito internacional possui força de lei ordinária (somente seria norma constitucional se observado o procedimento previsto no art. 5º, §3º, da CF, inserido pela EC nº 45/2004).

Ora, se o referido tratado tem força de lei ordinária, jamais poderia o Supremo Tribunal Federal utilizá-lo para justificar uma mutação constitucional com a finalidade de simplesmente REVOGAR uma exceção a um direito fundamental expressamente prevista pelo legislador constituinte originário, isto é, não poderia um tratado internacional suprimir a possibilidade de prisão do infiel depositário.

O Supremo Tribunal Federal, com a finalidade de impedir a indevida extensão do conceito de infiel depositário, de fato contido no art. 4º do Decreto-Lei nº 911/69, que trata da alienação fiduciária, evidentemente, disse mais do que devia: "É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.". (RE nº 466343).

A possibilidade de prisão do infiel depositário, quando realizada uma penhora, justifica-se pelo dever de colaboração com o Judiciário (art. 339. CPC) e também pelo fato de que a eficácia da prestação jurisdicional é um fim almejado por todas as partes da relação processual, já que o processo não é um vale-tudo.

A prisão do infiel depositário, que voluntariamente aceitou este dever, além de se submeter ao contraditório (art. 668. CPC), também se dá diante do olhar vigilante do próprio Estado-Juiz (art. 685. CPC), que não decretaria, inegavelmente, de modo irresponsável, a prisão de um indivíduo que estaria regularmente desincumbido do seu dever de guarda da coisa penhorada.

O leitor deste ensaio, por fim, poderia indagar: o autor pretende criar um Estado totalitário para promover a satisfação do credor, talvez até, por absurdo, restaurando o nexum romano?

Sem dúvidas não! Mas é evidente que, a fim de assegurar a possibilidade de satisfação do crédito público, ou de qualquer outro tipo de crédito, faz-se necessário repensar esta posição do Supremo Tribunal Federal.

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Sobre o autor
André Emmanuel Batista Barreto Campello

Procurador da Fazenda Nacional. Exerceu os cargos de Advogado da União, Procurador Federal e Analista Judiciário - Executante de Mandados/TRT 16ª Região e a função de Conciliador Federal - Seção Judiciária do Maranhão. Professor de Direito Tributário da Faculdade São Luís e ex-professor substituto de Direito da UFMA. Especialista em Docência e Pesquisa no Ensino Superior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPELLO, André Emmanuel Batista Barreto. A destruição da penhora pelo Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2632, 15 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17408. Acesso em: 22 dez. 2024.

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